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Acórdão STJ de 2023-06-06

9934/17.2T8SNT.L1.S1

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo9934/17.2T8SNT.L1.S1
Nº Convencional7.ª SECÇÃO
RelatorManuel Capelo
DescritoresResponsabilidade Extracontratual, Acidente de Viação, Atropelamento, Cálculo da Indemnização, Equidade, Danos Não Patrimoniais, Danos Patrimoniais, Lesado, Incapacidade Permanente Parcial, Perda da Capacidade de Ganho, Danos Futuros, Dano Biológico, Princípio da Igualdade
Data do Acordão2023-06-06
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualREVISTA
DecisãoNegada a Revista

Sumário

I - De acordo com a orientação reiterada da jurisprudência deste Supremo Tribunal, sendo os danos patrimoniais indetermináveis fixados segundo juízos de equidade - art. 566 nº 3, do CCivil - não compete ao Supremo Tribunal de Justiça a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente verificar os limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto. II - A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. III - É adequada a indemnização de € 50.00,00 por danos não patrimoniais de quem foi atropelado numa passadeira de peões, cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, ficando com quatro cicatrizes; com sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado como de grau 5 numa escala de 7, cujo défice funciona permanente físico foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7, sendo previsível o agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo. IV - É adequada a indemnização de € 60.000,00 por danos patrimoniais futuros na vertente de dano biológico de lesada que tinha 35 anos na data do acidente, a profissão de cabeleireira, cujas sequelas, causadoras de défice funcional permanente de 12 pontos, são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos, estando desempregada na data do acidente e que iria começar a trabalhar no mês seguinte como cabeleireira, tendo tirado o respetivo curso e trabalhando antes disso a dias em limpezas.


Texto Integral

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA, instaurou ação declarativa de condenação com processo comum contra Companhia de Seguros Fidelidade SA com os sinais dos autos, pedindo a condenação da Ré a: - Pagar os danos materiais decorrentes diretos a determinar. -  Pagar compensação de perda vencimentos em 1.200,00 € por mês, bem como 500.00 € de assistência de 3§ pessoa durante o primeiro ano e 200.00 € por mês até ao fim da sua vida. -  Pagar 400.000,00€ de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perca de dignidade, passadas presentes e futuras. -  Suportar todos os danos patrimoniais e morais futuros decorrentes do mesmo. - Bem como assistência médica futura, nomeadamente consultas, operações, tratamentos, internamentos e medicamentos. -  Acrescidos dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento do devido, bem como digna procuradoria e custas de parte nas quais o A. venha a incorrer. Funda o pedido em ter sido vítima de atropelamento por veículo segurado na Ré, acidente da responsabilidade exclusiva do respetivo condutor, o que lhe causou danos diversos que assim pretende ver indemnizados. A Ré apresentou contestação em que não impugna o modo como o acidente ocorreu, mas apenas alguns danos e a indemnização pedida. A Autora ampliou o pedido, o que foi admitido, pedindo a condenação da Ré - Pagar os danos materiais decorrentes diretos a determinar. -Pagar compensação de perda vencimentos vencida de 112.800.00 €e futura em 1.200,00 € por mês (cálculo com base em 12 meses), bem como 6.000.000 € de assistência de 3- pessoa durante o primeiro ano e 16.400.00 € desde dez-2015 até à presente data, e futura em 200.00 € por mês até ao fim da sua vida. -  Pagar 400.000,00€ de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perca de dignidade, passadas presentes e futuras. -  Suportar todos os danos patrimoniais e morais futuros decorrentes do mesmo, - Bem como assistência médica futura, nomeadamente consultas, operações, tratamentos, internamentos e medicamentos. -  Acrescidos dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento do devido, bem como digna procuradoria e custas de parte nas quais o A. venha a incorrer. Cumprido o demais legal, tendo decorrido audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação, em consequência do que: a) Condeno a Ré Fidelidade S.A. a pagar à Autora a quantia de 60 000,00 (sessenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde o dia seguinte à presente sentença até integral pagamento, contabilizados às taxas legais; b)  Condeno a Ré Fidelidade S.A. a pagar à Autora a quantia de € 100 000 (cem mil euros) a título de danos patrimoniais, na vertente de dano biológico, acrescida de juros vincendos desde o dia seguinte a presente sentença até integral pagamento, deduzido do montante pago até ao presente pela Ré por conta da indemnização final. c) Condeno a Ré Fidelidade S.A. a pagar à autora o montante de € 6060,00 (seis mil e sessenta mil euros) a título de danos patrimoniais na vertente de perdas salariais, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento. d)  Condeno a Ré Fidelidade S.A. no pagamento ao Autor dos danos futuros a liquidar ulteriormente referente a ajudas medicamentosas e tratamentos. e) absolvo a Ré do demais peticionado pela Autora. Desta decisão interpôs recurso a ré seguradora tendo a apelação sido julgada parcialmente procedente e, em consequência, revogou parcialmente a sentença recorrida, fixando a indemnização por danos não patrimoniais em € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e a indemnização por danos patrimoniais futuros em € 60.000,00 (sessenta mil euros), com juros de mora contados desde o dia seguinte ao da decisão proferida, com dedução do já pago. … … Desta decisão interpôs a autora o presente recurso de revista concluindo que: “I. A presente sentença padece de Erro de direito no que toca ao critério de definição do valor da indemnização arbitrada pontos versus equidade. II. A A tem lesões permanentes. III. Vai ter necessidade de tratamentos vitaliciamente. IV. Por isso o valor de 12 ponto é uma mera indicação abstrata. V. A A não pode trabalhar muito tempo seguido, deixou de fazer …. VI. Citamos o Relatório: y) a Autora apresenta: no membro inferior direito: - quatro cicatrizes hipocrómicas dispersas, sendo uma no terço proximal e outra no tero distal da face anterior da perna, verticais e lineares com 1 cm de comprimento; uma localizada abaixo e adiante ao maléolo medial, horizontal e linear com o,7 cms de comprimento; e outra no bordo medial do pé, sobre o 1.º metatarso, vertical e linear com 1 cm de comprimento; - amiotrofia de 1,5 cms da perna direita; - cinésia articular do tornozelo, deitado, com movimentos ativos e passivos limitados e referidos como dolorosos; - movimentos de eversão e inversão marcadamente diminuídos. z) A data da consolidação medico legal das lesões é fixável em 27-11-2015, data da última consulta de ortopedia no Hospital 1 na qual se considerou a estabilidade da situação clínica. aa) Entre 26-11-2014 e 03-12-204 a Autora padeceu de défice funcional temporário total. ab) Entre 04-12-2014 e 11-02-2015 e 13-02-2015 e 27-11-2015 a Autora padeceu de défice funcional temporário parcial, com necessidade de ajuda de terceira pessoa para a realização de atividades da vida diária. ac) a Autora padeceu de sofrimento físico e psíquico (quantum doloris) entre a data do acidente e 27-11-2015 de grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, resultante quer das lesões quer dos tratamentos efetuados. ad) Atendendo à globalidade das sequelas de limitação da mobilidade do tornozelo direito com pé em ligeiro equinismo e rigidez marcada da articulação sub-talar, a Autora ficou a padecer de um défice funcional permanente na sua integridade física de 12 pontos (em 100). ae) é previsível o agravamento das sequelas tendo em atenção o envolvimento intra-articular da fratura, com agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo. af) Tendo em conta a profissão de cabeleireira as sequelas da Autora são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos. ag) A imagem da Autora em relação a si e em relação aos outros ficou afetada (dano estético permanente) em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente. ah) As sequelas da Autora repercutem-se nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular (caminhadas, bicicleta, dança e caminhadas na praia) em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente. ai) A Autora necessitará permanentemente de ajudas medicamentosas (analgesia e anti-inflamatórios em SOS), bem como de tratamentos médicos regulares (fisioterapia de manutenção), podendo a artrose pós-traumática do tornozelo agravar, obrigando a tratamentos e uma futura revisão do caso. aj) A Autora só consegue fazer pequenos percursos a pé. ak) A Autora não consegue subir ou descer uma calçada ou ladeira. al) Tem grande dificuldade em andar na praia. am) A Autora não consegue andar de bicicleta e tem grande dificuldade em correr. an) A Autora não consegue usar saltos altos, como fazia antes do acidente. ao) Após o acidente a Autora não conseguia dormir bem e tinha pesadelos constantemente. ap) Ainda hoje a Autora se sente insegura ao atravessar uma passadeira. aq) A Autora sente angústia por não ajudar a prover ao sustento da sua família. ar) a Autora sente-se um peso para a sua família. VII. Ora, se assim é há lesões permanentes VIII. Tais lesões são uma instabilidade da articulação do membro inferior, com dores e em virtude das mesmas limitações. IX. Se atendermos que a A tem uma esperança de vida de mais 40 anos tem que ser indemnizado por este dano. X. Ou seja, a A vai ter dores no pé direito, ….. parece-nos a indemnização arbitrada curta e amarga. XI. Há que frisar que este tipo de lesões se vão agravar com o tempo como é manifesta e infelizmente verificado à medida que envelhecemos. XII. De facto, as mazelas até aos 30 anos mal se sentem, aos 40 acentuam-se …. e depois agravam-se cada vez mais. XIII. Ou seja, é devido um valor de dano moral em virtude das lesões corporais e dos esforços, que nos parece pequeno e insuficiente para reparar o dano. XIV. Ou seja, é devido um valor de dano moral em virtude das lesões corporais e dos esforços, que nos parece pequeno e insuficiente para reparar o dano. XV. Concordamos com a Sentença quanto à responsabilidade. XVI. Já no que toca ao dano moral, aos esforços acrescidos, o tribunal não conseguiu sair da bitola/ limitação dos pontos e ponderar a situação concreta de alguém, que é um técnico e tem um pescoço doloroso, pelo que fica com uma enorme limitação para toda a sua vida. XVII. O dano moral da A , atenta à sua formação e habilitações, será o mesmo de um jurista, que tem dificuldade em ler, de um atleta, que tem dores ao correr ou de um músico que não pode ouvir. XVIII. Por isso entendemos que o valor dos Danos deve ser substancialmente superior. XIX. (…) A A se morresse hoje tinha recebido um valor diário de 56.28 € A A se morrer com 80 anos irá receber um valor diário de 10.37€ XX. A decisão ao atribuir tão parco valor viola, o artigo 483º do CC, sob a epígrafe "princípio geral": 1. aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. XXI. Bem como o artigo 496º, 1, do CC: "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". XXII. O valor arbitrado não cobre o dano e viola o artigo 70º, nº 1, do CC dispõe que "a lei protege o indivíduo contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral". XXIII. De facto, ficar a padecer das lesões e receber o valor em causa não é coisa que se deseje a um inimigo!!!!), pelo que tal valor não indemniza, ou seja não torna o dano indemne…. XXIV. Acresce que o corpo humano como bem juridicamente tutelado, sendo constitucionalmente protegido, de tal forma que o artigo 25º , da Constituição da República Portuguesa considera inviolável a integridade física dos cidadãos XXV. Para que seja indemnizado como dano patrimonial e pelos lucros cessantes não é necessário que a A auferisse um salário, mas tão só que em virtude da lesão e em consequência dessa incapacidade não possa atingir as suas expectativas. XXVI. Ora estamos face a uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte atual de futuros lucros cessantes ou a situação de tal perda representa uma degradação do padrão de vida do lesado. Em suma, requer-se seja alterada a decisão e a R condenada a: Sejam revistos para € 100 000,00 a título de danos não patrimoniais e para € 130. 000 a título de danos patrimoniais, na vertente de dano biológico, de forma que indemnize os padecimentos passados, presentes e futuros do A de forma equitativa e justa.” … …  A ré seguradora contra alegou sustentando a confirmação da decisão recorrida.  Colhidos os vistos, cumpre decidir. … ..  Fundamentação Foi julgada como provada a seguinte matéria de facto:  “ a) No dia 26-11-2014, cerca das 17.45h, na Av. ..., concelho ... ocorreu um acidente de viação por atropelamento. b) Foram intervenientes nesse acidente o ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-PS e o peão AA. c) o veículo com matrícula ..-..-PS circulava na Av. ... no sentido Av. República da ... / Decatlhon, ..., na via direita. d) o acidente ocorreu quando o peão atravessava a via na passadeira de peões da esquerda para a direita atento o sentido de circulação do ..-..-PS. e) o veículo embateu no peão em plena passadeira de peões, quando este se encontrava a atravessar para a faixa mais à direita atento o sentido de marcha da viatura. f) o condutor o veículo ..-..-PS não parou e não conseguiu evitar o embate. g) A Autora foi colhida e projetada para o capot da viatura. h) a viatura transportou a Autora durante uns metros e depois, quando travou, a mesma foi projetada para o chão. i) a Autora foi projetada para a frente do ..-..-PS, vindo a imobilizar-se no chão a cerca e 4,3 metros da passadeira. j) a Autora foi embatida com a parte frontal lateral esquerda da viatura. k) a viatura PS embateu na Autora sem sequer ter efetuado, antes disso, qualquer travagem ou tentado imobilizar a viatura, por não se ter apercebido da sua aproximação. I) Na altura do acidente chovia e o piso encontrava-se húmido. m) Do acidente resultaram ferimentos e politraumatismos para a Autora. n) A viatura ..-..-PS tinha a sua responsabilidade transferida para a Fidelidade através de contrato de seguro titulado pela apólice ...63. o) A Fidelidade assumiu a responsabilidade do condutor da viatura segura na ocorrência do acidente. p) A Autora foi assistida no local pelos Bombeiros que a transportaram para o Serviço de Urgência do Hospital 2, no qual foi observada e realizou TAC crânio-encefálico e radiografias, tendo-lhe sido diagnosticada uma fratura do pilão tíbial direito. q) Foi realizada imobilização gessada e transferida para o Hospital da sua residência, Hospital 3, onde ficou internada na sala de observações. r) No dia seguinte realizou TAC do tornozelo direito que mostrou fratura cominutiva da extremidade distai da tíbia, com atingimento múltiplo da superfície articular, tendo sido submetia a intervenção cirúrgica para colocação de fixador externo nesse mesmo dia. s) Teve alta hospitalar em 03-12-2014, com consulta de ortopedia agendada para aquele hospital, medicada com analgesia e com indicação para descarga total e elevação do membro inferior direito e para realização de pensos duas vezes por semana no seu centro de saúde. t) A12-02-2015 foi de novo admitida no Hospital 3 tendo sido submetida a remoção do fixador externo e colocação de gesso. u) Teve alta hospitalar no próprio dia, medicada com antibiótico e anti-inflamatório não esferóide e com indicação para descarga com canadianas e elevação do membro inferior direito. v) Retirou imobilização gessada m 25-02-2015 e iniciou tratamentos de fisioterapia em março de 2015. w) Foi seguida na consulta de Ortopedia no H... entre 24-07-2015 e 27-11-2015. x) Em 09-03-2017 realizou ecografia dos joelhos que mostrou derrame em ambas as bursas sinoviais subquadricipiais. y) a Autora apresenta: no membro inferior direito: -  quatro cicatrizes hipocrómicas dispersas, sendo uma no terço proximal e outra no tero distai da face anterior da perna, verticais e lineares com 1 cm de comprimento; uma localizada abaixo e adiante ao maléolo medial, horizontal e linear com o,7 cms de comprimento; e outra no bordo medial do pé, sobre o 1.2 metatarso, vertical e linear com 1 cm de comprimento; - amiotrofia de 1,5 cms da perna direita; - cinésia articular do tornozelo, deitado, com movimentos ativos e passivos limitados e referidos como dolorosos; - movimentos de eversão e inversão marcadamente diminuídos. z) A data da consolidação medico legal das lesões é fixável em 27-11-2015, data da última consulta de ortopedia no Hospital 1 na qual se considerou a estabilidade da situação clínica. aa) Entre 26-11-2014 e 03-12-204 a Autora padeceu de défice funcional temporário total. ab) Entre 04-12-2014 e 11-02-2015 e 13-02-2015 e 27-11-2015 a Autora padeceu de défice funcional temporário parcial, com necessidade de ajuda de terceira pessoa para a realização de atividades da vida diária. ac) a Autora padeceu de sofrimento físico e psíquico (quantum doloris) entre a data do acidente e 27-11-2015 de grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, resultante quer das lesões quer dos tratamentos efetuados. ad) Atendendo à globalidade das sequelas de limitação da mobilidade do tornozelo direito com pé em ligeiro equinismo e rigidez marcada da articulação sub-talar, a Autora ficou a padecer de um défice funcional permanente na sua integridade física de 12 pontos (em 100). ae) É previsível o agravamento das sequelas tendo em atenção o envolvimento intra-articular da fratura, com agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo. af) Tendo em conta a profissão de cabeleireira as sequelas da Autora são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos. ag) A imagem da Autora em relação a si e em relação aos outros ficou afetada (dano estético permanente) em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente. ah) As sequelas da Autora repercutem-se nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular (caminhadas, bicicleta, dança e caminhadas na praia) em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente. ai) A Autora necessitará permanentemente de ajudas medicamentosas (analgesia e anti-inflamatórios em SOS), bem como de tratamentos médicos regulares (fisioterapia de manutenção), podendo a artrose pós-traumática do tornozelo agravar, obrigando a tratamentos e uma futura revisão do caso. aj) A Autora só consegue fazer pequenos percursos a pé. ak) A Autora não consegue subir ou descer uma calçada ou ladeira. ai) Tem grande dificuldade em andar na praia. am) A Autora não consegue andar de bicicleta e tem grande dificuldade em correr. an) A Autora não consegue usar saltos altos, como fazia antes do acidente. ao) Após o acidente a Autora não conseguia dormir bem e tinha pesadelos constantemente. ap) Ainda hoje a Autora se sente insegura ao atravessar uma passadeira. aq) A Autora sente angústia por não ajudar a prover ao sustento da sua família. ar) a Autora sente-se um peso para a sua família. as) À data do acidente a Autora vivia com os seus filhos e o seu marido trabalhava em .... at) O marido da Autora trabalhava em ... numa empresa transportadora auferindo por ano £ 31 920,00. au) Após o acidente o marido da Autora teve de regressar para a ajudar assim como aos seus filhos. av) A Autora e BB têm três filhos, nascidos em ...-04-2011, ...-01-2009 e ...-03-2000. aw) Os filhos da Autora e o seu marido sofreram aflição ao ver o estado de saúde da Autora.” … … O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635 n.º 4 e 639 n.º 1, ex vi, art. 679, todos do Código de Processo Civil. O conhecimento das questões a resolver, delimitado pelas alegações, importa em apreciar e decidir se os valores fixados na decisão recorrida como indemnização a título de danos não patrimoniais e de danos patrimoniais, na vertente de dano biológico devem ser alterados para valor superior, defendido pela recorrente. A matéria de análise e decisão coloca-nos no centro da discussão sobre a ressarcibilidade dos danos sofridos por um lesado no domínio da responsabilidade civil extracontratual e numa das suas ocorrências mais significativas – os acidentes e, entre estes, os de viação. Como postulado normativo fundamental o art. 483 nº1 do CCivil estabelece a obrigação daquele que com dolo ou mera culpa tenha violado ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheiros, a indemnizar pelos danos que essa violação tenha causado. E o art. 562 do mesmo diploma esclarece que a reparação desses danos equivale a ter de reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido a lesão, de onde decorre que a lei pretende que a indemnização seja completa e comporte todas as dimensões em que se repercute. Por este imperativo, a técnica legislativa empregue foi a de advertir para que a indemnização compreenda os danos emergentes e os lucros cessantes, bem como os danos futuros – art. 563 e 564 do CCivil. E durante muito tempo, numa consolidada tradição doutrinária e jurisprudencial, entendeu-se que o paradigma desses danos indemnizáveis cabia integralmente na dupla e díspar natureza de danos patrimoniais e danos não patrimoniais ou morais, encontrando-se sem exceção esta referência em todas as sentenças e acórdãos proferidos, distinguindo e apreciando os danos presentes e futuros; os danos emergentes e os lucros cessantes, os patrimoniais e não patrimoniais. Tendo sido superada, pelo menos nas sociedades ocidentais, ao longo dos séculos e com destaque a partir do século XVI e XVII, a conceção sobrenatural da saúde da antiguidade, a substituição operou-se por um conceito de saúde biomédico assente na ideia de ausência de enfermidade (doença, deficiência, invalidez), estado que revelava o equilíbrio do organismo, com referência aos seus meios interno e externo, o que veio a cristalizar-se no conceito que em 1947 a OMS forneceu definindo a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Por sua vez, este entendimento tem sofrido desenvolvimentos, que a atualidade referenda, alargando a saúde como uma função sistémica, deslocando o centro da individualidade para a coletividade, e na qual a centralidade é epidemiológica determinando que cada vez que um dos seus componentes sofre alguma alteração, esta se repercute e atinge as demais partes, num processo em que o sistema tem de buscar novo equilíbrio, contemplando um conjunto de ações e serviços (de saúde) capazes de identificar as interações dos determinantes da produção e reprodução das doenças e de atuar de forma efetiva no enfrentamento destes. Todavia, se o processo saúde-doença tende a configurar-se, em termos de política social, como um processo dinâmico, complexo e multidimensional, incorporando dimensões biológicas, psicológicas, socioculturais, económicas e ambientais, tal não só não retira a importância à concretização que em cada caso cumpra identificar para indemnizar - v.g. de acidente de viação – como fornece informes de compreensão para o que se comporta no dano biológico. Independentemente de reportarem a uma concreta incapacidade laboral genérica - com redução consequente da capacidade de ganho no caso dos lesados com atividade laboral e o acidente ser de trabalho ou a uma perda da capacidade de ganho, distinta, no caso de o acidente não ser de trabalho ou os lesados não terem atividade laboral (nomeadamente por não terem entrado ainda no mercado de trabalho) - ou a qualquer lesão nos direitos integrantes da personalidade (desde logo o direito à vida, à saúde, ao corpo e à imagem) a indemnização deveria atingir por força do citado art. 483 nº1 do CCivil todas essas dimensões em que se tivesse repercutido a lesão, desde que alegadas e provadas. Danos como os incidentes na avaliação da intensidade das dores (o “quantum doloris”); o “dano estético” com rebate no prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social”, respeitante à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural e cívica); o “prejuízo da saúde geral e da longevidade” traduzido no dano da dor e no défice de bem estar, valorizando-se os danos irreversíveis na saúde e no bem estar da vítima e corte na expectativa da vida e, também, o “pretium juventutis”, sublinhando a frustração da possibilidade de viver em pleno a vida de juventude, a todas estas dimensões, a todos eles existem referências mais ou menos identificáveis, eventualmente com diferenças semânticas, nas decisões dos tribunais e no tratamento dos danos cabíveis nos de natureza não patrimonial e com avaliação segundo os critérios de equidade.    Em 23 de setembro de 1960, pelo Decreto 43189, foi aprovada a primeira tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais pondo termo ao que até 1932 dependia exclusivamente da discricionariedade dos tribunais e que a partir dessa data (com o Decreto 21978, de 10 de Dezembro)  até à entrada daquele diploma de 1960 se realizava de acordo com a tabela Lucien-Mayet para a qual, embora não estivesse oficializada em França, se reconhecia ser difícil encontrar solução diversa e alternativa, mesmo que ela (a tabela) não se mostrasse perfeitamente ajustada aos princípios constituídos e enunciados pela Lei 1942 de 1936. Por isso neste diploma se prescreveu que a tabela francesa se aplicasse a título precário, até à elaboração da tabela nacional, mandando ter em conta no cálculo da desvalorização não só a natureza ou gravidade da lesão ou doença, mas ainda a profissão, o salário e a idade do sinistrado, o grau de readaptação à mesma ou outra profissão e todas as demais circunstâncias que pudessem influir na determinação da capacidade geral de ganho. Foi a tabela incluída no diploma de 1960 que se manteve em vigor até que pelo Decreto-Lei n.º 341/93 de 30 de Setembro se colocou em vigor uma nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais que, em 2007, o Decreto-Lei 352 de 23 de outubro, revogou aprovando nova TNI, a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, bem como a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil. O que se deixa referido permite concluir que durante um largo período de tempo, mesmo muito anterior a 1960,  as tabelas de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais serviram igualmente, sem embargo dos poderes dos tribunais respaldados na equidade distintiva da natureza da obrigação (civil ou laboral),  para a obter o montante da indemnização por danos patrimoniais futuros nas situações de responsabilidade civil decorrentes de acidentes de viação embora se soubesse e atendesse, quer na alegação quer na decisão, a que no direito laboral é visada a incapacidade resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto no direito civil se valoriza percentualmente a incapacidade permanente em geral para os atos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da atividade profissional específica - preâmbulo do Decreto-Lei n.º 52/2007. A Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada por este diploma (o Decreto-Lei n.º 352/2007) constituiu, como é pacificamente aceite, o instrumento útil para distinguir de forma tão clara quanto possível a incapacidade laboral da incapacidade para a vida em geral e convocar o “dano biológico” como conceito agregador e identificador dos diversos (sub)tipos de danos causados pelo evento causador da incapacidade para a vida geral. Diversamente, um outro instrumento que poderia ajudar a essa mesma finalidade explicativa, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio,  que sem caráter vinculativo autonomizou o dano biológico e adotou o sistema tabelar para a fixação de indemnizações, não se revela tão útil desde logo pelo obstáculo principal de tomar o “dano biológico” como correspondendo a consequências patrimoniais de situações de incapacidade temporária e/ou parcial, uma vez que o contrapõe aos danos patrimoniais futuros das situações de incapacidade de obtenção de rendimentos absoluta (ou equiparada) – vd. na leitura crítica a este diploma, Maria Da Graça Trigo, in Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português, Julho de 2011, pgs. 170 a 177. Conhecendo do objeto do recurso, deve sublinhar-se desde já que não se suscita (nem pode suscitar-se) qualquer questão referente à aplicabilidade da Portaria n.º 377 /2008, de 26-5, uma vez que nem a recorrente nem a recorrida sustentam a obrigatoriedade da sua aplicação, a mesma não foi efetivamente aplicada e, na decisão recorrida é expressamente esclarecido que “no que respeita aos critérios normativos a considerar na fixação da indemnização, não é sem relevo sublinhar que os critérios constantes dos diplomas referidos pela Recorrente não vinculam os tribunais, o que se crê atualmente pacífico” citando depois jurisprudência do STJ nesse sentido. Os critérios da fixação da indemnização são os expostos na decisão recorrida e já antes enunciados no sentido de visarem reconstituir a situação pré-existente ao evento lesivo, conforme dispõe o artigo 562 do CCivil abrangendo não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, devendo o tribunal atender aos danos futuros nos termos do art. 564 nº1 e 2 e, não menos importante, deve ser calculada em dinheiro, na possibilidade frequente e verificada no caso que se analisa de a reconstituição natural não ser possível - artigo 566 do CCivil E no que respeite aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, conforme dispõe o artigo 496 nº1 do CCivil o seu montante é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494, circunstâncias essas que são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem. No domínio do dano biológico sufragamos a posição maioritária na jurisprudência do STJ que considera que o dano biológico, independentemente do rebate profissional e de comprovadamente afetar a capacidade aquisitiva salarial ou de rendimentos, é um dano patrimonial futuro na medida em que, atuando sobre a capacidade funcional do lesado, exigirá esforços acrescidos para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras e é suscetível de reparação como dano patrimonial autónomo – cfr. ac. STJ de 24-2-2022 no proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, in dgsi.pt e também Maria da Graça Trigo,  O conceito de dano biológico como concretização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos danos – Breve contributo, Revista Julgar, n.º 46 págs. 268 e segs. Efetivamente, o dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. Como já se decidiu neste STJ “[a] indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspetivado na ótica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente refletida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas” – ac. desta secção de 21-01-2016 no proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1.  Esta afetação da pessoa do ponto de vista funcional, mesmo que não se traduza em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral dos lesados e, especificamente da sua atividade laboral decorrente dos esforços suplementares necessários para a execução do trabalho e da predisposição anímica integral para o exercer de forma totalmente gratificante numa perspetiva de realização pessoal. Ainda neste contexto a afetação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral genérica das vítimas é sobretudo significativa nas situações de lesado que não sendo afetado na sua capacidade laboral específica seja afetado na sua capacidade laboral genérica- cfr. ac. STJ de 24-2-2022 antes citado e onde se deixa referido que a utilização do conceito de dano biológico na jurisprudência nacional tem sido utilizado como resposta a esse tipo de situações. No caso dos autos resulta que a situação recorrente/lesada se enquadra nas situações de alguém que em resultado das lesões sofridas fica a padecer de um défice funcional permanente na sua integridade física de 12 pontos com previsível agravamento das sequelas sendo estas compatíveis com a sua profissão, mas implicando esforços suplementares. De acordo com a orientação reiterada da jurisprudência deste Supremo Tribunal, os sendo os danos patrimoniais indetermináveis fixados segundo juízos de equidade - art. 566 nº 3, do CCivil - não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente verificar os limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto, sem embargo de a sindicância do juízo equitativo não afastar a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto” – vd. ac. STJ de 24-2-2022 citado e a jurisprudência do STJ aí mencionada. Independentemente de estarem em causa danos patrimoniais ou não patrimoniais, o STJ tem entendido que o controlo da fixação equitativa da indemnização, designadamente em sede de recurso de revista, deve concentrar-se em quatro aspetos “[E]m primeiro lugar, deve averiguar-se estarem preenchidos os pressupostos normativos do recurso à equidade. Em segundo lugar, terem sido consideradas as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida. Em terceiro lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados – v.g. no caso da indemnização por danos não patrimoniais se foram considerados o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a situação económica do lesado -. Em quarto lugar, se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência, deveriam ser respeitados. Está em causa fazer com que o juízo equitativo se conforme com os princípios da igualdade e da proporcionalidade – e que, conformando-se com os princípios da igualdade e da proporcionalidade, conduza a uma decisão razoável” – ac. STJ de 12-11-2020 no proc. 317/12.1TBCPV.P1.S1 in dgsi.pt. E como também já o afirmámos “A equidade praticada ou a praticar não pode afastar-se de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que se entende, generalizadamente, deverem ser adotados numa jurisprudência evolutiva e atualística para não abalarem a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.” – ac. STJ de 19-10-2021 no proc. 7098/16.8T8PRT.P1.S1 in dgsi.pt. Os parâmetros em que os tribunais fazem assentar as suas decisões estabilizou, de acordo com as indicações normativas retiradas dos arts. 494, 496, 564 e 566 do Ccivil, no entendimento de o dano biológico poder conduzir a consequências patrimoniais e não patrimoniais; de estes danos patrimoniais serem as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de atividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos;  de o deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica com uma certa avaliação traduzida em pontos abranger mais do que uma incapacidade profissional permanente com igual percentagem - se tiver sido fixada uma indemnização laboral pela incapacidade profissional, a indemnização do défice funcional complementa-a na medida em que ultrapasse aquela (embora neste domínio existam acórdãos em divergência). A fixação da incapacidade geral de ganho com recurso à equidade (por força do art. 566/3 do CC), realiza-se em função dos seguintes indicadores: a idade do lesado e a sua esperança de vida; o seu grau de incapacidade geral permanente (isto é, a percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica); as suas potencialidades de ganho em profissão ou atividades económicas compatíveis com as suas qualificações e aquele défice; outros que se revelem no caso e jurisprudência anterior. Não se fixa através de tabelas utilizadas para determinação dos danos patrimoniais resultantes da IPP para o exercício da profissão habitual – havendo neste ponto uma corrente de entendimento, mesmo no STJ, que continua a referir a esta forma de cálculo como base para o posterior funcionamento da equidade, advertindo no entanto não ser esse cálculo determinante mas apenas um instrumento de abordagem tendente a contribuir para uma maior certeza, segurança e igualdade de um juízo sempre presidido pela equidade. Na apreciação dos elementos de que se socorreu a decisão recorrida para fixar as indemnizações bem assim no modo como os conjugou em registo de equidade e no resultado que obteve, não sofre alteração ou reparo a indemnização correspondente ao dano biológico sofrido pela autora porque ela foi encontrada através de um exercício criterioso e equilibrado de observação dos elementos concretos e não abstratos que servem o juízo de equidade e, também, através de da análise da jurisprudência que a decisão recorrida exemplarmente consultou salvaguardando as diferenças especificas que os factos provados sinalizam, quer nas distintas gravidades quer nas circunstâncias particulares em que o desempenho da profissão é exercido em cada caso consultado. Deve nesta conformidade ser mantida a decisão recorrida, quanto à indemnização por danos patrimoniais futuros na vertente da incidência patrimonial do dano biológico, em € 60.000,00 (sessenta mil euros). … … Quanto aos danos não patrimoniais – art. 496 do CCivil - a regra geral da ressarcibilidade é determinada pela gravidade dos danos ocorridos aferida por critérios de normativos e não de subjetividade casuística, assentes na ponderação dos bens jurídicos violados nos quais os da integridade física e saúde e, funcionalmente, no trabalho como expressão de realização. Concretizando o que é por natureza indeterminável, dando-lhe uma medida concreta, é de novo a equidade que preside a este juízo que não prescinde em termos de igualdade do confronto com indemnizações atribuídas em outras situações, no esforço possível de procurar uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. No respeito por estes indicadores normativos a decisão recorrida procurou na jurisprudência recente padrões de escrutínio observáveis também no caso em decisão e as conclusões que retirou revelam-se de equilíbrio atendendo às circunstâncias de modo como o acidente ocorreu, às lesões que sofreu e ao que estas a sujeitaram -  transporte para o Serviço de Urgência do Hospital 2; imobilização gessada e transferência para o Hospital 3, onde ficou internada e sujeita a exames  e a intervenção cirúrgica; alta hospitalar em 03-12-2014, com indicação para descarga total e elevação do membro inferior direito e para realização de pensos duas vezes por semana no seu centro de saúde; nova intervenção em 12-02-2015 para  remoção do fixador externo e colocação de gesso com medicação e com indicação para descarga com canadianas e elevação do membro inferior direito; imobilização gessada e tratamentos de fisioterapia com seguimento em consulta de Ortopedia com consolidação em 27-11-2015. Ficou com 4 cicatrizes e amiotrofia de 1,5 cms da perna direita com movimentos ativos e passivos limitados, referidos como dolorosos, e movimentos de eversão e inversão marcadamente diminuídos;  padeceu de sofrimento físico e psíquico entre a data do acidente e 27-11-2015 de grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, resultante quer das lesões quer dos tratamentos efetuados; padeceu de défice funcional temporário total, entre 04-12-2014 e 11-02-2015 e 13-02-2015 e 27-11-2015 e de défice funcional temporário parcial, com necessidade de ajuda de terceira pessoa para a realização de atividades da vida diária. Deste quadro de sequelas a autora só consegue fazer pequenos percursos a pé, não consegue subir ou descer uma calçada ou ladeira, tem grande dificuldade em andar na praia, não consegue andar de bicicleta e tem grande dificuldade em correr, não conseguindo usar saltos altos, como fazia antes do acidente. Tudo isto se repercute nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, sendo que futuramente o previsível agravamento das sequelas e da artrose pós-traumática do tornozelo poderá obrigar a tratamentos e uma futura revisão do caso. No quadro valorativo da indemnização acresce o dano estético permanente em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, as perturbações do sono no tempo mais próximo do acidente e a sensação de insegurança quando na estrada como peão bem como a angústia por não ajudar a prover ao sustento da sua família. O período de doença com tratamentos e fisioterapia foi de um ano e o quantum doloris durante esse tempo foi de 5 pontos numa escala de 7 (gravidade ascendente). Com todos estes elementos nos quais não se dispensa a culpa do lesante como critério na fixação da indemnização a atividade da jurisprudência em casos semelhantes remete para padrões dos quais é possível extrair valores uma apreciação que no caso determine como razoável adequado e equilibrado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 50.000,00 (cinquenta mil euros) como o decidiu a decisão recorrida. Nesta conformidade não merecendo reparo o que foi decidido no acórdão da Relação improcedem na totalidade as conclusões de recurso, devendo ser manter-se a decisão nos seus precisos termos. … …  Síntese conclusiva - De acordo com a orientação reiterada da jurisprudência deste Supremo Tribunal, sendo os danos patrimoniais indetermináveis fixados segundo juízos de equidade - art. 566 nº 3, do CCivil - não compete ao Supremo Tribunal de Justiça a determinação exata do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente verificar os limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto. - A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º, nº 3, do Código Civil), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. - É adequada a indemnização de € 50.00,00 por danos não patrimoniais de quem foi atropelado numa passadeira de peões, cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, ficando com quatro cicatrizes; com sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado como de grau 5 numa escala de 7, cujo défice funciona permanente físico foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7, sendo previsível o agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo. - É adequada a indemnização de € 60.000,00 por danos patrimoniais futuros na vertente de dano biológico de lesada que tinha 35 anos na data do acidente, a profissão de cabeleireira, cujas sequelas, causadoras de défice funcional permanente de 12 pontos, são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos, estando desempregada na data do acidente e que iria começar a trabalhar no mês seguinte como cabeleireira, tendo tirado o respetivo curso e trabalhando antes disso a dias em limpezas. … …  Decisão Pelo exposto acordam os juízes que fazem parte deste tribunal em julgar improcedente o recurso e, em consequência, em confirmar na totalidade a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 6 de junho de 2023 Relator: Cons. Manuel Capelo 1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves 2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Abreu

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