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Acórdão STJ de 2014-11-27

16/13.7YREVR.E1.S1

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo16/13.7YREVR.E1.S1
Nº Convencional5.ª SECÇÃO
RelatorHelena Moniz
DescritoresExtradição, Prova Testemunhal, Omissão de Pronúncia, Omissão de Diligências Essenciais, Nulidade, Sanação, Requisitos da Sentença, Conhecimento Oficioso, Recusa Facultativa de Execução, Recusa Obrigatória de Execução, Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Princípio da Proporcionalidade, Princípio da Necessidade, Fundamentação
Data do Acordão2014-11-27
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualRECURSO PENAL
DecisãoDeclarado Nulo o Acórdão Recorrido
DoutrinaHenriques Gaspar, art. 120.º (6), Código de Processo Penal — Comentado, org. Henriques Gaspar e outros, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 401 Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem — anotada, Coimbra: Coimbra Editora, 20104
Jurisprudência NacionalACÓRDÃO DO STJ, DE 31.03.2011, PROC. N.º 257/10.9YRCBR.S1, RELATOR SANTOS CABRAL — HTTP://WWW.DGSI.PT

Sumário

I - Não tendo sido realizadas as diligências requeridas, nem tendo o juiz relator se pronunciado sobre a sua necessidade (ou não), poderemos dizer que estamos perante um caso em que verificou uma omissão de diligências que se poderão entender como essenciais para o apuramento da verdade, maxime no que respeita aos factos invocados pela extraditanda. II - A decisão recorrida ao não emitir qualquer pronúncia sobre os factos alegados pela requerente, é nula, por força do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP (ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99), nulidade esta do conhecimento oficioso, nos termos do art. 379.º, n.º 2, do CPP, e estando o tribunal de recurso impossibilitado de a suprir, nos termos do art 414.º, n.º 4, do CPP (dado que não constam do processo elementos que nos possam provar (ou não) aqueles factos invocados pela extraditanda). III -Poder-se-ia dizer que o invocado não constitui material essencial para que se possa recusar o pedido de extradição formulado. Ainda que considerássemos que nenhum dos requisitos que permitem a recusa de extradição, previstos nos arts. 6.º a 8.º e 32.º, da Lei 144/99, se encontram preenchidos, ainda assim aquele pedido pode ser recusado ao abrigo do disposto no art. 18.º, n.º 1, da mesma Lei. IV - E além disso, torna-se ainda necessário verificar se a extradição da recorrente não constituirá uma violação, nomeadamente, do direito a uma vida familiar, consagrado no art. 8.º da CEDH, dado que “a expulsão de uma pessoa de um país onde vive a sua família próxima pode colocar problemas em relação ao disposto [naquele] artigo”, e ainda porque “a expulsão de um estrangeiro para um país onde não tem ligações só pode ser admitida em circunstâncias excepcionais”. Até porque a ingerência das autoridades no direito previsto no n.º 1, do art. 8.º, da CEDH, deve ser proporcional ao fim visado, “deve estar justificada por uma necessidade social imperiosa, proporcional ao fim perseguido”, proporcionalidade esta que se estende aos casos de extradição. V - Ora, no caso em apreço constatamos que o pedido de extradição se baseia numa acusação pela prática de crimes previstos nos arts. 332.º e 358.º do CP Ucraniano. Sem curar de saber sobre a coincidência entre estes normativos e o art. 249.º do CP, relativo a subtração de menor, e o art. 256.º do CP (onde se encontra a punição pelo crime de uso de documento falsificado), certo é que as penas aplicáveis oscilam entre 2 e 5 anos (art. 332.º, n.º 1, do CP Ucraniano), e detenção até 6 meses ou pena privativa da liberdade até 2 anos (quanto ao uso de documento falso, art. 358.º, n.º 2, do CP Ucraniano), respetivamente. Dado que “a decisão de extradição não se configura, não se deve configurar, como um procedimento quase automático, assente numa repetição de estereótipos, mas sim uma cuidada equação das circunstâncias do caso vertente” (Ac. STJ, de 31-03-2011), e face ao disposto no art. 10.º, da Lei 144/99, entendemos que o tribunal deveria apresentar fundamentação justificativa da necessidade e proporcionalidade da extradição em atenção aos factos praticados, a partir do que as autoridades ucranianas comunicaram às autoridades portuguesas. VII - Tudo a exigir da decisão recorrida não só uma apresentação tão exaustiva quanto possível dos factos provados e não provados, como a exigir um exame crítico das provas que sirvam de base à decisão e uma fundamentação clara dos motivos de direito que alicerçam a concessão (ou não) de extradição, tendo em conta o disposto nos arts. 10.º e 18.º da Lei 144/99, e ainda o disposto no art. 8.º da CEDH.


Texto Integral

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1. Na sequência do despacho de deferimento proferido pela Senhora Ministra da Justiça no dia 08 de Janeiro de 2014, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 48.º da Lei 144/99, de 31 de Agosto (vide pág. 113), o Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Évora, promoveu o cumprimento do pedido de extradição da cidadã de nacionalidade ... AA, melhor identificada nos autos, com base nos seguintes fundamentos (vide págs.. 109 a 112): «1.º Ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição (Paris, 1957), a República da ...solicitou ao Estado português a extradição da sua nacional acima identificada, para efeitos de procedimento criminal. 2.º Com efeito, como resulta do pedido formal de extradição que se junta, e da sua documentação anexa, a cidadã em causa foi acusada, no âmbito do processo n.º 4-347/11, do Tribunal Distrital de..., pela prática de factos puníveis como crime de transporte ilegal de pessoas e crime de uso de documentos falsificados, p. e p. pelos artigos 332.º e 358.º do Código Penal da ..., com penas de 2 a 5 anos e de 6 meses a 2 anos, respectivamente.                                                                               3.º Tendo sido emitidos mandados de captura para difusão internacional, a fim de a extraditanda vir a ser colocada em prisão preventiva à ordem dos referidos autos, para neles ser julgada pela prática daqueles crimes.                                                                               4.º O pedido formal de extradição foi devidamente apresentado às autoridades portuguesas, tendo sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça, por despacho datado de 08 de Janeiro de 2014, considerado admissível o seu prosseguimento.                                                                               5.º Os factos imputados pelas autoridades judiciárias ... à extraditanda encontram correspondência, na lei penal portuguesa, no disposto nos artigos 249.º e 256.º, ambos do Código Penal.                                                                               6.º Não se encontrando extintos nem o procedimento criminal nem a pena, por prescrição, amnistia ou perdão, quer nos termos da legislação portuguesa quer nos termos da legislação ....                                                                               7.º A extraditanda encontra-se em liberdade, à ordem dos presentes autos, conforme despacho datado de 04 de abril de 2013 (a fls. 65), sujeita à medida de coacção de obrigação de apresentação periódica (semanal) no posto policial da área da sua residência. 8.º Não se encontra actualmente pendente perante os tribunais portugueses qualquer processo criminal contra a extraditanda, por outros ou pelos mesmos factos que fundamentam o presente pedido de extradição.                                                                               9.º O pedido formal de extradição apresentado às autoridades portuguesas pelas autoridades ... satisfaz os requisitos do artigo 2º da Convenção Europeia de Extradição, e do artigo 31º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto. 10.º Nada de formal ou de substancial obsta, pois, à extradição para a República da ... da sua cidadã AA. 11.º Este Tribunal da Relação é o competente para a decretar, nos termos do artigo 49º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto.» 2. AA, teve autorização de residência para exercício de atividade profissional (cf. fls. 208), ao abrigo do art. 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04.07; apresentou pedido de proteção internacional, ao abrigo da Lei n.º 27/2008, de 30.06, a 16.06.2014 (cf. fls. 259), e na sequência, foi-lhe concedida  autorização de permanência no território nacional, enquanto o pedido estiver pendente (cf. fls. 259 e 315). Em consequência requereu a suspensão do pedido de extradição (fls. 231). 3. Ao abrigo do disposto no n.º 1, do art. 54.º, da Lei 144/99, de 31 de Agosto, procedeu-se à audição da extraditanda que, para além de não ter abdicado da regra da especialidade, veio a declarar que não consente na sua extradição por a Ucrânia se encontrar em guerra e por ter sido alvo de violência doméstica por parte do seu ex-marido, receando a continuação da mesma caso regresse (vide págs. 234 e 235). 4. Notificada de harmonia com o disposto no n.º 2, do art. 55.º, da Lei 144/99, de 31 de Agosto, a extraditanda veio a deduzir oposição ao pedido de extradição, em virtude de considerar, muito em síntese, que: - o pedido de extradição foi formulado por ter sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva, em consequência de se ter ausentado do país com o seu filho e com uma autorização de saída falsificada, medida esta que entende como excessiva, e apenas aplicada para que pudesse constar da lista e pessoas procuradas internacionalmente; - porém, entende que saiu da ... com o filho (e sem autorização) para fugir à “violência e coação psicológica do seu ex-marido”, pois “na ... sempre foi vítima de agressões e violência por parte do seu ex-marido na qual tem a certeza de que se para lá voltar terá uma vida miserável, se conseguir sobreviver”; - o filho atualmente já está na ..., pois o pai “veio a Portugal buscá‑lo”; - não tem outros familiares na ..., pelo que a sua extradição a afastaria da família que tem em Portugal, e voltando tem “grave receio de ser perseguida e maltratada pelo seu ex-marido” - entende que os ilícitos praticados são de menor gravidade, e não fugiu para impedir a investigação; - o pedido de cooperação não satisfaz as exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nem os direitos, as liberdades e as garantias consagrados pela Constituição da República Portuguesa; pelo que deve vir a ser recusado, de acordo com o disposto na al. a) do art. 6.º do citado diploma legal (vide págs. 242 a 247). Indicou como prova testemunhal, 2 testemunhas — BB e CC —, ambas a residir em Albufeira. 5. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da oposição deduzida ser julgada improcedente e de ser concedido provimento ao pedido de extradição da requerida para a República da ... (vide págs. 251 a 257), porquanto: «1. Ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição (Paris, 1957), a Repú­blica da ... solicita ao Estado português a extradição da sua nacional AA, nos autos melhor identificada, para efeitos de procedimento criminal.                 2. Com efeito, como resulta do pedido formal de extradição apresentado em juízo, e da sua documentação anexa, a cidadã em causa foi acusada, no âmbito do processo n.º 4-347/11, do tribunal distrital de ..., da prática de fac­tos puníveis como crime de transporte ilegal de pessoas e crime de uso de docu­mentos falsificados, p. e p. pelos artigos 332.º e 358.º, do Código Penal ucraniano, com penas de prisão de 2 a 5 anos e de 6 meses a 2 anos, respetivamente. 3. Tendo sido emitidos os pertinentes mandados de captura para difusão internacional, a fim de a extraditando vir a ser colocada em prisão preventiva à ordem dos referidos autos, para neles ser julgada pela prática daqueles crimes. 4. O pedido formal de extradição foi devidamente apresentado às auto­ridades portuguesas, tendo Sua Excelência a Senhora Ministra da justiça, por des­pacho datado de 8 de janeiro de 2014, considerado admissível o seu prosseguimen­to. 5. Os factos imputados pelas autoridades judiciárias ... à extraditanda e por cuja prática se acha acusada encontram correspondência, na lei penal portuguesa, no disposto nos artigos 249.º e 256.º, ambos do Código Penal, 6. Não se encontrando extintos nem o procedimento criminal nem a pena, por prescrição, amnistia ou perdão, quer nos termos da legislação portuguesa quer nos termos da legislação .... 7. A extraditanda encontra-se em liberdade, à ordem dos presentes autos, conforme despacho datado de 4 de abril de 2013, sujeita à medida de coação de obrigação de apresentação periódica (semanal) no posto policial da área da sua re­sidência.                 8. Não se encontra atualmente pendente perante os tribunais portugueses qualquer processo criminal contra a extraditanda, por outros ou pelos mesmos fac­tos que fundamentam o pedido de extradição. 9. O pedido formal de extradição, apresentado às autoridades portuguesas pelas autoridades ...s, satisfaz os requisitos do artigo 2.º da Convenção Eu­ropeia de Extradição e do artigo 31.º da lei n.º 144/99, de 31 de agosto, 10. Pelo que nada, de formal ou de substancial, obsta à extradição para a República da ... da sua nacional AA. *** Vem agora a extraditanda deduzir oposição ao pedido de extradição, con­vocando argumentos de ordem diversa, conducentes, na sua perspetiva, ao indefe­rimento da pretensão formulada. Vejamos. 11. De harmonia com o estatuído no artigo 559, n.º 2, da lei n.º 144/99, a oposição ao pedido de extradição só pode fundar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição. Inequívoca e indiscutivelmente, AA é a pessoa cuja entrega é reclamada nestes autos. 12. De outro lado, os casos em que é excluída a extradição estão taxativa­mente elencados nos artigos 6.º a 8.º e 32.º da lei n.º 144/99, sendo certo que ne­nhum deles, a nosso ver, se verifica. Com efeito, o pedido respeita os requisitos gerais da cooperação interna­cional (artigo 6.º), a natureza dos crimes por cuja prática é reclamada a entrega da extraditanda não constitui fundamento de recusa (artigo 7.º), não opera, no caso, nenhuma causa de extinção do procedimento (artigo 8.º), como adiante se verá, e não ocorre nenhuma situação que exclua a extradição (artigo 32.º). 13. A invocação (por apelo à causa de recusa facultativa a que alude o n.2 2 do artigo 182 da lei n.-2 144/99), pela extraditanda, da sua «desagregação» familiar e económica com a entrega ao Estado requerente não constitui obstáculo ao defe­rimento do pedido de extradição. Na verdade - pese embora a sua entrega ao Estado requerente lhe imponha sacrifícios nesse particular domínio, eles são inerentes e denominador comum a to­dos quantos, fugindo à ação da justiça e procurando reconstruir/reconstituir a sua vida num outro país, escapam ou tentam furtar-se à assunção das suas responsabi­lidades criminais no país de origem -, tal facto não tem a dimensão bastante para que possa ser subtraída à ação punitiva do Estado requerente, é a exigência e a consequência normal do exercício do í us puniendi E nem releva, nesse particular domínio, o alegado no artigo 29.º da oposi­ção. Na verdade, não só não está pendente junto das autoridades portuguesas para tanto competentes nenhum processo para concessão de asilo ou proteção subsidiá­ria, como se nos afigura duvidoso, face ao que dispõe o artigo 9.º da lei n.º 27/2008, de 30 de junho, que um desses benefícios possa vir a ser concedido à extraditanda - cfn, os n.ºs 1, alínea c), ii), e 3 daquele preceito. 14. Nos artigos 1.º a 9.º e 19.º a 21.º da oposição a extraditanda procura, de­balde, demonstrar que os crimes por cuja prática se acha acusada no Estado requerente, e que fundamentam o pedido de extradição, se baseiam em factos de débil sustentação e em prova testemunhal vaga. Porém, parece esquecer a extraditanda que o processo de extradição não visa o julgamento dos factos que fundamentam o respetivo pedido, mas apenas apurar e garantir que se mostram reunidas as condições e observância do respeito pela dignidade da pessoa humana, próprias de um Estado de Direito, por forma a que (a extraditanda, no caso) tenha, no Estado que a reclama, um processo e julga­mento justos. Ora, no indicado petitório, a oposição da extraditanda é, na sua essência, uma contestação dos próprios factos que lhe são imputados e fundamentam o pe­dido. Sucede que essa sindicância probatória está expressamente vedada pela lei — artigo 46.º, n.º 3, da lei n.º 144/99, de 31 de agosto —, pois que a que haverá que ser produzida à luz do n.º 1 do artigo 55.º daquela mesma lei confina-se à prova dos factos que sejam suscetíveis de integrar os fundamentos dos casos em que a oposição poderá ser procedente. 15. Nos artigos 10.º a 18.º da oposição procura a extraditanda sustentar que o procedimento criminal pelo crime de falsificação de documentos de que está acu­sada no Estado reclamante está prescrito. Os factos que tal crime integram foram cometidos, indiciariamente, em 14 de agosto de 2010. É verdade que o crime em questão, p. e p. pelo artigo 358.º, n.º 3, do Código Penal ucraniano, é punível com pena de multa ou detenção até 6 meses ou de privação de liberdade até 2 anos, correspondendo-lhe um prazo de prescrição do pro­cedimento criminal de 3 anos, de harmonia com o preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 49º daquele mesmo código. Mas, como decorre do n.º 2 do mesmo preceito, o curso do prazo de pres­crição encontra-se suspenso, visto a extraditanda se encontrar em "fuga, assim im­pedindo a investigação e o julgamento." Logo, à luz da lei do Estado requerente, o procedimento criminal pelo crime em questão não se acha prescrito. Os actos que integram aquele crime, à luz da lei penal ..., integram, em face do Código Penal português, o crime do artigo 256.º, n.ºs 1 e 3, por estar em causa documento reconhecido notarialmente, o qual é punível com pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou multa, ou, in mellius, o crime do artigo 256.º, n.º 1, do mes­mo código, punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. Seja um ou outro, a prescrição, em face da lei penal portuguesa ainda não operou o efeito extintivo do procedimento criminal, vista a data da prática dos fac­tos - 14.8.2010 - e o estatuído nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 1189- do Código Penal português. Assim, e também perante a lei penal portuguesa, o procedimento criminal não se mostra extinto, por efeito da prescrição. 16. Acena a extraditanda, ainda, em abono da prolação de decisão que re­cuse a extradição, com as fragilidades do sistema prisional ucraniano e a instabili­dade do país, tudo redundando no que alega constituir quebra dos direitos humanos. Trata-se, no que tange às ditas fragilidades, de argumentação que assenta em considerações genéricas, não fundamentados e, por isso, meramente conclusi­vas, que carecem de demonstração, não tendo sido oferecida ou produzida qual­quer prova que tal sustente, o que concorre para a rejeição de semelhante argu­mentação. Por seu turno, o receio pela escalada de insegurança que atualmente se vi­ve na ..., onde, a nosso ver, todos são, a um tempo, santos e pecadores, não é exclusivo da extraditanda, mas de todos os cidadãos europeus. Mas essa é questão que extravasa, e em muito, o apertado objeto destes autos e lhe é processualmente alheia. Nos termos expostos, deve a oposição deduzida pela extraditanda AA ser julgada improcedente, pela falência dos factos e argu­mentos apresentados e, a final, ser proferida decisão que defira a requerida extradição para a República da Ucrânia, como peticionado.» 6. Por acórdão de 30 de Setembro de 2014, o Tribunal da Relação de Évora decidiu conceder a extradição para a República da .. da requerida AA, cidadã de nacionalidade ..., para efeito de procedimento criminal, pelos factos por que foi deduzida acusação no Proc. n.º 4-347/11, que corre termos no Tribunal Distrital de ..., relativo à prática de factos integradores de um crime de transporte ilegal de pessoas, p. e p. pelo art. 332.° do CP da ..., e de um crime de uso de documentos falsificados, p. e p. pelo artigo 358.º do CP da Ucrânia, no qual se encontra decretada a prisão preventiva da requerida (vide págs. 276 a 289). 7. Inconformada com o acórdão proferido, a extraditanda AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que rematou com apresentação das seguintes conclusões (vide págs. 306 a 314): «a) A República da ... solicitou ao estado Português a extradição da sua nacional AA, para efeitos de procedimento Criminal. b) Vem a mesma indiciada da prática de factos que integram um crime de transporte ilegal de pessoas e um crime de uso de documentos falsificados nos termos do código Penal da ... e que obtêm correspondência com a legislação portuguesa nos crimes de subtracção de menor e no crime de falsificação. c) Não se concorda com o douto acórdão recorrido porquanto, em primeiro lugar parece ter sido desvalorizado a alegação em sede de oposição de AA, onde a mesma refere que, na decisão que solicita a sua extradição podemos confirmar pela parte onde refere que "o tribunal só decidiu aplicar esta medida de coação que até pode ser desproporcionada”, apenas porque AA se encontrava ausente do pais e esta seria a única forma de colocarem a arguida na lista de pessoas procuradas internacionalmente. d) podemos verificar que a ... poderá apesar de considerar que ê desproporcional a medida de coação aplicada , mas ainda assim aplica, infringindo assim a sua própria lei. e) O que nos permite concluir que se a ... não respeita a própria lei muito menos irá, de acordo com o razoável proteger os cidadãos de quaisquer maus-tratos do seu ex-marido ou de quem quer que seja, contrariamente ao que refere o douto acórdão. f} E segundo lugar parece que está em causa uma questão relacionada com a violação dos direitos do Homem e por isso, g) não concorda a ora recorrente com a argumentação aposta no douto acórdão, designadamente quando refere "… estrangeiros que se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que ai se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave, ainda que venha a proceder e, lhe seja concedida a requerida autorização de residência, não impede de forma alguma a eventual procedência do pedido de extradição deduzido pela Republica da Ucrânia … " pois que, h) Esta claramente a ser violado um dos requisitos negativos constantes do DL 144/99 de 31 de Agosto art. 6.° a) que é precisamente o facto de o processo de extradição não satisfazer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. i) Visando acima de tudo que sejam respeitadas não só as exigências e pressupostos para a extradição bem como, se decorrente desta iram previsivelmente ser violados os direitos liberdades e garantias dos cidadãos neste caso da cidadã .... j) A recorrente receia porque tem a certeza de que quando regressar à ... irá estar novamente sob a influência e controle de seu ex-marido bem como de novo voltar a ser maltratada, receando deste modo pela sua vida e integridade física e psicológica. k) Em Portugal tem vindo a receber ameaças de morte via telefone do seu ex-marido, principalmente no período em que seu filho estava com sua mãe. I) Além do mais, a AA vive em Portugal desde 2010, e encontra-se acompanhada de toda a sua família designadamente, sua mãe, irmã, cunhados, sobrinhos que aqui vivem e trabalham há já alguns anos e que entretanto adquiriram nacionalidades Portuguesa. m) Desde que chegou a Portugal a recorrente exerceu sempre uma actividade profissional regular, como empregada de balcão, pagando desde então os impostos fazendo IRS e pagando a segurança Social. n) Por outro lado, na ... tem apenas o seu filho que vive com o seu pai. O) Não tem mais familiares na ..., nem bens, nem perspectivas de emprego, ainda mais com a situação política e económica instável em que a ... se encontra. Por isso, p) referiu que deu entrada junto do Sef de pedido de Asilo e no qual neste momento já obteve título de residência provisório, conforme documento que se junta doc. 1. Nunca teria tido necessidade de Asilo se não tivesse realmente sido maltratada e não estivessem aqui os seus direitos de segurança e integridade física a serem violados. q} A extradição da requerida implicaria, forçosamente, a total desagregação da família, com grave prejuízo para si e, consequentemente, a sua família. r) Lago a Extradição da Ora requerida acarretaria desta forma, a violação de direitos constitucionalmente consagrados corno seja o direito à família plasmado no art. 67.º da CRP. s) O que está aqui em causa é o Principio da Dignidade da Pessoa Humana, nas suas várias vertentes, o qual reclama, nesta situação em concreto. a necessidade de aplicar a. denegação facultativa da cooperação internacional. t) Aliás é corrente saber-se que o sistema ucraniano tem muitas fragilidades, fragilidades essas que inclusivamente os ministros ... enunciam e referem constantemente que as condições de reclusão são duvidosas e que a requerida ficaria, sujeita, já agora coma aplicação da medida de coação de prisão preventiva, atentas as agressões recorrentes de que são vítimas as reclusas naquele país, o que é facto público e notório num pais que vive um clima de instabilidade extrema e que até a Onu refere na comunicação social que na ... os direitos humanos cada vez mais estão em decadência. u) refere ainda o douto acórdão recorrido que "não consta que este país integre de alguma forma a lista dos países que de forma sistemática viole os direitos humanos, como aliás resulta dos recentes acordos firmados por este país com a comunidade Europeia.", não parece lógica esta afirmação uma vez que todos os acordos firmados entre ambos os países todos eles são anteriores à situação actual de conflito armado em parte do território do estado requerente, v) Nestes termos, considera a recorrente estar em risco a sua integridade física e psicológica bem como estar a ser-lhe negado o direito à segurança e à família nos termos da CRP estando a ser violados os seus artigos 63.º, 25.° e 27.º, tal como o douto acórdão violado artigo 6.° a) da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto.» 8. O Senhor Procurador-Geral Adjunto do Tribunal da Relação de Évora respondeu ao recurso interposto, vindo a finalizar a resposta apresentada com a formulação das seguintes conclusões (vide págs. 323 a 335): “1.ª - Não havendo a recorrente observado as exigências prescritas no artigo 412°, n.º 1, do CPP, deve à mesma ser endereçado convite para moldar as conclusões da motivação do recurso ao determinado normativamente - idem, artigo 417°, n.º 3 , sob pena de rejeição. 2.ª - Não vindo o recurso a ser rejeitado, deve o mesmo ser julgado manifestamente improcedente - CPP, artigo 420°, n.º 1, alínea a) -, já que a recorrente não assaca ao decidido nenhuma nulidade, vício ou erro de julgamento nem sustenta validamente a pretensa interpretação contra a Constituição, no acórdão recorrido, das normas constitucionais e de direito convencional e pactício aplicadas. Quando não, 3.ª - Não se verifica, no caso, nenhuma situação que corporize fundamento de recusa do pedido de extradição, pois, 4.ª - O pedido respeita os requisitos gerais da cooperação internacional (artigo 6° da lei n.º 144/99), 5.ª - A natureza dos crimes por cuja prática a extraditanda está acusada e que fundamentam o pedido de extradição não constitui fundamento de recusa (idem, artigo 7°), e 6.ª - O procedimento não se acha extinto (idem, artigo 8°) nem ocorre nenhuma situação que exclua a extradição (idem, artigo 320). 7.ª - Também não ocorre a causa de recusa facultativa a que alude o n.º 2 do artigo 18° da lei n.º 144/99, pois que a «desagregação» familiar não constitui, no caso, obstáculo ao pedido de extradição. 8.ª - À recorrente foi concedida pelos Estado português autorização (provisória) de residência, mas também esse mecanismo de protecção não obsta ao deferimento do pedido, visto não beneficiar ela do estatuto de asilo previsto na lei n.º 27/2008, de 30/6. 9.ª - Não foi alegado nem resultou provado nenhum facto concreto que permita concluir, para lá de qualquer dúvida, que o deferimento do pedido de extradição da recorrente para a Ucrânia não satisfaz/não respeita as exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou de qualquer outro instrumento de direito internacional que Portugal haja ratificado, pelo que o requisito geral negativo inscrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 6° da lei n.º 144/99 se tem por não verificado. I0.ª - A decisão recorrida não viola nenhum preceito legal nem ofende qualquer normativo constitucional ou de direito convencional de aplicação direta, designadamente, os apontados pela recorrente, pelo que deve ser confirmada e mantida.” 9. Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão. II Fundamentação A. Matéria de facto 1. Segundo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, a 30.09.2014:             “I Fundamentação Com interesse para a decisão a proferir, da análise da documentação constante dos autos apura-se: Ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição. (Paris 1957), a República da ... solicitou ao Estado português a extradição da sua nacional AA para efeitos de procedimento criminal. A requerida no âmbito do Processo n.º 4-347/11, que corre termos no Tribunal Distrital de... encontra-se acusada pela prática de factos integradores de um crime de transporte ilegal de pessoas, previsto e punido pelo artigo 332.º, do Código Penal da ..., com pena de prisão de 2 a 5 anos e, de um crime de uso de documentos falsificados, previsto e punido pelo artigo 358.º, do Código Penal da ..., com pena de prisão de 6 meses a 2 anos, tendo sido emitidos mandados de captura para difusão internacional, a fim de a extraditanda vir a ser colocada em prisão preventiva à ordem desses autos. Porquanto, em Maio de 2010, solicitou ao seu ex-marido ..., que desse autorização, certificada notarialmente para deixar o País com o seu filho ..., nascido a 18-02-2006, pedido que não foi aceite por este. Ciente de que, para viajar para o estrangeiro com o seu filho .... era necessário obter uma autorização por parte do pai, do qual se tinha divorciado em 23-06-2009, a arguida decidiu preparar a retirada do seu filho através da fronteira da... e levou-o de sua casa, localizada na Rua ..., apanhou um táxi que os levou em direcção à fronteira. Cerca das duas horas da noite de 14-08-2010, no posto de gasolina "OKKO", localizado perto de t. ..., a arguida acordou com ..., o seu transporte, com o seu filho, num veículo de marca BMW, com a matrícula Ao 1136 AH, através da fronteira para t. ..., República Eslovaca. Chegando cerca das 07.00 horas ao posto de fronteira entre a Ucrânia e a República Eslovaca, "Pequena Bereznyj", a arguida sabendo que a autorização para transportar o seu filho menor .... era falsa e, tendo intenção de o levar ilegalmente para o outro lado da fronteira da ...., aquando do controlo de documentos deu o seu passaporte de cidadã ... e, deu a falsa autorização do seu ex-marido .... para poder sair da Ucrânia com o seu filho. Na verificação dos documentos, a falsidade da autorização, não foi detectada pelo inspector do Controlo de Fronteiras e este permitiu que o menor deixasse a .... Assim no dia 14-08-2010r pelas 07.47 horas, a arguida deixou a ... para a ..., no carro com a matrícula ..., levando ilegalmente consigo o seu filho .... Por este motivo, pelos actos que voluntariamente praticou e que são puníveis como organização de movimento ilegal de pessoas para fora das fronteiras da ..., na pessoa do seu filho menor, coordenando tais acções e criando as condições para que as mesmas alcançassem êxito, usando documentos falsos Estes factos integram o crime de subtracção de menor, previsto no art. 249.º do CP Português e, a que corresponde pena de prisão de 2 anos e, o crime de falsificação, previsto no art. 256.°, do CP Português e, a que corresponde pena até 3 anos de prisão.” Em seguida prosseguiu — “Ante o que fica descrito, impõe-se afirmar o seguinte...” (fls. 284) — apresentando a restante fundamentação para a concessão da requerida extradição. 2. A descrição dos factos apresentada pelo Tribunal da Relação de Évora corresponde ao apresentado pelas autoridades da Ucrânia, junto a fls 115 e 116 (versão em língua portuguesa e inglesa). B. Matéria de direito 1. Questão prévia Nas alegações apresentadas, o Senhor Procurador-Geral Adjunto do Tribunal da Relação de Évora veio sustentar que o recurso interposto, para o Supremo Tribunal de Justiça, pela extraditanda AA, não oferece conclusões que constituam um resumo dos fundamentos apresentados na motivação de recurso. Pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 417.º do CPP, a recorrente deve ser convidada a apresentar as conclusões devidamente aperfeiçoadas, sob pena de rejeição do recurso. Consideramos, no entanto, que a partir das conclusões apresentadas é possível perceber quais as normas que a recorrente entende violadas, e o sentido que a recorrente pretende que a decisão deveria ter tido, assim como as normas que deveriam ter sido aplicadas; percebe-se ainda quais os elementos de facto em que alicerça o seu recurso. Assim sendo, consideramos que sendo possível, das conclusões apresentadas, deduzir as indicações impostas pelos art. 412.º, n.ºs 2 a 5, do CPP, não há necessidade de convidar a recorrente a “completar ou esclarecer” as conclusões apresentadas. 2. Oposição ao pedido de extradição:             Perante a motivação e as conclusões formuladas, que permitem delimitar o objeto do recurso, de acordo com o disposto no n.º 1, do art. 412.º do CPP, verifica‑se que a recorrente AA, demonstrando a sua oposição em face da pretendida extradição para a Ucrânia, sustenta, grosso modo, que este pedido de cooperação não satisfaz as exigências da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), nem os direitos, as liberdades e as garantias consagrados pela Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que o mesmo deve vir a ser recusado, de acordo com a al. a) do art. 6.º da Lei 144/99, de 31 de Agosto.             Desdobra este pedido genérico afirmando, mais detalhadamente, o seguinte: a) a Ucrânia viola a sua própria lei porquanto lhe impôs uma medida de coação (prisão preventiva) que se revela manifestamente desproporcionada e desadequada às exigências que o caso requer; b) o processo de extradição não satisfaz as exigências da CEDH, como também não acautela os seus direitos, liberdades e garantias, na medida em que tem a certeza que quando regressar à Ucrânia ficará novamente sob o controle do seu ex-marido, podendo voltar a ser por ele violentada e maltratada, não sendo expectável que beneficie de proteção por parte das autoridades ...;             c) o deferimento do pedido extradição acarretaria a violação de direitos constitucionalmente consagrados, como seja o direito à família, na medida em que, em Portugal, se encontra acompanhada por toda a sua família (maxime mãe, irmã, cunhados e sobrinhos), com exceção do seu filho que vive na ... com o pai; d) como tem receio de ser perseguida pelo ex-marido, formulou um pedido de asilo e, de momento, já obteve título de residência provisório; e) o sistema ucraniano apresenta muitas fragilidades, as condições de reclusão são duvidosas, são frequentes as violações dirigidas às reclusas (deixa assinalado a este propósito que lhe foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva) e os direitos humanos estão em decadência na ..., tanto mais que, de momento, decorre um conflito armado em parte do território ucraniano, o que põe em risco a sua integridade física e psicológica e nega-lhe o direito à segurança; Por seu turno, o Senhor Procurador-Geral Adjunto do Tribunal da Relação de Évora o MP, ao invés, sustenta que não se verifica nenhuma situação que corporize fundamento de recusa do pedido de extradição e que este respeita todos os requisitos gerais da cooperação judiciária internacional em matéria penal, pelo que deve ser confirmada a decisão recorrida e, em consequência, ser ordenada a extradição da recorrente para a República da ..., conforme pretendido. Vejamos. 1. Aquando da dedução da oposição ao pedido de extradição, a recorrente, para além dos factos invocados, indicou, ao abrigo do disposto no art. 55.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31.08, prova testemunhal a ser realizada (cf. fls. 247). Porém, nunca o Tribunal a quo se pronunciou sobre esta, nem se procedeu à produção de prova, nos termos do art. 56.º, da referida lei. Na verdade, após a dedução daquela oposição o processo foi concluso ao MP para responder, de acordo com o disposto no art. 55.º, n.º 3, da Lei n.º 144/99, nada tendo referido quanto àquela prova testemunhal requerida (cf. fls. 251 e ss[1]). A única diligência efetuada, antes do acórdão do Tribunal da Relação de Évora, consistiu num pedido, ao Gabinete de Asilo e Refugiados, de “informação sobre o pedido de proteção internacional formulado por AA” (fls. 266). Seguiram-se os vistos (fls 275), de harmonia com o disposto no art. 57.º, da Lei n.º 144/99, e a prolação da decisão a 30.09.2014 (fls. 276 e ss). Nesta decisão o coletivo de juízes não se pronunciou sobre a necessidade (ou não) daquela produção de prova. Ora, por força do disposto no art. 3.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99 e do seu art. 56.º, “as diligências que tiverem sido requeridas e as que o juiz relator entender necessárias, designadamente para decidir sobre o destino de coisas apreendidas, devem ser efetivadas no prazo máximo de 15 dias, com a presença do extraditando, do defensor ou advogado constituído e do intérprete, se necessário, bem como do Ministério Público”. Não tendo sido realizadas as diligências requeridas, nem tendo o juiz relator se pronunciado sobre a sua necessidade (ou não), poderemos dizer que estamos perante um caso em que verificou uma omissão de diligências que se poderão entender como essenciais para o apuramento da verdade, maxime no que respeita aos factos invocados pela extraditanda: terá sido vítima de agressões pelo ex-marido; terá sido ameaçada de morte pelo ex-marido; o filho já se encontrará com o pai na ...; a sua extradição levará a uma total desagregação da família que tem em Portugal; já não tem familiares na ..., para além do filho; haverá risco, decorrente da sua extradição, para a sua integridade física e psicológica, assim como lesão do seu direito à segurança e do direito à família, enquanto direitos fundamentais e direitos humanos a proteger. Assim sendo, poderíamos enquadrar a falta de audição daquelas testemunhas no disposto no art. 120.º, n.º 2, al. d), 2.ª parte, do CPP (por força do art. 3.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99) dado que “a «omissão posterior de diligências» que sejam essenciais refere-se às fases de julgamento e recurso”[2], considerando-se que “diligências essenciais significa, no contexto, que são absolutamente indispensáveis, no sentido de susceptíveis de condicionar a finalidade do processo e a decisão”[3]. Assim sendo, aquela prova testemunhal seria determinante para averiguação (ou não) dos factos invocados pela extraditanda. Porém, sendo uma nulidade a integrar naquele art. 120.º, n.º 2, al. d), 2.ª parte, do CPP, deveria ter sido arguida nos termos do art. 120.º, n.º 3, do CPP; o que não foi, estando deste modo sanada (por falta de arguição). Porém, isto não obsta a que a decisão, proferida nos termos do art. 57.º, da Lei n.º 144/99, não tenha que, por força do disposto no art. 3.º, n.º 2, da mesma lei, obedecer aos requisitos do art. 374.º, do CPP, constituindo as eventuais omissões casos de nulidade, de acordo com o previsto no art. 379.º, do CPP. Na verdade, nos termos do art. 374.º, n.º 2, do CPP, após o relatório “segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” Ora, “[n]ão tendo o tribunal a quo na fundamentação do acórdão que proferiu [no sentido de autorização do pedido de extradição] emitido qualquer pronúncia sobre factos alegados pelo requerente e que têm manifesta relevância para a decisão da causa é evidente que não deu cumprimento ao que a lei adjectiva penal impõe em matéria de fundamentação da sentença, o que faz incorrer a decisão recorrida em nulidade, conforme estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal, nulidade que é de conhecimento oficioso – n.º 2 daquele artigo.” (acórdão do STJ, de 31.03.2011, proc. n.º 257/10.9YRCBR.S1, relator Santos Cabral[4]). Nestes termos, a decisão do Tribunal da Relação de Évora é nula, por força do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP (ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99), nulidade esta do conhecimento oficioso, nos termos do art. 379.º, n.º 2, do CPP, e estando o tribunal de recurso impossibilitado de a suprir, nos termos do art. 414.º, n.º 4, do CPP. E está impossibilitado de a suprir porque não constam do processo elementos que nos possam provar (ou não) aqueles factos invocados pela extraditanda. Poder-se-ia dizer que o invocado não constitui material essencial para que se possa recusar o pedido de extradição formulado. Ainda que considerássemos que  nenhum dos requisitos que permitem a recusa de extradição, previstos nos arts. 6.º a 8.º e 32.º, da lei n.º 144/99, se encontram preenchidos, ainda assim aquele pedido pode ser recusado ao abrigo do disposto no art. 18.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99 (“Pode ainda ser negada a cooperação quando, tendo em conta as circunstâncias do facto, o deferimento do pedido possa implicar consequências graves para a pessoa visada, em razão da idade, estado de saúde ou de outros motivos de carácter pessoal.“). Torna-se assim imprescindível averiguar da ocorrência ou não da violência perpetrada, anteriormente, pelo ex-marido, assim como averiguar sobre as ameaças entretanto realizadas (ou não). E além disso, torna-se ainda necessário verificar se a extradição da recorrente não constituirá uma violação, nomeadamente, do direito a uma vida familiar, consagrado no art. 8.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, dado que “a expulsão de uma pessoa de um país onde vive a sua família próxima pode colocar problemas em relação ao disposto [naquele] artigo”[5], e ainda porque “a expulsão de um estrangeiro para um país onde não tem ligações só pode ser admitida em circunstâncias excepcionais”[6]. Até porque a ingerência das autoridades no direito previsto no n.º 1, do art. 8.º, da CEDH, deve ser proporcional ao fim visado[7], “deve estar justificada por uma necessidade social imperiosa, proporcional ao fim perseguido”[8], proporcionalidade esta que se estende aos casos de extradição, conforme decisão do TEDH, de 4.set.1995, queixa n.º 25342/94[9]. Ora, no caso em apreço constatamos que o pedido de extradição se baseia numa acusação pela prática de crimes previstos nos art. 332.º[10] e 358.º[11], do Código Penal Ucraniano. Sem curar de saber sobre a coincidência entre estes normativos e o art. 249.º, do CP, relativo a subtração de menor, e o art. 256.º, do CP (onde se encontra a punição pelo crime de uso de documento falsificado), certo é que as penas aplicáveis oscilam entre 2 e 5 anos (art. 332.º, n.º 1, do CP Ucraniano), e detenção até 6 meses ou pena privativa da liberdade até 2 anos (quanto ao uso de documento falso, art. 358.º, n.º 2, do CP Ucraniano), respetivamente. Ainda que, tendo em conta a pena aplicável, os crimes em questão sejam classificados como crimes de média gravidade (segundo o art. 12.º, n.º 3, do CP ..., cf. fls. 129), e portanto a extinção do procedimento criminal apenas ocorre ao fim de 5 anos (art. 49.º, n.º 1, al. c), do CP ..., cf. fls. 133), o certo é que se verifica, tendo em conta a matéria de facto apresentada pelas autoridades ...s,  que a extraditanda praticou aqueles factos com vista a sair do território ucraniano com o seu filho, mas sem autorização do pai. E disso se queixou o pai — “o Departamento de Investigação do Gabinete de Segurança da ... na região de ..., a partir de queixa apresentada por .... (pai do menor ....) no dia 1 de Dezembro de 2010 desencadeou uma investigação criminal” (cf. informação dada pelas autoridades ...s, versão inglesa a fls. 141, tradução a fls. 122 e ss). Ou seja, o processo partiu de uma queixa do pai que, dada ausência do filho sem que tivesse dado consentimento (conforme prova testemunhal colhida pelas autoridades ...s e cujo relato está junto ao processo a fls. 127, versão portuguesa), se viu privado do convívio com aquele. Porém, atualmente, segundo referiu a extraditanda (conclusão n), o filho já está com o seu pai. Assim, dado que “a decisão de extradição não se configura, não se deve configurar, como um procedimento quase automático, assente numa repetição  de estereótipos, mas sim uma cuidada equação das circunstâncias do caso vertente” (acórdão do STJ, de 31.03.2011, cit. supra), e dado que ao abrigo do disposto no art. 10.º, da Lei n.º 144/99, “a cooperação poder ser recusada se a reduzida importância da infracção a não justificar”, entendemos que o tribunal deveria apresentar fundamentação justificativa da necessidade e proporcionalidade da extradição em atenção aos factos praticados, a partir do que as autoridades ... comunicaram às autoridades portuguesas.  Isto porque “o conceito de “reduzida importância da infração" não pode ser alcançado com referência a uma mera valoração abstrata desligada do caso concreto” (acórdão do STJ, de 31.03.2011, cit. supra)a exigir “a ponderação das  concretas circunstâncias do caso concreto numa dimensão de ilicitude e de culpa” (idem). Pelo que, “a aplicação do normativo em causa [o art. 10.º, da Lei n.º 144/99] implica um juízo de valoração entre as razões do instituto de extradição e a relevância do caso concreto, ou seja, um juízo de proporcionalidade” (ibidem). Pelo que, “a ponderação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito terá de sopesar os interesses em conflito o que, na prática se resume aos direitos do indivíduo face aos interesses prosseguidos pelo Estado” (ibidem).  Tudo a exigir da decisão não só uma apresentação tão exaustiva quanto possível dos factos provados e não provados, como a exigir um exame crítico das provas que sirvam de base à decisão e  uma fundamentação clara dos motivos de direito que alicerçam a concessão (ou não) de extradição, tendo em conta o disposto nos arts. 10.º e 18.º, da Lei n.º 144/99, e ainda o disposto no art. 8.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Por isto, fica prejudicada a análise de qualquer um dos fundamentos da interposição de recurso apresentada pela extraditanda AA. III Conclusão Nos termos expostos acordam, em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em declarar nulo o acórdão recorrido, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31.08, que deve ser reformulado no mesmo Tribunal. Não são devidas custas por força do disposto no art. 73.º, da Lei n.º 144/99, de 31.08. Supremo Tribunal de Justiça, 27 de novembro de 2014 Os juízes conselheiros, (Helena Moniz) (Rodrigues da Costa) --------- [1] A fls. 255, refere-se o Magistrado do Ministério Público que tendo a extraditanda contestado os factos que lhe são imputados e que fundamentam o pedido de extradição, isto constitui uma contestação dos próprios factos que lhe são imputados e que fundamentam o pedido, considerando, e bem quanto a nós, que esta sindicância probatória está vedada expressamente pelo disposto no art. 46.º, n.º 3, da Lei n.º 144/99; porém, a prova testemunhal requerida pela extraditanda na oposição ao pedido de extradição não estava confinada a uma parte da sua contestação, pelo que se deveria referir a todos os factos integrados naquela oposição, pelo que assim consideramos que seria essencial para apreciação deste pedido de extradição. [2] Henriques Gaspar, art. 120.º (6), Código de Processo Penal — Comentado, org. Henriques Gaspar e outros, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 401. [3] Idem. [4] Consultável aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4d6e3c6c9e4bf7f6802578d900305716?OpenDocument [5] Cf. toda a jurisprudência do TEDH citada em Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem — anotada, Coimbra: Coimbra Editora, 20104, p. 247 (nota I/6 ao art. 8.º). [6] Caso Djeroud — cf. Cabral Barreto, ob. cit., p. 248. [7] Cabral Barreto, ob. cit., p. 253 (nota II/3 ao art. 8.º). [8] Cabral Barreto, ob. cit., p. 257 (nota II/6.1. ao art. 8.º) e jurisprudência do TEDH aí referida. [9] Cf. Cabral Barreto, ob. cit., p. 258 (nota II/6.1 ao art. 8.º). [10] « Artigo 332.º —Transporte ilegal de pessoas para fora das fronteiras da Ucrânia: 1. Quem organizar o transporte ilegal de pessoas para fora das fronteiras da Ucrânia, coordenando ou facilitando os respectivos actos de execução dando conselhos, instruções, aprovisionando os meios ou removendo os obstáculos, será punível com pena de prisão de dois a cinco anos com a apreensão do transporte ou de outros meios utilizados para cometer o crime. 2. A prática dos mesmos actos, repetidamente ou através de um grupo de pessoas, com prévia combinação, será punível com pena de prisão de três a sete anos de prisão, com a apreensão dos meios utilizados para cometer o crime. (na redacção da Lei de 5 de Abril de 2001).” (segundo tradução junta aos autos a fls. 134). [11] « Artigo 358.º — Falsificação de documentos, selos brancos, carimbos ou cabeçalhos e venda ou uso de documentos falsificados: 1. Quem falsificar um documento de identificação ou qualquer outro documento ou certificado por uma empresa, instituição, organização, empresário individual, notário privado, auditor ou qualquer outra pessoa autorizada a emitir ou certificar tais documentos, ou qualquer documento que conceda direitos ou dispensa de deveres, com o propósito de ser utilizado por si ou por outrem, ou de o vender ou quem forjar carimbos, selos ou cabeçalhos de empresa, instituição ou organização de qualquer tipo de propriedade ou quaisquer carimbos, selos ou cabeçalhos oficiais para o mesmo propósito ou para os vender, será punível com multa até 70 salários mínimos depois de descontados os impostos ou detenção até seis meses ou privação da liberdade até três anos de prisão. 2. Qualquer uma das acções descritas no parágrafo 1 deste artigo, se for repetida ou cometida por um grupo de pessoas em conjunção de esforços, será punível com pena de privação da liberdade até cinco anos ou pena de privação por igual período de tempo. 3. Quem usar documento falsificado, conhecendo a sua natureza, será punível com pena de multa até 50 vezes o salário mínimo descontados os impostos ou detenção por um período até seis meses ou privação da liberdade até dois anos.(na redacção da Lei de 5 de Abril de 2001).» (segundo tradução junta aos autos a fls. 134).

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