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Acórdão TCA Sul de 2013-11-21

08226/11

TribunalTribunal Central Administrativo Sul
Processo08226/11
SecçãoCA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão2013-11-21
RelatorAna Celeste Carvalho
DescritoresMedicamentos Genéricos, Aim, Pvp

Sumário

I. Explicitando o Tribunal a quo a base legal que o habilitava a decidir, afastando a regra legal, prevista no nº 3 do artº 40º do ETAF, de decidir em conferência de três juízes, isto é, mediante invocação do disposto na alínea i), do nº 1, do artº 27º do CPTA, não se pode falar em violação das regras de competência do Tribunal e de inexistência da sentença. II. Poderá discordar-se da aplicação do disposto na alínea i), do nº 1, do artº 27º do CPTA, mas sem a decisão por juiz singular constitua um caso de inexistência da sentença, por se tratar tal norma atributiva de competência do relator. III. Com a publicação da Lei nº 62/2011, de 12/12 e o Acórdão do STA nº 771/2012, 09/01/2013, ficam esclarecidas as dúvidas que ainda pudessem subsistir sobre a falta de fundamento da pretensão que se funda na obrigação do Infarmed e do MEI, de averiguarem no âmbito dos procedimentos administrativos de AIM ou de fixação do PVP, se existe ou não uma patente válida que proteja a substancia activa ou o processo de fabricação. IV. Da aplicação conjugada dos artigos 6º, 8º, n.º 3, 26º, 118º, 126º, da Directiva nº 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06/11/2001, 10º, nº 2, alínea b) da versão da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31/03/2004, 3º, nºs. 1 e 2, do D.L. nº 269/2007, de 26/07, 14º, nº 1, 15º, 16º, 25º do D.L. nº 176/2006, de 30/08, na concessão das AIM o Infarmed não está obrigado a verificar se para aquele medicamento genérico existe ou não uma patente vigente que protege a substancia activa ou o processo de fabricação, por não atribuições para tanto. V. A simples concessão do AIM não lesa, por si só, os direitos de patente, pelo que não há que estender o direito de audiência prévia aos titulares desses direitos. VI. Este entendimento é o que melhor se coaduna com a cláusula ou excepção “Bolar”, que visa permitir que um medicamento genérico seja comercializado imediatamente após a caducidade dos direitos de propriedade industrial. VII. Do D.L. nº 65/2007, de 14/03 e da Portaria nº 300-A/2007, de 19/03, depois substituída pela Portaria nº 312-A/2010, de 11/06), o MEI também não está legalmente obrigado a verificar, no âmbito do procedimento de fixação de PVP, por nenhuma norma o prever.


Texto Integral

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 21/04/2011 que, no âmbito da acção administrativa especial instaurada por ... AG contra o ora Recorrente e a Contra-interessada, ... , julgou a acção procedente, anulando os actos de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) dos medicamentos genéricos identificados, intimou o Infarmed a não autorizar a transferência das AIM concedidas à ... , verificada que seja a vigência da patente invocada e do certificado complementar correspondente e ainda a intimação da DGAE/MEI a abster-se de emitir os PVP requeridos ou a requerer pela Contra-interessada, verificada que seja a vigência da patente invocada e do certificado complementar correspondente. Formula o aqui Recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 1252 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “1. Nos termos do artigo 40º/3 do ETAF, “nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito”. 2. A presente acção administrativa especial tem o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) por aplicação do artigo 34º/1 e 2 do CPTA, sendo que por aplicação dos artigos 6º/2 do ETAF e 31º/1 da Nova LOFTJ a alçada do TAC Lisboa é de € 5.000,00 (cinco mil euros). 3. Nestes termos, a decisão do TAC Lisboa deveria ter resultado da formação de um colectivo de três juízes e não apenas um juiz singular como aconteceu, devendo por isso ter sido proferido um acórdão e não uma sentença. 4. Assim, a douta Sentença Recorrida deve ser julgada inexistente por violação grosseira das regras da competência quanto à estrutura do tribunal, devendo ser proferida nova decisão do TAC Lisboa, sem desrespeito pela regra da formação deste Tribunal para o caso em concreto. 5. Não resultava do Antigo Estatuto do Medicamento, como não resulta do Novo Estatuto do Medicamento, qualquer obrigação de verificar, no âmbito da concessão de AIM, a caducidade dos direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico. 6. Isto porque, não se pode confundir o procedimento de concessão de autorização de introdução de mercado com a fase de comercialização do medicamento. 7. Na verdade, tratam-se de realidades manifestamente diferentes e que não podem ser confundidas, nomeadamente quanto aos seus efeitos legais e consequente possibilidade de reacção por quem se considere prejudicado por eles. 8. De acordo com o Novo Estatuto do Medicamento, e demais legislação complementar, os únicos aspectos que têm de ser apreciados no procedimento tendente à concessão de uma autorização de introdução no mercado são a qualidade, a segurança e a eficácia do medicamento. 9. Ou seja, a concessão de uma AIM pelo Recorrente constitui um acto administrativo predominantemente vinculado, pelo que, em princípio, uma vez preenchidos os respectivos requisitos, a concessão da AIM não pode ser recusada. 10. Pelo que, será, pois, de concluir que não competia ao INFARMED, na sequência do procedimento de autorização de introdução no mercado, aferir da caducidade dos direitos de propriedade industrial, como também não constitui um pressuposto de avaliação a ponderar no procedimento de concessão de AIM. 11. Ora, conforme referiu o douto Tribunal a quo, ao INFARMED “nos termos da lei compete-lhe inegavelmente aferir dos pressupostos de facto e de direito para a AIM do medicamento genérico requerida pela Contra-interessada”, pelo que, uma vez que no procedimento de autorização de introdução no mercado não cabe ao INFARMED verificar direitos de propriedade industrial, não se verifica nenhum, deficit de instrução no caso em concreto. 12. A Recorrida não se subsume ao conceito de interessada previsto no art. 100º do CPA, porquanto, i) os actos de AIM não afectam a sua esfera jurídica (o que eventualmente apenas poderá acontecer com a comercialização dos medicamentos da Contra-interessada), assim como, ii) no Novo estatuto do Medicamento está previsto que no procedimento de concessão de AIM apenas intervém o requerente e o INFARMED. 13. Assim, uma vez demonstrado que não cabe ao INFARMED, no procedimento de autorização de introdução no mercado, a verificação de direitos de propriedade industrial, assim como, que a Recorrida não se subsume ao conceito de interessada previsto no artigo 100º do CPA, improcede em absoluto a douta Sentença Recorrida que decretou procedente a presente acção administrativa especial.”. Pede a revogação da sentença recorrida. * A Recorrida contra-alegou, sem, contudo, formular conclusões (cfr. fls. 1291 e segs.). Conclui pedindo que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida. * Foi proferido despacho de sustentação, no qual se refere, em súmula, que no que concerne “à suscitada inexistência da Sentença, por a mesma ter sido subscrita por um único Juiz, refira-se que a questão foi objecto de pronúncia expressa na Sentença, a fls. 1228 Procº físico, na qual se refere: “Nos termos do nº 1 do art. 92º e nº 1 alínea i) do artº 27º, ambos do CPTA, dispensa-se a vista aos juízes-adjuntos, proferindo-se, consequentemente decisão, por se entender que a questão a decidir se não mostra complexa.” (…)”. * O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, julgando verificada a incompetência do juiz singular, mas que, quando assim não se entenda, defende que o Infarmed não tinha de proceder à indagação sobre a existência de eventuais patentes ou outros direitos privados (cfr. fls. 1370-1377). * A Recorrida pronunciou-se sobre o parecer do Ministério Público no sentido de não lhe assistir razão. * O Infarmed veio a juízo alegar que, em sequência da Lei nº 62/2011, de 12/12, não devem existir dúvidas sobre a interpretação a expender e que essa lei deve ser considerada na decisão a proferir (cfr. fls. 1421 e segs.). * Em sequência, veio a Recorrida pronunciar-se sobre o alegado no Infarmed, nos termos constantes do requerimento de fls. 1432 e segs, reiterando que deve ser negado provimento ao recurso. * Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA. As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de: 1. Inexistência, por violação das regras de competência, em violação do artº 40º, nº 3 do ETAF; 2. Erro de julgamento, por não caber ao Infarmed verificar direitos de propriedade industrial, não existindo défice de instrução, nem se subsumir ao conceito de interessada. III. FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “a) A Autora, sociedade constituída de acordo com as leis da Suíça, é uma empresa do grupo empresarial ... , cuja actividade consiste no comércio e indústria de produtos farmacêuticos e que se tem dedicado na investigação e desenvolvimento de produtos farmacêuticos. b) Em 18.02.1991, a ... , empresa a que sucedeu a ora Autora, apresentou, no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), um requerimento, onde afirmava desejar proteger em Portugal o seu invento de “Processo para a Preparação de Compostos Bifenilo” caracterizado pelas 146ª reivindicações aí referidas, e requereu a respectiva patente de invenção (documento nº 1 junto com a petição inicial); c) Nesse requerimento, a requerente declarou ter sido depositado o primeiro pedido da referida patente na Suíça, em 19.02.1990 e 5.07.1990, sob o nº 518/90-2 e 2234/90-9 (cfr. documento nº 1 junto com a petição inicial); d) Com esse requerimento, a Autora apresentou um “Resumo” do “Processo para a Preparação de Compostos Bifenilo” (cfr. documento nº 1 junto com a petição inicial); e) Em 18.02.1991 a ... apresentou também a Memória Descritiva do pedido de patente de invenção “Processo para a Preparação de Compostos Bifenilo” caracterizado pelas 146ª reinvidicações aí referidas (cfr. documento nº 1 junto com a petição inicial); f) O pedido de patente formulado em 18.02.1991 veio a ser publicado como patente de invenção nº 96799, no BPI (Boletim da Propriedade Industrial) nº 4/1991, de 31.10.1991, tendo sido averbada a transmissão, por fusão, da ... para a Autora ... AG em 9.05.1997, (cfr. documento nº 1 junto com a petição inicial); g) Por despacho de 26.06.1998 do Presidente do INPI foi concedido à ora Autora a concessão total da patente de invenção nº 96799, o qual foi publicado no BPI (Boletim da Propriedade Industrial) nº 6/1998, de 30.09.1998, contando da certidão junta com a petição inicial como documento nº 1 que estão pagas 11 anuidades e está em vigor até 26.08.2009, a patente nº 96799 vigorará até 26 de Junho de 2013, nos termos do Decreto-lei nº 141/96, de 23 de Agosto. h) Existe também um Certificado Complementar de Protecção concedido nos termos do Regulamento do Conselho (CEE) nº 1768/92, de 18 de Junho de 1992, concedido pelo INPI, por referência ao seu produto contendo como substância activa o Valsartan (cuja marca é o ... ), estendendo o período de protecção da Patente para qualquer produto contendo o Valsartan até 23 de Setembro de 2013. i) O Valsartan é um composto terapêutido, usado para o tratamento da hipertensão, com antagonistas do receptor Angiotensina II, baseado num aminoácido [(L)-valina], que actua ao nível do receptor AT, e a sua formulação galénica e utilizações terapêuticas relacionam-se com a patente PT 96799. (cfr. documento 1 junto com a petição inicial); j) Por despacho de 27.01.2009 da Vice-Presidente do INFARMED foi concedida à contra-interessada ... – Consultadoria, Lda. autorização para introdução no mercado (AIM) dos seguintes medicamentos genéricos, contendo como princípio activo o Valsartan, com o seguinte designação: Valsartan Tanvalir 40 mg comprimido revestido por película; Valsartan Tanvalir 80 mg comprimido revestido por película; Valsartan Tanvalir 160 mg comprimido revestido por película; Valsartan Varirtan 40 mg comprimido revestido por película; Valsartan Varirtan 60 mg comprimido revestido por película; Valsartan Varirtan 160 mg comprimido revestido por película (cfr. doc. nº 3 junto com a petição inicial, fls. 398/502); k) A presente Acção Administrativa Especial deu entrada no TAC de Lisboa em 27 de Abril de 2009. (Cfr. fls. 2 e sg SITAF).”. * Nos termos do artº 712º do CPC, porque relevantes para a decisão a proferir, aditam-se os seguintes Factos Assentes: l) Na sentença, extrai-se o seguinte: “Nos termos do nº 1 do artº 92º e nº 1 alínea i) do artº 27º, ambos do CPTA, dispensa-se a vista aos juízes-adjuntos, proferindo-se, consequentemente decisão, por se entender que a questão a decidir se não mostra complexa.” – cfr. fls. 1228 dos autos; m) A sentença foi proferida por Juiz singular – cfr. fls. 1211-1241 dos autos. DO DIREITO Considerada a factualidade dada por assente, assim como a ora aditada, importa entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, segundo a sua ordem de precedência. 1. Inexistência, por violação das regras de competência, em violação do artº 40º, nº 3 do ETAF No presente recurso assaca o Recorrente o vício de inexistência à sentença recorrida, por violação do disposto no nº 3, do artº 40º do ETAF, que dispõe que nas acções administrativas especiais, de valor superior à alçada, o Tribunal funciona em formação de três juízes, à qual compete o julgamento da matéria de facto e de direito. Tendo a acção o valor de € 30.000,01, a decisão proferida pelo TAC de Lisboa deveria ter resultado da formação de um colectivo de três juízes e não de apenas um juiz singular como aconteceu. Vejamos. Remetendo para a factualidade aditada por este Tribunal de recurso, extrai-se do teor das alíneas l) e m), que foi aduzido na sentença, proferida por juiz singular, o seguinte: “Nos termos do nº 1 do artº 92º e nº 1 alínea i) do artº 27º, ambos do CPTA, dispensa-se a vista aos juízes-adjuntos, proferindo-se, consequentemente decisão, por se entender que a questão a decidir se não mostra complexa.”. Significa isto que o Tribunal a quo explicitou a base legal que o habilitava a decidir, invocando expressamente a aplicação do disposto na alínea i), do nº 1, do artº 27º do CPTA, ao invés de seguir a regra legal, prevista no nº 3 do artº 40º do ETAF. Tal preceito legal foi expressamente invocado na sentença, nela se tendo estribado o Juiz titular do processo para o proferimento da sentença. Com efeito, estabelece a norma da alínea i), do nº 1, do artº 27º do CPTA que compete ao relator o poder de “proferir decisão quando entenda que a questão a decidir é simples, designadamente por já ter sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, ou que a pretensão é manifestamente infundada”, o que no caso foi invocado. Poderá a Recorrente discordar da aplicação desse preceito legal, de entre o mais, por considerar que o mesmo não é aplicável, mas não existe fundamento para invocar a inexistência da sentença. A sentença foi proferida alicerçada em norma habilitante da competência do relator, pelo que, não se verifica o fundamento do recurso invocado. Por outro lado, no presente recurso não ataca o Recorrente a aplicação da norma legal em que se estriba a competência do relator do processo, pelo que, carece de razão o suscitado. Termos em que, em face do exposto, improcede a censura dirigida contra a sentença, por não provada. 2. Erro de julgamento, por não caber ao Infarmed verificar direitos de propriedade industrial, não existindo défice de instrução, nem se subsumir ao conceito de interessada, para efeitos de audiência prévia Nos termos que decorrem da alegação do recurso o Tribunal a quo incorre em diversos erros de julgamento, quanto à interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis. Considera o Recorrente que a sentença recorrida erra quando decidiu que incorre o acto impugnado de défice de instrução, gerador de ilegalidade do acto final do procedimento. Compulsando a sentença sob recurso, decorre da sua fundamentação de Direito que o Infarmed desrespeitou o disposto no artº 87º do CPA, traduzido num défice de instrução, por compulsado o processo instrutor e os elementos carreados para os autos não inexistem fundamentos de facto para se decidir como decidiu, por faltar qualquer elemento, documental ou outro, no sentido de que se encontram integralmente preenchidos os pressupostos para a classificação dos medicamentos em causa como genéricos, ou seja, de que os direitos de propriedade industrial ou do processo de fabrico sobre a substância activa haviam caducado. Mais se extrai da sentença que a actividade de comercialização dos medicamentos para os quais a Contra-interessada obteve as AIM colide com a existência de patente válida e que cabe ao Infarmed aferir embora, incidentalmente, da patente da Autora. Vejamos. A questão que se encontra por decidir enfrentou durante um longo período inflexão na jurisprudência, quer ao nível da primeira instância, quer ao nível dos Tribunais Superiores, com destaque para este Tribunal, o TCAS, o qual durante algum tempo, por maioria, adoptou o entendimento que se mostra sufragado na sentença ora sob recurso, isto é, que a concessão de AIM e a subsequente fixação do PVP, em si mesmas, implicavam a violação do direito de patente, de forma irreparável e estrutural, havendo que se acautelar tal violação, designadamente, pelo Infarmed e pelo MEI. Não obstante, da nossa parte, desde 2007, que temos vindo a defender posição contrária à assumida na sentença sob recurso, posição que ainda hoje mantemos (cfr., entre outros, os processos nºs 1286/07.5BESNT e 1300/07.4BESNT). Existe, por isso, um conjunto vasto de decisões em sentido divergente, a qual, pelo menos, em parte, se apresenta reflectida nas contra-alegações do presente recurso. É no quadro da existência de uma divergência na jurisprudência e após a recusa de admissão de vários recursos de revista por parte do STA, que veio a ser publicada a Lei nº 62/2011, de 12/12, que veio interpretar os artigos 19º, 25º e 179º do Estatuto do Medicamento. Porém, também essa lei não veio alcançar o desiderato que se pretendia com a sua publicação, já que mantiveram as partes as suas anteriores posições, em alguns casos aditando razões discordantes contra a lei interpretativa, mantendo-se os processos judiciais pendentes, de que o presente é disso exemplo. É neste contexto que em 09/01/2013 foi prolatado o Acórdão do STA, sob nº 771/2012, que em formação alargada, considerou que, já antes da entrada em vigor da Lei nº 62/2011, de 12/12, o ordenamento legal não exigia que o Infarmed ou o MEI, antes da concessão das AIM ou da fixação de PVP, averiguassem da violação de eventuais direitos de propriedade industrial. A questão material controvertida veio, por isso, recentemente a merecer análise por parte do Supremo Tribunal Administrativo, pelo que, na actualidade, tende a estabilizar-se a questão, em sentido favorável ao defendido pelo Recorrente, Infarmed. Nesse aresto do STA é entendido o seguinte: “O regime jurídico a que obedece a AIM dos medicamentos para uso humano é estabelecido no já referido EM (art. 1/1), aprovado pelo DL 176/2006, de 30.8, que procedeu à transposição para o direito interno, designadamente da Directiva nº 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (nº 2). Como decorre do regime jurídico estabelecido nessa Directiva nº 2001/83/CE, designadamente os arts 10 (Artigo 10. 1.: «Em derrogação da alínea e) do nº 3 do artigo 8º e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6º há, pelo menos, oito anos num Estado-Membro ou na Comunidade. Os medicamentos genéricos autorizados nos presentes termos só podem ser comercializados 10 anos após a autorização inicial do medicamento de referência.…».) , nº 1 e 10-A (Artigo 10-A: «Em derrogação da alínea i do nº 3 do artigo 8 e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos ou clínicos se puder demonstrar que as substâncias activas do medicamento têm tido um uso médico bem estabelecido na Comunidade desde há, pelo menos, 10 anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável nos termos das condições previstas no Anexo I. Neste caso, os resultados desses ensaios são substituídos por bibliografia científica adequada».) (red. da Diretiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março), o legislador comunitário não fez depender a concessão de AIM da caducidade dos direitos de propriedade industrial. Antes se limitou a ressalvar que a regulamentação, que estabeleceu – com o objectivo principal de protecção da saúde pública, conforme refere um dos considerandos (nº 4 (Considerando nº 4: «Toda a regulamentação em matéria de fabrico e distribuição de medicamentos para uso humano deve ter como objectivo principal a saúde pública. Todavia, este objectivo deve ser atingido por meios que não prejudiquem o desenvolvimento da indústria e o comércio de medicamentos na Comunidade.».)) da referida Directiva nº 2004/27/CE – não prejudica o disposto nas leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial. E, em conformidade com esse regime, também o EM se limita a consagrar a ressalva de que a comercialização do medicamento genérico autorizado será feita «no respeito pela lei» [arts. 29/1/a), 77/1 e 14/4], sem exigir, como condição de concessão de autorização, a caducidade dos direitos de propriedade industrial incidentes sobre medicamentos. Veja-se o que, na transposição dos citados arts 10 e 10-A da indicada Directiva nº 2001/83/CE, dispõem os arts 19 (Artigo 19º (Ensaios): 1 – Sem prejuízo dos direitos da propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na alínea i do nº 2 do artigo 15º se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que tenha sido autorizado num dos Estados membros ou na Comunidade, há pelo menos oito anos. 2 – …) e 20 (Artigo 20º (Uso clínico bem estabelecido): 1 – Sem prejuízo dos direitos de propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na línea i do nº 2 do artigo 15º se puder demonstrar que as substâncias activas do medicamento têm tido um uso clínico bem estabelecido na Comunidade Europeia há, pelo menos, dez anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável, nos termos das condições previstas no anexo I. 2 – …) do mesmo EM. Do mesmo modo, tanto o art. 15, que indica os elementos que devem acompanhar o requerimento de concessão de AIM, como o art. 25 do mesmo EM, que indica os casos em que tal requerimento será indeferido, não fazem qualquer menção a eventuais direitos de propriedade industrial. O que tudo conduz à conclusão de que, diferentemente do que pretendem as recorrentes, tais direitos não têm que ser considerados no âmbito do procedimento tendente à decisão sobre pedido de AIM de medicamento genérico. Neste sentido, aliás, é decisiva a consideração de que nas atribuições do INFARMED, descritas no art. 3, nº 2, do DL 269/2007, de 26.7, não se inclui a apreciação da eventual existência de direitos de propriedade industrial relativos aos medicamentos a introduzir no mercado. As preocupações aí legalmente deferidas a esse instituto público respeitam às garantias de qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos. A promoção e protecção da propriedade industrial estão, pois, fora das atribuições do INFARMED. Tais tarefas integram, aliás, as atribuições do Instituto da Propriedade Industrial (INPI), que «tem por missão assegurar a promoção e a proteção da propriedade industrial a nível nacional e internacional, de acordo com a política de modernização e fortalecimento da estrutura empresarial do País, nomeadamente em colaboração com as organizações internacionais especializadas na matéria, de que Portugal seja membro» (art. 3/1, do DL 132/2007, de 27.4). Sendo ambos dotados de autonomia administrativa e financeira, estes dois institutos públicos, integrados na administração indirecta do Estado (art. 1/1, do DL 269/2007, e art. 1/1, do DL 132/2007), têm missões distintas e, por isso, enquanto um (INFARMED) «prossegue as atribuições do Ministério da Saúde, sob a superintendência do respectivo ministro» (art. 1/2, do DL 269/2007), o outro (INPI) «prossegue atribuições do Ministério da Justiça (MJ), sob superintendência e tutela do respectivo ministro» (art. 1/2, do DL 132/2007). E, assim, tal como ao INPI não cabe «regular e supervisionar os sectores dos medicamentos», da competência do INFARMED (art. 3/1, do DL 269/2007, a este último não cabe promover e proteger a propriedade industrial. Com efeito, nos termos do art. 101 do CPI, a patente confere o direito exclusivo de exploração da invenção (nº 1) e o direito de o seu titular impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados (nº 2). Todavia, o direito de exclusivo não abrange, entre outros, os actos realizados exclusivamente para fins de ensaio ou experimentais, neles se incluindo experiências para preparação dos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes, de acordo com o disposto nos termos do art. 102, al. c) do mesmo código. Por isso – e como bem salienta, no seu transcrito parecer o Exmo Magistrado do Ministério Público – a prática destes actos, sendo livre, não integra a previsão do ilícito de violação do exclusivo da patente, previsto no art. 321 do CPI. Assim, ao titular da patente apenas assiste o direito de impedir o início da comercialização do medicamento, enquanto a sua patente não caducar. Mas já não pode impedir terceiros de iniciar o procedimento tendente à obtenção de AIM nem impedir que a mesma seja concedida ou que seja fixado PVP do medicamento em causa. Pois, como as próprias recorrentes admitem, tais actos não configuram, designadamente a introdução no comércio de um produto protegido por patente. De resto, no referenciado DL 176/2006 (EM), é clara a distinção entre a concessão de AIM, da competência do INFARMED (Cap. I – arts. 14 a 54) e a comercialização de medicamentos (Cap. IV – arts 77 a 103), da exclusiva responsabilidade do titular da AIM, que «assume todas as responsabilidades legais pela introdução no mercado, no respeito pela lei» [art. 29/1/a)]. No mesmo sentido é a disposição do art. 14 do mesmo EM, com que se inicia a Secção I do referido Capítulo II, relativa ao «Procedimento de autorização», onde logo se estabelece que a respectiva concessão «não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do titular da autorização de introdução no mercado ou do fabricante». Assim, a eventual existência de patente, em favor de terceiro, legalmente impeditiva da comercialização do medicamento autorizado, que o titular da AIM se propusesse iniciar, originaria um dissídio, que o titular dessa AIM e o terceiro eventualmente dirimiriam no foro próprio, sem interferência do INFARMED. Tenha-se presente que, nos termos do CPI, a violação do exclusivo de patente configura ilícito criminal (art. 321 (Artigo 321º (Violação do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores): É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias, quem, sem consentimento do titular do direito: a) Fabricar os artefactos ou produtos que forem objecto da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores; b) (…), podendo o titular da patente impedir essa violação através de adequadas providências cautelares, conforme prevê o mesmo CPI (art. 339 (Artigo 339º (Providências cautelares não especificadas): Nos casos em que se verifique qualquer dos ilícitos previstos neste Código e sempre que finalidade não seja, exclusivamente, a apreensão prevista no artigo seguinte, podem ser decretadas providências cautelares, nos termos em que o Código de Processo Civil o estabelece para o procedimento cautelar comum.)). Em suma: de acordo com um princípio de especialidade de competências, cabe ao INPI a protecção e promoção da propriedade intelectual, cabendo ao INFARMED o controlo da qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos. Daí que esta entidade, no processo tendente à concessão das impugnadas AIM’s, não tivesse de considerar a existência de direitos de propriedade industrial, designadamente os invocados pelas ora recorrentes. As quais, por isso, não tinham, relativamente àquele procedimento e às decisões de AIM, nele tomadas, a qualidade de interessado nem, por consequência, o direito de audiência, nos termos do citado art. 100 CPA. Em sentido contrário ao deste entendimento, as recorrentes alegam que os invocados direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias e, como tal, com protecção acrescida ao nível da própria Constituição, a cujas normas está directamente vinculada a Administração Pública que, por isso, não poderia deixar de considerar, no âmbito daquele procedimento de concessão de AIM’s, tais invocados direitos, prevenindo e reprimindo a respectiva violação. Mas, não colhe essa alegação. Desde logo, e como já se referiu, a AIM, sendo pressuposto jurídico essencial para a entrada do medicamento no mercado, não consubstancia um acto de comercialização desse mesmo medicamento, não se traduzindo, por isso, em qualquer violação do exclusivo conferido pela patente. Nem dele resulta – acrescente-se, agora – a obrigação, para o respectivo titular, de iniciar tal comercialização. Pois que, como bem nota o Exmo Magistrado do Ministério Público, a não comercialização, na vigência de patente, é imposta por lei e não relevará, por isso, para efeito da sanção de caducidade da autorização, prevista no art. 77 (Artigo 77º (Regime de comercialização): 3 – A não comercialização efectiva do medicamento durante três anos consecutivos, por qualquer motivo, desde que não imposto por lei ou por decisão judicial imputável ao INFARMED ou por este considerado como justificado, implica a caducidade da respectiva autorização ou registo, após a notificação prevista no nº 3 do artigo seguinte.), nº 3 do EM. Depois, e como refere um Autor (Prof. J. J. Gomes Canotilho, in parecer jurídico junto ao processo nº 888/12, desta 1 ª Secção.) – para concluir também que, na vigência do EM com a redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei 62/2011, de 12.12, não pertencia ao INFARMED o controlo dos direitos de propriedade intelectual, mas apenas o controlo relativo às qualidades médico-terapêuticas dos medicamentos – «o simples facto de o INFARMED não poder violar direitos fundamentais de propriedade intelectual não constitui, só por si, uma forma atributiva de competências concorrentes com as do INPI no controlo do respeito pelos direitos exclusivos resultantes das patentes. É que – prossegue o mesmo Autor – o facto de toda a Administração estar sujeita à lei e aos direitos fundamentais não significa que todos os órgãos administrativos sejam igualmente competentes na totalidade das matérias respeitantes à regulação e ao controlo do exercício dos diferentes direitos fundamentais. Isto mesmo decorre do artigo 3º/1 do Código de Procedimento Administrativo, onde se consagra o princípio da legalidade. De acordo com esta disposição, “ [o]s órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.” A exigência de obediência à lei – conclui o mesmo Autor – não constitui, em si mesma, uma norma genérica de atribuição de competências para o controlo de todas as ilegalidades, à margem das próprias normas legais definidoras de competências e das considerações de adequação institucional e funcional que lhes estão subjacentes.» E a improcedência da alegação das Recorrentes, quanto à pretendida invalidade dos impugnados actos de AIM, estende-se à parte em que nela se defende a ilegalidade do acto de fixação de PVP dos medicamentos em causa. Desde logo, vale para este acto o essencial do que antes se afirmou quanto à AIM. Pois que também nenhuma dúvida existe de que tal acto, atento o seu tipo legal, sentido e alcance, nada tem a ver com a defesa de direitos de propriedade industrial titulados por patente. Veja-se, a este propósito, o então vigente DL 65/2007, de 14.3, máxime os seus arts. 2, al. b), 4, 5 e 6, bem como a Port. 312-A/2010, de 11.6. Depois, porque, como notou o acórdão recorrido, a condenação da DGAE a abster-se de fixar tais PVP’s decorreu, exclusivamente, da invalidação das AIM’s, não podendo vingar na ausência dela. Do exposto resulta claro, em nosso entender, que, mesmo na ausência da Lei 62/2011, de 12.12, deveria ser julgada improcedente a acção proposta pelas ora recorrentes. E, com a publicação e vigência desse diploma, em que directamente se baseou o acórdão recorrido, mais clara e indiscutível se tornou, a nosso ver, essa improcedência. Com efeito, a Lei 62/2011 veio, para além do mais, modificar o já referenciado DL 176/2006, de 30.8, de modo a definir que a AIM de um medicamento é um acto que não pode nem deve considerar quaisquer «direitos de propriedade industrial» (cfr. arts. 4 e 5, enquanto redactores dos actuais arts. 25, nº 2, 179, nº 2 e 23-A, do DL 176/2006). E, ex vi do art. 9, nº 1 da mesma Lei 62/2011, foi atribuída «natureza interpretativa» à sobredita definição. Ora, «A lei interpretativa integra-se na lei interpretada» (art. 13°, n.º 1, do Código Civil). Sendo assim, é presentemente indiscutível a improcedência da alegação das recorrentes de que são inválidas as impugnadas AIM’s, por desconsideração do seu direito de propriedade industrial. Pois o INFARMED, ao emitir a AIM sem considerar a patente invocada nos autos, agiu secundum legem – como já resultava das suas atribuições e agora se confirma pela interpretação autêntica, que a Lei 62/2011 deu às normas então aplicáveis. E, do que antes já expendemos, resulta que uma tal solução não fere quaisquer princípios ou normas constitucionais. As recorrentes alegam, ainda, que o indicado art. 9°, n.º 1, da Lei 62/2011, é inconstitucional por conferir retroactividade a normas que restringiriam direitos, liberdades e garantias (art. 18°, n.º 3, da CRP). Mas, sem razão. Antes de mais, importa reter que a «natureza interpretativa» das leges novae trazidas pela Lei n.º 62/2011, relacionada com a desconsideração de patentes na emissão de AIM's, é insusceptível de controvérsia. É que tal índole interpretativa, para além de afirmada expressis verbis pelo legislador, corresponde à efectividade das coisas, pois que, sobre esse assunto, havia dúvidas manifestadas em duas correntes jurisprudenciais opostas. Sendo assim, aquela «natureza interpretativa» prevista no art. 9, n.º 1, da Lei 62/2011, de 12/12, é real, em vez de furtivamente acobertar uma intenção inovadora e uma simultânea, e dissimulada, cláusula de retroactividade. Por outro lado, as leis interpretativas, embora tendam a vigorar ex ante, não são retroactivas proprio sensu, porque se limitam a fixar um regime já aplicável no passado (Cfr. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, ed. de 1968, pág. 285, em nota.). Por isso mesmo, a proibição constitucional de que se atribua retroactividade a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (art. 18°, n.° 3) só abrange as leis inovadoras, como este STA já teve a oportunidade de dizer (Vd. o acórdão de 1/7/99, no recurso n.º 44.642.). Quanto às leis deveras interpretativas, a sua retroactividade imprópria está sujeita aos limites previstos no art. 13°, n.° 1, do Código Civil: a salvaguarda dos «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza». Todas essas hipóteses traduzem situações juridicamente estabilizadas, que nada têm a ver com o caso discutido na acção a que respeitam os autos, em que estava em causa aferir da legalidade da AIM, por falta de ponderação da patente. Ora, o que a lei interpretativa indirectamente nos diz é que o INFARMED andou bem ao desconsiderar a patente, pois era assim que a legislação a convocar para a emissão dos impugnados actos devia ser interpretada ab initio. O que, como vimos, implica a improcedência da acção proposta, como decidiu o acórdão recorrido. Portanto, a inconstitucionalidade que as recorrentes atribuem ao art. 9º, n.º 1, da Lei 62/2011 não tem razão de ser. Inseria-se seguramente nas prerrogativas do legislador emitir uma lei interpretativa em matéria controversa. E a emissão de tal lei não fere qualquer direito das recorrentes em sede de propriedade industrial. Pois, seja ou não de reconhecer natureza de direito fundamental ao direito delas à patente, a lei interpretativa, precisamente por sê-lo, não restringiu o direito de propriedade industrial, limitando-se a esclarecer que a consideração e a defesa dele não podem ocorrer no procedimento administrativo de AIM, mas alhures, onde o direito é, aliás, susceptível de uma tutela jurisdicional efectiva, como antes já se viu. Assim sendo, temos que, mesmo antes do surgimento da Lei n.º 62/2011, já deveria entender-se que os pressupostos das AIM's não integravam a consideração de eventuais direitos de propriedade industrial – ideia essa que imediatamente ressaltava das atribuições do INFARMED e era corroborada por outras normas vigentes nesse domínio. Mas, com a Lei n.º 62/2011, dada a interpretação autêntica que ela fez do regime pretérito, tudo isso se tornou mais claro, afastando quaisquer dúvidas, que pudessem persistir.” (sublinhado nosso). Posteriormente, outros acórdãos foram proferidos pelo STA, de entre os quais, sob os n.º 562/13, de 30/04/2013; 1121/12, de 30/01/2013; 771/12, de 09/01/2013 e 1228/12, de 17/01/2013 (todos em www.dgsi.pt). Assim, se não antes, pelo menos, após a publicação da Lei nº 62/2011, de 12/12 e com o Acórdão do STA, nº 771/2012, 09/01/2013, ficaram esclarecidas as dúvidas que ainda pudessem persistir sobre esta matéria, quer no que respeita ao conteúdo ou limites da fase instrutória a apreender pelo Infarmed, quer sobre o dever de audiência prévia a desenvolver nesse procedimento administrativo, assim como a natureza interpretativa daquela lei. Consequentemente, a pretensão da Autora e ora Recorrida carece totalmente de fundamento, o que já era entendido por uma parte da jurisprudência, onde nos incluímos, mesmo em momento anterior ao da entrada em vigor da Lei nº 62/2011, de 12/12. Da aplicação conjugada dos artigos 6º, 8º, nº 3, 26º, 118º, 126º, da Directiva nº 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06/11/2001, 10º, nº 2, alínea b) da versão da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31/03/2004, 3º, nºs 1 e 2, do D.L. n.º 269/2007, de 26/07, 14º, nº 1, 15º, 16º, 25º do D.L. nº 176/2006, de 30/08, o Infarmed na concessão das AIM não está obrigado a verificar se para aquele medicamento genérico a introduzir no mercado existe ou não uma patente vigente que protege a substancia activa ou o processo de fabricação, desde logo, porque não tem atribuições e competências para tanto. Por outro lado, a simples concessão do AIM não lesa, por si só, os direitos de patente, lesão essa que só se verificará com a posterior comercialização dos medicamentos (cf. neste sentido, J.P. Remédio Marques, “Medicamentos Versus Patentes”, Estudos de Propriedade Industrial, Coimbra Editora, 2008, págs. 41, 52; 58, 61, 62, 65, 66 e 84 a 80; Maria José Costeira e Maria Teresa Garcia de Freitas, “A Tutela Cautelar. Das patentes de Medicamentos: Aspectos Práticos”, in Revista Julgar, n.º 8, Maio-Agosto, 2009, Coimbra Editora, págs. 120 a 138). Ao contrário do decidido na sentença sob recurso, que considerou enfermarem os actos impugnados do vício de défice de instrução à verificação da existência de uma patente válida, das Directivas supra referidas e do D.L. nº 176/2006, de 30/08, não decorre a obrigação de instrução do pedido de AIM com a prova da inexistência de patentes que possam ser violadas com a posterior comercialização do medicamento a autorizar a introdução no mercado, nem incidindo a análise do Infarmed sobre a matéria da existência ou da titularidade de direitos de propriedade industrial. Por outras palavras, da aplicação conjugada dos artigos 6º, 8º, n.º 3, 26º, 118º, 126º, da Directiva nº 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06/11/2001, 10º, nº 2, alínea b) da versão da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31/03/2004, 3º, nºs. 1 e 2, do D.L. nº 269/2007, de 26/07, 3º, nº 1, alínea nn), 14º, nº 1, 15º, 16º, 19º, nº 3 e 25º do D.L. nº 176/2006, de 30/08, decorre que na concessão do AIM o Infarmed não está obrigado a verificar se para aquele medicamento genérico a introduzir no mercado existe ou não uma patente válida que proteja a substancia activa ou o processo de fabricação. Por conseguinte, não havendo normas que expressamente determinem aquela obrigação do Infarmed, não se apresenta como procedente uma pretensão que invoca uma tal obrigação. Este entendimento é igualmente o que melhor se coaduna com a cláusula ou excepção “Bolar”, que visa permitir que um medicamento genérico seja comercializado imediatamente após a caducidade dos direitos de propriedade industrial, o que implica que se possa fabricar, requerer e fazer correr todos os trâmites anteriores àquela comercialização, ainda na vigência dos direitos de propriedade industrial (cfr. artigo 37º, nº 1, alínea a), do CPI). No mesmo sentido, entendeu o TJUE, no seu Acórdão datado de 16/10/2003, Astrazeneca/Laegemiddelstyrelsen, C-223/01, o qual respondeu a um conjunto de questões formuladas em sede de reenvio prejudicial, relativas a AIM concedidas no âmbito de um procedimento abreviado, previsto no artigo 4º, terceiro parágrafo, ponto 8, [segundo parágrafo], alínea a), iii), da Primeira Directiva dos Medicamentos (Directiva 65/65/CEE do Conselho com as suas alterações). Nele se salientou que o “principal objectivo” desta Directiva era a protecção da saúde pública, concluindo-se naquele Acórdão designadamente o seguinte: “(…) o procedimento abreviado instituído pela disposição em causa, que, desde que preenchidas determinadas condições, dispensa os fabricantes de medicamentos essencialmente similares a medicamentos já autorizados de fornecer os resultados dos ensaios farmacológicos, toxicológicos e clínicos, foi introduzido para permitir a esses fabricantes economizar o tempo e os custos necessários para reunir esses dados e, em conformidade com o quarto considerando da Directiva 87/21, para evitar que os ensaios no homem ou no animal sejam repetidos sem necessidade imperiosa [v., neste sentido, acórdão de 3 de Dezembro de 1998, Generics (UK) e o., C-368/96, Colect., p. I-7967, n.° 4]. 43 Todavia, na determinação das condições exigidas para se poder utilizar o procedimento abreviado, o legislador comunitário também tomou em consideração, como resulta do segundo considerando da Directiva 87/21, os interesses das empresas inovadoras, designadamente ao subordinar esse procedimento à condição de o medicamento de referência estar autorizado há pelo menos seis ou dez anos na Comunidade [v. acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.os 72 e 73]. 44 Por último, importa sublinhar que a Directiva 65/65 deve ser interpretada e aplicada na perspectiva do seu principal objectivo, que é, como resulta do seu primeiro considerando, a protecção da saúde pública [v., neste sentido, acórdãos Generics (UK) e o., já referido, n.° 22, e de 8 de Maio de 2003, Paranova Läkemedel e o., C-15/01, Colect., p. I-0000, n.° 24]. (…) 49 Com efeito, como a disposição em causa deve ser interpretada na perspectiva do principal objectivo da Directiva 65/65, ou seja, a protecção da saúde pública, e, tal como o advogado-geral sublinhou nos n.os 42 e 43 das suas conclusões, em conformidade com a forma como se encontra redigida na maior parte das versões linguísticas, há que considerar que o legislador comunitário, através da utilização do presente do indicativo, pretendeu exigir que a AIM do medicamento de referência ainda esteja em vigor, pelo menos, na data da apresentação do pedido de AIM para o medicamento genérico. (…) 51 Com efeito, esta interpretação revela-se a mais adaptada à economia e à letra dos artigos 4.° e 5.° da Directiva 65/65: o artigo 4.° refere-se apenas às condições que o pedido de AIM deve satisfazer e o artigo 5.° prevê que a AIM deve ser recusada se a documentação e as informações apresentadas em apoio do pedido não estiverem conformes às condições fixadas no seu artigo 4.° 52 Além disso, esta interpretação é a que melhor corresponde ao objectivo específico do procedimento abreviado que é, tal como se indicou no n.° 42 do presente acórdão, permitir economizar o tempo e os custos necessários para reunir os resultados dos ensaios farmacológicos, toxicológicos e clínicos e evitar a repetição dos ensaios no homem ou no animal. 53 Esta interpretação não põe em causa o objectivo de protecção da saúde pública prosseguido pela Directiva 65/65. A este respeito, há que recordar que a utilização do procedimento abreviado não pode traduzir-se numa atenuação das normas de segurança e de eficácia que devem satisfazer os medicamentos [v. acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.° 22]. Assim, quando as autoridades sanitárias do Estado-Membro a que o pedido se refere considerem, em casos específicos e por razões bem determinadas, que a inexistência de uma obrigação de farmacovigilância por parte do titular da AIM revogada pode pôr em causa a protecção da saúde pública, devem poder adoptar as medidas adequadas, ou seja, se necessário, recusar a utilização do procedimento abreviado para a emissão da AIM de um medicamento genérico” (cfr. o citado Acórdão em http://eur-lex.europa.eu). No mesmo sentido, extrai-se do artº 201º do D.L nº 176/2006, de 30/08, que os AIM nos termos das directivas comunitárias então vigentes, só podiam ser indeferidos com os fundamentos expressamente referidos na Directiva 65/65/CEE. Sobre a matéria, veja-se também o Relatório da CE, datado de 08/07/2007, publicado em http://ex. europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/índex.html. E na mesma linha, o Acórdão nº T-74/00, de 26/11/2002, do Tribunal Europeu de 1º instância, que refere o seguinte: “No âmbito da concessão e da gestão das AIM dos medicamentos, este princípio impõe, em primeiro lugar, que sejam exclusivamente tomadas em conta as considerações respeitantes à protecção da saúde, em segundo lugar, a reavaliação da relação benefício/risco de um medicamento quando dados novos suscitem dúvidas quanto à sua eficácia ou à sua segurança, e, em terceiro lugar, uma aplicação do ónus da prova conforme ao princípio de precaução, implicitamente invocado pela Comissão (v. supra, n.° 165), que é o corolário nomeadamente do princípio da prevalência dos imperativos decorrentes da protecção da saúde sobre os interesses económicos. - Exclusiva tomada em conta das considerações respeitantes à protecção da saúde nas decisões relativas à autorização de medicamentos 175.O princípio geral da prevalência da protecção da saúde pública é expressamente consagrado, no domínio dos medicamentos para uso humano, pelo primeiro considerando da Directiva 65/65 (n.° 2 do preâmbulo do código), que enuncia que qualquer legislação em matéria de produção e distribuição de medicamentos «deve ter como objectivo essencial a protecção da saúde pública», e pelo terceiro considerando da Directiva 93/39 que precisa que, «no interesse da saúde pública e dos consumidores de medicamentos, importa que as decisões de [AIM] de medicamentos assentem exclusivamente em critérios de eficácia, qualidade e segurança, [que] foram amplamente harmonizados pela Directiva [65/65]». 176. Estas disposições confirmam que só devem ser tidas em conta as exigências ligadas à protecção da saúde pública tanto para efeitos de concessão de uma AIM, ao abrigo do artigo 5.° da Directiva 65/65 (artigo 26.° do código), como quando da renovação dessa autorização em aplicação do artigo 10.°, n.° 1, desta directiva (artigo 24.° do código), e no quadro da gestão das AIM em aplicação do artigo 11.° da mesma directiva (artigo 116.° do código). 177. Mais precisamente, atendendo ao primado que assim se atribui à protecção da saúde pública, o titular da AIM de um medicamento, que é válida por cinco anos e é renovável por iguais períodos, segundo o artigo 10.° da Directiva 65/65, não pode reclamar, ao abrigo do princípio da segurança jurídica, uma protecção específica dos seus interesses durante o período de validade da autorização, se a autoridade competente fizer prova bastante de que esse medicamento deixou de satisfazer um dos critérios enunciados no artigo 11.° desta directiva, tendo em conta a evolução dos conhecimentos científicos e os dados novos recolhidos designadamente no quadro da farmacovigilância.” (in http://curia .europa.eu/jurisp). Em face ao exposto, entendemos que em matéria de concessão de AIM, quer pelos órgãos comunitários, quer pelos órgãos nacionais, estão as entidades administrativas vinculadas a conferir tais autorizações, desde que cumpridos os requisitos indicados na correspondente legislação, europeia e nacional. Os requisitos previstos para tais autorizações visam, no essencial, a defesa ou salvaguarda dos interesses da segurança e da saúde públicas e não os interesses privados das titulares de direitos de propriedade industrial. Não são estes interesses que os órgãos que concedem as AIM têm de salvaguardar, mas antes aqueles outros, que radicam no interesse público. A protecção dos interesses de conteúdo económico, como são os decorrentes de infracções a direitos de propriedade industrial, radicados em patentes, seja de produto ou de processo, conforme a citada legislação e jurisprudência europeia e recomendações entretanto emitidas, incumbe, em primeira linha, aos interessados particulares afectados, a fazer-se através dos tribunais de comércio. Não cabe essa defesa aos órgãos nacionais, designadamente, decorrente das suas atribuições ou no exercício das suas legais competências, no âmbito dos procedimentos de AIM ou de fixação do PVP, pois tais competências estão orientadas para a defesa e promoção da saúde pública e não para a defesa dos interesses económicos abrangidos ou não por direitos de propriedade industrial. Pelo que, verifica-se que ao contrário do entendimento assumido na sentença, a conduta do Infarmed, em sede de concessão de AIM é, essencialmente, vinculada, estando obrigado à emissão das AIM, desde que os pedidos respeitem os determinativos legais, que são os constantes das normas europeias e das normas do direito nacional aplicáveis. Além disso, tratando-se de uma matéria fortemente marcada pelo direito europeu e regulada pela Directiva nº 2001/83/CE e pelo Regulamento (CE) nº 726/2004, a transposição que foi feita para o direito interno, através do D.L. n.º 269/2007, de 26/07 e do D.L. nº 176/2006, de 30/08, será sempre balizada pelo determinado naqueles instrumentos, com eles se compatibilizando, por força do princípio do primado do direito europeu face ao direito nacional. Por isso, em face do disposto nos artigos 10º, nº 1 e 10º-A, da Directiva nº 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06/11/2001, transposta para o ordenamento nacional pelo D.L. nº 176/2006, de 30/08, a concessão de AIM não deve ficar condicionada a qualquer prova da extinção dos direitos de propriedade industrial, sendo a protecção desses direitos não obtida através dos AIM, mas através das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial. Por esse motivo, o D.L. nº 176/2006, de 30/08, não exige ao Infarmed a verificação da extinção dos direitos de propriedade industrial, mas apenas determina e impõe o “respeito pela lei”, que regula e protege a propriedade industrial e comercial, respeito exigido aos requerentes do AIM e na comercialização dos medicamentos, nos termos dos artigos 14, nº 4, 29º, nº 1 e 77º, nº 1 do D.L. nº 176/2006. Do mesmo modo, o D.L. nº 65/2007, de 14/03 e a Portaria nº 300-A/2007, de 19/03, depois substituída pela Portaria nº 312-A/2010, de 11/06), não impõem ao MEI, através da DGAE, a verificação da violação do direito de patente quando fixa o PVP de um medicamento genérico, por nenhuma norma o prever. Prevendo-se que possa existir a fixação do PVP de medicamentos genéricos mediante autorização tácita, tal possibilidade legal não seria sequer compatível a obrigação de a DGAE, previamente a tal acto, certificar-se da extinção dos direitos decorrentes de patente – cfr. artigos 1º, 2º e 4º da Portaria nº 300/A/2007, de 19/03 e, no mesmo sentido, na Portaria nº 312-A/2010, de 11/06. Não cabe, por isso, no elenco das atribuições das entidades demandadas em juízo, Infarmed e MEI, um dever de protecção dos direitos derivadas de patente, por essa protecção ser remetida por lei apenas para o próprio, no âmbito do INPI e junto dos Tribunais do Comércio e não dos Tribunais Administrativos. Perante o enquadramento legal exposto, a Lei nº 62/11, de 12/12, nada acrescenta de novo, vindo apenas clarificar a interpretação a dar aos artigos 19º, 25º e 179º do D.L. nº 176/2006, de 30/08, já acolhido por parte das decisões dos Tribunais administrativos portugueses. Temos por adquirido que com a entrada em vigor da referida Lei nº 62/2011, de 12/12, apenas se tornou mais evidente o raciocínio legal acima expendido, de que ao Infarmed não compete aferir da violação dos direitos de patente. De resto, o STA no citado Acórdão nº 771/2012, de 09/01/2013, cuja doutrina se acolhe, já se pronunciou que a Lei nº 62/11, de 12/12, é meramente interpretativa e que não encerra uma inconstitucionalidade, decorrente da violação do direito de propriedade industrial. A Lei nº 62/2011, de 12/12, ao interpretar os artigos 19º, 25º e 179º do D.L. nº 176/2006, de 30/08, será uma lei interpretativa e não uma lei inovadora. Mesmo a defesa de eventuais direitos de patente, decorrente da comercialização pela Contra-interessada de quaisquer medicamentos, não se enquadra no âmbito de quaisquer relações administrativas, multipolares ou poligonais, mas antes no âmbito de uma relação de natureza privada, para cujos litígios não competentes os Tribunais Administrativos, mas sim os Tribunais de Comércio. Neste âmbito, importa considerar as apreciações feitas no Acórdão do STA, nº 771/2012, de 09/01/2013, relativamente à inexistência de contra interessados obrigatórios no procedimento de AIM e na inexistência de um momento obrigatório de audiência prévia, pois os procedimentos de concessão de AIM e de fixação de PVP não estão concebidos, nem orientados para a defesa de direitos de propriedade industrial. Não se prevê qualquer momento procedimental onde se deva e possa proceder à aferição de tais direitos, com a intervenção e a produção da prova pela empresa alegadamente detentora da patente violada, e depois, com a contraprova pela empresa que requereu o AIM. Os indicados procedimentos, por imposição europeia, devem até permitir a possibilidade de as AIM serem concedidas antes do termo da caducidade dos direitos de propriedade industrial, de forma a permitir que os medicamentos genéricos possam entrar no mercado no momento imediatamente após essa caducidade, pelo que, não consiste finalidade de tal regulação, a protecção de direitos de propriedade industrial, mas antes de saúde pública. Por isso, também ao entender de outro modo, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento. Assim, quer no procedimento administrativo de atribuição das AIM, quer no subsequente procedimento de fixação de PVP, não há que aferir da existência de direitos de patente, por só no momento da efectiva comercialização do medicamento aqueles direitos terem de ser salvaguardados, não havendo, em consequência, motivos para se estender o direito de audiência prévia para as titulares desses direitos. O que importa, para o direito europeu e transposição que dele foi feita pelo direito nacional, é que aqueles direitos de propriedade industrial não sejam violados no momento da efectiva comercialização, por antes não existir qualquer violação. O mero pedido de AIM ou de fixação do PVP e a sua concessão podem coexistir com direitos de propriedade industrial válidos, não caducados, importando o momento da efectiva comercialização, pois o objectivo primordial é que tais medicamentos aos quais foram atribuídas AIM e fixados os PVP, possam entrar no comércio imediatamente após a caducidade de direitos de patente. Esta regulamentação visa garantir que as empresas detentoras de patentes não obstaculizem a entrada de medicamentos genéricos no mercado, logo que os seus direitos de propriedade industrial caduquem. Antes da entrada no mercado de um medicamento, nomeadamente genérico, são devidos ensaios, experiências, o desenrolar de procedimentos administrativos e outros, que terão de se decorrer antes da data do termo da caducidade dos direitos de patente – cfr. artº 19º do D.L. nº 176/2006, de 30/08. Em suma, no que concerne aos actos de AIM ou de fixação do PVP, eles não implicam a comercialização de medicamento nenhum, pelo que não se pode dizer que violem quaisquer direitos de patente. Em consequência, não têm as Entidades Demandadas a obrigação legal de obstarem à comercialização dos medicamentos, não emitindo o AIM e não fixando o PVP, a fim de salvaguardarem os alegados direitos emergentes da patente, o que foi intenção do legislador interpretar com a publicação da Lei nº 62/2011, de 12/12 e com a alteração de redacção dos artigos 19º, nº 8, 25º, nº 2 e 179º, nº 2, do D.L. nº 176/2006, de 30/08. Pelo exposto procedem as conclusões do recurso em análise, quanto aos invocados erros de julgamento. * Em suma, pelo exposto, será de conceder provimento ao recurso que se nos mostra dirigido, com fundamento em erros de julgamento, revogando-se a sentença recorrida e em manter na ordem jurídica os actos impugnados. * Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma: I. Explicitando o Tribunal a quo a base legal que o habilitava a decidir, afastando a regra legal, prevista no nº 3 do artº 40º do ETAF, de decidir em conferência de três juízes, isto é, mediante invocação do disposto na alínea i), do nº 1, do artº 27º do CPTA, não se pode falar em violação das regras de competência do Tribunal e de inexistência da sentença. II. Poderá discordar-se da aplicação do disposto na alínea i), do nº 1, do artº 27º do CPTA, mas sem a decisão por juiz singular constitua um caso de inexistência da sentença, por se tratar tal norma atributiva de competência do relator. III. Com a publicação da Lei nº 62/2011, de 12/12 e o Acórdão do STA nº 771/2012, 09/01/2013, ficam esclarecidas as dúvidas que ainda pudessem subsistir sobre a falta de fundamento da pretensão que se funda na obrigação do Infarmed e do MEI, de averiguarem no âmbito dos procedimentos administrativos de AIM ou de fixação do PVP, se existe ou não uma patente válida que proteja a substancia activa ou o processo de fabricação. IV. Da aplicação conjugada dos artigos 6º, 8º, n.º 3, 26º, 118º, 126º, da Directiva nº 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06/11/2001, 10º, nº 2, alínea b) da versão da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31/03/2004, 3º, nºs. 1 e 2, do D.L. nº 269/2007, de 26/07, 14º, nº 1, 15º, 16º, 25º do D.L. nº 176/2006, de 30/08, na concessão das AIM o Infarmed não está obrigado a verificar se para aquele medicamento genérico existe ou não uma patente vigente que protege a substancia activa ou o processo de fabricação, por não atribuições para tanto. V. A simples concessão do AIM não lesa, por si só, os direitos de patente, pelo que não há que estender o direito de audiência prévia aos titulares desses direitos. VI. Este entendimento é o que melhor se coaduna com a cláusula ou excepção “Bolar”, que visa permitir que um medicamento genérico seja comercializado imediatamente após a caducidade dos direitos de propriedade industrial. VII. Do D.L. nº 65/2007, de 14/03 e da Portaria nº 300-A/2007, de 19/03, depois substituída pela Portaria nº 312-A/2010, de 11/06), o MEI também não está legalmente obrigado a verificar, no âmbito do procedimento de fixação de PVP, por nenhuma norma o prever. * Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e em manter os actos impugnados na ordem jurídica. Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias. (Ana Celeste Carvalho - Relatora) Maria Cristina Gallego Santos) (António Paulo Vasconcelos)

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