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Acórdão STA de 2011-12-07

0925/10

TribunalSupremo Tribunal Administrativo, 2 Secção
Processo0925/10
Data do Acordão2011-12-07
RelatorCasimiro Gonçalves
DescritoresReclamação de Acto Praticado pelo Órgão da Execução Fiscal, Nulidade de Sentença, Falta de Fundamentação, Oposição entre a Decisão e os Fundamentos, Acto Lesivo, Acto Contenciosamente Recorrível
Nº ConvencionalJSTA00067296
Nº do DocumentoSA2201112070925
Data de Entrada2010-11-25
RecorrenteFazenda Pública
RecorridoA......
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualREC JURISDICIONAL
ObjectoSENT TAF PENAFIEL PER SALTUM
DecisãoProvido
Área TemáticaDir Proc Tribut Cont - Exec Fiscal, Dir Proc Civ
Legislação NacionalCPC96 ART287 E ART668 N1 B C ART731 CPPTRIB99 ART125 ART276 LGT98 ART103 N2 L 41/98 DE 1998/08/04 ART2 N29
Referência a DoutrinaJORGE DE SOUSA CODIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTARIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VI PAG909 E VII PAG647 ALBERTO DOS REIS CODIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VV PAG140 PAG141 ANTUNES VARELA E OUTROS MANUAL DE PROCESSO CIVIL PAG689 PAG690

Sumário

I - A nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto ou de direito, (art. 125º do CPPT e al. b) do n° 1 do art. 668° do CPC), só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos. II - A nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 125º do CPPT e al. c) do n° 1 do art. 668° do CPC), verifica-se quando a fundamentação nela contida conduziria logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto. III - Garantindo a lei (art. 103º da LGT) o direito de reclamação para o juiz de execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária no âmbito do processo de execução fiscal, deve ser reconhecido ao interessado o direito de reclamar de um acto que o lese, independentemente da forma que tal acto revista e tendo ele ou não a configuração ou a designação de «decisão».


Texto Integral

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida no TAF de Penafiel, julgou procedente a reclamação de actos do órgão de execução fiscal deduzida, nos termos dos arts. 276° e ss. do CPPT, por A………, com os demais sinais dos autos, na execução fiscal nº 1848200401024434 e apensos, do Serviço de Finanças de Paredes contra ele instaurada. 1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes: A. A sentença recorrida é nula, nos termos da alínea c) do n° 1 do Art. 668° do CPC, na medida em que a fundamentação nela contida deveria conduzir à extinção da instância, com a absolvição da Fazenda Pública, e a decisão proferida foi de procedência. B. Se não existe a decisão objecto de reclamação, então não existe qualquer acto relativamente ao qual o reclamante mereça tutela jurisdicional e a presente reclamação é desprovida de objecto. C. A impossibilidade da lide por falta de objecto conduz à extinção da instância nos termos do Art. 287°, alínea e) do CPC. D. No processo apenso n° 697/08.3BEPNF-B, instaurado com base em requerimento do comprador, consta despacho judicial, após promoção do Ilustre Magistrado do Ministério Público, que reproduz o conteúdo do ofício anulado, contribuindo para a convicção de que existe uma contradição lógica entre os fundamentos e a decisão em recurso. E. Em alternativa, a entender-se que o ofício anulado materializa uma decisão recorrível, ultrapassando assim a questão prévia, então impõe-se a análise dos argumentos invocados. F. A procedência apenas poderia resultar da fundamentada apreciação daqueles argumentos, que não se verificou. G. A não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão constitui também causa de nulidade da sentença nos termos da alínea b) do n° 1 do Art. 668° do CPC. H. Concomitantemente, pende um pedido de anulação de venda que deve considerar-se causa prejudicial em relação à presente reclamação, uma vez que é necessário conformar a venda efectuada no ordenamento jurídico em momento anterior ao da determinação da entrega do bem vendido. Termina pedindo o provimento do recurso e se declare a nulidade da sentença recorrida. 1.3. O recorrido apresentou contra-alegações, com formulação das Conclusões seguintes, ora submetidas a alíneas: A) Existe preterição de formalidades essenciais que afectam o acto reclamado; B) Formalidades não sanáveis e que geram a nulidade do acto; C) Viola o acto o art. 257° do C.P.P.T; D) A decisão da repartição de finanças de Paredes afecta direitos de defesa do contribuinte e interesses legítimos do executado; E) Existe violação do dever de decisão – art. 56° da Lei Geral Tributária; F) Viola a decisão também os princípios do procedimento tributário, não respeitando as garantias do contribuinte – art. 55° da Lei Geral Tributária. Termina pedindo a confirmação da sentença recorrida e a improcedência do recurso. 1.4. A Mma. Juíza proferiu despacho (fls. 219/220) sustentando que não se verificam as invocadas nulidades da sentença. 1.5. O MP emite Parecer nos termos seguintes: «Na decisão recorrida, a Meritíssima Juiz considerou que “(...) importava identificar a decisão que havia sido reclamada. Seria esse o acto administrativo Tributário de que o autor tinha reclamado. Todavia (...) essa decisão nunca foi proferida” (vide sentença de p. 178 e 179 do apenso I). Em consequência, o Tribunal entendeu que não existiu decisão por parte do Serviço de Finanças e, por isso, não poderia haver reclamação. O M.P. no TAF de Penafiel, também, tinha entendido que não havia acto susceptível de ser impugnado. A Fazenda Nacional, nas suas alegações de recurso, pugna por decisão contrária mas considera que a aceitar-se a tese defendida pelo TAF, a sentença sofria de nulidade face ao disposto no art. 668°, n° l, c) do CPC. Para tanto, defende que o Tribunal ao declarar nula a notificação efectuada através do ofício n° 8201, de 5/11/08, deveria, em consequência, declarar a extinção da instância, nos termos do art. 278° do CPC. Do exposto, sou do parecer, salvo melhor opinião, que nos presentes autos não chegou a existir acto susceptível de impugnação e, por isso, o Tribunal deveria ter declarado a extinção da instância com a consequente absolvição da Fazenda Nacional.» 1.6. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir. FUNDAMENTOS 2. A sentença recorrida é, no que aqui interessa, do teor seguinte: «II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. O tribunal é competente, em razão da nacionalidade, da matéria da hierarquia e do território. O processo não enferma de nulidades. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Questão prévia: Nos termos do artigo 276° do CPPT, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e os interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de 1ª instância. De acordo com o teor do artigo 277°, nº 1 do referido diploma legal, a reclamação será apresentada no prazo de dez dias após a notificação da decisão e indicará expressamente os fundamentos e conclusões. A reclamação é apresentada no órgão de execução fiscal, que, no prazo de 10 dias, poderá, ou não, revogar o acto reclamado - cfr. nº 2 do referido preceito legal. Nos termos do art. 103º da LGT, é garantido aos interessados o direito de reclamação para o Juiz de execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária no âmbito do processo de execução fiscal. De acordo com o teor do artigo 268°, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. Nestes autos de reclamação importava identificar a decisão que havia sido reclamada. Seria esse o acto administrativo tributário de que o autor tinha reclamado. Todavia, resulta do expediente de fls. 59 dos autos, que essa decisão nunca foi proferida. O ofício nº 8201 de 5 de Novembro de 2008 foi elaborado pelo Serviço de Finanças face à inércia do contribuinte em entregar a máquina vendida no processo de execução fiscal nº 1848200401024434 e ap. ao seu adquirente B……… .. Sucede que, nunca chegou a ser proferida a decisão reclamada. Pelo que, não pode ser anulado o que não existe. O reclamante veio reclamar dessa decisão e não do ofício que lhe tinha sido notificado. O referido ofício consubstancia um acto praticado pela administração fiscal que, só podia ter sido expedido no seguimento da respectiva decisão a proferir pelo órgão de execução fiscal. Pelo que, a reclamação terá de ser considerada procedente. Não se registam outras excepções ou questões prévias que cumpra conhecer. Fica prejudicado o conhecimento das demais questões. III - DECISÃO. Atento o exposto e sem necessidade de mais considerações, julgo procedente a presente reclamação, deduzida por A………, com as legais consequências., anulando-se a notificação efectuada através do ofício n° 8201 de 05.11.2008. Custas pela Fazenda Pública. Notifique e registe.» 3.1. Na Petição Inicial da presente reclamação (deduzida nos termos dos arts. 276º e ss. do CPPT) o reclamante alegou, em síntese: - Foi notificado para no prazo de 8 dias a contar da notificação entregar uma máquina calibradora marca (…) adjudicada nos presentes autos de execução fiscal e no dia 20/2/2008, pelas 16,30 horas, entraram nas suas instalações duas pessoas alegando ter ordens da RF de Finanças de Paredes para remover uma máquina, que alegadamente teria sido vendida a um dos presentes, mas nenhum destes se identificou ou era possuidor de qualquer documento comprovativo do alegado. - A máquina em causa encontra-se penhorada à ordem do Proc. nº 2447704.4TBPRD, que corre termos pelo 3° Juízo Cível do Tribunal de Paredes e, além disso, o reclamante tem vindo a efectuar pagamentos em processos de execução fiscal que incluem o processo em que essa máquina foi penhorada, mas não detém qualquer documento que identifique a penhora da referida máquina. - O reclamante jamais foi citado para a execução fiscal, que desconhece qual seja e, por isso, não se considera citado, constituindo tal facto uma nulidade insanável (porque prejudicou a sua defesa), invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso (art. 165°, n° 1, al. a) e n° 2 do CPPT). - O despacho que ordenava a venda por propostas em carta fechada devia ser notificado a, entre outros, ao executado, por carta registada e para a morada do mesmo e na falta de tal notificação preteriu-se formalidade legal, a implicar a anulação dos actos posteriores, incluindo a venda, pois tal omissão é susceptível de ter influência no exame e na decisão da causa, dado que ele executado não compareceu à abertura das propostas e também não teve oportunidade de procurar compradores, pagar a dívida ou remir o bem. - Apresentou requerimento na RF de Paredes, que nada respondeu, considerando-se, entretanto, incompetente e remetendo para o Tribunal o requerimento apresentado. - Pelo TAF de Penafiel foi proferida decisão sobre o pedido de anulação de venda. - Mas de acordo com a sentença de 13/3/2008, o processo remetido pela RF de Paredes ao TAF de Penafiel foi recusado e devolvido por falta de fundamento da RF; no entanto a RF notificou o reclamante de que o Tribunal lhe havia dado razão pelo que o reclamante deveria entregar a máquina. - Porém o certo é que até à presente data a RF de Paredes ainda não se pronunciou sobre o requerimento do reclamante, apesar de a Administração Fiscal não poder decidir não responder e ter que se pronunciar sobre todos os requerimentos apresentados pelos contribuintes. - É do conhecimento da RF de Paredes que correm autos de separação judicial de bens no Tribunal de Paredes, o que suspende todos os processos que correm contra os bens comuns do casal. E em face da alegação destes factos, o reclamante conclui a Petição Inicial formulando as conclusões seguintes: - existe preterição de formalidades essenciais que afectam o acto reclamado; - formalidades não sanáveis e que geram a nulidade do acto; - o acto viola o art. 257° do CPPT; - a decisão da RF de Paredes afecta direitos de defesa do contribuinte e interesses legítimos do executado; - existe violação do dever de decisão – art. 56° da LGT; - viola a decisão também os princípios do procedimento tributário, não respeitando as garantias do contribuinte – art. 5º da LGT; - o processo de separação judicial de bens suspende todos os processos contra os bens comuns do casal. E no final pede que: - seja revogado o acto proferido pela RF de Paredes, por preterição de formalidades legais; - seja anulada a venda, por preterição de formalidades essenciais; - seja atribuído efeito suspensivo à presente reclamação. 3.2. Por sua vez, a sentença, suscitando uma questão prévia, logo conclui, como se viu, que, não tendo sido proferida a decisão reclamada, não pode ser anulado o que não existe. E porque o reclamante veio reclamar dessa decisão e não do ofício que lhe tinha sido notificado, então a reclamação terá de proceder, dado que o ofício notificado consubstancia um acto praticado pela administração fiscal que, só podia ter sido expedido no seguimento da respectiva decisão a proferir pelo órgão de execução fiscal. E, em consequência, julga procedente a reclamação, anulando a notificação efectuada através do dito ofício n° 8201 de 5/11/2008. 3.3. Como resulta das Conclusões das alegações do recurso, a Fazenda Pública sustenta que: - a sentença é nula, por os respectivos fundamentos estarem em oposição com a decisão (al. c) do n° 1 do art. 668° do CPC), na medida em que a fundamentação nela contida deveria conduzir à extinção da instância, com a absolvição da Fazenda Pública, e não à proferida decisão de procedência da reclamação - cfr. Conclusões A e D das alegações. - a sentença é nula, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) do n° 1 do art. 668° do CPC) - cfr. Conclusão G das alegações. - a entender-se que não existe a decisão objecto de reclamação, então a reclamação é desprovida de objecto e ocorre impossibilidade da lide, por falta de objecto, que conduz à extinção da instância nos termos do art. 287°, al. e) do CPC - cfr. Conclusões B e C das alegações. - em alternativa, se se entender que o ofício anulado materializa uma decisão recorrível, ultrapassando-se assim a questão prévia suscitada na sentença, então impõe-se a apreciação dos fundamentos invocados na reclamação, o que não se verificou – cfr. Conclusões E e F das alegações. - pende um pedido de anulação de venda que deve considerar-se causa prejudicial em relação à presente reclamação, uma vez que é necessário conformar a venda efectuada no ordenamento jurídico em momento anterior ao da determinação da entrega do bem vendido - cfr. Conclusão H das alegações. 3.4. As questões a resolver são, portanto, as de saber se se verificam as aludidas nulidades da sentença e os demais erros de julgamento que também lhe são imputados. Vejamos. 4.1. Comecemos pela nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) do n° 1 do art. 668° do CPC), já que, numa ordem de precedência lógica, se se concluir pela ocorrência daquela, não fará sentido apreciar a nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão: é que, se não existirem fundamentos, não se vê como possa ocorrer a invocada contradição entre entes e a decisão. Ora, é sabido e é jurisprudência assente que esta só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cfr. arts. 125º do CPPT e 668º, nº 1, al. b) do CPC). A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140. Porém, apesar de, como refere Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado e comentado, 5ª ed., Vol. I, pág. 909, deverem «considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação», já que esta se destina «a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão», e, por isso, «quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação», no caso, não é isso que se verifica. Com efeito, atentando na decisão recorrida, constata-se que nela se identifica a questão prévia (oficiosamente suscitada pelo Tribunal) cuja procedência veio a ditar a procedência da própria reclamação, identificando-se, igualmente, as normas legais em que a decisão se baseia, sendo objectivas e suficientes as razões indicadas para a aí declarada procedência da reclamação: - que importava que o SF identificasse a decisão que havia sido reclamada, por ser esse o acto administrativo tributário de que o autor tinha reclamado; - que resulta do expediente de fls. 59 dos autos, que essa decisão nunca foi proferida, pois que o ofício nº 8201 de 5/11/2008 foi elaborado pelo Serviço de Finanças face à inércia do contribuinte em entregar a máquina vendida no processo de execução fiscal nº 1848200401024434 e ap. ao seu adquirente B………; - que nunca chegou a ser proferida a decisão reclamada, pelo que não pode ser anulado o que não existe, sendo que o reclamante veio reclamar dessa decisão e não do ofício que lhe tinha sido notificado. E embora a decisão recorrida não contenha qualquer probatório formalmente autonomizado em ordem à apreciação da questão prévia apreciada e cuja procedência veio a ditar a procedência da própria reclamação, a factualidade que suporta a decisão está, no entanto, especificada no decurso da própria fundamentação. Improcede, assim, a invocada nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (art. 125º do CPPT e al. b) do n° 1 do art. 668° do CPC). 4.2. Quanto à nulidade por os respectivos fundamentos estarem em oposição com a decisão (al. c) do n° 1 do art. 668° do CPC), na medida em que a fundamentação nela contida deveria conduzir à extinção da instância, com a absolvição da Fazenda Pública, e não à proferida decisão de procedência da reclamação. 4.2.1. Esta causa de nulidade da sentença verifica-se quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto. Trata-se, portanto, de vício (vício real no raciocínio do julgador) que afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas de facto e de direito e a respectiva conclusão (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, pág. 141 e Antunes Varela, José Manuel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, pp. 689/690). Ora, no caso dos autos, a sentença, iniciando o respectivo Relatório com a indicação de que o reclamante vem deduzir esta reclamação, nos termos dos arts. 276º e ss. do CPPT, contra a decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Paredes no âmbito do processo de execução fiscal nº 1848-2004/01024434, notificada pelo ofício nº 8201 de 5 de Novembro de 2008, logo suscita uma questão prévia (da falta de indicação - crê-se que por parte do SF - da decisão que foi reclamada, pois que seria esse o acto administrativo tributário de que o autor tinha reclamado). E conhecendo em seguida dessa questão prévia, a sentença considera que, uma vez que resulta do expediente de fls. 59 dos autos, que a decisão reclamada nunca foi proferida, então não pode ser anulado o que não existe, já que é dessa decisão (inexistente) que o reclamante veio reclamar e não do ofício que lhe tinha sido notificado (o qual consubstancia um acto praticado pela administração fiscal que, só podia ter sido expedido no seguimento da respectiva decisão a proferir pelo órgão de execução fiscal). Concluindo, que a reclamação terá de ser considerada procedente e assim o decidindo. 4.2.2. Ora, independentemente da questão de saber se foi, ou não, praticado pelo órgão da execução fiscal o acto reclamado (que o reclamante identificou como sendo a «decisão proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Paredes no âmbito do processo de execução fiscal nº 1848-2004/01024434, notificada pelo ofício nº 8201 de 5 de Novembro de 2008»), isto é, independentemente da questão de saber se o próprio ofício que contém a notificação consubstancia também o próprio acto reclamado, o que é verdade é que, tendo a sentença concluído que tal acto não foi praticado, não podia, em termos de processo lógico, julgar procedente a reclamação e anular, afinal, «a notificação efectuada através do ofício n° 8201 de 05.11.2008». Como alegam a recorrente e o MP, se se conclui que não existe a decisão objecto de reclamação, então não existe qualquer acto relativamente ao qual o reclamante mereça tutela jurisdicional e a reclamação é desprovida de objecto, a clamar por indeferimento liminar da respectiva Petição Inicial ou, posteriormente, absolvição da respectiva instância. E nem se diga (cfr. Conclusão C das alegações de recurso) que ocorre impossibilidade da lide por falta de objecto, geradora de extinção da instância nos termos da al. e) do art. 287° do CPC: é que tal impossibilidade teria que ser superveniente e, no caso, não ocorreu, supervenientemente, facto (posterior à apresentação da reclamação) que seja susceptível de originar tal impossibilidade. Em suma, porque os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam, em termos lógicos, não ao resultado expresso na decisão (procedência da reclamação com anulação da identificada notificação), mas a resultado oposto (absolvição da instância), a sentença enferma da nulidade que vem arguida (oposição entre os fundamentos e a decisão - art. 125º do CPPT e al. c) do n° 1 do art. 668° do CPC). 5. Em face da procedência desta nulidade, importa, então, atentar no disposto no nº 1 do art. 731º do CPC: no caso de ser julgada procedente, entre outras, a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art. 668º do mesmo Código, o Supremo suprirá a nulidade, declarará em que sentido a decisão deve considerar-se alterada e conhecerá dos outros fundamentos do recurso. Ora, nas Conclusões E e F a recorrente alega que, a entender-se que o ofício anulado materializa uma decisão recorrível, ultrapassando assim a questão prévia, então impõe-se a análise dos argumentos invocados, sendo que a procedência apenas poderia resultar da fundamentada apreciação daqueles argumentos, que não se verificou. Vejamos pois. No caso, importará apreciar, antes de mais, também a questão vertida na «questão prévia» suscitada na sentença, ou seja, apreciar se a presente reclamação carece, ou não, de objecto. E, fazendo-o, diremos que não é de aceitar a fundamentação da sentença recorrida. Com efeito, como salienta o Cons. Jorge de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, vol. I, 5ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, pp. 647 e ss., anotação 4 ao art. 276º), apesar de o texto do art. 276° do CPPT referir «decisões» do órgão da execução fiscal e outros órgãos da administração tributária como possíveis objectos de reclamação, o nº 2 do art. 103° da LGT faz referência a «actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária» e a Lei n° 41/98, de 4/8 (que autorizou o Governo a aprovar a LGT), reconhece um «direito dos particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo» [al. 29) do art. 2° daquela Lei]. «Por isso, em face da supremacia da LGT, reconhecida no art. 1° deste Código, e da necessidade de conformação dos preceitos daquela com a lei de autorização legislativa que é condição da sua constitucionalidade orgânica, em matérias que têm a ver com as garantias dos contribuintes [arts. 103°, n° 2, e 165°, n° 1, alínea i), da CRP], deve ser reconhecido o direito global de os interessados reclamarem para o juiz de todos os actos que os lesem, tenham ou não a configuração ou a designação de «decisões». Na mesma linha, os arts. 95°, n° 2, alínea j), e 101°, alínea d), da LGT, nas redacções iniciais, confirmam que é assegurado o direito de recurso de actos praticados na execução fiscal e não apenas daqueles que mereçam a qualificação de «decisões». Aliás, o próprio CPPT refere entre os meios contenciosos o «recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal» [art. 97°, n° 1, alínea n), e no art. 278°, n° 3, vem confirmar a correcção desta interpretação, ao prever que sejam objecto de reclamação actos que não configuram ou são independentes de qualquer decisão em sentido formal, mas são meros actos de execução que afectam os direitos do interessado, designadamente actos que concretizam a penhora («inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada»). O ETAF de 2002 fornece uma nova confirmação desta interpretação, ao estabelecer a competência dos tribunais tributários para o conhecimento de acções de impugnação «dos actos praticados pela entidade competente nos processos de execução fiscal» e para a «impugnação de actos lesivos... nos processos de execução fiscal» [art. 49°, n° 1, alínea a), subalínea iii) e alínea d)], não limitando a impugnabilidade a «decisões». Assim, tem de concluir-se que é reconhecido um direito global de os particulares solicitarem a «intervenção do juiz no processo», através da reclamação prevista no art. 276° do CPPT, relativamente a quaisquer actos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária que tenham potencialidade lesiva.» Ora, além de aceitarmos esta interpretação, também consideramos que, no caso, o ofício n° 8201, de 05/11/2008, contém o próprio acto reclamado e que este, apesar de não ter sido objecto de despacho proferido autonomamente, está materializado no ofício que o pretende levar ao conhecimento do interessado, até porque tal ofício está assinado por quem tem competência para proferir o despacho. Trata-se, portanto de um acto praticado no processo de execução que pode ser objecto de reclamação ao abrigo do disposto no art. 276º do CPPT, nos preditos termos. E, assim sendo, impor-se-ia, então, ainda à luz do disposto no citado nº 1 do art. 731º do CPC, apreciar, se a tanto nada mais obstar, os demais fundamentos suscitados no recurso, nomeadamente apreciar, se nada a isso obstar, as questões invocadas pelo recorrente na Petição Inicial da reclamação, cujo conhecimento a sentença recorrida julgou prejudicado em face da procedência da questão prévia. Porém, sendo a sentença omissa quanto à factualidade pertinente (dado que especifica apenas – nos termos acima indicados - a factualidade que entendeu suficiente para a apreciação da questão prévia), há que ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para que, se a tanto nada mais obstar, seja fixada a matéria de facto pertinente e conhecidas as questões suscitadas na reclamação. DECISÃO Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal «a quo» para, se nada mais obstar, fixação da matéria de facto pertinente e conhecimento das questões suscitadas na reclamação. Custas pelo recorrido, por ter contra-alegado. Lisboa, 7 de Dezembro de 2011. - Casimiro Gonçalves (relator) - Ascensão Lopes - Pedro Delgado.

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