I - No quadro actual da evolução do Direito nesta era do pós-legalismo que relativiza as coordenadas ditadas pela segurança jurídica, a protecção conferida pela Constituição da República Portuguesa ao direito fundamental da identidade pessoal deve impor que se garanta a possibilidade de indagação da verdade biológica pelo tempo de vida do investigante. II - A evolução científica permite hoje que o apuramento da paternidade biológica aconteça sem que torne necessária a intrusão na vida privada dos investigados ou seus familiares. Essa constatação mais determina, na ponderação dos interesses conflituantes, que se tenha por inconstitucional a imposição de um prazo de caducidade de dez anos, após a maioridade do pretenso filho, para a propositura de uma acção de investigação de paternidade.
Processo 155/12.1TBVLC Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – Relatório Recorrente(s): B.......; Recorrido(s): C........ Tribunal Judicial de Vale de Cambra – 1º Juízo.*****I - Relatório C......., casado, residente na Rua …, número …, da freguesia e concelho de Oliveira de Azeméis, veio propor contra B......., viúvo, residente na Rua …., Lugar ….., freguesia …., concelho de Vale de Cambra, a presente acção declarativa onde termina peticionando que se reconheça e declare a paternidade do Autor relativamente ao Réu, B......., devendo, em consequência, ordenar-se o respectivo averbamento no seu assento de nascimento. Contestou o réu B....... alegando, “inter alia”, que a lei 14/2009, de 1 de Abril veio a fixar que a acção de Investigação de Paternidade só pode ser proposta nos dez anos posteriores á sua maioridade ou emancipação na nova redacção que deu ao artigo 1817, nº 1, do C.C., aplicável por força do artigo 1873 do mesmo Código. Ora, o A., C......., nasceu a 21 de Fevereiro de 1944 tendo atingido a maioridade em 21 de Fevereiro de 1965, verificando-se, assim, o decurso do prazo de caducidade de dez anos. O Tribunal recorrido veio a proferir decisão relativamente a esta excepção de caducidade invocada pelo ré, aquando da prolação do despacho saneador, terminando por considerar que o artigo 1817.º/1, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009, aplicável ex vi artigo 1873.º, ambos do Código Civil, tal como acontecia na redacção anterior, continua a contrariar o constante naquele artigo 26.º, bem como o disposto nos artigos 18.º/3 e 36.º/1, todos da Constituição da Republica Portuguesa, sendo, por isso, de concluir que é materialmente inconstitucional. Neste sentido, entendeu o tribunal que não se verificava a excepção de caducidade ou de preclusão quanto ao exercício do direito do autor, nos termos invocados pelo réu que, como tal, se julgou improcedente. Inconformada, viria o réu a recorrer extraindo-se das alegações deduzidas as seguintes conclusões: 1º - O A., C......., nasceu a 21 de Fevereiro de 1944, 2º - Atingiu a maioridade em 21 de Fevereiro de 1965, 3º- A presente acção deu entrada em juízo em 26 de Março de 2012, 4º - Entre a data da maioridade e a data da entrada em juízo da presente acção decorreu um prazo superior a 57 anos, 5º - A Lei nº 14/2009, nº 1 estabeleceu um prazo de dez anos como prazo de caducidade para a propositura da acção de investigação de paternidade, 6º - O Tribunal Constitucional decidiu pela constitucionalidade do estabelecimento de tal prazo nos Acórdãos nº 401/2011, de 22 de Setembro, em Plenário, e 106/2012, de 6 de Março, 7º - Pelo que o estabelecimento de tal prazo de dez anos não é inconstitucional. 8º - A decisão recorrida viola o disposto no artigo 1817, nº 1, do C.C., aplicável por força do artigo 1873 do mesmo Código, na redacção que lhe foi dado pela Lei nº 14/2009, nº 1, de 1 de Abril e artigos 26, 18,nº 3 e 36º, nº 1 da C.R.P. Termos em que termina pedindo que o presente recurso seja julgado procedente, e, em consequência, se ordene a reforma da decisão recorrida de acordo com o juízo de não inconstitucionalidade, aplicando-se a Lei nº 14/2009. Houve contra-alegação pelo recorrido, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da douta decisão em causa nos autos. II - Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam. Deste modo, a única questão, que é estritamente jurídica - atenta a inequivocidade dos factos relativos ao preenchimentos dos pressupostos conducentes à caducidade da presente acção, a apreciar nos autos -, reporta-se a saber se o artigo 1817.º, nº1, na redacção dada pela Lei n.º 14/2009, aplicável “ex vi” artigo 1873.º, ambos do Código Civil, pode ser tido como materialmente inconstitucional à luz do constante nos artigos 26.º, 18.º/3 e 36.º/1, todos da Constituição da Republica Portuguesa. III – Fundamentação Na elucidação da única questão controvertida, procuremos, “prima facie”, descrever os argumentos utilizados no presente processo que estruturam as posições adoptadas, analisando, com natural ênfase para melhor escrutínio, os argumentos da douta decisão recorrida. Assim, entende esta que o referido prazo de caducidade de dez anos estabelecido pelo artigo 1817º, nº1 do CC (“A acção de investigação (..) só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”) é materialmente inconstitucional na medida que é “limitador da possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho saber de quem descende” – invocam-se aqui o Ac. do STJ de 21.09.2010, Ac. do STJ, de 15.11.2011 e Ac. da R.P., de 23.11.2011. Ainda segundo a decisão da primeira instância o exercício deste direito investigatório pode apenas sofrer restrições em casos em que constitua um abuso de direito, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé ou pelo fim social daquele direito. Não sucederia tal circunstância nos autos já que embora o autor tenha proposto a acção decorridos mais de 47 anos após a maioridade, não se pode concluir pelo abuso de direito, sobressaindo dos factos vertidos na petição inicial, que o autor intentou a acção por motivações de identidade pessoal: direito de saber quem é o seu pai (cfr. artigo 41.º da p.i. onde refere que “Sempre entristeceu e continua a entristecer o autor o facto do seu registo de paternidade ser omisso.”), direito esse de cariz constitucional – artigo 26.º da C.R.P (acompanhamos sempre o percurso argumentativo do tribunal “a quo)”. Nesta senda, as contra-alegações apresentadas pelo autor aduzem que o direito ao apuramento da paternidade biológica é um direito fundamental à identidade pessoal, constitucionalmente consagrado, o qual não pode ser restringido (art. 18º, n.º 2 da CRP). Donde, a sua valorização como direito pessoal devem faze-lo prevalecer sobre os prazos de caducidade para as acções de estabelecimento de filiação. Em rumo oposto, perfilam-se os argumentos do recorrente. Alega o mesmo doutamente que a questão foi devidamente ponderada pelo Ac. do Tribunal Constitucional nº401/2011 tendo o mesmo decidido não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817, nº 1 do C.C., na redacção da Lei nº 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante. Nessa ponderação foram aferidos todos os motivos – estabilidade da ordem jurídica, reserva da vida privada, direito a saber a ascendência biológica –em equação, devendo entender-se que o estabelecimento dum prazo de caducidade de dez anos permite uma prévia e profunda ponderação do investigante e tal prazo não constitui uma restrição desproporcionada e não admissível do direito do investigante saber de quem descende. Este o enquadramento delimitado pelas partes sobre o qual cumprirá emitir decisão. Naturalmente que de importância evidente será a análise da jurisprudência do Tribunal Constitucional em conjunção com a prolação de vários Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça no sentido da inconstitucionalidade do preceito em causa, como os de 10.01.2012 (relator: Moreira Alves) ou de 6/09/2011 (relator: Martins de Sousa) que, nomeadamente no primeiro caso, entende ser o direito a investigar a paternidade ou maternidade imprescritível, não se justificando qualquer limite temporal para o seu exercício. Certo é, porém, que a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal não é unânime; veja-se o caso do Acórdão de 29.11.2012 (relator: Tavares da Paiva) que, embora considere minoritária a sua posição no contexto do STJ, decidiu entender que o prazo a que alude o art. 1817 nº1 do C. Civil não é inconstitucional. Por sua vez, o Tribunal Constitucional tem vindo a decidir pela constitucionalidade deste prazo de dez anos legalmente consagrado. Invoque-se aqui, em particular, o já recenseado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/2011 que decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817 nº1 do Código Civil, na redacção da Lei nº 14/2009 de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do art. 1873º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante “ decisão que como refere também o Acórdão recorrido tem sido acolhida, numa lógica de obediência ao Plenário, por outros Acórdãos do Tribunal Constitucional ( cf. ainda, sempre no mesmo sentido, os Acórdãos 445/2011,446/2011, 476/11, 545/2011, 106/2012, 515/12 de 11/10/2011, 11/10/2011, 12/10/2011, 16/11/2011, 6/03/2012 e 6 de Novembro de 2012). O referenciado Ac. 401/2011 foi tomado justamente em Plenário do Tribunal Constitucional em 22 de Setembro de 2011 tendo como relator João Cura Mariano e os votos favoráveis de seis juízes conselheiros, votando vencidos igualmente seis juízes conselheiros, com o decorrente voto de qualidade do Juiz Presidente. Esta descrição do sentido dos diferentes votos serve apenas para melhor concluir pela manifesta ausência de consenso no que à questão respeita, com opiniões díspares. As razões expendidas num ou noutro sentido são de forma abundante e detalhada devidamente expressas nos múltiplos arestos jurisprudenciais acima recenseados. Não cumprirá repeti-los e descreve-los uma outra vez tanto mais que são de fácil e expedito acesso nos sítios respectivos dos Tribunais Superiores e em www.dgsi.pt. De todo o modo, apenas perscrutando o essencial dos argumentos expendidos para enquadrar o litígio, previamente à opção por nós assumida, verificamos que o Acórdão do Tribunal Constitucional que fez vencimento expressa que “é legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva acção de investigação da paternidade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável.” Por sua vez, o Conselheiro Pedro Machete num Ac. muito recente (515/12, de 6.11) adenda ainda outros argumentos ao defender que “na ponderação a realizar pelo legislador ordinário em vista da fixação de um prazo limite para a instauração de uma ação de investigação da paternidade, além do interesse público na definição das relações jurídicas, também têm de ser considerados os direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar do pretenso pai e da sua família mais próxima (pelo menos, o cônjuge e os filhos).(...) Por ser assim, não é apenas um argumento de segurança jurídica que fundamenta o juízo de não inconstitucionalidade; a disciplina de prazos de caducidade consagrada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, também faz justiça às posições jurídicas subjetivas contrapostas às do investigante.” Por seu turno, os que entendem ser inconstitucional esta compressão temporal articulam - procedendo nós a um esforço de máxima síntese - que a natureza dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família reclama a sua vigência plena em todo o ciclo de vida do titular. A ideia de “sancionar” a inércia ou pouca diligência do investigante deve ser vista como estranha ao instituto da caducidade, devendo entender-se que só o estabelecimento da admissibilidade de propositura da acção de investigação de paternidade durante a vida dos interessados – investigante e investigado – dará plena satisfação ao direito consagrado no artigo 26.º, nº 1 da CRP, sendo possível e legítimo que o investigante tenha razões fundadas para só numa data mais tardia decidir-se pela instauração da referida acção. Por outro lado, institutos como os de abuso de direito sempre permitiriam salvaguardar eventuais excessos na utilização de má-fé desse direito à verdade biológica. É tempo de tomarmos posição, bem sabendo que, em especial neste caso, decidir é optar, isto sem prejuízo da bondade intrínseca de cada uma das teses. Pois bem. Considerando a protecção conferida pela CRP ao direito fundamental da identidade pessoal e da protecção da família que nos parece dever ser considerada num patamar relevante, num crescendo que se vem construindo com a própria evolução do Direito, nesta era dita do pós-legalismo que relativiza as coordenadas ditadas pela segurança jurídica, entendemos, numa perspectiva actualista do que é a concepção da pessoa humana nas sociedades modernas, dever existir hoje uma protecção à indagação da verdade biológica que se prolongue pelo tempo de vida do investigante. O Prof. António Hespanha vem, justamente, alertando para esta mudança de um paradigma legalista para um paradigma pluralista; valoriza-se hoje, também por força da intrusão de diferentes “direitos” (o direito da União Europeia, por exemplo) a ponderação das várias perspectivas possíveis numa recusa de soluções unidimensionais; na insistência na provisoriedade e precariedade das soluções jurídicas encontradas e na necessidade do seu contínuo contraste com as sensibilidades jurídicas da comunidade. Diz o Autor em causa “ao contrário do que muitos pensam, a certeza do direito, a sua estabilização em soluções mais consensuais e duradouras, passa justamente por aqui, por uma análise profunda e não superficial, apressada ou automática, dos interesses e sensibilidade jurídicas em jogo.” (António Manuel Hespanha, O caleidoscópio do Direito. O direito e a justiça nos nossos dias, Coimbra, Almedina, 2010, 2ª ed., pg.29). Ora, esta precariedade assumida e pensada a partir do seu questionamento constante, própria desta era pós-legal, mais nos alerta para a devida ponderação da sensibilidade jurídica da comunidade em relação a este direito à verdade biológica. Nesta senda, os argumentos a favor desta “imprescritibilidade em vida”, hoje consolidada no nosso Supremo Tribunal, afiguram-se-nos incontornáveis na justa medida em que o estabelecimento da paternidade pertence ao núcleo restrito dos direitos pessoalíssimos, enquanto direito a conhecer a respectiva ascendência e marca genética, com relevantes reflexos sociais e históricos. Estamos, portanto, perante o direito à integridade moral e à identidade pessoal, direitos inalienáveis e absolutos, sempre garantidos pelos Art.ºs 25º n.º 1 e 26º n.º 1 da Constituição da R. Portuguesa. Desta forma, como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à identidade pessoal, tal como está consagrado no Art.º 26º n.º 1 da Constituição, enquanto conhecimento da identidade dos progenitores constitui fundamento bastante para erigir um direito à investigação da paternidade (cf. CRP Anotada, 4ª ed., Vol. I, pg. 462). Em termos comparados, embora as soluções sejam variadas e não uniformizáveis, destaque-se, ainda assim, que países como a Itália, a Espanha e a Áustria, optaram pela imprescritibilidade das acções de investigação de paternidade, por considerarem que “a procura do vínculo omisso do ascendente biológico é um valor que prevalece sobre quaisquer outros relativos ao pretenso progenitor.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2008). Do mesmo modo acontece com jurisdições tão distintas como a brasileira, a suíça ou a macaense, esta com uma solução inovadora: embora estas acções possam ser propostas a todo tempo se o forem passados 15 anos do conhecimento dos factos que poderiam induzir a paternidade, retira-se-lhe os efeitos patrimoniais: ficam apenas estabelecidos os pessoais, evitando assim o fenómeno dos caça-heranças. Note-se que esta possibilidade regulada pela legislação macaense (Decreto-Lei n.º 39/99/M, de 3 de Agosto) encontrará igualmente guarida no enquadramento normativo português devidamente aplicado por uma jurisprudência atenta através dos institutos substantivos do abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil) de outro tipo de actuações abusivas (artigos 269.º e 1482.º do Código Civil) da fraude à lei, em sede de aplicação de normas de conflitos (artigo 21.º do Código Civil) ou, na lei processual, através da litigância de má fé ou mesmo temerária (artigo 456.º do Código de Processo Civil). No que concerne ainda à questão ao prejuízo decorrente da devassa, décadas depois, da intimidade da família do investigado bem como à necessidade de não permitir o “envelhecimento” das provas no âmbito da investigação da paternidade, importa explicar que, a nosso ver, esses constrangimentos já não ocorrem por força da evolução da ciência em especial através do que resulta da investigação do ADN (em português, ácido desoxirribonucleico) ou DNA (em inglês, deoxyribonucleic acid) cujas moléculas contém, em si, as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos. Na verdade, enquanto num passado ainda recente o apuramento da suposta paternidade implicava a audição de testemunhas ou a prova documental decorrente da leitura de cartas intimas no universo familiar com a consequente apreciação da vida privada dos intervenientes, incluindo os hábitos sexuais da mãe do investigado ou a relação deste com a família do pretenso pai, a verdade é que actualmente a prova a aduzir é bem diversa e imensamente mais fiável. Assim, o grau de certeza no estabelecimento da paternidade é quase total (superior a 99,99%). E, ao contrário, se os perfis genéticos do filho e do presumível pai não coincidem em pelo menos dois dos indicadores submetidos à análise a paternidade é improvável em 100%. Esta averiguação faz-se, em sede laboratorial, sem curar de saber dos pormenores íntimos de quem quer que seja e sem intrusão na vida privada dos envolvidos na averiguação. Ora, este carácter asséptico da pesquisa através do ADM permite defender, com maior sustentabilidade, a compaginabilidade da mesma, independentemente do período temporal decorrido na medida em que não será necessário indagar do passado íntimo dos visados. Sem esse escrutínio intrusivo, de modo fundamentado e seguro, poderá, pois, assegurar-se, em vida do requerente, a possibilidade de intentar este tipo de acções judiciais. Deste modo, igualmente será possível respeitar os motivos que possam conduzir o interessado a uma indagação mais tardia, muitas vezes assentes em estimáveis considerandos atinentes com a própria evolução dos seus afectos e daqueles que o rodeiam, em especial a mãe do investigado. Tudo ponderado, assumimos a inconstitucionalidade desta norma, valorando o primado dos valores subjacentes à não caducidade deste direito. Em síntese conclusiva, entendemos sufragar a decisão da primeira instância que se nos afigura dever ser mantida.*Sumariando, nos termos do art.713º, nº7 do Código do Processo Civil: I – No quadro actual da evolução do Direito nesta era do pós-legalismo que relativiza as coordenadas ditadas pela segurança jurídica, a protecção conferida pela Constituição da República Portuguesa ao direito fundamental da identidade pessoal deve impor que se garanta a possibilidade de indagação da verdade biológica pelo tempo de vida do investigante. II – A evolução científica permite hoje que o apuramento da paternidade biológica aconteça sem que torne necessária a intrusão na vida privada dos investigados ou seus familiares. Essa constatação mais determina, na ponderação dos interesses conflituantes, que se tenha por inconstitucional a imposição de um prazo de caducidade de dez anos, após a maioridade do pretenso filho, para a propositura de uma acção de investigação de paternidade. V – Decisão Pelo exposto, decide-se julgar-se improcedente o recurso deduzido, mantendo-se integralmente a decisão em causa nos autos. Custas pelo recorrente/apelante. Porto, 9 de Abril de 2013 José Manuel Igrejas Martins Matos Rui Manuel Correia Moreira Henrique Luís de Brito Araújo