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Acórdão STJ de 1999-11-25

99B702

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo99B702
Nº ConvencionalJSTJ00039181
RelatorMiranda Gusmão
DescritoresInvestigação de Paternidade, Presunção de Paternidade, Posse de Estado, Exceptio Plurium, Caducidade, Ónus da Prova
Nº do DocumentoSJ199911250007022
Data do Acordão1999-11-25
VotaçãoMaioria com 1 Vot Venc
Referência de PublicaçãoBMJ N491 ANO1999 PAG284
Privacidade1
Meio ProcessualREVISTA.
DecisãoNegada a Revista.
Área TemáticaDir Civ - Dir Fam
Legislação NacionalCCIV66 ARTIGO 130 ARTIGO 298 N2 ARTIGO 343 N2 ARTIGO 1817 N1 N4 ARTIGO 1871 N2. CPC95 ARTIGO 487 N2. DL 496/77 DE 1977/11/25.
Jurisprudência NacionalACÓRDÃO RP PROC21285 DE 1989/01/31 1SEC. ACÓRDÃO STJ DE 1991/12/05 IN BMJ N412 PAG477. ACÓRDÃO STJ PROC82177 DE 1992/12/09. ACÓRDÃO STJ DE 1993/05/20 IN CJSTJ ANOI TII PAG191. ACÓRDÃO STJ DE 1995/01/10 IN BMJ N443 PAG388. ACÓRDÃO STJ DE 1995/11/07 IN BMJ N451 PAG419.

Sumário

I - A presunção de paternidade estabelecida na alínea a), do nº 1, do artigo 1871º, do Código Civil, pode ser ilidida, nos termos do nº 2, pela prova, feita pelo réu, de factos que suscitem dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado, como serão as situações de "exceptio plurium". II - O investigante beneficia do prazo de exercício da acção de investigação de paternidade contemplado no nº 4, do artigo 1817º, do Código Civil, se alega e prova factos integradores do conceito de "tratamento como filho" pelo pretenso pai. III - Ao réu cabe provar que o "tratamento como filho" cessou há mais de um ano relativamente à data da propositura da acção.


Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1. No Tribunal de Círculo de Vila do Conde, A intentou acção declarativa com processo ordinário contra B e mulher C, D e mulher E, F, G e marido H, I; J e marido L; M e marido N, O e marido P; Q e mulher R, S e mulher T, U e marido V, X e marido Y, Z e marido A' e B' e mulher C', na qualidade de herdeiros de D', pedindo se reconheça e declare que o Autor é filho do referido D', alegando, em síntese, que nasceu das relações sexuais havidas entre a sua mãe, E' e o dito D', e ainda que este, sempre e até à hora da sua morte, o reputou e tratou como filho, sendo também publicamente como tal reconhecido. 2. Todos os Réus, com excepção dos referenciados em 1., 3., e 5. lugares, contestaram, impugnando a factualidade alegada pelo Autor e invocando a caducidade da acção. 3. No despacho saneador relegou-se o conhecimento da referida excepção para a sentença. 4. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença a absolver os Réus do pedido. 5. O Autor apelou. O acórdão da Relação do Porto, por acórdão de 18 de Março de 1999, julgou procedente a apelação e, consequentemente, revogou a sentença recorrida, reconhecendo e declarando o Autor A como filho de D'. 6. Os Réus D e OUTROS pedem revista - revogação do acórdão recorrido e absolvição do pedido ou declaração do direito de peticionar por parte do recorrido - formulando as seguintes conclusões: A) a presente acção fundamenta-se em presunções "iuris tantum", nos termos do disposto no artigo 1871, do Código Civil. B) Tais presunções mostram-se ilididas quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado. C) Os factos considerados provados não podem ser vistos separadamente, mas antes devem ser considerados no seu conjunto, numa perspectiva global. D) A posse de estado, tal como a configura o artigo 1871 do Código Civil, tem como pressuposto o "nomen" - atribuição a uma pessoa de um nome correspondente a um estado - o "tractatus" - ter sido dispensado a alguém um tratamento correspondente a um estado - e a "fama" - quando alguém é considerado pelo público como detentor de um estado. E) A factualidade provada é manifestamente insuficiente para se poder concluir com segurança que existiu por parte do investigado um conjunto de actos claros e positivos de protecção ("algumas deu dinheiro ao Autor e à mãe deste...), amparo ("muitas vezes... encontrava-se com o Autor, dispensava-lhe carinhos e chamava-lhe filho") e solicitude ("... por vezes, quando o Autor era criança, acarinhava-o e levava-o a passear na motorizada"). F) Não vem provado que a mãe do Autor era virgem e menor ao tempo da concepção, ou se o consentimento dela foi obtido por promessa de casamento, abuso de confiança ou abuso de autoridade, sendo também manifestamente insuficiente dizer-se que o investigado por vezes manifestou a intenção de vir a casar com a mãe do Autor. G) O facto de o douto acórdão recorrido ter considerado que no período legal de concepção a mãe do Autor teve relações sexuais com o investigado, não tendo mantido com qualquer outro homem, só poderão fundamentar uma acção de investigação de paternidade, nos termos do disposto no artigo 1817 n. 1 do Código Civil, ou seja, durante a menoridade do investigante ou nos dois anos seguintes à sua maioridade ou emancipação, sendo por isso uma presunção como qualquer outra, que pode ser ilidida através de prova insuficiente ou por prova em contrário. H) Não estão provados factos que se integrem nos conceitos de reputação e tratamento de pai para filho, donde se possam inferir com firmeza e segurança, que o investigado é pai do Autor. I) A falta de verificação de qualquer dos requisitos que constituem a posse de estado, descaracterizará a situação, com as inerentes consequências jurídicas. J) Estão plenamente preenchidos os requisitos do artigo 1871 n. 2, do Código Civil, já que face à factualidade provada não é de molde a poder afirmar com firmeza e segurança a relação paternal do investigado com o recorrido, encontrando-se, assim, amplamente ilidida a presunção de paternidade. K) Se assim se não entender, deverá ser apreciada a invocada questão da caducidade. L) Resultou da audiência de discussão e julgamento que, pelo menos nos últimos quatro anos de vida do investigado, este se encontrava acamado e que o recorrido durante esse período nunca se encontrou com ele. M) Deveria o Tribunal "a quo" ter considerado que, se os poucos actos de tratamento que considerou provados existiram até essa altura, pelo menos, a partir do momento em que o investigado ficou acamado, deixaram de existir tendo, assim, caducado o direito de o recorrido intentar a presente acção, pelo decurso do prazo. 7. O recorrido A apresentou contra-alegações, onde salienta que: 1) Dos autos resulta provada a filiação (e paternidade) "biológica" e a "posse de estado" do Autor. 2) Não foi alegado, nem provado, qualquer facto impeditivo, extintivo ou modificativo de tal "posse de estado". 3) O Autor goza da presunção legal de paternidade prevista no artigo 1871 n. 1 alínea a) do Código Civil. 4) Os Réus não ilidiram tal presunção nos termos do artigo 1871 n. 2 do Código Civil. 5) A acção foi proposta no prazo de um ano prevista no artigo 1871 n. 4, ex vi 1873, do Código Civil. 6) A data da morte é a única data que poderá ser tomada como certa como cessação do tratamento. 7) Aos Réus competia o ónus da prova de que tal tratamento cessara em data anterior à data da morte, o que não lograram fazer. 8) Dos factos provados resulta inequivocamente que o pretenso Pai não alterou em momento algum e até à data da morte o seu comportamento, convicção e tratamento, assim como não foi alterada a reputação e convicção unânime do público. 9) Não se verifica a excepção de caducidade. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Elementos a tomar em conta: 1. No dia 14 de Janeiro de 1996 faleceu D', com 68 anos de idade, no estado de solteiro. 2. No dia 2 de Julho de 1956 nasceu o Autor, sendo registado apenas como filho de E'. 3. Entre aquele D' e a mãe do Autor não existe qualquer relação de parentesco ou afinidade. 4. No período compreendido dentro dos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do Autor a sua mãe manteve relações sexuais com aquele D', não tendo mantido relações sexuais com qualquer outro homem. 5. O D' por várias vezes manifestou a intenção de vir a casar com a mãe do Autor. 6. Muitas vezes o D' encontrava-se com o Autor, dispensava-lhe carinhos e chamava-lhe filho. 7. Algumas vezes o D' deu dinheiro ao Autor e à mãe deste, dinheiro e géneros alimentícios para o sustentar. 8. O D', por vezes, quando o Autor era criança, acarinhava-o e levava-o a passear na motorizada. 9. As pessoas das freguesias de Pedra Furada e Balazar consideravam e consideram o D' como pai do Autor. III Questões a apreciar no presente recurso. A apreciação e a decisão recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passe fundamentalmente, pela análise de duas questões: a primeira, se não se verifica a presunção estabelecida na alínea a), do n. 1 do artigo 1871, do Código Civil; a segunda, se se verifica (ou não) a caducidade da presente acção. A segunda questão ficará prejudicada na sua apreciação no caso de a primeira sofrer resposta no sentido afirmativo. Abordemos tais questões. IV Se não se verifica a presunção estabelecida na alínea a) do n. 1 do artigo 1871, do Código Civil. 1. Posição da Relação e das partes. 1a) A Relação do Porto decidiu que, face à matéria fáctica fixada, mostra-se provada a paternidade com base na presunção legal estabelecida na alínea a) do n. 1 do artigo 1871, do Código Civil, presunção que não foi ilidida. 1b) Os Recorrentes sustentam que a matéria de facto considerada provada é insuficiente para poder considerar-se que houve tratamento e reputação de pai para filho e de filho para pai quer pelo investigado, quer pelo público em geral. - A presunção de paternidade encontra-se amplamente ilidida já que face à factualidade provada não se pode afirmar com firmeza e segurança a relação paternal do investigado com o recorrido. 1c) O recorrido sustenta que a existência da presunção da paternidade é inatacável não só da matéria de facto provada resultar factos que, no seu conjunto, são caracterizadores da posse de estado, mas também não terem os Réus alegado e provado factos que ilidissem tal presunção, conforme lhes competia. Que dizer? 2. Nas acções de investigação em que o Autor afirme a existência de alguma das presunções estabelecidas no artigo 1871 do Código Civil, caberia a ele o ónus de alegar (e provar) os factos correspondentes à presunção especificadamente invocada; ao Réu caberá, por seu turno, alegar (e provar) que, não obstante a verificação dos factos concretos que constituem a base da presunção legal (a posse de estado, etc.) o investigado não teve relações com a mãe do investigante no período da concepção ou que, tendo-as tido, não foram elas a causa geradora da procriação ou da fecundação do óvulo materno. Trata-se do regime estabelecido para a presunção "iuris tantum", ou seja, de uma presunção que pode ser ilidida por prova em contrário. A prova do contrário é a prova principal, visto se destinar a demonstrar não existir o facto presumido e não somente criar a dúvida a tal respeito (MANUEL de ANDRADE, Algumas Questões e Matérias de Injúrias Graves como Fundamento do Divórcio, página 24). 3. O artigo 1871 deu outra solução à questão do ónus da prova nas acções de investigação de paternidade: o seu n. 2 diz que a presunção se considera ilidida quando existem dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado. Cabe ao Réu investigado alegar e provar factos capazes de suscitar "dúvidas sérias" sobre a paternidade presumida. Se o conseguir, retira ao Autor o benefício da inversão do ónus do probatório: coloca-o na necessidade de convencer o juiz da existência do vinculo biológico, isto é, na necessidade de provar o facto constitutivo do seu direito. - Os casos de dúvida sobre a paternidade do investigado a que a lei se refere abrangem de modo especial as situações da chamada exceptio plurium, ou sejam, os casos em que, não obstante se provar que o investigado teve relações sexuais com a mãe do investigante no período legal da concepção, se prova ao mesmo tempo, ou se admite, pelo menos, que ela teve relações com outro ou outros homens durante o mesmo período (cf. P. LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado volume V, páginas 305-306; GUILHERME de OLIVEIRA, Estabelecimento da Filiação, páginas 156-157). 4. "In casu" os Réus não lograram afastar a paternidade do investigado por não existirem factos comprovativos de exceptio plurium, sendo certo que os provados integram o fundamento invocado: a posse de estado (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 1995, B.M.J. n. 443, 388). Certo é que, na falta da invocada presunção, bastava, para a procedência da acção de investigação, que o investigante provasse, como provou, que a mãe, no período legal da concepção, só com o investigado manteve relações sexuais ou seja, basta provar a filiação biológica (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n. 443, página 388). Conclui-se, assim, que se verifica a presunção estabelecida na alínea a) do n. 1 do artigo 1871, do Código Civil. V Se se verifica (ou não) caducidade da presente acção de investigação de paternidade. 1. Posição da Relação e das partes. 1a) A Relação do Porto decidiu improceder a excepção da caducidade da acção, na medida em que tendo o investigado falecido em 14 de Janeiro de 1996 e a acção sido intentada em Maio do mesmo ano, os Réus não lograrem provar a cessação do tratamento como filho ainda em vida do investigado e que essa cessação havia ocorrido há mais de um ano relativamente à data da propositura da acção. 1b) Os Recorrentes sustentam verificar-se a caducidade da acção, já que, quando o investigado faleceu, já haviam cessado, pelo menos quatro anos antes da sua morte, os actos eventualmente integradores dos conceitos de reputação e tratamento. Por isso, deveria o Tribunal da Relação ter considerado, face às declarações das testemunhas em audiência de julgamento, já haver cessado cerca de quatro anos da morte do investigado, os actos integradores dos conceitos de reputação e tratamento, e, em consequência, ser admitida a alegada excepção de caducidade do direito de peticionar. 1c) O Autor/recorrido sustenta que aos Réus competia o ónus da prova do tratamento como filho pelo investigado cessara em data anterior à data da morte, o que não lograram fazer, sendo certo que dos factos provados resulta que o investigado não alterou em momento algum e até à data da morte o seu comportamento, convicção e tratamento, assim como não foi alterada a reputação e convicção unânime do público. Que dizer? 2. Antes de mais, há que assinalar que a questão a apreciar deveria ser resolvida à sombra do artigo 1854 do Código Civil de 1966 - que estabeleceu o princípio de que a acção de investigação de filiação ilegítima só pode ser proposta durante a menoridade do investigante, ou nos dois primeiros anos posteriores à sua emancipação ou maioridade, com desvios quando se verifique certas circunstâncias -, uma vez que o Autor, nascido em 2 de Julho de 1956, atingiu a maioridade em 2 de Julho de 1977 - artigo 130 -, sendo certo que esta disposição legal se manteve em vigor até 1 de Abril de 1978, data em que veio a ser substituída pelo artigo 1817, conforme Decreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro. Dado que o artigo 1817 entrou em vigor no decurso do prazo dos dois anos posteriores à maioridade do Autor, a questão a analisar à sombra do mesmo deverá ser decidida, sendo certo que tal se acentue não porque estejamos perante um problema de aplicação das leis do tempo (cfr. BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação do Tempo do Novo Código Civil, página 235), mas sim por as normas incitas nos ns. 1 e 4 do artigo 1854 do Código Civil de 1966, terem sido acolhidas nas normas ns. 1 e 4 do artigo 1817 da Reforma de 1977. 3. Fechado este parêntesis, apreciemos a questão de saber se se verifica (ou não) a caducidade da presente acção de investigação de paternidade. -4. Discute-se a quem caberá o ónus da prova da caducidade da acção quando esta se funde, como é o caso, na posse de estado e seja proposta ao abrigo do n. 4 do artigo 1817. - Sobre o ónus desse prazo de caducidade e dos demais estabelecidos naquela disposição legal desenharam-se duas orientações: uma, no sentido de só fazer recair sobre o Réu o ónus da prova dos elementos de caducidade no caso previsto no n. 1 do artigo 1817 - como regra geral - e de incumbir ao Autor a prova das situações previstas nos restantes números, como "casos especiais" ou "excepções" àquela regra (na doutrina, cf. GUILHERME de OLIVEIRA, Estabelecimento da Filiação, página 41; JACINTO BASTOS, Direito de Família, volume IV, 124; na Jurisprudência, Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 5 de Janeiro de 1984 - B.M.J. n. 333, página 465; e de 15 de Novembro de 1989 - B.M.J. n. 391, página 155); uma outra, no sentido de que é ao Réu que incumbe provar os diversos prazos estabelecidos no artigo 1817 por a caducidade ter a natureza de um facto extintivo (Acórdão da Relação do Porto, de 31 de Janeiro de 1989 - apelação n. 21285, 1. Secção, não publicado, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Dezembro de 1992 - apelação n. 82177, 2. Secção, não publicado. 4a) No acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Maio de 1993 - relatado pelo Relator do presente acórdão - aderiu-se à segunda orientação, firmando a doutrina seguinte: "A repartição do ónus da prova deve fazer-se pelos critérios consignados nos artigos 342 e seguintes, do Código Civil, competindo ao Autor o dos "factos constitutivos" e ao Réu o dos "factos impeditivos, modificativos ou extintivos" do direito invocado. "A caducidade, como perda do direito pelo seu não exercício dentro de determinado prazo, reveste a natureza de excepção peremptória, e traduz-se assim em facto extintivo" (artigos 298 n. 2, do Código Civil e 487 n. 2, do Código de Processo Civil) "Conjugando estes princípios com o disposto no artigo 1817, não há que falar em prazo regra e prazos excepcionais, mas antes em diversos prazos de caducidade... "Assim, na hipótese do n. 4 de 1817, enquanto ao Autor caberá a prova de que foi "tratado" como filho, por ser um elemento ou pressuposto exigido pela lei substantiva para o exercício do direito de acção, ao Réu incumbirá fazer a prova do decurso de mais de um ano sobre a cessação desse tratamento" - COLECTÂNEA de JURISPRUDÊNCIA - ACÓRDÃOS do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - Ano I, tomo II, página 191 ... 4b) A segunda orientação passou a ser uma constante neste Supremo Tribunal de Justiça (Acórdãos de 5 de Dezembro de 1991 - B.M.J. n. 412, página 477 -, de 10 de Janeiro de 1995 - B.M.J. n. 443, página 388 - e de 7 de Novembro de 1995 - B.M.J. n. 451, página 419). 4c) Continuamos a propender para a segunda orientação. Conjugando as conclusões consignadas no Acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Maio de 1995 - relatado pelo presente relator - com os critérios gerais de repartição do ónus da prova, não há que falar, face ao disposto no artigo 1817, "em prazo regra e prazos excepcionais, mas antes em diversos prazos de caducidade, cada um dependente de certas circunstâncias, de forma que todos têm a mesma base, a mesma razão de ser: o de pretenderem a conciliação do direito indisponível ao estabelecimento da maternidade (ou paternidade) corolário dos direitos à identidade e à integridade pessoais que a lei fundamental tutela, com a situação de incerteza que o pretenso progenitor (e seus herdeiros) suportaria se o exercício de direitos ao reconhecimento de um estado pessoal não devesse ser limitado no tempo" (cf. Acórdão de 20 de Maio de 1993, na Colectânea citada, página 121). Todos os prazos têm, pois, a mesma natureza. 5. No que respeita ao n. 4 do artigo 1817, ao Autor cabe alegar e provar de que foi "tratado" como filho (sem necessidade de alegar e provar todos os demais elementos integradores da posse de estado - PIRES de LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado volume V, página 85), não carecendo de fazer a prova de facto de que esse tratamento não cessou. - O "tratamento como filho pelo pretenso pai é o facto constitutivo, correspondente à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão: o benefício da prorrogação do prazo. 6. Temos, ainda, na hipótese contemplada no n. 4 do artigo 1817, que ao Réu incumbirá a prova de que esse tratamento cessou há mais de um ano, na medida em que se trata de "facto" correspondente à previsão (abstracto) de norma substantiva em que baseia a causa extintiva do efeito pretendido pelo Autor. 7. A não cessação de tratamento de filho pelo pretenso pai é prova bastante difícil de ser feita: trata-se de prova de um facto negativo, de sorte que se justifica a aplicação da doutrina do n. 2 do artigo 343, onde se estatui caber ao Réu prova de o prazo já ter decorrido quando a acção deva ser proposta "dentro de certo prazo a contar da data em que o Autor teve conhecimento de determinado facto". - Com efeito a presente acção tinha de ser proposta dentro de certo prazo a contar, não do conhecimento dum facto, mas da verificação dum facto (a cessação do "tratamento" de filho pelo pretenso pai). Daí que a prova do decurso desse prazo caiba ao Réu. 8. As considerações expostas, conjugadas com a matéria factual fixada pela Relação, permite-nos precisar que, por um lado, o Autor cumpriu o ónus de afirmação e de prova dos factos integrativos do conceito de "tratamento como filho" pelo pretenso pai e, por outro lado, os Réus não cumpriram o ónus de afirmação (cfr. artigos 2 e 3 da contestação) e de prova de se encontrar extinto o direito do Autor por decurso do prazo. Conclui-se, assim, não se verificar a caducidade da presente acção de investigação de paternidade. VI Conclusão: Do exposto, poderá extrair-se que: 1) A presunção de paternidade estabelecida na alínea a) do n. 1 do artigo 1871, do Código Civil é ilidida, nos termos do n. 2, pela prova feita pelo Réu de existirem dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado, como serão as situações da chamada exceptio plurium. 2) O investigante beneficiará do prazo do exercício da acção de investigação de paternidade contemplado no n. 4 do artigo 1817, se alegar (e provar) factos integrativos do conceito de "tratamento como filho" pelo pretenso pai. 3) Ao Réu cabe o ónus de afirmar e provar que o "tratamento como filho" pelo pretenso pai cessou há mais de um ano em relação à data da propositura da acção. Face a tais conclusões, em conjugação com a matéria fáctica fixada, poderá precisar-se que: 1) Os Réus não lograram ilidir a presunção de paternidade estabelecida na alínea a) do n. 1 do artigo 1871, do Código Civil. 2) Não se verifica a caducidade da presente acção de investigação de paternidade. 3) O acórdão recorrido não merece censura dado ter observado o afirmado em 1) e 2). Termos em que se nega a revista. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 25 de Novembro de 1999. Miranda Gusmão, Nascimento Costa, Lúcio Teixeira, Sousa Inês. (Vencido nos termos da declaração de voto que vai em revisto anexo). Revista n. 702 de 1999 da Sétima Secção. Visto n. 1692. O disposto no artigo 1817, n. 1, do Código Civil constitui a regra: a acção deve ser intentada antes de se completarem dois anos após a maioridade do investigante. Não obstante, a hipótese prevista no n. 4 não constitui propriamente uma excepção mas antes uma hipótese especial que mereceu ao legislador um tratamento diferente, a consagração de um desvio aquela regra. Enquanto o investigado trate o filho como tal, não só não existe necessidade prática de se investigar a filiação como o desencadear de hostilidades pode revelar-se inconveniente, de tal modo que a necessidade prática de investigar a filiação só surge com a cessação do tratamento. Isto posto, verifica-se que o tempo releva no n. 4 do artigo 1817 do Código Civil em dois momentos distintos e com duas diferentes funções. Primeiro, o tempo situa os factos do tratamento na vida do investigante, relacionando-se com a sua idade. Na economia do artigo 1817, n. 4, do Código Civil, nem todos os actos de tratamento são relevantes. Se o investigado, quando o investigante tinha cinco ou quinze anos de idade, se encontra com ele, lhe dispensa carinhos, lhe chama "filho", lhe dá dinheiro ou comida ou o leva a passear de motorizada, como vem provado na espécie, estaremos na presença de actos de tratamento, relevantes para efeito de investigação da filiação, mas absolutamente indiferentes à questão do prazo para a propositura da acção. Com estes factos ou sem eles o investigante terá de introduzir a acção em juízo até completar dois anos após a maioridade. Os actos de tratamento relevantes para efeito de determinar a integração da espécie na hipótese especial do artigo 1817, n. 4, não são quaisquer, mesmo aqueles que possam ter acontecido quando o investigante era criança. Os actos de tratamento relevantes, para este específico efeito, são os actos identificados pela sua situação no tempo entre o início do ano que se segue à maioridade do investigante e a data da propositura da acção. O tempo de cada acto de tratamento nada tem a ver com o prazo de caducidade porque este tempo é o que vem depois do último acto de tratamento, é um tempo vazio, sem tratamento. Com isto, encontra-se na referência ao segundo momento ou segmento em que, na economia do artigo 1817, n. 4, o tempo releva. Este o tempo, o lapso que a lei concede ao investigante, a partir do último acto de tratamento, para intentar a acção de investigação depois de ele investigante, ser maior há mais de dois anos. Cada um destes tempos desempenha a sua função própria. O primeiro tempo, aquele em que os actos de tratamento são praticados, tem como função autorizar o investigante a intentar a acção apesar de já terem decorrido dois anos sobre a maioridade. O segundo tempo, o de vazio de actos de tratamento, tem como função pôr termo à situação de incerteza acerca da eventual relação de filiação entre aquelas duas pessoas, estabelecendo a certeza do direito. Na espécie, o autor intentou a acção quando já tinha cerca de quarenta anos de idade. Para se colocar ao abrigo do caso especial do artigo 1817, n. 4, o autor alegou actos de tratamento praticados pelo investigado "sempre". Ora, a Relação, no quesito em que tal vinha perguntado, o que corresponde ao ponto seis dos factos descritos neste acórdão, substituiu o "sempre" por "muitas vezes"; isto é, não respondeu ao que vinha perguntado acerca do tempo e, em lugar disso, pronunciou-se acerca do número, o que não era objecto do quesito. Uma vez que acabou por se não provar qual o tempo em que os actos de tratamento dos pontos seis e sete da matéria de facto ocorreram (Quanto aos factos do ponto oito, sabe-se que aconteceram quando o autor era criança; e não pode passar desapercebido que os demais são mais característicos de relações entre um adulto e uma criança que entre dois adultos: carinhos, chamar filho, dar dinheiro e comida ao investigante e à mãe deste.), coloca-se a questão de saber sobre qual das partes recai o ónus da prova respectivo. Ou, por outras palavras, cabe dilucidar se o tempo dos actos de tratamento é facto constitutivo de o autor ingressar a acção em juízo quando já tinha cerca de quarenta anos de idade; ou se aquele tempo tem carácter de facto extintivo do direito apontado. Na lição de Antunes Varela (In. Rev. de Leg. e de Jur., ano 117, em especial páginas 27 e 30. Vide também Alberto dos Reis, no "Anotado, III volume, página 294, e os acórdãos deste Tribunal de 5 de Janeiro de 1984, no Boletim n. 333, página 465, de 6 de Janeiro de 1988, no Boletim n. 373, página 538, e de 15 de Novembro de 1989, no Boletim n. 391, página n. 155.), os factos constitutivos antecedem ou acompanham o nascimento da relação em que se integra o direito ou se baseia a pretensão; os factos extintivos pressupõem a constituição anterior da relação, visto actuarem de certo modo sobre os efeitos dela. Por outro lado, os factos constitutivos integram o processo de formação do direito ou da pretensão, enquanto os factos extintivos operam a cessação dos efeitos da relação. (...) Ao autor cabe a prova dos factos que, segundo a forma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido. O autor terá assim o ónus de provar os factos correspondentes à situação de facto traçada na norma substantiva em que funda a sua pretensão. Ao réu incumbirá, por sua vez, a prova dos factos correspondentes à previsão (abstracta) da norma substantiva em que se baseia a causa impeditiva, modificativa ou extintiva invocada. Resulta agora claro que o tempo em que os actos de tratamento, praticados pelo investigado, aconteceram acompanha o nascimento do direito de o autor investigar a sua paternidade depois de haver completado os vinte e três anos de idade. O tempo dos actos de tratamento acompanha a formação o direito de o autor investigar tardiamente (em relação à regra do n. 1 do artigo 1817) a sua paternidade. O tempo desses actos de tratamento serve, de harmonia com o disposto no primeiro segmento do artigo 1817, n. 4, de pressuposto do direito de o autor intentar a acção quando o fez. Assim, o tempo revela-se, neste primeiro segmento daquele preceito legal, um facto constitutivo do direito do autor. Recai sobre o autor o ónus da prova, arcando com a consequência de se não ter provado que aqueles actos foram praticados pelo investigado "sempre". Este tempo que identifica os actos de tratamento não se confunde com esse outro tempo, agora o referido no segundo segmento do artigo 1817, n. 4, aquele que, sendo vazio de actos de tratamento, determina, por caducidade, a perda do direito de o autor investigar a sua paternidade. Este último prazo, este lapso de tempo de um ano, é que é um prazo de caducidade. Ele pressupõe que anteriormente ao seu início se tenha formado o direito de o autor investigar tardiamente a sua paternidade, surgindo posteriormente, com a função de fazer extinguir aquele direito. Aqui, sim, que o ónus da prova do início e decurso deste tempo de vazio recai sobre os réus por se tratar de facto extintivo. A lei n. 21/98, de 12 de Maio, de carácter interpretativo pelo que respeita à alteração deste artigo 1817, confirma o exposto. O novo n. 6 respeita ao ónus da prova do evento que determina o início do vazio, ou seja, o prazo da caducidade, o qual recai sobre o réu. Não respeita ao que está antes, ao tempo dos actos de tratamento que determina o alongamento do prazo do n. 1, o qual recai sobre o investigante. Este entendimento pode confortar-se com o decidido por este Tribunal por acórdão de 26 de Junho de 1998, tirado na revista n. 377/98. Na espécie, não tendo o autor conseguido a prova de que os actos de tratamento ocorreram no tempo capaz, segundo o primeiro segmento do artigo 1817, n. 4, do Código Civil, de o autorizar a investigar a sua paternidade aos quarenta anos de idade, improcede este direito que procurou fazer valer. A situação cai, assim, na regra geral do artigo 1817, n. 1, do Código Civil, que obrigava o autor a ingressar a acção em juízo até completar os vinte e três anos de idade. Não o tendo feito, caducou o seu direito. Votei que se concedesse a revista. Agostinho Manuel Pontes de Sousa Inês Tribunal do Círculo de Vila do Conde - Processo n. 189/96. Tribunal da Relação do Porto - Processo n. 1525/98.

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