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Acórdão TR Lisboa de 2009-06-30

515/2009-1

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo515/2009-1
RelatorAfonso Henrique
DescritoresBens Comuns, Herança, Divórcio
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2009-06-30
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualAGRAVO
DecisãoConfirmada a Decisão

Sumário

I - Sabendo-se que a designação sucessória indica o quadro de sucessíveis e a vocação sucessória é a chamada à sucessão, constatamos que, in casu, a ex-cônjuge não foi nem designada nem chamada, relativamente, aos bens em causa. II - Antes foram outros herdeiros que desempenharam tais funções no inventário e daí a necessidade daquela pagar tornas a estes para poder adquirir os bens em análise, sendo lateral ao caso terem, tais tornas, sido pagas, por dinheiro, emprestado pela sua filha. III – Assim sendo, o único bem que é comum e por isso relacionável no inventário decorrente do divórcio em causa, é “a parte a que a interessada (…) teria na herança do seu pai, que se apurou ser no valor de 751.857$00.”


Texto Integral

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Os presentes autos dizem respeito à partilha de bens na sequência de divórcio entre A e I, devidamente identificados nos autos. Acontece que, apresentada a relação de bens, que foi junta a fls. 24 e 25 dos autos, veio a interessada reclamar da mesma, a folhas 79, designadamente, da inclusão de bens que não deveriam constar da relação de bens. Sobre tal reclamação recaiu o seguinte despacho: “ (…) Quanto aos bens indevidamente relacionados: Da prova feita resulta, a nosso ver, de forma evidente, que as verbas relacionadas sob os nºs 1, 2, 3 e 5 da relação de bens não são bens comuns a partilhar. Na verdade, se é um facto que quando faleceu o pai da interessada Idalina, esta era casada com o aqui cabeça de casal, no regime da comunhão geral de bens, este também tinha direito a metade do acervo hereditário da interessada Idalina. Porém quando se dá a conferência de interessados a interessada Idalina adquire os bens que pertenciam à herança, pagando tornas aos demais herdeiros, a interessada Idalina já estava divorciada do ora cabeça de casal, pelo que estes bens não podem ser comuns, mas próprios da interessada Idalina. O que é comum é a parte a que a interessada Idalina teria na herança do seu pai, que se apurou ser no valor de 751.857$00. Assim sendo, tais bens não devem constar da relação de bens, e constar antes uma verba correspondente ao valor que coube à interessada Idalina no âmbito daquele processo. Pelo exposto, julga-se procedente a reclamação apresentada e, em conformidade, determina-se o seguinte: 1- Sejam aditadas à relação de bens as seguintes verbas: (…) - Quinhão hereditário por morte de Adolfo Silva Barreira, no valor de 3.750,25 €uros. - Sejam suprimidas da relação de bens as verbas n.ºs 1, 2, 3 e 5. (…)” Desta decisão veio o cabeça-de-casal, A, recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de agravo, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo. E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1 - Vem o presente recurso interposto do douto despacho da Mª Juiz do Tribunal a quo que suprimiu da relação de bens as verbas nºs 1, 2, 3 e 5. 2 - Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à Mª Juiz do Tribunal a quo. 3 - Tais verbas constituem bens comuns do casal. 4 - Isto porque, a sucessão por morte se abre no momento da morte do seu autor e, feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos. 5 - Se à data da abertura da sucessão por morte do pai da interessada I, ocorrida em 1992, o ora recorrente e a interessada I eram ainda casados no regime da comunhão geral de bens, o património do casal é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei, onde se inclui os recebidos por sucessão, de acordo com o disposto nos artigos 1732º e 1733º, n.º 1, ambos do C. Civil. 6 - O facto da interessada I ter dado tornas aos restantes herdeiros não significa que adquiriu os bens por compra, os bens foram adquiridos por sucessão. 7 - Ora, um negócio de partilha não constitui modo de aquisição da propriedade, visando apenas concretizar em bens certos e determinados o direito (anterior) do herdeiro a uma quota ideal da herança. O modo de aquisição é a sucessão por morte, tendo a partilha uma função meramente declarativa ou certificativa. Por isso o artigo 2119º do C. Civil, estabelece que “feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens quer lhe foram atribuídos”, in Código Civil notado, Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, Lda., pág. 121. 8 - Tendo resultado provado que foi a filha do casal quem emprestou à mãe dinheiro para pagamento das tornas devidas no âmbito daquele processo, sendo que tal dinheiro não foi pago pela interessada Idalina, o que deverá suceder é relacionar-se no passivo o crédito que a filha do recorrente e da interessada Idalina dispõe sobre os recorrente e recorrida. 9 - Não poderá ser relacionado o direito de ambos ao quinhão hereditário por óbito de A, porquanto ele não existe, e foi transformado em bens certos e determinados pela partilha efectuado no respectivo inventário. 10 - Ao decidir como decidiu a Mª Juiz do Tribunal a quo violou as disposições dos artigos 1316º, 1317º, 1732º, 1733º, n.º 1, 2031º e 2119º, todos do C. Civil. Termos em que, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado integral provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que mantenha as verbas nºs 1, 2, 3 e 5 da relação de bens, por constituírem bens comuns do casal e que seja aditado à relação de bens no passivo o crédito que a filha do casal dispõe sobre os bens a partilhar. Não houve contra-alegações. Por decisão singular, nos termos do artº705º do CPC, decidiu-se não dar provimento ao presente recurso e, consequentemente, manteve-se o decidido em sede de 1ª Instância. Desta decisão veio o recorrente A reclamar para a Conferência com os mesmos fundamentos que sustentaram o respectivo recurso. Colhidos os necessários vistos, o Colectivo de Juízes Desembargadores da 1ª secção desta Relação, acordou em não atender à douta reclamação em apreço e manter o antes decidido com base nos fundamentos de facto e de direito antes aduzidos e que a seguir se reproduzem. # APRECIANDO DE DECIDINDO Thema decidendum: - Em função das conclusões do recurso temos que: Se discute a bondade, ou não, da decisão do Tribunal recorrido que suprimiu da relação de bens no presente inventário (para partilha de bens por força do divórcio) as verbas correspondentes a bens adquiridos pela ex-cônjuge, por licitação, no processo de inventário que teve lugar por morte do pai desta. # - Apuraram-se, por documentalmente atestados, os seguintes FACTOS: a) Requerente e requerido divorciaram-se em 13 de Março de 1998. b) Em 29 de Setembro de 1998, foram feitas as declarações de cabeça de casal, no âmbito do processo de inventário, por óbito de A, pai da aqui interessada I (processo n.º 137/98, do Tribunal Judicial de Mondim de Basto), falecido em 1992, sendo que da relação de bens em causa fazem parte as verbas n.ºs 1, 2, 3 e 5 da relação de bens apresentada nos autos. c) Em 24 de Maio de 1999 foi, no âmbito do processo referido em b), proferida sentença homologatória do mapa da partilha de 30 de Abril de 1999, tendo sido atribuídos à ora interessada I os bens referidos em b), que ali deu tornas aos demais interessados. d) No âmbito do processo referido em b), a parte pertencente à aqui interessada Idalina era no valor de 751.857$00. e) No âmbito do mesmo processo, foi a filha do casal, quem emprestou à mãe dinheiro para pagamento das tornas devidas no âmbito daquele processo, sendo que, tal dinheiro ainda não foi pago pela interessada Idalina. # O DIREITO Segundo o recorrente, tendo os bens em causa sido adquiridos pela sua ex-mulher /I, por morte do pai desta e tendo esta ocorrido (1992) antes do divórcio entre ambos (1998), devem os mesmos ser considerados bens comuns e, em consequência, objecto de partilha entre eles. Argumenta, no essencial, que: “Se à data da abertura da sucessão por morte do pai da interessada Idalina, ocorrida em 1992, o ora recorrente e a interessada I eram ainda casados no regime de comunhão geral de bens, o património do casal é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam exceptuados por lei, onde se inclui os recebidos por sucessão, de acordo com o disposto nos artigos 1732º e 1733º, n.º 1, ambos do C. Civil. O facto da interessada I ter dado tornas aos restantes herdeiros não significa que adquiriu os bens por compra, os bens foram adquiridos por sucessão. Um negócio de partilha não constitui modo de aquisição da propriedade, visando apenas concretizar em bens certos e determinados o direito (anterior) do herdeiro a uma quota ideal da herança. O modo de aquisição é a sucessão por morte, tendo a partilha uma função meramente declarativa ou certificativa.” Outro foi o raciocínio jurídico do Tribunal a quo, expresso da seguinte maneira: “Na verdade, se é um facto que quando faleceu o pai da interessada I, esta era casada com o aqui cabeça de casal, no regime da comunhão geral de bens, este também tinha direito a metade do acervo hereditário da interessada I. Porém quando se dá a conferência de interessados a interessada I adquire os bens que pertenciam à herança, pagando tornas aos demais herdeiros, a interessada I já estava divorciada do ora cabeça de casal, pelo que estes bens não podem ser comuns, mas próprios da interessada I. O que é comum é a parte a que a interessada I teria na herança do seu pai, que se apurou ser no valor de 751.857$00.” Quid juris? É verdade, como alega o recorrente, que a sucessão pode ser um modo de aquisição da propriedade e que tal aquisição se reporta ao momento da morte do de cujus – artºs1317º b), 2031º e 2032º do CC -. Contudo, não assiste razão, ao mesmo recorrente, quando quer que se repercute aquele momento, a aquisição de bens que o foram, mediante o pagamento de tornas, aquando da conferência de interessados que teve lugar no inventário por morte do pai da ex-cônjuge do agravante. Senão vejamos. Como refere um eminente estudioso desta matéria, o Professor Pereira Coelho, o facto da abertura da sucessão ser um efeito jurídico que se produz no momento da morte do seu autor traduz um princípio geral do nosso direito sucessório, mais precisamente, “o princípio de que o momento fundamental do fenómeno sucessório é o momento da abertura da sucessão, ao qual devem ser reportados os vários actos e operações a que no decurso desse fenómeno houver de proceder-se” – in Direito de Sucessões, Coimbra 1992, pags.128 e 129 -. É pois, no momento da abertura da sucessão que a designação sucessória se fixa ou se concretiza a vocação sucessória. Sabendo-se que a designação sucessória indica o quadro de sucessíveis e a vocação sucessória é a chamada à sucessão, constatamos que, in casu, a ex-cônjuge não foi nem designada nem chamada, relativamente, aos bens em causa. Antes foram outros herdeiros que desempenharam tais funções no inventário e daí a necessidade daquela pagar tornas a estes para poder adquirir os bens em análise, sendo lateral ao caso terem, tais tornas, sido pagas, por dinheiro, emprestado pela sua filha. Aplicando o mesmo princípio e seus explicitados corolários conclui-se que, como na decisão recorrida, o único bem que é comum e por isso relacionável no inventário decorrente do divórcio em causa, é “a parte a que a interessada Idalina teria na herança do seu pai, que se apurou ser no valor de 751.857$00.” Refira-se, finalmente, que os discutidos bens foram licitados pela ex-cônjuge e a si atribuídos por sentença homologatória da respectiva partilha, datada de 24-5-99. Ora, a licitação com os pagamentos das necessárias tornas e consequente homologação da partilha são um modo legal de aquisição da propriedade, semelhante e equiparada à figura da arrematação que constituía uma forma de venda judicial – neste sentido, vide Lopes Cardoso in Partilhas Judiciais, II Volume, Almedina Coimbra, pags.292 a 294 -. Tendo o divórcio sido decretado em 13-3-98, há reconhecer que aquela aquisição não pode ser vir a incluir o património comum do ex-casal, constituindo sim, bem próprio da ex-cônjuge Idalina Barreira – vide, o artº1789º nº1 do CC e a nível jurisprudencial, o Acórdão do STJ de 6-12-01 publicado na Colectânea de Jurisprudência, S III, pag.140 -. Tudo visto, não se atende a pretensão do recorrente. DECISÃO - Assim e pelos fundamentos expostos, acordam, em Conferência, os Juízes desta Relação em julgar não provido o presente recurso e consequentemente, mantém o decidido pelo Tribunal a quo. Custas pelo agravante. Lisboa, 30-6-07 Afonso Henrique Cabral Ferreira Rui Torres Vouga Maria do Rosário Barbosa

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