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Acórdão TR Lisboa de 2011-12-07

9523/08.2YYLSB-A.L1-2

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo9523/08.2YYLSB-A.L1-2
RelatorSérgio Almeida
DescritoresInjunção, Título Executivo, Oposição à Execução
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2011-12-07
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualAPELAÇÃO
DecisãoProcedente

Sumário

I – O requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória é um título executivo extrajudicial atípico assente no reconhecimento implícito pelo devedor da dívida, decorrente da sua falta de oposição. II – A oposição à execução fundada em requerimento de injunção, nos processos a que seja aplicável o regime anterior à entrada em vigor do D. L. nº 226/2008, de 20/11, pode fundar-se em quaisquer meios admissíveis como defesa no processo de declaração. (Sumário do Relator)


Texto Integral

I. Relatório Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa. Executada/Recorrente: “A”. Exequente: “B”. Fundamento e pedido: deduz oposição em execução de 2008 para cobrança de crédito de € 1.382,43, em que é titulo executivo um requerimento a que foi conferida força executória em data anterior à apresentação da execução, entendendo a recorrente que a aposição da fórmula executória em requerimento de injunção não se confunde com sentença, pelo que devem ser admitidos todos os meios de oposição previstos no art.º 816 do Código de Processo Civil. Pede que seja a revogada a decisão que indeferiu liminarmente a oposição à execução e se determine a prossecução dos autos para apreciação de mérito da Oposição à Execução. Enuncia afinal as seguintes conclusões: 1 – O requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória não se traduz num acto jurisdicional de composição de litígio; 2 – Consequentemente, pode o executado fazer, em oposição à execução, a sua defesa com a mesma amplitude com que o podia fazer na acção declarativa, 3 – invocando qualquer facto ou circunstância que afecte quer a validade do título executivo quer a existência ou dimensão do direito invocado. Não foi apresentada resposta. * Foram colhidos os competentes vistos. * * II – Fundamentação O despacho recorrido decidiu nos seguintes termos: “(…) A presente execução tem por base um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória por falta de oposição da requerida. (…) Como tal, pode servir de base à execução, nos termos do disposto na alínea d), do artigo 46º do CPC. O regime jurídico da injunção encontra-se regulado no DL 269/98, de 1 de Setembro, dispondo o artigo 7º do mesmo que “considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL 32/2003, e 17 de Fevereiro”. (…) A oposição à execução, em execuções anteriores à entrada em vigor do DL 226/2008, de 20 de Novembro, pode ter por fundamento quer o disposto no artigo 814º, quer o disposto no artigo 816º do CPC. Os fundamentos previstos no artigo 816º do CPC pressupõem que o executado não tenha tido oportunidade, em acção declarativa prévia, de se defender (…) a oposição à execução não pode servir para que se discuta e aprecie, de novo, factos que deveriam ter sido alegados e apreciados na fase declarativa. (…) Os factos invocados (…) por terem que ver com a análise quer dos pressupostos do procedimento de injunção, quer da relação jurídica subjacente à obrigação, (…) deveriam ter sido objecto de oposição, por forma a serem apreciado na fase declarativa. (…) Veio agora o legislador, com as alterações que introduziu ao Código de Processo Civil pelo DL 226/2008, de 20 de Novembro, consagrá-lo expressamente, uma vez que à execução baseada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória passa a aplicar-se o disposto no artigo 814º do CPC, deixando de ser fundamento de oposição à execução, para além dos previstos no n.º 1, do artigo 814º, quaisquer outros que possam ser invocados no processo de declaração, por força da nova redacção dada ao artigo 816º do CPC". * A matéria de facto a considerar é a contida em I-Fundamento. * De acordo com as conclusões das alegações a questão submetida ao conhecimento deste tribunal (art.º 684/3 e 690/1 do Código de Processo Civil[1]) consiste em determinar se, na expressão da decisão recorrida, a oposição à execução, em execuções anteriores à entrada em vigor do DL 226/2008, de 20 de Novembro[2], pode ter por fundamento quer o disposto no artigo 814º, quer o disposto no artigo 816º do CPC, ou se, pelo contrário, é relevante a circunstancia de a executada ter tido oportunidade de se manifestar na injunção, em termos tais que doravante já não há lugar senão aos meios de defesa a que alude o art.º 814. * Vejamos. O Decreto-Lei n.º 404/93, de 10/12, criou o procedimento de injunção, visando, nos termos do art.º 1º, de forma simplificada, célere e desjudicializada (sem intervenção do juiz) conferir força executiva ao requerimento destinado a obter o cumprimento efectivo de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato, de modo a facilitar ao credor o acesso à via executiva sem onerar os Tribunais com acções de baixa densidade em que não há, amiúde, um verdadeiro litígio. Deste modo, a falta de oposição do requerido, na sequência de notificação desse requerimento, faz presumir o reconhecimento da dívida pelo demandado e, consequentemente, face à confissão ficta é aposta, pelo secretário judicial, a fórmula executória. O Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9, revogou o Decreto-Lei n.º 404/93 e alterou o regime, designadamente quanto ao montante das obrigações pecuniárias emergentes em causa (que agora podem chegar à alçada do tribunal de 1ª instância); e o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17/2 (que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29/6), alargou o âmbito de aplicação da injunção às obrigações emergentes de transacções comerciais de qualquer valor. O requerido era notificado para pagar ao requerente a quantia em dívida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou deduzir oposição (artigo 12º/1 do citado regime jurídico) em 15 dias, e notificado de que se o não fizesse seria aposta fórmula executória ao requerimento, abrindo-se ao requerente o caminho para intentar acção executiva (artigo 13º/c). Ao receber a fórmula executória o procedimento de injunção atingia o seu fim: a criação de um título executivo[3]. Um titulo previsto na al. d) do art.º 46º do CPC, cuja força executiva lhe advem de disposições especiais reguladoras do procedimento de injunção (art.º 7º e 14º do DL 269/98). Ou seja, a despeito das afinidades que mantém com os títulos judiciais – resultantes de correr na secretaria judicial, podendo em certos casos haver a intervenção do juiz -, a verdade é que não é uma sentença[4]. E não o sendo admitia[5] oposição com a latitude do art.º 816 do Código de Processo Civil[6]. Ou seja, assentando o titulo executivo numa mera presunção da existência da dívida, era possível a oposição na própria execução, entendendo-se que assim se garantia de forma cabal os direitos de defesa do executado. E a aposição da fórmula executória, ainda que o título seja em si mesmo perfeito, não faz caso julgado nem preclude a possibilidade de defesa daquele em sede de oposição[7]. Não acompanhamos, pois, o despacho recorrido quando de alguma sorte atribui ao DL 226/2008, de 20 de Novembro relevo interpretativo do regime anterior. O diploma não é interpretativo; pelo contrário, ao alterar as disposições dos art.º 814 e 816 instituiu um regime diverso (sendo, agora sim, de concluir que os fundamentos de oposição à execução fundada em injunção, à luz do novo regime, são apenas os do art.º 814)[8]. Cumpre portanto concluir que, no regime anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 226/2008, o executado que não se tenha pronunciado no procedimento de injunção pode, ainda assim, deduzir oposição na execução, não se lhe aplicando o regime actual, que resulta dos art.º 814 e 816 do Código de Processo Civil. Sendo assim, porém, é inquestionável que a requerente podia deduzir oposição, nomeadamente no que toca à resolução do contrato com a exequente. Assente que na realidade há uma sucessão de regimes legais e não mera clarificação do regime anterior, impõe-se ainda rematar que uma tal interdição, estando em causa injunção teve lugar antes do Decreto-Lei n.º 226/2008 entrar em vigor, não poderia deixar de atingir o principio da tutela da confiança dos cidadãos na lei, decorrente do princípio do Estado de Direito (art.º 2º da Constituição da Republica Portuguesa), dado que aquele que optasse por defender-se na execução em lugar de se manifestar na injunção – como podia fazer à época - veria, “a meio do jogo” (isto é, após o decurso do procedimento de injunção) irremediavelmente coarctada tal possibilidade[9].       Procede, pois, a apelação, pelo que se revoga a decisão recorrida, devendo o processo de oposição prosseguir os seus termos legais * * * III. Decisão Termos em que o Tribunal julga procedente o recurso, revoga a decisão recorrida e determina o prosseguimento da oposição. Custas pela recorrente. Lisboa, 7 de Dezembro de 2011 Sérgio Silva Almeida Lúcia Sousa Farinha Alves ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Diploma a que pertencem todos os preceitos doravante mencionados sem indicação da fonte. [2] A decisão recorrida não questiona que ainda não se aplicam as alterações introduzidas pelo diploma legal acima referido (refere-se ao DL 226/2008, de 20 de Novembro e às alterações que efectuou aos art.º 814 e 816 do Código de Processo Civil) [3] E tudo isto sem violação da reserva de competência do Juiz, visto que o secretário judicial, que apunha o visto, não apreciava qualquer pretensão, não praticando qualquer acto jurisdicional, da esfera exclusiva do magistrado judicial. Sobre o exposto cfr. o acórdão da Relação do Porto de 5.7.2006, Relator Desemb. José Manuel Carvalho Ferraz, disponível em www.dgsi.pt (como todos os que doravante se indicarem sem menção da origem) [4] Daí ser classificado como um título impróprio (cf. Lebre de Freitas, in Acção Executiva, 2ª edição, Coimbra Editora, pag.55), especial ou atípico. [5] Descrevemos o regime anterior às alterações do Decreto-Lei n.º 269/98. [6] O preâmbulo do Decreto-Lei nº 404/93, de 10/12, referia que “a aposição da fórmula executória, não constituindo, de modo algum, um acto jurisdicional, permite indubitavelmente ao devedor defender-se em futura acção executiva com a mesma amplitude com que o pode fazer no processo de declaração, nos termos do disposto no artigo 815º do Código de Processo Civil”. Note-se que anteriormente ao Decreto-Lei n.º 38/2003 o art.º 815 tinha o texto actual do 816. [7] Neste sentido cf. o acórdão desta Relação de 04.03.2010. [8] O acórdão do Tribunal Constitucional 283/2011, de 7.6.2011 (processo 900/10) converge neste sentido ao referir que “até à entrada em vigor do Decreto-Lei n° 226/2008 o executado, cuja execução se fundava na formula executória aposta no requerimento de injunção, tinha a possibilidade de deduzir embargos de executado, nos termos do então artigo 816.º do Código de Processo Civil, ou seja, não circunscrito às situações de oposição à sentença, mas a “outros títulos”. Ora, a aposição, no requerimento de injunção, da fórmula executória é um facto que produziu, imediatamente, o efeito de jurídico de fixar os fundamentos da oposição à execução nele fundada, nos termos previstos na lei processual vigente “anteriormente à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 226/2008” para os “outros títulos” (artigo 816.°), diversos da sentença e da decisão arbitral (artigos 814.° e 815.°). (…) Sucede que a lei nova equiparando o requerimento de injunção, ao qual tenha sido aposta fórmula executória, à sentença, para efeitos de oposição à execução, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido (artigo 814.°, n.° 2), constata-se que, desta forma, já não seria lícito ao executado usar, agora, os fundamentos que lhe teria sido “licito deduzir como defesa no processo de declaração” no âmbito da lei antiga (artigo 816.°). Estaremos, pelo exposto, perante uma situação de “retrospectividade”, ou “retroactividade inautêntica” que traz à situação que ora nos ocupa a problemática da protecção da confiança”. Também o acórdão desta Relação de 14.06.2011 (processo 2489/09.3TBBRR-A.L1-7) entendeu que “o DL 226/2008, de 20 Novembro, na alteração que determinou ao art.º 814, do CPC, limitou as possibilidades de oposição na execução com base em requerimento de injunção a que tiver sido aposto a fórmula executória, confinando-as ao elenco dos fundamentos que são permitidos no caso de execução cujo título executivo seja sentença judicial”. [9] O citado acórdão do Tribunal Constitucional 283/11 julgou, pois, inconstitucional a interpretação normativa dos n.º 1 e 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, conjugado com o «regime transitório» deste diploma, na medida em que não salvaguarda a aplicação da lei antiga quanto aos fundamentos de oposição à execução baseada nas injunções a que foi conferida força executiva anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma legal.

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