I – Desde há muito que a maioria da jurisprudência, nomeadamente do STJ, faz uma interpretação restritiva do Assento nº 4/83, de 21/06/1983, no sentido de que, tendo embora fracassado a prova da exclusividade das relações sexuais entre o investigado e a mãe durante o período legal da concepção do filho, deverá ser reconhecida a paternidade se for de concluir com segurança jurídica de que daquelas relações adveio a procriação do filho. II – Só tem cabimento a aplicação da referida doutrina quando o autor procure demonstrar a procriação biológica através da “via indirecta”, ou seja, quando não haja lugar à realização de exames de sangue concludentes e não ocorra alguma das presunções legais de paternidade previstas no nº 1 do artº 1871º do C. Civ.. III – A Lei nº 21/98, de 12/05, consagrou uma nova presunção legal de paternidade, contemplada na al. e) do nº 1 do artº 1871º do C. Civ.: “a paternidade presume-se quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção”. IV – Esta nova presunção legal de paternidade veio eliminar o ónus de o investigante provar a exclusividade (facto negativo) das relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção, fazendo recair sobre o réu o ónus de ilidir a presunção estabelecida, através da criação de “dúvidas sérias” sobre a paternidade indiciada. V – Provado, por meio laboratorial, um índice de paternidade de 99,99999995%, que corresponde a “paternidade praticamente provada”, segundo a escala de Hummel, este resultado é suficiente para ter-se por constituída a paternidade biológica do réu, sem necessidade de demonstração da exclusividade das relações sexuais.
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I- RELATÓRIO I.1- O Magistrado do MºPº intentou em 2.11.06 acção de investigação de paternidade contra A..., residente em ...., pedindo que se declare que a menor B.... é filha do réu, ordenando-se o seu averbamento no registo de nascimento no que diz respeito à paternidade e avoenga paterna. Alega para tal que a menor nasceu em consequência das relações sexuais que o R. manteve com C...., a qual, por sua vez, dentro dos primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o nascimento daquela, apenas com o R. manteve relacionamento sexual. Alega ainda que no processo de averiguação oficiosa de paternidade foram realizados exames periciais, onde se concluiu por uma probabilidade de paternidade do R. de 99,99995% que corresponde a “paternidade praticamente provada”. O R. contestou, alegando, em síntese, ter mantido uma só vez relações sexuais com a C.... mas não no período legal de concepção, e que esta manteve também com outros homens relações sexuais durante o primeiro semestre de 2004. Saneada e condensada a lide, realizou-se em 19.5.08 novo exame de perícia de investigação de paternidade a pedido do R.. O julgamento teve lugar a 10.3.08, sem inquirição de testemunhas, após o que foi proferida sentença na mesma data, que julgando a acção procedente declarou A.... pai da menor B...., para todos os efeitos legais. I.2- Apelou o R., concluindo assim as alegações de recurso: 1ª/ O A. não fez prova da exclusividade da manutenção de relações sexuais, entre a mãe da menor e o R. no período legal da concepção; 2ª/ A prova de tal exclusividade, constitutiva que é do direito do A., é ónus deste; 3ª/ Não ocorre qualquer caso de presunção de paternidade; 4ª/ Os resultados dos exames serológicos não podem ser tomados como verdade absoluta, impondo-se seja considerado outro qualquer meio de prova. I.3- Contra-alegou o MºPº em defesa do julgado. Colhidos os vistos, cumpre decidir. # # II - FUNDAMENTOS II.1 - de facto Julgaram-se provados os seguintes factos: [……………………………………………………] # # II.2 - de direito Perante a descrita factualidade, a 1ª instância concluiu, e bem, estar demonstrado que a menor é filha biológica do réu, provado que ficou ter nascido de relações sexuais havidas entre a mãe daquela e este no período legal da concepção (art.1798º/C.C.). Discordando, argumenta o recorrente que atenta a resposta negativa ao quesito 5º[1], a gravidez da mãe da menor pode ter tido origem em qualquer outra relação mantida no período legal de concepção. Assim, e apoiando-se na obsoleta e ultrapassada doutrina do assento nº4/83, de 21.6.83,[2] defende que os exames de sangue realizados, desacompanhados da prova inequívoca da exclusividade das relações sexuais, são insuficientes para se dar como assente a filiação biológica. Com o devido respeito, é manifesta a falta de razão. Embora alguma jurisprudência (entre elas a citada nas alegações), interpretando o referido assento, perfilhasse o entendimento de que a acção de investigação de paternidade assenta no pressuposto de exclusividade das relações sexuais da mãe com o pretenso pai, desde há muito que a maioria da jurisprudência, nomeadamente do STJ, fazia uma interpretação restritiva do assento, no sentido de que, tendo embora fracassado a prova da exclusividade das relações sexuais entre o investigado e a mãe durante o período legal da concepção do filho, deveria ser reconhecida a paternidade se for de concluir com segurança jurídica de que daquelas relações adveio a procriação do filho.[3] Fez-se assim uma interpretação restritiva e actualista da doutrina do falado assento, restringindo o ónus da prova da exclusividade aos casos em que não é possível fazer a prova directa da paternidade biológica, isto é, através de exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados. Logo, só tem cabimento a aplicação da referida doutrina, quando o autor procure demonstrar a procriação biológica através da “via indirecta”, ou seja, quando não haja lugar à realização de exames de sangue concludentes, e não ocorra alguma das presunções legais de paternidade previstas no nº1 do art.1871º/C.C.. Aliás, estava explícito no próprio texto do assento quando nele se diz “na falta de uma presunção legal de paternidade”, e também implícita a sua não aplicabilidade aos casos de recurso da “via directa”- através de exames de sangue - , já que se partiu do pressuposto da inviabilidade do recurso a exames científicos na directa demonstração da paternidade biológica.[4] Entendimento totalmente ultrapassado, face aos avanços da ciência médica neste campo. Todavia, tal entendimento foi derrogado através da consagração pela Lei nº21/98, de 12.5, de uma nova presunção legal de paternidade, contemplada na al.e) do nº1 do art.1871º: a paternidade presume-se “quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção”. Conforme fez notar o autor infra citado, a nova presunção legal de paternidade veio “…eliminar o ónus de o investigante provar a exclusividade (facto negativo) das relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção, fazendo recair sobre o réu o ónus de ilidir a presunção estabelecida, através da criação de “dúvidas sérias” sobre a paternidade indiciada”. Na presente situação, a procriação biológica da filha pelo réu a quem a paternidade é imputada, ficou demonstrada quer pela “via directa” através de exame científico, meio de prova permitido pelo art.1801º/C.C., quer pela “via indirecta”, por recurso à referida presunção legal prevista na al.e) do nº1 do art.1871º, não ilidida nos termos do nº2 do mesmo preceito, cabendo ao réu fazer essa ilisão (item II.1-7 a 10). Provado por meio laboratorial, um “indicie de paternidade de 99,99999995%”, que corresponde a “paternidade praticamente provada” segundo a escala de Hummel, este resultado tão concludente era o suficiente para ter-se por constituída a paternidade biológica do réu, sem necessidade de demonstração da exclusividade das relações. Mesmo assim, ficou ainda provada a nova presunção legal consagrada pela Lei 21/98. Isto posto, improcedem as conclusões do recurso e, consequentemente, este. # # III - DECISÃO Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença apelada. Custas pelo apelante. [3] Entre outros, Ac.STJ de 12.9.06 (proc. 06A2113), de 24.9.96 e 26.9.96 (BMJ 459-543 e 548 e arestos citados na nota a fls.553) [4] Carlos Lopes do Rego, “O ónus da prova nas acções de investigação da paternidade: prova directa e indirecta do vínculo de filiação”, in “Comemorações dos 35 anos do C.C. e dos 25 anos da reforma de 1977”, pág.783.