Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação ... de 10 de março de 2020, proferido no processo nº 135/18 ... do Juízo de Competência Genérica, do Tribunal Judicial da comarca de ….., que confirmou a decisão instrutória de não pronúncia do arguido BB como autor material de 1 (um) crime de difamação agravada, p. e p. pelo disposto no artigo 180.°, n.° 1,e 184.°, ambos do Código Penal, alegando que está em oposição com acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/01/2017, proferido no processo 2175/11.4LSB.L1, e invocando o disposto no art. 437º, do CPP, nos seguintes termos: «O fundamento para a presente interposição de recurso reside na oposição de julgados prevista no n° 2 do art. 437° do Código de Processo Penal: "É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.'' Verifica-se oposição de julgados, por decidirem em sentido oposto da aplicação do mesmo preceito legal a uma conjetura factual idêntica, entre o Acórdão proferido por este Tribunal da Relação, em 11-03-2020, em sede de recurso interposto da decisão de não pronúncia do arguido do Tribunal de 1ª Instância, no âmbito dos presentes autos, e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 26-01-2017, em sede de recurso da decisão de absolvição do arguido proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, no âmbito do processo n° 2175/11.4TDLSB.L1-9, disponível em www.dgsi.pt. Ambos os Acórdãos respeitam à aplicação do mesmo preceito - o n° 1 do art. 180° do Código Penal - assim como ao mesmo ilícito típico - crime de difamação e sua respetiva punibilidade, estando em causa, em ambos, a utilização de expressões aptas a ofender o visado, figura política, na sua honra e consideração. Difamação considerada agravada, em ambos os casos, sendo que, no Acórdão proferido nos presentes autos por aplicação do preceituado no art. 184° do CP (Agravação), por ser a vítima uma das pessoas referidas na al.) l) do n° 2 do art. 132°, enquanto no Acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa, ora em oposição, por aplicação do preceituado no art. 183° (Publicidade e calúnia), por utilização de meios que facilitam a sua divulgação. Em todo o caso, o fundamento continua a ser o divergente sentido de decisão com a aplicação do mesmo preceito legal contido no n° 1 do art. 180° do CP, pois no agravamento da conduta o fundamento difere de um caso para o outro. As expressões em causa nos presentes autos e naquele apreciado e decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que se entenderam aptas a ofender a honra e consideração do visado são: : "(...) só surpreende quem não conhece o carácter, ou a falta dele, da atual Presidente da Câmara Municipal …." e (referindo-se o ora arguido ao ora assistente) "(...) um homem da CIA e maçónico, que instrui os processos que o Dr. CC põe aos ….", num e noutro, respetivamente. A vítima, em ambos os casos, foi alguém que desempenhava cargo político: … da Câmara Municipal …, no caso dos autos, e deputado na Assembleia Regional …, no caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Acórdão fundamento). Todavia, enquanto no caso dos autos se vê agravada a censurabilidade da conduta por via desse mesmo exercício de funções, conforme o disposto no art. 184°, no Acórdão em oposição o agravamento da censurabilidade da conduta resultou do facto de o arguido se ter socorrido de "(...) meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação'''' - no caso, o ... - conforme o previsto na al. a) do n° 1 do art. 183°. Para os efeitos do art. 437°, ambos os acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação, sem que tenha havido lugar a qualquer modificação substantiva do parâmetro legislativo relevante para a resolução da questão controvertida entre a prolação de um e outro Acórdão, tendo o Acórdão fundamento, proferido em 26-01-2017, já transitado em julgado. A ora recorrente tem interesse em agir, porquanto a possibilidade de prolação pelo Supremo Tribunal de Justiça de decisão que revogue aquela proferida por este Tribunal da Relação, que confirmou a não pronúncia do arguido, prejudicial à sua posição e interesse, assim o demonstra. Para efeitos do art. 438°, o Acórdão fundamento, como se descreveu supra, é aquele proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 26-01-2017, no âmbito do processo n° 2175/11.4TDLSB.L1-9 (Relator: Vítor Morgado; Votação: Por Unanimidade), em sede de recurso da decisão final de 1ª Instância que decidiu a absolvição do arguido, publicado e acessível em «www.dgsi.pt», e cuja oposição ao Acórdão de que se recorre, proferido por este Tribunal da Relação, assenta no conteúdo divergente dessa mesma decisão: apresentou, o Tribunal da Relação de Lisboa, entendimento oposto àquele que encontramos na decisão de que se recorre quanto à mesma questão de direito e ao mesmo preceito legal, assim como ao sentido da sua aplicação, num caso com idêntica base factual. Como decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça e resulta pacífico no entendimento jurisprudencial, "efetivamente, a contradição de acórdãos relativa à mesma questão fundamental de direito ocorre quando, num e noutro, a mesma disposição legal for objeto de interpretação ou aplicação oposta, ou seja, quando o caso concreto é decidido com base nela, num acórdão e no outro, em sentido contrário, independentemente de, para o efeito de verificação da oposição, os casos concretos decididos, em ambos os acórdãos, apresentarem contornos e particularidades diferentes, desde que a questão de direito seja, fundamentalmente, a mesma, mas sem se prescindir da identidade das concernentes questões de facto". Resulta clara, inclusive, a semelhança da base factual em ambas as decisões: expressões proferidas no contexto do que se pode considerar luta (ou crítica) política, visando alguém que desempenhava um determinado cargo político e que, como em ambos foi imputado ao arguido, seriam aptas a ofender o(a) visado(a) na sua honra e consideração, no histórico confronto entre o direito fundamental de liberdade de expressão e o não menos essencial direito à honra, bom nome e consideração. O Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão que aqui serve de fundamento, decidiu pela relevância criminal da conduta do arguido ao proferir as expressões em causa, revogando a sentença recorrida e condenando-o pela prática dos factos, enquanto o Tribunal da Relação …., no caso dos presentes autos, decidiu pela ausência de relevância criminal na conduta do arguido ao proferir as transcritas expressões e, consequentemente, pela manutenção da decisão de não pronúncia do arguido prolatada em 1ª Instância. Como exemplo da oposição ao entendimento vertido no Acórdão de que se recorre, vejam-se os seguintes trechos da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa: "Ora, se estamos com a sentença impugnada na parte em que nesta se entende que o aqui arguido agiu na sua qualidade de político ativo e engajado em objetivos, ao reagir à antecedente acusação de plágio de comunicados, já não comungamos inteiramente da conclusão, que aí se extrai, de que as expressões que utilizou não se podem considerar, objetiva e subjetivamente, típicas, difamatórias da pessoa do assistente." "Atento o disposto no artigo 37º, n° 3, da CRP, incumbe aos tribunais judiciais, o controlo da crítica excessiva, arbitrária, gratuita ou desproporcionada, na medida em que seja ofensiva do bom nome e da reputação da pessoa, mesmo quando se trata de político." "Não pode, pois, o direito à liberdade de expressão aniquilar ou esmagar o direito à honra e consideração do ofendido, pois a isso se opõe, desde logo, o artigo 18°, n° 3, da Constituição da República Portuguesa, que limita a restrição dos direitos, liberdades e garantias, as quais não podem "(...) diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais". Se do ponto de vista doutrinal este entendimento é prevalecente, o mesmo parece acontecer do ponto de vista jurisprudencial, ainda que existam já numerosas posições divergentes, mesmo ao nível do S.T.J., do que, de resto, se faz eco a sentença recorrida." "Na verdade, esta jurisprudência do TEDH pode ser violadora, em nossa modesta opinião, da própria Constituição da República Portuguesa, na medida em que a mesma não permite, no seu artigo 18º, nº 3, a restrição dos direitos, liberdades e garantias, como são os direitos pessoais, de modo a diminuir o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais que os consagram. A jurisprudência do TEDH está, verdadeiramente, a hierarquizar, em termos abstratos, os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, o que a mesma não permite por força da sua igual dignidade constitucional." "A grande maioria, para não dizer a generalidade da doutrina e jurisprudência entende que quando estão em causa figuras públicas, os limites da crítica admissível são mais amplos, admitindo-se, no âmbito de controvérsias políticas e públicas, o uso de linguagem forte, exagerada, violenta e mordaz. Esta diferente amplitude tem na base um interesse público de maior escrutínio exigido pela sociedade democrática sobre as figuras públicas, as quais devem suportar uma maior tolerância da crítica, levando, como refere o Prof. Faria Costa a uma "erosão externa da honra". Mas, como refere lolanda Brito, "mesmo em relação às figuras públicas há limites que não podem ser ultrapassados, ainda que no domínio da esfera pública. A tolerância à crítica tem que conhecer barreiras, sob pena de se negar, de uma forma intolerável, a proteção da honra das figuras públicas, o que poderia acarretar diversas consequências negativas, nomeadamente afastar as mais dignas da vida pública". Esta proteção é especialmente exigida, "se uma figura pública pauta o seu comportamento público por padrões de correção, urbanidade, honestidade e lealdade merece uma maior proteção da sua honra do que a figura pública que assume uma conduta pouco compatível com aqueles padrões". Não resulta da factualidade provada que o assistente se incompatibilize com tais padrões. Pelo exposto, não temos dúvidas em afirmar que o arguido cometeu o crime de difamação agravada (...)." Por contraposição, vejam-se então os seguintes trechos da decisão de que se recorre: "Ou seja, na ponderação desses valores em conflito, ambos constitucionalmente consagrados o direito ao bom-nome, à reputação e à imagem por um lado, previsto no art.° 26 da CRP e a liberdade de crítica, de opinião e de expressão por outro, plasmado no art. ° 37 do texto fundamental - deve, tendencialmente, prevalecer o segundo (...). A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), tem sido o corolário deste entendimento, de que são exemplos as decisões proferidas em 29-09-2019 nos recursos 75637/13 e 8114/14, em que se absolveu um jornalista e um médico, que nos tribunais portugueses tinham sido condenados por apelidarem, respetivamente, um governante de idiota e um autarca de cobarde, condenando o Estado Português a pagar-lhes significativas indemnizações. Aliás, conforme referem Helena Leitão e Pacheco Ferreira, (...) já o TEDH condenara por oito vezes o Estado Português por violação do art.º 10 da CEDH, por considerar que os tribunais portugueses subvalorizaram a liberdade de expressão no conflito entre os direitos de personalidade e a liberdade de expressão ou liberdade de imprensa". "Nesta perspetiva, o art.° 180 do C. Penal deve ser interpretado de modo a que o direito à liberdade de expressão não seja subvalorizado e sacrificado, designadamente, quando do contexto dos factos ressalva evidente que foi exercício de um direito de crítica objetiva (...)". "Por outro lado, é consensualmente assumido que os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade, nomeadamente políticos, do que me relação a um simples cidadão, porquanto estão sujeitos a figurar como alvos de mais rudes críticas e juízos de valor que os seus concidadãos, partindo a sociedade do pressuposto de que quem vai para apolítica aceita expor-se e sujeitar-se a um controlo atento dos seus atos, quer pelos seus pares, quer pela comunicação social, quer ainda, pela comunidade em geral, de forma a se pode concluir que, em democracia, a tutela da honra pessoal e reputação dos políticos, é, também por isso, menos intensa que a dos demais cidadãos.'' "Por outro lado, resulta ainda do n.º 2 do art. 10 da CEDH que a proteção da honra poderá e deverá ocorrer, preferencialmente, por outras vias, designadamente, através da ação civil (CFR. Art. ° 70 do nosso Código Civil), porquanto ali se consigna que a repercussão de limitações na liberdade de expressão apenas deverá ter lugar quando inexista outro meio de proteção da honra (...)". "Entendemos, assim, na linha da decisão recorrida, que as expressões em causa, atento o contexto em que foram proferidas, não ultrapassam os limites da crítica pública, dirigida à atuação da assistente enquanto … da Câmara …, delas não decorrendo que o arguido, ao assim proceder, tivesse a intenção de ofender a assistente na sua honra e consideração." Salvo melhor entendimento, resulta clara a oposição entre os Acórdãos em causa, por diferente interpretação e aplicação dos preceitos e argumentos em causa, assim como em outros invocados, como os atinentes à legislação e jurisprudência europeia. Repare-se que ambos os arestos citam jurisprudência do TEDH, sendo certo que se no acórdão recorrido acolhe-se esse entendimento jurisprudencial como argumento legitimador da posição final irrelevância criminal da conduta em causa, já no acórdão fundamento expressamente se atribui à jurisprudência do TEDH uma eventual inconstitucionalidade: "Na verdade, esta jurisprudência do TEDH pode ser violadora, em nossa modesta opinião, da própria Constituição da República Portuguesa, na medida em que a mesma não permite, no seu artigo 18°, n° 3, a restrição dos direitos, liberdades e garantias, como são os direitos pessoais, de modo a diminuir o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais que os consagram. A jurisprudência do TEDH está, verdadeiramente, a hierarquizar, em termos abstratos, os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, o que a mesma não permite por força da sua igual dignidade constitucional." Pelas várias contradições e entendimentos opostos aqui presentes, entende-se, por isso, demonstrado o interesse e o fundamento em ver a questão apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, fixando-se entendimento jurisprudencial quanto à matéria em causa. No nosso entendimento, a intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça logrará trazer esclarecimento e definição a uma questão que continua, invariavelmente, a abundar nos tribunais portugueses, sem que exista um entendimento seguro e orientador sobre qual a posição a tomar perante o histórico confronto entre o direito á critica e á informação e o direito á honra e ao bom nome dos cidadãos que atuam no panorama politico e que vezes e mais vezes se diz estarem "sujeitos a maior crítica" pelos simples facto de desempenharem tal cargo - o que, nas mais das vezes, resulta não num cabal exercício do direito à liberdade de expressão mas sim na concessão de um livre trânsito ao insulto gratuito e desconexo e que a lei objetivamente não permite. Entende-se demonstrado o interesse e o fundamento em ver apreciada a questão dos autos pelo Supremo Tribunal de Justiça, cabendo ao Supremo Tribunal fixar jurisprudencialmente o entendimento a adota e solucionar a controvérsia quanto à matéria em causa. Sem que nada obste, por tanto, à admissão do presente recurso, reunidos e demonstrados que estão todos os pressupostos, termos e requisitos do recurso extraordinário para a fixação de jurisprudência, deverá o mesmo ser admitido, para os devidos efeitos legais, subindo os autos, nos termos já expostos, ao Supremo Tribunal de Justiça com o cumprimento da tramitação processual prevista nos art. 439° e seguintes do CPP». 2. A Exmª Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu Parecer, no sentido da rejeição do recurso, nos seguintes termos: (transcrição) «1 - A assistente AA interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação …, proferido a 10/03/2020 e transitado em julgado a 2/07/2020, como certificado nos autos, no processo identificado em epigrafe, que manteve a decisão de não pronúncia do Juízo de Competência Genérica, do Tribunal Judicial da comarca .… . Entende que esta decisão está em oposição com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/01/2017, proferido no processo 2175/11.4LSB.L1. 2 - A Magistrada do Mº Pº no Tribunal da Relação …. apresentou resposta ao recurso, na qual se pronuncia no sentido de que o acórdão recorrido está em oposição com o acórdão indicado como fundamento, pelo que o recurso deverá prosseguir seus termos. 3 - Como decorre do disposto nos artigos 439º, nº 1, 441º, nº 1 e 442º, n.º 1, todos do CPP, a pronúncia neste momento processual deve incidir apenas sobre os pressupostos processuais comuns aos recursos ordinários - tais como a competência, legitimidade, tempestividade, regime e efeito - e sobre os pressupostos próprios deste recurso extraordinário - a efectiva oposição de soluções sobre a mesma questão de direito, em acórdão anterior. 4 - O art. 437º, do CPP, dispõe que: “1- Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar. 2- É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.” 5 - Assim, quanto aos pressupostos processuais comuns, afigura-se-nos que não se suscitam quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso, quer no que respeita à legitimidade da recorrente quer quanto à tempestividade do recurso, sendo que, nos termos do art.º 438º, n.º 3 do CPP, não tem efeito suspensivo e sobe nos termos indicados no art.º 439º n.º 2, do citado código. Todavia o mesmo não ocorre quanto aos pressupostos próprios do recurso extraordinário, isto é, quanto ao pressuposto substantivo - a efectiva oposição de julgados. 6 - Com efeito, a recorrente argumenta que o acórdão de que recorre e o que indica como fundamento estão em oposição “por decidirem em sentido oposto da aplicação do mesmo preceito legal a uma conjectura factual idêntica”; que “ambos os acórdãos respeitam à aplicação do mesmo preceito - o nº 1, do art. 180, do Código Penal - assim como ao mesmo ilícito típico - crime de difamação agravado e sua respectiva punibilidade, estando em causa, em ambos, a utilização de expressões aptas a ofender o visado, figura política, na sua honra e consideração”. 7 - O sumário do acórdão fundamento, constante da base de dados indicada, sintetizando as questões apreciadas no mesmo, consigna o seguinte: “I- A circunstância de um cidadão adquirir determinado relevo como advogado e/ou como político - sendo, nesse sentido, uma figura pública - não o destitui do seu direito à honra e consideração, sem prejuízo de essa procurada exposição dever ser ponderada no âmbito da tutela de tal direito, quando em colisão com essoutro da liberdade de expressão alheia. II - Declarar o arguido (deputado regional) a um jornal diário que o assistente (líder histórico de um partido de extrema esquerda e advogado) é ‘um agente da CIA’, um ‘homem da CIA’, com consciência da falsidade dessa imputação, constitui uma ofensa à honra e consideração política e pessoal do visado, criminalmente punível como crime de difamação agravada. III - A interpretação dominante que o TEDH tem vindo a fazer do artigo 10.º da CEDH - no sentido de que, no exercício do direito à liberdade de expressão, é permitida uma ofensa quase ilimitada do direito à honra das figuras públicas e particularmente dos políticos - não vincula os tribunais portugueses.” Por sua vez, no acórdão recorrido, considerou-se suficientemente indiciado, tal como no despacho de não pronúncia sobre que recaiu, que o arguido BB tinha um blog, denominado «…», através do qual produzia e difundia textos sobre o concelho e a actividade municipal e que no dia 3/10/2018, escreveu naquele blog, o seguinte: “É uma situação anormal e discricionária, mas que só surpreende quem não conhece o carácter, ou a falta dele, da actual … da Câmara Municipal de …. Uma vez mais, a provocação que vem sendo repetida, as populações de … e … ficaram excluídas de utilizarem o autocarro do município a que pertencem …, para deslocação….., em … …”. Discorrendo sobre os elementos do tipo e o conceito de honra e consideração, o acórdão recorrido afirma que “uma das características da difamação, tal como a injúria, é a sua relatividade, o que quer dizer que o carácter injurioso de determinada palavra ou ato é fortemente dependente do lugar ou ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre, do modo como ocorre, pelo que só em cada caso concreto se pode afirmar se há ou não comportamento delituoso”. E, pronunciando-se sobre o caso concreto, consigna: - se é certo que tal expressão foi desagradável e desnecessária, atendendo ao contexto em que foi referida - como forma de reforçar uma situação de descontentamento da actuação da …. - entendemos que não excede a grosseria, a falta de educação, trata-se de um mero juízo de valor que não tem aptidão para atingir a honra e a consideração do visado.” “In casu, encontramo-nos no âmbito do exercício do direito à crítica e da liberdade de expressão, onde palavras podem e são usualmente usadas de forma agressiva e sem contenção. O … da Câmara Municipal, exercendo um cargo público, tem uma maior exposição e está mais sujeito à crítica do que o normal cidadão, crítica essa que muitas vezes é desnecessariamente agressiva e desagradável.” E conclui: “Destarte, entendemos que tal expressão não tem a virtualidade de atingir eficazmente a honra da assistente. As considerações em causa, no contexto em que foram feitas, são eventualmente desagradáveis, mas a verdade é que a mera descortesia não é susceptível de, por si só, ofender o mínimo de respeito a todos devido, sendo que só ultrapassada tal barreira temos matéria digna de punição penal. Assim, relativamente a estas expressões entendemos que a conduta do arguido não preenche os elementos objectivos do tipo legal do crime de difamação”. 8 - O “recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como é jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, exige a verificação de oposição relevante de acórdãos que impõe que: (i) - as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito; (ii) - que as decisões em oposição sejam expressas; (iii) -que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticas. 2. A expressão «soluções opostas», pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos, se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP” - Ac. STJ de 2-10-2008, processo 08P2484, disponível em www.dgsi.pt. Do mesmo modo no acórdão deste Supremo Tribunal de 23/01/2020, proc. 357/12.0TXPRT-G.P1-A.S1, em que se consignou o seguinte: “…o Supremo Tribunal de Justiça vem consolidando o entendimento de que a existência de decisões antagónicas pressupõe, para além de julgados expressos, a identidade de situações de facto base das decisões de direito antitéticas ou conflituantes”; “… a oposição de julgados pressupõe decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação, sendo que a decisão da questão de direito não pode ser desligada do substracto factual sobre a qual incide”. E conclui: “… a viabilidade do recurso de fixação de jurisprudência pressupõe que estejam em causa soluções de direito dadas a situações de facto idênticas”. 9 - Da análise do acórdão recorrido e do acórdão fundamento é forçoso concluir-se que não há identidade quanto à situação factual e não há conflitualidade entre a solução de direito adoptada num e noutro. Antes, em ambos se entendeu que o contexto em que são proferidas as expressões potencialmente atentatórias da honra e consideração do visado, bem como a qualidade deste e “a procurada exposição” pública têm de ser ponderadas no âmbito da tutela penal do direito à honra e consideração quando em colisão com o direito de liberdade de expressão. E em ambas as decisões se reconheceu que a liberdade de expressão tem limites, havendo que atender ao contexto em que as afirmações são proferidas para aferir se foram ou não ultrapassados esses limites. Assim, enquanto no acórdão fundamento se entendeu, perante a factualidade apurada, que as imputações do ali arguido ao assistente, imputações consideradas falsas e graves, constituem uma ofensa à honra e consideração política e pessoal do visado, criminalmente punível como crime de difamação agravada, no acórdão recorrido considerou-se que face às circunstâncias envolventes - nomeadamente, a efectiva supressão da passagem do autocarro pelas povoações referidas da responsabilidade da assistente, a factualidade indiciada não atingia o grau ofensivo a que se deve conferir tutela penal e por isso concluiu não estarem preenchidos os elementos objectivos do tipo. A situação de facto em causa é diferente num e noutro caso e por isso a solução de direito foi diversa, não podendo, assim, considerar-se haver oposição de julgados entre os arestos em causa. Em conformidade com o exposto, consideramos não estar preenchido o pressuposto substantivo de oposição de julgados, previsto no artigo 437, nº 1, do CPP, pelo que somos de parecer que o recurso deve ser rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 440, n.ºs 3 e 4 e 441, n.º 1, do Código de Processo Penal. 3. Com dispensa de Vistos, foram os autos à Conferência. *** II. FUNDAMENTAÇÃO A matéria de facto relevante para a decisão do presente recurso é a seguinte: 1. Por acórdão do Tribunal da Relação … proferido em 10 de março de 2020 no processo nº 135/18… foi negado provimento ao recurso interposto pela assistente AA da decisão instrutória de não pronúncia do arguido BB pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de difamação agravada, p. e p. pelo disposto no artigo 180°, n.° 1, e 184.°, ambos do Código Penal, proferida pelo Juízo de Competência Genérica, do Tribunal Judicial da comarca …, O acórdão recorrido fundamentou nos seguintes termos o deliberado, na parte que aqui releva: «Dos INDÍCIOS SUFICIENTES: APRECIAÇÃO DA PROVA OBTIDA NA FASE DO INQUÉRITO E NA FASE DA INSTRUÇÃO III.1 - Dos Factos Suficientemente Indiciados Com relevância para a boa decisão da causa, resulta suficientemente indiciado que: 1. O arguido tem um blog denominado '.…, através do qual produz e difunde textos sobre o concelho e sobre a atividade municipal. 2. Em 03.10.2018, o arguido escreveu, no referido blog, o seguinte: "Ê uma situação anormal e discriminatória, mas que só surpreende quem não conhece o caráter, ou a falta dele, da atual …. da Câmara Municipal de …. Uma vez mais, a provocação que vem sendo repetida, as populações de …. e ….. ficaram excluídas de utilizarem o autocarro do município a que pertencem e a quem pagam os seus impostos, para deslocação…, em …, no dia 14 de outubro. Transporte municipal, que é de todos e que a propaganda indianista diz ser 'gratuito' entre as freguesias de …. Pelos visto, não é assim, …. e … pertencem a outros concelhos e só são lembrados quando a cegueira eleitoral e a conquista (ou reconquista) do poder toma conta de mentes que não trabalham para as pessoas, mas para si próprias, com objetivos ainda não declarados, mas percetíveis, de se lançarem noutros 'voos' mais compensadores, monetariamente. Com o tempo e com o avolumar das peripécias que têm marcado o anterior e o atual mandado, pode ser que a força do povo a obriguem a uma 'aterragem forçada'". Mais resulta indiciariamente provado que: 3. Nos concelhos de …. e …, até 2014, a população não era, usualmente, utilizadora desses autocarros para se deslocar para a ….. referida no ponto 2.. III. 2 - Dos Factos Não Suficientemente Indiciados Com relevância para a boa decisão da causa, não resultaram suficientemente indiciados: Ao escrever no seu blog que esta "É uma situação anormal e discriminatória, mas que só surpreende quem não conhece o carácter, ou a falta dele, da atual ….. da Câmara Municipal de ….", o arguido fê-lo com clara intenção de ofender a assistente na sua honra e consideração, bem sabendo que a expressão atrás mencionada era apta a ofender a honra e a consideração daquela e ainda assim não se coibiu de o fazer. Não se consideraram os demais «factos» insuscetíveis de prova pela sua natureza conclusiva, probatória ou de direito. (…) IV - DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS INDICIADOS O artigo 180.°, n.° 1 do Código Penal refere que: "7 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias". O artigo 184.°, n.° 1 do Código Penal refere que: "As penas previstas nos artigos 180°, 181° e 183.° são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea I) do n.° 2 do artigo 132.°, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade". No tipo de ilícito ora em apreço protege-se a honra enquanto bem jurídico complexo que respeita a todo o homem por força da sua qualidade de pessoa e radicada na sua inviolável dignidade, incluindo a sua própria reputação ou consideração exterior (Desta forma, optamos pela combinação da conceção normativa e fàctica do conceito de honra, na esteira da formulação adotada pelo Supremo Tribunal Federal Alemão - BGH, 18-11-1957, JZ 1958 617 e utilizada pela jurisprudência e doutrina jurídico-penais portuguesas). Como atributo de cada um, a honra pertence por igual a todas as pessoas e independente do concreto estatuto social (citado por Faria Costa, in "Comentário Conimbricense do Código Penal", Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pég. 606, escreve HIRSCH: "a vida de uma monja dedicada a Deus e o espírito de sacrifício de um homem excepcionalmente caridoso não conferem qualquer plus de honra em face dos outros"). No crime de difamação trata-se de uma imputação indireta dos factos ou juízos desonrosos, isto é, faz-se intervir uma terceira entidade que é instrumentalizada para se atingir certo intento. O tipo objetivo do crime de difamação assenta nos seguintes pressupostos: Quando o agente se dirigindo a terceiro; Imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo; Ofensivos da sua honra e consideração. Nestes termos, observa-se o preenchimento do seu tipo objetivo quando o agente imputa diretamente a outrem (ofendido) factos ou juízos desonrosos, lesivos da sua consideração. Importa ainda delimitar os conceitos de «facto» e de «juízo». Assim, traduz-se o primeiro num «juízo de existência ou de realidade», enquanto o segundo se entenderá como uma valoração apreciativa de uma coisa ou de uma ideia. Por fim, terá sempre o julgador de os contextualizar no ambiente sociocultural em que foram proferidos ou imputados. A pluralidade de dimensões assumidas pela honra, explica o facto de sobre ela existirem diferentes conceções, sendo habitual a distinção entre a conceção fáctica e a normativa. Assim, dentro desta última conceção, pode distinguir-se uma perspetiva normativo-social e uma outra de cariz normativo-pessoal - [cf., José de FARIA COSTA, op. cit, pp. 602 a 607]. As dificuldades teóricas inerentes a cada uma destas conceções individualmente consideradas levou a que a generalidade da doutrina adotasse um conceito dual de honra, vendo-o antes como um bem jurídico complexo, onde se inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior, perspetiva que se encontra consagrada na lei penal portuguesa - [assim, J. FARIA COSTA, op. c/í., p. 607, e Augusto SILVA DIAS, op. cit, p. 22] Quanto ao que se deve entender por honra e consideração, tem-se proposto que enquanto que a «honra» consiste no juízo valorativo que cada pessoa faz de si mesma, quanto à sua retidão, probidade e carácter, a «consideração» consiste na imagem que os outros têm dessa pessoa, ou seja, a reputação que essa pessoa goza junto das restantes pessoas que constituem a comunidade em que se insere. No que respeita ao elemento subjetivo sempre se dirá que o crime em análise assume natureza dolosa, sendo suficiente a imputação baseada em dolo eventual. Por último, resulta do artigo 184° do referido diploma legal que se a vítima for uma das pessoas referidas no artigo 132°, ai. j), no exercício das suas funções ou por causa delas, a moldura penal correspondente ao tipo legal de crime sofre uma agravação. Assenta-se, aqui, na ideia de que o "estatuto funcional" dos cargos de determinadas pessoas acrescenta uma mais-valia à própria honra, considerando-se que, os atos desonrosos que ataquem essa honra acrescida ou densificada merecem uma maior punição. Trata-se de uma ideia de "honra funcional" (vide, autor e obra citada, pâg. 652) Com vista a apurar se o arguido cometeu o crime de que vem 'acusado' (através do requerimento de abertura de instrução), cumpre, então, enquadrar juridicamente o seu comportamento. Quanto ao bem jurídico tutelado, entende-se que a incriminação da difamação, protege a honra e a consideração, (cf. Jorge de FARIA COSTA, in Comentário Conimbricense do Código Penal- Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, p. 601, António Jorge de OLIVEIRA MENDES, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, e Acórdãos do STJ, de 30-10-2003, e da Relação do Porto, de 07-01-2004, disponíveis em www.dosi.pt') Porém, a ofensa à honra e consideração não pode ser perspetivada em termos estritamente subjetivos, ou seja, não basta que alguém se sinta atingido na sua honra -, na perspetiva interior/exterior - para que a ofensa exista. Para concluir se uma expressão é ou não ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, o meio a que pertencem ofendido/arguido, as relações entre eles, entre outros aspetos. (Nesta linha de raciocínio, o Prof. Beleza dos Santos, na op. c/í., p.167, citando Jannitti Píromallo, escreve «os crimes contra a honra ofendem um sujeito, mas não devem ter-se em conta os sentimentos meramente pessoais, senão na medida em que serão objetivamente merecedores de tutela».) O direito ao bom-nome e reputação, com consagração constitucional [artigo 26.° da CRP] conflitua, por vezes, com o princípio constitucional da liberdade de expressão [artigo 37.° da CRP], o qual se traduz no direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento. Este direito tem uma grande amplitude, permitindo que se emitam juízos desfavoráveis, críticas, embora com limites, entre eles o respeito devido à honra e dignidade. Porém, estes direitos ao bom-nome e reputação e à livre expressão, que têm, em princípio, igual valor não podem ser entendidos em termos absolutos e, em caso de conflito, têm de ser harmonizados nas circunstâncias concretas, de acordo com um princípio de concordância prática. Relativamente às declarações presentes no texto constante da factualidade indiciada, entendemos, tal como a assistente, que, tais afirmações poderão ser suscetíveis de enquadramento no pressuposto do tipo objetivo do crime de difamação -"formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração". É certo que o arguido imputa factos à assistente. Refere que a mesma suprimiu a passagem de autocarros pelas freguesias de … e de ….. E certo é que efetivamente tais carreiras foram suprimidas. E pese embora se tenha dado como indiciado que a Presidente da Câmara Municipal tinha um interesse legítimo na sua supressão - se não transportavam pessoas, não existe necessidade de despender dinheiro da autarquia em transportes que não são utilizados pela população, tal não quer dizer que, efetivamente, a população, na eventualidade de querer utilizar o autocarro para a feira, o pudesse fazer após a sua supressão. Não foi ainda demonstrada qualquer informação ou justificação dada pela Câmara Municipal para suprimir tal percurso. O arguido olhou para as evidências (não existência de transportes) e fez as suas próprias conclusões - conclusões essas que embora críticas, não passam de meras opiniões não suscetíveis de ofender a honra e consideração da Assistente. Cumpre-nos então debruçarmo-nos sobre as afirmações proferidas pelo arguido e que poderão consubstanciar o preenchimento do tipo objetivo do crime de difamação: "É uma situação anormal e discriminatória, mas que só surpreende quem não conhece o caracter, ou a falta dele, da atual … da Câmara Municipal ….". Quer os instrumentos internacionais, quer a lei constitucional e infraconstitucional consagram o direito ao bom nome, à dignidade, à reputação, à integridade moral, mas também o direito à liberdade de expressão. Quer a Jurisprudência quer a Doutrina já discorreram abundantemente sobre tais direitos e possível colisão existente entre si. (Sobre a questão vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.09.2016, processo n.° 60/09.9TCFUN.L1.S1) Uma das características da difamação, tal como da injúria, é a sua relatividade, o que quer dizer que o carácter injurioso de determinada palavra ou ato é fortemente dependente do lugar ou ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre, do modo como ocorre, pelo que só em cada caso concreto se pode afirmar se há ou não comportamento delituoso. O arguido entende que a assistente ao suprimir os autocarros para as freguesias supramencionadas está a preterir os seus habitantes e a prejudicá-los. Tal crítica seria perfeitamente admissível no âmbito do direito de crítica que assiste ao arguido e a qualquer cidadão, independentemente de existirem razões válidas para a supressão das carreiras. Será que ao ir mais além, ao afirmar só surpreende quem não conhece o caráter, ou a falta dele, da atual …, o arguido foi para além da crítica objetiva? No Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23.01.2018, processo n.° 80-16.7GGBJA.E1, o arguido havia partilhado no seu Facebook um determinado escrito onde chamava burra à Presidente da União de Freguesias (...). Foi entendido que o direito à crítica objetiva "não se descarateriza pela verificação de pequenos desvios ou transgressões que se enquadrem no exercício da liberdade de expressão, especialmente quando os visados podem exercer o direito de resposta, designadamente através das redes sociais, expondo o seu ponto de vista ou reagindo quer contra o conteúdo e alcance da crítica que lhes é dirigida, quer contra a forma indelicada ou mesmo grosseira assumida por essa mesma crítica, que é ainda digna de proteção mesmo que seja perturbante, chocante, inquietante ou ofensiva em medida socialmente aceitável. E se é certo que tal expressão foi desagradável e desnecessária, atendendo ao contexto em que foi referida - como forma de reforçar uma situação de descontentamento da atuação da Presidente - entendemos que não excede a grosseria, a falta de educação, trata-se de um mero juízo de valor que não tem aptidão para atingir a honra e consideração do visado. A este propósito, refere-se no Ac. R. Porto de 12-6-2002, recurso n.° 332/02, relatado pelo então Desembargador Manuel Braz, acórdão frequentemente citado pelos nossos tribunais superiores, que «é próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios, efe, que provocam animosidade. E é normal que essa animosidade tenha expressão ao nível da linguagem. Uma pessoa que se sente incomodada por outra «pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere suscetibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função». In casu, encontramo-nos no âmbito do exercício do direito à crítica e da liberdade de expressão, onde palavras podem e são usualmente usadas de forma agressiva e sem contenção. O … da Câmara Municipal, exercendo um cargo público, tem uma maior exposição e está mais sujeito ã crítica do que o normal cidadão, crítica essa que muitas vezes é desnecessariamente agressiva e desagradável. Tal como é referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Porto de 28.06.2006, processo nº 0612206: "na luta política, para a consecução dos fins a que esta aspira, historicamente verificou-se uma alteração na linguagem e uma desensibilização da opinião pública sobre o significado de algumas palavras e sobre certas frases usadas por pessoas que na mesma estão envolvidas, de modo que pode considerar-se como legítimo o uso de frases e expressões que em comum, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas ~ "Diffamazione a mezzo stampa e risarcimento dei danno", Francesco Verrí e Vincenzo Cardone, giuffré editore , 2003, pág. 210. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reteve como licitas, no âmbito da luta política, uma expressão como imbecil, (1.7.1997, DDP, 1997, 10, 1209); lobbista, experiente em urbanizações selvagens, comissário de negócios sujos, são outros exemplos mencionados na ob. cit. , a fls. 213. Nas apontadas asserções poderá depara-se com algum tipo de censura, ao nível ético, de deselegância, de injusto possivelmente ~ mas no fundamental trata-se de debate público corriqueiro e do quotidiano da democracia, relativo a pessoas que transportam consigo mais visibilidade, pelos desafios e combates que resolvem travar. Diferente seria o caso de se tratar de expressões gratuitamente injuriosas, não correlacionadas com a ideia que se pretende exprimir ou a formulação de juízos de valor que não exprimissem uma polémica tomada de posição contra um particular modo de gerir os assuntos públicos mas apenas uma vontade de agressão gratuita e de confronto com a personagem pública", Destarte, entendemos que tal expressão não tem a virtualidade de atingir eficazmente a honra da assistente. As considerações em causa, no contexto em que foram feitas, são eventualmente desagradáveis, mas a verdade é que a mera descortesia não é suscetível, de por si só, ofender o mínimo de respeito a todos devido, sendo que só ultrapassada tal barreira temos matéria digna de punição pena (importa também ponderar as circunstâncias concretas em que as expressões são proferidas. Como bem recentemente foi dito pelo Tribunal da Relação de Évora em acórdão de 7-12-2012, proc. número 488/09.4TASTB.E1, disponível em www.dgsi.pt, "O principio da insignificância, como máxima interpretativa dos tipos de ilícito, exclui condutas que, embora formalmente típicas, não o selam materialmente - a_ insignificância penal exclui a tipicidade e as condutas insignificantes não são típicas porque o seu sentido social não é de ofensa do bem jurídico. Também através da cláusula de inadequação social que contém, o tipo efectua uma selecção material de condutas de entre as que formalmente o realizam." (os sublinhados são meus). Mas, o direito penal reveste natureza fragmentária, "de tutela subsidiária (ou de última ratio) de bens jurídicos dotados de dignidade penal, ou, o que é dizer o mesmo, de bens jurídicos cuja lesão se revela digna de pena" (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 43). Tutela apenas os valores essenciais e fundamentais da vida em sociedade, obedecendo a um princípio de intervenção mínima, bem como de proporcionalidade imanente ao Estado de Direito. Assim, nem tudo o que causa contrariedade, é desagradável, pouco ético ou menos lícito, mesmo até quando formalmente pareça integrar-se num tipo de crime, será relevante para esse núcleo de interesses penalmente protegidos. No caso, a lei tuteia a dignidade e o bom-nome do visado, e não a sua suscetibilidade ou melindre. E tal valoração far-se-à de acordo com o que se entenda por ofensa da honra num determinado contexto temporal, local, social e cultural. Pois, voltando a Beleza dos Santos, "nem tudo aquilo que alguém considera ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria puníveis" (Algumas Considerações sobre Crimes de Difamação ou de Injúria, RLJ 92, p.167). Também Oliveira Mendes alerta para que "nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180° e 181°, tudo dependendo da intensidade ou perigo da ofensa" (O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, p. 37). Vide ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 05.03.2018, processo n.° 566/16.3CHV.G1: "No conflito entre o direito à honra e a liberdade de expressão tem vindo a verificar se um ponto de viragem, tendo por base e fundamento o relevo, a dignidade e a dimensão da liberdade de expressão considerada numa dupla dimensão, concretamente como direito fundamentai individual e como princípio conformador e essencial à manutenção e aprofundamento do Estado de Direito democrático, reconhecendo-se que o exercício do direito de expressão, designadamente enquanto direito de informar, de opinião e de critica, constitui o próprio fundamento do sistema democrático, o que justifica a assunção de uma nova perspetiva na resolução do conflito".) Assim, relativamente a estas expressões entendemos que a conduta do arguido não preenche os elementos objetivos do tipo legal de crime de difamação. Pelo exposto, entendemos que da conjugação da factualidade indiciária com a legislação aplicável ao presente caso sub iudice, deve o arguido ser não pronunciado por ausência de indícios suficientes da prática do crime que lhe vem imputado em conjugação com a apreciação jurídica do mesmo. 2. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/01/2017, proferido no processo 2175/11.4LSB.L1 o sumário é do seguinte teor: I – A circunstância de um cidadão adquirir determinado relevo como advogado e/ou como político – sendo, nesse sentido, uma figura pública – não o destitui do seu direito à honra e consideração, sem prejuízo de essa procurada exposição dever ser ponderada no âmbito da tutela de tal direito, quando em colisão com essoutro da liberdade de expressão alheia. II – Declarar o arguido (deputado regional) a um jornal diário que o assistente (líder histórico de um partido de extrema esquerda e advogado) é ‘um agente da CIA’, um ‘homem da CIA’, com consciência da falsidade dessa imputação, constitui uma ofensa à honra e consideração política e pessoal do visado, criminalmente punível como crime de difamação agravada. III – A interpretação dominante que o TEDH tem vindo a fazer do artigo 10.º da CEDH – no sentido de que, no exercício do direito à liberdade de expressão, é permitida uma ofensa quase ilimitada do direito à honra das figuras públicas e particularmente dos políticos – não vincula os tribunais portugueses. Neste processo do Tribunal da Relação de Lisboa, na parte que aqui releva, quanto à questão da tipicidade da conduta do arguido, escreve-se o seguinte: «Na sentença recorrida, o Tribunal a quo, depois de ter entendido que as demais expressões proferidas pelo arguido carecem de relevância penal, reconheceu que a expressão “o GP ... (…) era agente da CIA”, atento o quadrante político do assistente e toda a ideologia que defende, é suscetível de ofender a sua honra. No entanto, entendeu que esta expressão, pela forma como foi proferida e no contexto em que o foi – de conflito político e de luta política, entre adversários políticos que disputam o mesmo eleitorado, sendo ambos figuras públicas – é atípica e não preenche o tipo em análise, sendo mais uma provocação feita pelo arguido ao assistente. (…) O Tribunal da Relação de Lisboa veio a entender o seguinte: «Já quanto à imputação feita pelo arguido de que o assistente era ‘agente da CIA’, ‘um homem da CIA’, não só se mostra redondamente falsa, como particularmente infamante para quem se apresentava como o rosto visível do denominado Partido …. (significado da sigla …): um indivíduo com estofo de traidor do seu país (espião de um país estrangeiro) e da classe social de cujos interesses se intitulava representante. Por outro lado, estas imputações mostravam-se completamente desajustadas e desenquadradas do tema político a que supostamente visavam responder (o alegado plágio de comunicados), apresentando-se como mera vindicta política, mas também pessoal. Tudo isto significa que, não só o arguido não provou (nem tentou provar) a verdade das imputações mais gravemente difamatórias, como se patenteia que não quis realizar qualquer interesse legítimo. Impõe-se ainda, antes de concluirmos a qualificação jurídica, fazer referência à eventual relevância jurídica de o assistente ser uma figura pública. A grande maioria, para não dizer a generalidade da doutrina e jurisprudência entende que quando estão em causa figuras públicas, os limites da crítica admissível são mais amplos, admitindo-se, no âmbito de controvérsias políticas e públicas, o uso de linguagem forte, exagerada, violenta e mordaz.. Esta diferente amplitude tem na base um interesse público de maior escrutínio exigido pela sociedade democrática sobre as figuras públicas, as quais devem suportar uma maior tolerância da crítica, levando, como refere o Prof. Faria Costa a uma “erosão externa da honra”.(…) Pelo exposto, não temos dúvidas em afirmar que o arguido cometeu o crime de difamação agravada previsto e punido pelos artigos 180° nº 1, 183° nºs 1 e 2 do Código Penal e artigos 30°/1 e 31°/4 da Lei 2/99, de 13 de janeiro, que lhe vinha imputado, dando-se, pois, no fundamental, razão aos recorrentes». *** II. O DIREITO O art. 437º, do CPP, sob a epígrafe “Fundamento do Recurso”, consagra o seguinte: «1 - Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar». «2 - É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida. 4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado. 5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.” Relativamente à interposição, o art. 438.º do mesmo Código estabelece: “1 – O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. 2 – No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência. 3 - …”. Como tem sido entendimento deste Supremo Tribunal, «Destes preceitos extrai-se, tal como vem afirmando insistente e uniformemente a jurisprudência[1], que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação de um conjunto de pressupostos - uns de natureza formal e outros de natureza substancial. São de natureza formal: - A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido; - A identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento) e, se este estiver publicado, o lugar da publicação; - O trânsito em julgado de ambos os acórdãos; - A justificação da oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que motiva o conflito de jurisprudência; e - A legitimidade do recorrente, restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis. Constituem pressupostos de ordem substancial: - A verificação de identidade da legislação à sombra da qual os acórdãos foram proferidos; - As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar “soluções opostas” para a mesma questão fundamental de direito; - A questão decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas; e - Haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito, pois só assim é possível estabelecer uma comparação que permita concluir que relativamente à mesma questão de direito existem soluções opostas. Este último pressuposto, embora não esteja previsto expressamente na lei, resulta da necessidade de tal identidade para aferir da oposição sobre a mesma questão de direito. Por isso, o STJ, de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito, como foi referido no acórdão deste Tribunal, processo n.º 4042/06 – 3.ª Secção, de que nos dá notícia o acórdão do mesmo Tribunal e Secção, de 20/10/2011, proferido no processo n.º 1455/09.3TABRR.L1-A.S1[2]. O mesmo pressuposto da identidade fáctica tem vindo a ser exigido, de forma unânime, pela jurisprudência deste Supremo Tribunal[3]. Importa, pois, que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes para poder desencadear a aplicação das mesmas normas e relevar na definição da oposição das soluções encontradas. A exigência de uma identidade das situações de facto nos dois acórdãos em conflito decorre de só com ela ser possível estabelecer uma comparação que permita concluir que, relativamente à mesma questão de direito, existem “soluções opostas”, como pressupõe o n.º 1 do citado art.º 437.º. Além disso, a questão decidida em termos contraditórios deve ter sido objeto de decisões expressas. Como se lê no sumário do acórdão deste Supremo Tribunal, de 10 de Fevereiro de 2010, no processo n.º 583/02.0TALRS.C.L1.A.S1[4], “a oposição relevante de acórdãos só se verifica quando, nos acórdãos em confronto, existam soluções de direito antagónicas e, não apenas, contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a título principal e não secundário», sendo que «as soluções de direito devem reportar-se a uma mesma questão fundamental de direito, no quadro da mesma legislação aplicável e de uma mesma identidade de situações de facto”. Acresce que “sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excecional, é entendimento comum deste Supremo Tribunal (v. desde logo o Ac. de 23 de Janeiro de 2003, processo n. 1775/02-5ª), que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso, deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excecionalidade”[5]. No caso subjudice a recorrente veio interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação …. de 10 de março de 2020, proferido no processo nº 135/18…. do Juízo de Competência Genérica, do Tribunal Judicial da comarca …., que confirmou a decisão instrutória de não pronúncia do arguido BB pela prática de 1 (um) crime de difamação agravada, como autor material, p. e p. pelo disposto no artigo 180.°, n.°1,e 184.°, ambos do Código Penal, considerando que o acórdão recorrido está em oposição com acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de janeiro de 2017, proferido no processo 2175/11.4LSB.L1, sendo este o apresentado como acórdão fundamento. O presente recurso foi interposto em tempo, pela assistente que tem legitimidade, para o efeito. (art. 446º nº 1 e 2 do CPP). A recorrente justificou a oposição entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido que, no seu entender, motiva o conflito de jurisprudência. Assim sendo, mostram-se preenchidos os pressupostos de natureza formal de admissibilidade do recurso. Relativamente aos pressupostos de ordem substancial, os mesmos não se verificam. Com efeito, as decisões proferidas no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, não partiram de idêntica situação de facto. No acórdão recorrido a matéria de facto indiciada é a seguinte: «1. O arguido tem um blog denominado '.…, através do qual produz e difunde textos sobre o concelho e sobre a atividade municipal. 2. Em 03.10.2018, o arguido escreveu, no referido blog, o seguinte: "Ê uma situação anormal e discriminatória, mas que só surpreende quem não conhece o caráter, ou a falta dele, da atual ….. da Câmara Municipal de …... Uma vez mais, a provocação que vem sendo repetida, as populações de ……. e …… ficaram excluídas de utilizarem o autocarro do município a que pertencem e a quem pagam os seus impostos, para deslocação à……., em …., no dia 14 de outubro. Transporte municipal, que é de todos e que a propaganda indianista diz ser 'gratuito' entre as freguesias de …... Pelos visto, não é assim, …….. e ……. pertencem a outros concelhos e só são lembrados quando a cegueira eleitoral e a conquista (ou reconquista) do poder toma conta de mentes que não trabalham para as pessoas, mas para si próprias, com objetivos ainda não declarados, mas percetíveis, de se lançarem noutros 'voos' mais compensadores, monetariamente. Com o tempo e com o avolumar das peripécias que têm marcado o anterior e o atual mandado, pode ser que a força do povo a obriguem a uma 'aterragem forçada'". 3. Nos concelhos de …. e ….., até 2014, a população não era, usualmente, utilizadora desses autocarros para se deslocar para a …. referida no ponto 2. No acórdão fundamento considerou-se que a imputação feita pelo arguido de que o assistente era ‘agente da CIA’, ‘um homem da CIA’, não só se mostra redondamente falsa, como particularmente infamante para quem se apresentava como o rosto visível do denominado Partido …... (significado da sigla ……): um indivíduo com estofo de traidor do seu país (espião de um país estrangeiro) e da classe social de cujos interesses se intitulava representante. Por outro lado, estas imputações mostravam-se completamente desajustadas e desenquadradas do tema político a que supostamente visavam responder (o alegado plágio de comunicados), apresentando-se como mera vindicta política, mas também pessoal. Tudo isto significa que, não só o arguido não provou (nem tentou provar) a verdade das imputações mais gravemente difamatórias, como se patenteia que não quis realizar qualquer interesse legítimo. Impõe-se ainda, antes de concluirmos a qualificação jurídica, fazer referência à eventual relevância jurídica de o assistente ser uma figura pública. A grande maioria, para não dizer a generalidade da doutrina e jurisprudência entende que quando estão em causa figuras públicas, os limites da crítica admissível são mais amplos, admitindo-se, no âmbito de controvérsias políticas e públicas, o uso de linguagem forte, exagerada, violenta e mordaz. Esta diferente amplitude tem na base um interesse público de maior escrutínio exigido pela sociedade democrática sobre as figuras públicas, as quais devem suportar uma maior tolerância da crítica, levando, como refere o Prof. Faria Costa a uma “erosão externa da honra”. (…) Pelo exposto, não temos dúvidas em afirmar que o arguido cometeu o crime de difamação agravada previsto e punido pelos artigos 180° nº 1, 183° nºs 1 e 2 do Código Penal e artigos 30°/1 e 31°/4 da Lei 2/99, de 13 de janeiro, que lhe vinha imputado, dando-se, pois, no fundamental, razão aos recorrentes. Como supra se referiu um dos fundamentos de ordem substancial para que haja oposição de julgados, para os efeitos do art. 438º, nº 2 do CPP, é que a questão decidida em termos contraditórios tenha sido objeto de decisões expressas; e haja identidade das situações de facto subjacentes aos dois acórdãos em conflito. No caso em apreço, não há identidade quanto à situação factual e não há conflitualidade entre a solução de direito adotada num e noutro. Com efeito, ao invés, tal como bem salienta a Exmª PGA junto deste Supremo Tribunal, «em ambos se entendeu que o contexto em que são proferidas as expressões potencialmente atentatórias da honra e consideração do visado, bem como a qualidade deste e “a procurada exposição” pública têm de ser ponderadas no âmbito da tutela penal do direito à honra e consideração quando em colisão com o direito de liberdade de expressão. E em ambas as decisões se reconheceu que a liberdade de expressão tem limites, havendo que atender ao contexto em que as afirmações são proferidas para aferir se foram ou não ultrapassados esses limites». Ou seja, enquanto no acórdão fundamento se entendeu, perante a factualidade apurada, que as imputações do ali arguido ao assistente, designadamente que «o assistente era ‘agente da CIA’, ‘um homem da CIA’, não só se mostra redondamente falsa, como particularmente infamante para quem se apresentava como o rosto visível do denominado Partido …. (significado da sigla ……): um indivíduo com estofo de traidor do seu país (espião de um país estrangeiro) e da classe social de cujos interesses se intitulava representante. Por outro lado, estas imputações mostravam-se completamente desajustadas e desenquadradas do tema político a que supostamente visavam responder (o alegado plágio de comunicados), apresentando-se como mera vindicta política, mas também pessoal. Concluindo que estas imputações consideradas falsas e graves, constituem uma ofensa à honra e consideração política e pessoal do visado, criminalmente punível como crime de difamação agravada. No acórdão recorrido considerou-se que face às circunstâncias envolventes - nomeadamente, a efetiva supressão da passagem do autocarro pelas povoações referidas da responsabilidade da assistente, a factualidade indiciada não atingia o grau ofensivo a que se deve conferir tutela penal e por isso concluiu não estarem preenchidos os elementos objetivos do tipo. Do exposto, se concluiu que estamos perante situações de facto diferentes, que chegaram a conclusões diferenciadas, não se verificando a necessária oposição. Neste sentido, uma vez que as situações de facto são diferentes, os acórdãos pretensamente colidentes não se encontram em oposição, inexistindo decisões opostas sobre a mesma questão jurídica. “Para haver idêntica situação de facto e decisões jurídicas opostas mister se tornava, que a situação de facto fosse consensual, considerada identicamente a mesma como bastante na descrição em ambos os acórdãos, para gerar a solução jurídica mas que vieram a gerar soluções jurídicas diferentes”[6]. A discrepância das situações de facto inviabiliza a similitude da consequência jurídica. Inexistindo identidade de situações de facto, conclui-se pela não oposição de julgados. E, concluindo-se pela não oposição de julgados, o recurso é rejeitado, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 441.º do CPP. *** III. DECISÃO: Termos em que acordam os juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso. Custas pela requerente fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) Uc’s. Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP). *** Lisboa, 09 de dezembro de 2020 Maria da Conceição Simão Gomes (relatora) Nuno Gonçalves ____________ [1] Cfr. AC do STJ 12/12/18 no processo nº 906/14.0PFLRS-A.L1-A.S1, Relator Fernando Samões, e jurisprudência ali citada, «Nomeadamente, os acórdãos do STJ de 9/10/2013, no processo 272/03.9TASX, e de 20/11/2013, no processo 432/06.0JDLSB-Q.S1, da 3.ª Secção; de 13/7/2009, no processo 1381/04.2TAOER.L1-B.S1 e de 22/9/2016, no processo 43/10.6ZRPRT.P1-D.S1, da 5.ª Secção; de 20/12/2017, no processo n.º 125/15.8T9PFR.P1-A.S3, de 21/6/2017, no processo n.º 2644/09.6TABRG.G1-B.S1 e de 22/3/2017, no processo n.º 6275/08.0TDLSB.L3-B.S1, estes também da 3.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt. [2] Disponível em www.dgsi.pt. [3] Cfr., entre outros, os acórdãos de 11/1/2017, processo n.º 895/14.DPGLSB.L1-A.S1, 22/3/2017, 6275/08.0TDLSB.L3-B.S1, 21/6/2017, processo n.º 2644/09.6TABRG.G1-B.S1 e de 20/12/2017, processo n.º 125/15.8T9PFR.P1-A.S3, todos disponíveis no mesmo sítio da internet. [4] Relatado pelo Exmo. Conselheiro Santos Cabral, cujo sumário está disponível em www.dgsi.pt. [5] Cfr. citado acórdão de 20/10/2011. [6] Cfr. Acórdão do STJ, de 21/6/2017, processo n.º 2644/09.6TABRG.G1-B.S1, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça.