Apura logo

Acórdão TCA Sul de 2011-09-08

07706/11

TribunalTribunal Central Administrativo Sul
Processo07706/11
SecçãoCA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão2011-09-08
RelatorPaulo Pereira Gouveia
DescritoresFactos Provados – Pvp - Genéricos – Relação Multipolar – Audiência Prévia – Fundamentação – Ponderação dos Danos

Sumário

1. O juiz cautelar deve elencar sempre os “factos relevantes não provados”, a não ser que não existam, e deve justificar em concreto por que não se produzem os meios de prova requeridos pelas partes; 2. O PVP, tal como a AIM, tem obviamente a ver, de forma directa e imediata, com a comercialização do medicamento genérico, sendo ambos actos administrativos com eficácia externa, que se formam em procedimentos administrativos multipolares; 3. A concessão de AIM deve considerar sempre as patentes vigentes, que o INFARMED pode e deve perscrutar como autoridade administrativa sujeita ao bloco de legalidade em vigor; 4. a fixação do PVP, tal como a concessão da AIM, deve respeitar todas as regras dos procedimentos administrativos multipolares, nomeadamente o previsto nos arts. 53º e 54º ss do CPA, a audiência prévia e a consideração dos interesses dos prévios detentores de AIM da mesma substância activa; 5. A comercialização de um medicamento genérico, dependente de dois actos administrativos (AIM e PVP), causa sempre danos notórios a quem já está no mercado, sobretudo se o for em termos de exclusividade de comercialização; 6. Suspender a eficácia de uma AIM ou de um PVP, quando já exista um medicamento idêntico no mercado, não prejudica, em princípio, o interesse público da saúde; pode prejudicar o interesse público de poupar em meios financeiros, mas isso tem de ser alegado e provado em concreto.


Texto Integral

S.Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO · LABORATÓRIOS A..., Lda., com sede no ..., Edifício 10, 2740-271, Porto Salvo, intentou no T.A.C. de Sintra um processo cautelar contra · (como Entidade Requerida, ER) MINISTÉRIO DA ECONOMIA E INOVAÇÃO (Director Geral da Direcção Geral das Actividades Económicas), e · (como contra-interessada, C-I) B...LTD, pedindo a SUSPENSÃO DA EFICÁCIA dos actos administrativos do Director-Geral da Direcção-Geral das Actividades Económicas, que constam do Despacho n.º 1043/2010/DG, de 13 de Dezembro de 2010, de aprovação dos preços do medicamento genérico Atorvastatina Norpharm (10, 20 e 40 mg), da titularidade da contra-interessada. Após os articulados, por despacho daquele tribunal foi decidido não suspender a eficácia daqueles actos administrativos de fixação de PVPs. Inconformada, vem a requerente recorrer para este T.C.A.-Sul, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: (a) A Sentença recorrida padece de erros de julgamento, tanto de facto como de Direito, tendo o Tribunal a quo violado normas jurídico - processuais aplicáveis, e feita uma incorrecta aplicação do Direito ao caso sub judice. (b) A Sentença viola a norma do artigo 118.°, n. 4 do CPTA porque o Tribunal a quo não inquiriu as testemunhas arroladas pela Recorrente, nem permitiu que esta oferecesse como meio de prova dos factos alegados no requerimento de providência cautelar, tendo desconsiderado tal requerimento, pelo que deverá ser revogada. (c) A Sentença Recorrida padece ainda de erros de facto, porquanto o Tribunal a quo não deu como provados os factos alegados pela Recorrente no seu Requerimento Inicial para demonstração indiciária dos gravosos prejuízos e da situação de facto consumado que resultarão do acto em causa. (d) Acresce que o Tribunal a quo andou mal na interpretação e aplicação dos pressupostos processuais, na forma como interpretou e aplicou o Direito aos factos, e quando considerou não ser evidente a procedência da acção principal. (e) Perante os factos em discussão nestes autos e os que indiciariamente foram dados como provados (em especial os relativos à titularidade de direitos de propriedade industrial referentes à substância activa Atorvastatina e de AIMs do medicamento de referência Zarator), não podia o Tribunal a quo ter considerado não ser manifesta a ilegalidade dos actos praticados pela Entidade Recorrida. (f) A Recorrente fez prova cabal dos seus direitos de propriedade industrial, tendo alegado e demonstrado todos os pressupostos necessários para a aplicação do artigo 98.° do CPI - beneficiando, assim, da presunção de que qualquer terceiro que produza o produto de Atorvastatina estará a fazê-lo através do processo patenteado na PT 94778, cabendo assim aos terceiros - in casu, à Contra-interessada - fazer prova de que os direitos de propriedade industrial da ora Recorrente não estão a ser violados, (9) Acresce que os actos suspendendos padecem de vários vícios, que vão para além do desrespeito pelos direitos de propriedade industrial da Recorrente: (i) a falta de fundamentação dos actos administrativos; (ii) a violação de diversos deveres jurídicos bem como princípios fundamentais do direito administrativo, tais como o direito de audiência prévia da Recorrente; e (iii) a violação do n. 1, do artigo 1.°, da Portaria 337-A/2010 e Circular Normativa Conjunta n. 001/Infarmed/DGAE, por ter sido concedido PVP a quem não era titular de uma AIM válida. (h) A Entidade Recorrida devia ter indeferido o pedido de aprovação de PVPs ora em causa, dado que tinha conhecimento da existência de uma patente ainda em vigor da Recorrente referente à substância activa Atorvastatina bem como da pendência da acção administrativa especial na qual se coloca em causa a validade das AIMs dos medicamentos genéricos da ora Contra-Interessada, as quais constituem requisito essencial à aprovação de PVP. (i) Ou, no limite, a Entidade Recorrida deveria ter suspendido os procedimentos de aprovação de PVP com base no artigo 31.° do CPA, dado que na acção administrativa especial contra o INFARMED suscita-se uma questão cuja resolução se revela essencial para a tomada de decisão por parte da Entidade Recorrida: a validade (ou não) das AIMs dos medicamentos genéricos de Atorvastatina da Contra-Interessada. U) Não podendo ser aprovados PVPs de medicamentos que não possuam uma AIM válida, a Entidade Recorrida está perante uma questão prévia que conduz necessariamente à suspensão do procedimento de aprovação de PVPs nos termos do artigo 31.° do CPA. (k) Mesmo que o Tribunal a quo entendesse que não era absolutamente manifesta a ilegalidade dos actos administrativos em análise, deveria, ainda assim, ter decretado a pretendida suspensão de eficácia ao abrigo do artigo 120,°, n. 1, alínea b), do CPTA. (I) A tutela dos direitos fundamentais da Recorrente pode e deve ser preventiva, não tendo o Tribunal que esperar, contrariamente ao que parece resultar da motivação da Sentença recorrida, pela verificação efectiva de danos irreversíveis para conceder tal tutela cautelar. (m) Ao entender que apenas a comercialização efectiva dos medicamentos genéricos da Contra-Interessada é susceptível de lhe causar prejuízos, o Tribunal a quo desresponsabiliza-se da análise que lhe é pedida nestes autos: aferir da legalidade dos actos administrativos de atribuição de PVPs. (n) A não ser decretada a presente providência cautelar, estamos perante uma situação de facto consumado que se consubstancia na violação dos direitos de propriedade industrial da Recorrente, para mais, direitos concedidos pelo Estado ­através do INPI - e que agora, o próprio Estado - através da Entidade Requerida­ permite que sejam violados por terceiros, (o) Resulta também dos documentos juntos aos autos pela Recorrente e da experiência do mercado, que os PVPs aprovados para os medicamentos genéricos de Atorvastatina da Contra-Interessada conduzirão a uma redução drástica da quota de mercado e das vendas do medicamento Zarator. (p) o tempo durante o qual a Recorrente estiver impedida de usufruir, de forma plena, da titularidade dos direitos de propriedade industrial relativos à substância activa Atorvastatina e das AIMs do medicamento Zarator é irrepetível, com as consequentes perdas de negócio e com o impacto ao nível da imagem e reputação da Recorrente junto dos restantes operadores de mercado e junto dos seus colaboradores, não sendo de todo possível a reconstituição natural. Pelo que a Sentença proferida no processo principal, sendo favorável, revelar-se-á totalmente desprovida de eficácia e utilidade. (q) Por um lado, mesmo que os actos em crise sejam anulados ainda durante o período de validade dos direitos de propriedade industrial da Recorrente, a recuperação da quota de mercado não será, devido às condições de mercado, exequível. (r) Por outro lado, depois de caducada a patente da Recorrente que conflitua com os actos em crise, a Recorrente estará legalmente impedida de ter o exclusivo de comercialização decorrente da mesma. (s) Motivos pelos quais a ora Recorrente sofrerá prejuízos de difícil, para não dizer impossível, reparação. (t) Foi esta realidade que escapou ao julgamento jurídico que o Tribunal a quo fez das consequências da execução dos actos em crise e que, deve, portanto ser corrigido por esse Venerando Tribunal. (u) Desconhecem-se que danos, a existirem, resultarão em concreto da concessão da providência requerida pela Recorrente; por conseguinte, os danos que resultarão da recusa da providência em apreço serão superiores aos eventuais danos que possam decorrer do seu decretamento. (v) Tal como foi alegado em detalhe pela Recorrente nos articulados apresentados aos autos e que se dão aqui por integralmente reproduzidos, estão verificados todos os requisitos legais para o decretamento da providência cautelar requerida. (w) Pelas razões expostas se requer a V. Exas. que revoguem a Sentença a quo e determinem o deferimento da providência cautelar em causa. A C-I apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, concluindo: A - As alegações apresentadas pela Apelante e a forma como clama por uma decisão do Tribunal a quo que suspenda a eficácia dos PVPs do medicamento genérico Atorvastatina Norpharm, nas dosagens 10,20 e 40 mg, não têm fundamento na lei. B - De facto, para que determinado medicamento possa ser comercializado, é necessário que se obtenha uma Autorização de Introdução no Mercado. C - E ainda que a esse medicamento seja fixado um preço de venda ao público. D - Ora, no processo em apreço nos presentes Autos, já existe uma AIM e um preço de venda ao público. E - Como bem explicou a Contra-interessada estamos perante uma patente de invenção nacional relativa a um processo para a preparação de ácido [r-(r*r*)]-2-(4-fluorfenil)-beta,delta­di-hidroxi-5-(1-metiletil)-3-fenil-4-[(fenilamino)-carbonil]-lh-pirrol-heptanóico, da sua lactona e sais e de composições farmacêuticas que os contêm. F - Como ficou anteriormente demonstrado a Contra-interessada utiliza um processo baseado na síntese de Paal-Knorr pirrol, onde um composto 1,4-dicarbonílicos é condensado com 2 tere-buril - «4R, 6R) -6 - (2-aminoetil) -2,2-dimetil-l, 3-dioxano-4-il) acetato para formar a molécula de pirrol da molécula de atorvastatina. G - Pelo que ficou demonstrado à saciedade que o processo por si utilizado é distinto do que se encontra protegido pela patente. H - Nessa conformidade, não há em conclusão argumentos nas alegações apresentadas pela Apelante que motivem V. Exas., a proferir decisão no sentido de declarar nulos ou anuláveis os actos praticados pela Apelante de aprovação dos PVPs dos medicamentos genéricos da Contra-interessada Atorvastatina Norpharm (10 mg, 20 mg e 40 mg), pelo que deve a decisão ser confirmada, assim se fazendo Justiça. Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. se dignarão suprir, requer-se que o presente recurso seja considerado improcedente, por injustificado e não provado. * O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146º nº 1 do CPTA). * Sem vistos nos termos legais, importa agora em conferência apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS O tribunal de 1ª instância considerou provada a matéria de facto seguinte: A) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto consiste, na fabricação, montagem, venda, importação e exportação ou comercialização de produtos químicos, farmacêuticos e cirúrgicos, de produtos relativos a cuidados de saúde, de cosméticos e de produtos de perfumaria e de higiene pessoal de todos os tipos – Documento n.º 1 junto ao requerimento inicial; B) A C...LLC é titular da “PATENTE DE INVENÇÃO NACIONAL N.º 94778”, com a epígrafe “PROCESSO PARA A PREPARAÇÃO DE ÁCIDO [R-(R*R*)]-2-(4-FLUORFENIL)-BETA,DELTA-DI-HIDROXI-5-(1-METILETIL)-3-FENIL-4-(FENILAMINO)-CARBONIL]-1H-pIRROL-HEPTANÓICO, DA SUA LACTONA E SAIS E DE COMPOSIÇÕES FARMACÊUTICAS QUE OS CONTÊM”, a qual tem o limite máximo de vigência em 10 de Janeiro de 2012 – Documento n.º 3 junto ao Requerimento inicial; C) Em 25 de Março de 2005, a Requerente, a C...LLC e outros membros do Grupo A... celebraram contrato nos termos do qual a Requerente possui uma licença não exclusiva de exploração comercial, incluindo importação, usufruto e venda em Portugal de produtos farmacêuticos que contenham atorvastatina e/ou que sejam produzidos de acordo com os processos descritos e enunciados nas Patentes n.ºs 84975, 89774, 94778, EP0839132, EP0848705 – Documento n.º 4 junto ao Requerimento inicial; D) Por despacho de 7 de Junho de 1997 do Vogal do Conselho de Administração do INFARMED foi concedida à C...(Portugal) Comércio e Industria, Lda. autorização para introdução no mercado (AIM) do medicamento Zarator, fabricado com base na substância activa Atorvastatina cálcica, nas dosagens 10 mg, 20 mg e 40 mg – Documento n.º 9 junto ao requerimento inicial; E) Por despacho de 24 de Julho de 2002 do Conselho de Administração do INFARMED foi concedida à Requerente autorização para introdução no mercado (AIM) do medicamento Zarator, fabricado com base na substância activa Atorvastatina, na dosagem 80 mg – Documento n.º 10 junto ao requerimento inicial; F) Por despacho de 14 de Setembro de 2007, do Director da Direcção de Medicamentos e Produtos de Saúde, do INFARMED, no uso de competência subdelegada, foram autorizadas as renovações das autorizações para introdução no mercado (AIM) do medicamento Zarator, nas dosagens 10 mg, 20 mg, 40 mg, 80 mg, cujo titular é a ora Requerente, com validade ilimitada – Documento n.º 12 junto ao requerimento inicial; G) A Requerente é titular de quatro autorizações de introdução no mercado para medicamento Zarator, nas dosagens 10 mg, 20 mg, 40 mg e 80 mg, fabricado com base na substância activa Atorvastatina cálcica – Documento n.º 2 junto ao requerimento inicial; H) Em 15 de Junho de 2010, foram concedidas à B...Ltd., autorizações de introdução no mercado para os seguintes medicamentos genéricos de atorvastatina cálcica: Atorvastatina Norpharm, 10 mg, Atorvastatina Norpharm, 20 mg, Atorvastatina Norpharm, 40 mg – Documento n.º 13 junto ao requerimento inicial; I) A Requerente requereu o decretamento de providência cautelar de suspensão da eficácia das autorizações de introdução no mercado do medicamento genérico Atorvastatina Norpharm, concedidas pelo INFARMED à contra-interessada, a qual correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 978/10.6BESNT e se encontra em fase de recurso pendente no Tribunal Central Administrativo Sul – Consulta ao SITAF; J) A Requerente deu conhecimento à Direcção-Geral das Actividades Económicas do requerimento desta providência cautelar, por meio de carta datada de 25 de Junho de 2010, salientando que, nos termos do artigo 31.º do Código do Procedimento Administrativo, existiam duas questões prejudiciais que impediriam a apreciação de qualquer pedido de aprovação de preços de venda ao público que a contra-interessada pudesse eventualmente ter submetido ou viesse a submeter à Direcção-Geral das Actividades Económicas para o medicamento genérico Atorvastatina Norpharm: a titularidade de uma patente válida por parte da Requerente relativamente à substância activa Atorvastatina (medicamento de referência: Zarator), bem como a existência de processo judicial em curso relativo à suspensão de eficácia dos actos administrativos de AIM desse medicamento – Documento n.º 14 junto ao requerimento inicial; K) A Requerente intentou acção administrativa especial de impugnação das autorizações de introdução no mercado do medicamento genérico Atorvastatina Norpharm, concedidas pelo INFARMED à contra-interessada, o qual corre termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra sob o n.º 1251/10.5BESNT – Consulta ao SITAF; L) Em 7 de Dezembro de 2010, foi prestada por Técnica Superior da Direcção-Geral das Actividades Económicas informação com o seguinte teor: “Aplicação das normas definidas na Portaria n.º 312-A/2010, de 11 de Junho Empresa: B...Ltd., […] O medicamento ATORVASTATINA NORPHARM é indicado no tratamento da Hipercolesterolémia, como coadjuvante da dieta para a redução de níveis elevados de colesterol, e na prevenção da doença cardiovascular. Os preços propostos foram determinados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 65/2007, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de Maio, e Portaria 312-A/2010, de 11 de Junho, tendo como base de cálculo o medicamento de referência ZARATOR, comprimido revestido por película a 10 mg, 20 mg, e 40 mg, cujo titular de AIM é a empresa Laboratórios A..., Lda. […]” – Documento junto ao processo administrativo a fls. 9 e 10; M) Sobre a informação referida na alínea anterior foram exarados os seguintes despachos: em 9 de Dezembro de 2010, pelo Director de Serviços, J. Pedrosa Vasco, “Visto. Concordo com os preços propostos. À consideração superior.”; em 13 de Dezembro de 2010, pela Subdirectora-Geral, Cristina Lourenço, “Visto. Concordo. Submete-se à consideração superior a fixação dos preços propostos, no âmbito das competências consagradas e ao abrigo do DL n.º 65/2007, de 14 de Março, com as alterações introduzidas pelo DL 48-A/2010, de 13 de Maio, e Portaria n.º 312-A/2010, de 11 de Junho. Deverá a decisão ser objecto da devida comunicação ao INFARMED e de notificação à empresa. À consideração superior.”; em 13 de Dezembro de 2010, pelo Director-Geral, Mário Lobo, “Despacho n.º 1043/2010/DG Aprovo nos termos propostos.” – Documento junto ao processo administrativo a fls. 9 e 10 * Para o tribunal a quo, não existem factos relevantes não provados. * APRECIAÇÃO DO RECURSO O âmbito do recurso jurisdicional, cujo objecto é a decisão recorrida, é delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso), apenas podendo incidir sobre questões (coisa diversa de considerações, argumentos ou juízos de valor) que tenham sido ou devessem ser anteriormente apreciadas e não podendo confrontar o tribunal as quem com questões novas. O tribunal a quo considerou, em síntese, a) que não se preenche o art. 120º-1-a do CPTA, b) que há fumus boni iuris e c) que não há periculum in mora (porque os danos em causa, além de perfeitamente indemnizáveis, não são consequência directa ou imediata do acto de fixação do PVP, mas sim da comercialização efectiva do genérico). Vejamos. Das providências cautelares no CPTA As medidas ou providências cautelares referidas no art. 112º CPTA (umas típicas(1), outras não), a decretar como previsto no art. 120º CPTA, visam, com base num · julgamento muito sumário, · assegurar que o tempo do julgamento do processo principal não determine a inutilidade da sentença nele proferida (periculum in mora; prejuízo certo ou provável, específico e particular) e, consequentemente, impedir que o Requerente, aquando do fim do processo principal, fique numa situação de facto consumado(2) ou numa situação em que a reintegração factual futura se perspectiva difícil(3), tudo em termos de “fundado receio” e não de certeza (cfr. ALBERTO DOS REIS, in BMJ nº 3, p. 51; TIAGO AMORIM, in ROA, 2003, p. 415 ss). São 3 as características essenciais da tutela cautelar: 1ª) A sua instrumentalidade em relação a um processo principal (v. arts. 112º-1, 113º-1 e 123º CPTA), pelo que a tutela cautelar só se justifica se for condição sine qua non da utilidade e da eficácia da decisão a proferir no processo principal; 2ª) A sumariedade da apreciação jurisdicional, i.e., o tribunal deve proceder a apreciações perfunctórias, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, quer para efeitos de apreciação do fumus boni iuris, quer de apreciação do periculum in mora, sendo por isso um processo urgente(4); portanto, o juiz não pode fazer apreciações ou análises exaustivas; (E daqui também a conclusão, quanto à al. a) cit., de que ali se tratam de situações em que a normal apreciação perfunctória que, em sede de processo cautelar, cumpre ao juiz realizar, permite identificar um ou mais casos de evidência que autorizem a formulação de um juízo de muito forte probabilidade de êxito do processo principal); e 3ª) A provisoriedade das providências cautelares (v. art. 124º CPTA), ou seja, a sua duração é provisória e o seu conteúdo é provisório, sendo proibido antecipar a resolução definitiva do litígio ou prejudicar o sentido da decisão principal e o interesse no julgamento da causa principal (i.e., a decisão cautelar não pode ter efeitos de direito irreversíveis). A lei exige, assim, além do (1) periculum in mora (art. 120º-1-b)-1ª parte-ou-c)-1ª parte do CPTA) e (2) do fumus boni iuris (art. 120º-1-c)-in fine do CPTA) ou fumus non malus iuris (art. 120º-1-b)-in fine do CPTA), (3) a ponderação dos danos em questão segundo critérios de proporcionalidade, ou seja que a atribuição da providência não cause danos desproporcionados, bem como (4) a necessidade da concreta providência (art. 120º-3 CPTA). Logicamente, o processo cautelar deverá improceder se o juiz cautelar concluir que é evidente que o processo principal irá improceder (fumus malus). É o oposto do fumus non malus iuris. Factos omitidos (arts. 174 ss do r.i.) e necessidade de inquirição de testemunhas para a prova do periculum; O juiz deve elencar todos os factos relevantes, provados e não provados, também nas decisões cautelares, onde se aplica a regra geral contida nos arts. 304º-5 e 384º-3 do CPC, ex vi art. 1º CPTA, assim diminuindo o risco de omissões probatórias ou fácticas. Já vimos que a 1ª instância considerou inexistirem factos relevantes não provados, ou melhor, que nada disse sobre isso, omissão que é irregular. Quanto à necessidade de inquirição de testemunhas para a prova do periculum invocado nos arts. 174º ss do r.i. (que, paradoxal e curiosamente, o tribunal a quo refere). Fora das questões de mero expediente, não basta o tribunal decidir ou concluir um ponto, uma questão ou o processo. É necessário que tal seja feito de forma expressamente fundamentada (e, sempre que possível, sucinta). É o que se pressupõe nos nº 3 e 4 do art. 118º do CPTA, seja para efeitos de prova das alegações de factos relativos ao periculum in mora, seja nas relativas aos danos concretos mencionados no nº 2 do art. 120º do CPTA, norma esta que, note-se, exige uma ponderação do concreto. No caso presente, é verdade que o tribunal a quo desconsiderou factualidade alegada no r.i., a qual, em princípio, seria relevante para prova do periculum e para fazer a eventual comparação in concreto prevista no art. 120º-2 CPTA. Mas, considerando que este TCAS tem entendido, quase unanimemente, que tal tipo de factualidade é desnecessária, pois se satisfaz com o facto notório de haver periculum (como abaixo veremos) e com uma ponderação especial dos interesses e danos em jogo, entendemos ser de aceitar tal decisão do tribunal a quo, embora a mesma pudesse ser mais assertiva e concreta. Da AIM e do PVP Medicamentos são substâncias ou composições de substâncias que possuam propriedades curativas ou preventivas das doenças e dos seus sintomas, do homem ou do animal, com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou modificar as suas funções. Para ser comercializado, o medicamento precisa de obter a respectiva autorização de introdução no mercado (AIM). Esta autorização é concedida pelo INFARMED, após avaliação, por peritos e técnicos especializados, da documentação que comprova a qualidade, segurança e eficácia do medicamento. Os critérios utilizados para a concessão da AIM são os constantes nas disposições legais nacionais e nos normativos comunitários. A entidade à qual é atribuída esta autorização, e da qual depende a comercialização do medicamento, designa-se por Titular de Autorização de Introdução no Mercado (AIM). A legislação contempla algumas excepções à obrigatoriedade de AIM; são exemplos, os medicamentos manipulados (preparados oficinais e fórmulas magistrais) e medicamentos destinados aos ensaios de verificação e de desenvolvimento (medicamentos experimentais). O INFARMED pode ainda autorizar, com carácter excepcional, a utilização de medicamentos não possuidores de AIM, através da Autorização de Utilização Especial (AUE), concedida a instituições de saúde licenciadas para aquisição directa de medicamentos. O Decreto-Lei n.° 176/2006, de 30 de Agosto estabeleceu o regime jurídico dos medicamentos de uso humano, transpondo a Directiva n.° 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, bem como as Directivas n.os 2002/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Janeiro, 2003/63/CE, da Comissão, de 25 de Junho, e 2004/24/CE e 2004/27/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, e altera o Decreto-Lei n.° 495/99, de 18 de Novembro. O Estatuto do Medicamento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto(5), estabelece, no artigo 103.º, que o regime de preços dos medicamentos sujeitos a receita médica e dos medicamentos não sujeitos a receita médica comparticipados é fixado por decreto-lei. A al. nn) do n.° 1 do art.º 3.° define medicamento genérico como o "medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, a mesma forma farmacêutica e cuja bioequivalência com o medicamento de referência haja sido demonstrada por estudos de biodisponibilidade apropriados". O medicamento genérico caracteriza-se, essencialmente, por conter o mesmo fármaco (princípio activo responsável pelo efeito terapêutico), na mesma dosagem e forma farmacêutica, com a mesma via de administração e indicação terapêutica do medicamento de referência, que sendo normalmente inovador, foi autorizado com base em documentação completa, incluindo resultados de ensaios farmacêuticos, pré-clínicos e clínicos [al. ii) do n.° 1 do art.º 3.°] ou seja, cuja eficácia, segurança e qualidade foram comprovadas cientificamente. O medicamente de referência encontra-se, por regra, há bastante tempo no mercado: tendo uma marca comercial conhecida e registada. Como os medicamentos genéricos são comercializados e prescritos pelo nome do princípio activo, não suportam os chamados custos de marca, pelo que apresentam preços significativamente mais baixos do que os fixados para medicamentos de referência. Como qualquer medicamento o genérico está sujeito a AIM, cuja concessão não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do respectivo titular (art.º 14.°, n.° 4). O art.º 25° prevê os casos em que um pedido de AIM possa ser indeferido, dele não constando qualquer referência a protecção de patentes ou semelhantes, contrariamente ao que sucedia na legislação anterior. A iniciativa económica privada da comercialização de medicamentos de uso humano em Portugal, não sendo uma actividade proibida, é uma actividade fortemente regulada desde logo por imposição constitucional – cfr. artigo 64º, nº 3, alínea e) da CRP – em vista dos interesses públicos da saúde da população e do acesso aos medicamentos por via da tabelação de preços máximos e comparticipação, regulação expressa na intervenção permissiva do Estado objectivada em dois actos administrativos, cujo procedimento se inicia a requerimento do interessado. A autorização de introdução no mercado [AIM] da competência do INFARMED – cfr. artigos 14º, nº 1, 15º, nº 1 e 23º, nº 1, do DL nº 176/2006, de 30/8 –, tem por finalidade remover o limite de exercício do direito pré-existente da iniciativa económica privada, constitucionalmente configurado no artigo 62º da CRP (Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 13-1-2011, P. nº 6988/10). A AIM é, portanto, uma decisão administrativa do tipo previsto no art. 120º CPA e que tem a ver directamente com a qualidade técnica do medicamento, a saúde pública e, logicamente, com a introdução do medicamento no mercado. Mediante a prática do acto administrativo de AIM, a Administração define um complexo de relações jurídicas concretas de direito público e, através deste acto autorizativo, investe o requerente de AIM num título capaz de, pela força jurídica que lhe é inerente, produzir efeitos jurídicos concretos e específicos, v.g., o poder de o sujeito titulado comercializar o medicamento a que a AIM respeita (v. Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 13-1-2011, P. nº 6988/10). Este Tribunal Central Administrativo Sul já decidiu o seguinte, a que aqui aderimos: O direito de propriedade consagrado no art. 62º. da C.R.P., que abrange os direitos de propriedade industrial, onde se incluem os direitos fundados em patentes de medicamentos, tem sido considerado um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias para efeitos de aplicação do regime constante dos arts. 17º. e 18º. da CRP. A concessão de AIM de medicamentos genéricos configura a decisão central no procedimento administrativo tendente à comercialização de tais medicamentos, sendo este o único efeito que com aquela concessão é pretendido. Estando os órgãos da Administração vinculados directamente aos direitos, liberdades e garantias e devendo interpretar e aplicar as normas em conformidade com os direitos fundamentais, atribuindo-lhes o sentido que melhor promova a sua efectividade, o Infarmed tem o dever de indeferir qualquer pedido de AIM quando a atribuição dessa autorização viabilize a violação dos direitos protegidos por patente. Assim, verifica-se o requisito do “fumus boni iuris”, por não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão anulatória que tem por objecto as referidas AIMs. Estando em causa o fundado receio de lesão ilegal de um direito fundamental da recorrente, deve dar-se prevalência ao interesse desta para efeitos do disposto no nº 2 do art. 120º. do CPTA. A concessão da suspensão de eficácia das AIMs de medicamentos genéricos obsta à fixação dos PVP e impede a sua comercialização, satisfazendo, assim, integralmente os interesses que levaram a recorrente a intentar a intimação para abstenção da fixação desses preços (Ac. de 23-9-2010, P. nº 6592/10). Se o direito de propriedade industrial sobre um processo de fabrico confere ao respectivo titular direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, nomeadamente, o fabrico, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente, então a caducidade ou o termo de vigência desse direito obviamente que tem o efeito contrário, findando nestes casos a exclusividade concedida ao particular. Não basta, porém, para que o medicamento seja comercializado que seja concedida AIM. É necessário, ainda, que o seu preço de venda ao público seja fixado administrativamente. O artigo 103° estabelece que o regime de preços dos medicamentos sujeitos a receita médica é fixado por decreto-lei, o que veio a ser feito pelo Decreto-lei nº 65/2007, de 14 de Março, cujo art. 1. ° atribuiu à (actualmente) DGAE a competência fixar os preços dos medicamentos de uso humano sujeitos a receita médica e dos medicamentos não sujeitos a receita médica comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde, todos eles sujeitos a regime de preços máximos (art. 3.° desse diploma). Os medicamentos de uso humano sujeitos a receita médica e os medicamentos não sujeitos a receita médica comparticipados estão sujeitos ao regime de preços máximos. A natureza poligonal ou multipolar da situação jurídica administrativa em que se insere o acto de concessão de AIM fundamenta a legitimidade de intervenção de terceiros titulares de direitos exclusivos assentes em patente/certificado complementar de protecção do medicamento de referência, no procedimento autorizativo para o medicamento genérico e de controlo participado no iter de formação da decisão, ao abrigo do estatuto jurídico de contra-interessados - artºs. 52º e 53º CPA (v. Acs. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 13-1-2011, P. nº 7000/10; e de 25-11-2010, P. nº 6772/10). O Decreto-Lei n.° 65/2007 foi regulamentado pela Portaria n.º 300-A/2007, de 19 de Março, cujo art.º 4.° dispõe que os preços fixados pela DGAE "podem ser praticados pelos titulares das AIM, ou os seus representantes legais, após recepção das respectivas comunicações ou, na falta de qualquer comunicação por parte da DGAE, no prazo de 60 ou 45 dias, consoante se trate de medicamentos em geral ou genéricos, contados da data de recepção do pedido, considerando-se, neste caso, tacitamente autorizados os preços propostos pelo requerente". O Decreto-Lei 65/2007 vem consagrar uma nova metodologia da formação dos preços dos novos medicamentos, sendo que uma das alterações consiste em o preço inicial do medicamento ser formado através da comparação com a média dos preços dos países de referência, sendo o preço assim obtido o preço máximo a praticar nos estádios de produção ou de importação. Resulta do Decreto-Lei 65/2007 o seguinte: - Compete à DGAE fixar os preços dos medicamentos abrangidos pelo Decreto-Lei 65/2007 (medicamentos de uso humano sujeitos a receita médica e dos medicamentos não sujeitos a receita médica comparticipados). - São considerados preços máximos os PVP fixados pela DGAE. - Compete ao Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) regular os preços dos medicamentos comparticipados ou a comparticipar nos termos definidos no regime jurídico de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos. - O preço de venda ao público do medicamento é composto por: i. Preço de venda ao armazenista; ii. Margem de comercialização do distribuidor grossista; iii. Margem de comercialização do retalhista; iv. Taxa sobre a comercialização dos medicamentos; v. Imposto sobre o valor acrescentado (art. 5º do Decreto-Lei 65/2007). - O PVP dos medicamentos a introduzir pela primeira vez no mercado nacional ou os referentes a alterações da forma farmacêutica e da dosagem não podem exceder a média que resultar da comparação com preços nos estádios de produção ou importação (PVA) em vigor nos países de referência para o mesmo medicamento ou, caso este não exista, para as especialidades farmacêuticas idênticas ou essencialmente similares, nos termos adiante definidos, sem taxas nem impostos, acrescido das margens de comercialização, taxas e impostos vigentes em Portugal. Os países de referência mencionados são a Espanha, a França, a Itália e a Grécia. - O PVA em Portugal não pode exceder: i. A média dos PVA em vigor em todos os países de referência para o mesmo medicamento ou, caso este não exista em todos eles, a média do PVA em vigor em pelo menos dois desses países; ii. No caso de só existir o mesmo medicamento num dos quatro países de referência, o PVA em vigor nesse país; iii. No caso do mesmo medicamento não existir em nenhum dos países de referência, a média dos PVA mais baixos das especialidades farmacêuticas idênticas ou essencialmente similares desse medicamento em vigor no maior número possível destes países, excluindo os medicamentos genéricos; iv. No caso de não existir o mesmo medicamento nem especialidades farmacêuticas idênticas ou essencialmente similares desse medicamento em qualquer dos países de referência e existir em Portugal, o PVA fixado para especialidade farmacêutica idêntica ou essencialmente similar que esteja a ser comercializada no mercado nacional; v. No caso de não existir o mesmo medicamento ou a especialidade farmacêutica idêntica ou essencialmente similar desse medicamento em qualquer dos países de referência e no mercado nacional, o PVA em vigor no país de origem. - O PVP dos medicamentos genéricos a introduzir no mercado nacional, bem como os que sejam objecto do procedimento previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, é inferior no mínimo em 35% ao PVP do medicamento de referência, com igual dosagem e na mesma forma farmacêutica. - O PVP dos medicamentos genéricos a introduzir no mercado nacional, bem como os que sejam objecto do procedimento previsto no n.º 3 do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, é inferior no mínimo em 20% ao PVP do medicamento de referência, com igual dosagem e na mesma forma farmacêutica, desde que este seja inferior a (euro) 10 no PVA em todas as apresentações. - O medicamento de referência para tais efeitos é o medicamento que esteja, ou tenha sido, autorizado há mais tempo em Portugal com base em documentação completa, incluindo resultados de ensaios farmacêuticos, pré-clínicos e clínicos com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas. - Os PVP de medicamentos objecto de importação paralela a introduzir no mercado nacional devem ser inferiores no mínimo em 5% ao PVP do medicamento considerado e dos medicamentos idênticos ou essencialmente considerados objecto de autorização de introdução no mercado em Portugal. - A fixação das margens máximas de comercialização é definida em legislação própria. - Os pedidos de autorização de preços dos medicamentos, nos termos do Decreto-Lei n.º 65/2007, de 14 de Março, devidamente instruídos, são apresentados pelos titulares de autorização de introdução no mercado, ou pelos seus representantes legais, junto da DGAE. - Os titulares de AIM, ou os seus representantes legais, podem proceder a variações daqueles preços, desde que a nível inferior ao estipulado, e voltar a praticar os PVP autorizados, os quais são, para efeitos de aplicação do diploma, os preços oficialmente aprovados (art. 3º-2 da Portaria 300-A/2007). - Os preços fixados pela DGAE, nos termos dos artigos 6.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 65/2007, de 14 de Março, podem ser praticados pelos titulares das AIM, ou os seus representantes legais, após recepção das respectivas comunicações ou, na falta de qualquer comunicação por parte da DGAE, no prazo de 60 ou 45 dias, consoante se trate de medicamentos em geral ou genéricos, contados da data de recepção do pedido, considerando-se, neste caso, tacitamente autorizados os preços propostos pelo requerente (art. 4º da Portaria 300-A/2007). A fixação do PVP é, portanto, uma decisão administrativa do tipo previsto no art. 120º CPA, que tem a ver directamente com a defesa do consumidor, a regulação das despesas públicas com a saúde dos cidadãos e, logicamente, a fixação dum elemento essencial da compra e venda de medicamentos. Dito isto, conclui-se que a comercialização de um medicamento genérico impõe que seja obtida AIM, a conceder pelo INFARMED (autoridade administrativa), e que depois seja fixado o seu preço máximo (PVP) pela DGAE (autoridade administrativa), tratando-se, em ambos os casos, de verdadeiros actos administrativos (art. 120º CPA), praticados no primeiro caso por uma pessoa colectiva de direito público (INFARMED) e no segundo por um órgão na dependência do Ministério da Economia e Inovação. A AIM tem de considerar a violação ou não de outra AIM anterior pertença do titular de patente, pois esta e os seus consequentes direitos económicos para o dono da patente são base necessária da AIM. Irreleva aqui o facto de haver questões de direito privado ou não. Há um acto administrativo que tem de cumprir a lei. O resto são questões de competências jurisdicionais, que não dispensam nunca o previsto no art. 15º CPTA. Já quanto à posterior determinação administrativa do PVP, que nos ocupa neste processo cautelar, entendemos que a determinação administrativa do PVP nada tem a ver com outra eventual AIM de um terceiro ou com eventuais direitos de propriedade industrial de terceiro, devido à sua natureza própria decorrente do modo como é legalmente regulamentada (objectiva e pormenorizadamente) e do momento em que surge no caminho até à comercialização (após a AIM). Trata-se simplesmente de atribuir um PVP a um medicamento “licenciado” pelo INFARMED, cujos parâmetros legais são muitos e objectivos. Dali resulta, no entanto, que a fixação de um PVP pela DGAE é susceptível de, por si ou também por si, lesar ou prejudicar, por vícios seus e não da AIM pressuposta, uma AIM alheia ou um direito de Prop. Industrial alheio, relativos ao mesmo medicamento, pois que o PVP é um dos dois elementos essenciais para alguém poder introduzir um medicamento no mercado, em competição com quem já lá está. Portanto, estamos ante um acto administrativo com eficácia externa, i.e. impugnável, ao abrigo do art. 51º-1 CPTA. Um acto administrativo é acto consequente de outro anterior quando este é seu pressuposto essencial, de tal forma que o acto considerado só tenha sido praticado ou dotado de certo conteúdo em virtude da prática desse outro acto, pressupondo, para a sua validade, que o acto administrativo anterior, de que emergem, seja válido; se o acto administrativo anterior sofre de qualquer vício, este último repercute-se no acto consequente. O PVP é consequente da AIM. Este Tribunal Central Administrativo Sul tem considerado, por vezes e bem, que o acto administrativo de AIM assume a natureza de condição do procedimento a desencadear pelo interessado junto da DGAE para fixação dos máximos de PVP - artº 77º /1/3, DL 176/06 de 30.08 e artº 1º/1, Portaria 300/A/07 de 19.03 (v. Acs. do Tribunal Central Administrativo Sul de 13-1-2011, P. nº 7000/10; de 25-11-2010, P. nº 6772/10). Enfim, está claro que: a) A comercialização de um medicamento genérico impõe que seja obtida AIM, a conceder pelo INFARMED (autoridade administrativa), e que depois seja fixado o seu preço máximo (PVP) pela DGAE (autoridade administrativa), tratando-se, em ambos os casos, de verdadeiros actos administrativos (art. 120º CPA), praticado no primeiro caso por uma pessoa colectiva de direito público (INFARMED) e no segundo por um órgão na dependência do Ministério da Economia e Inovação, num contexto de relações jurídicas multipolares que envolvem quem já está no mercado com a mesma substância activa; b) A aprovação do PVP não é inócua, pois é um mais em relação à AIM (decisão administrativa principal, central ou nuclear relativamente à colocação no mercado de um medicamento) para que o medicamento seja colocado no mercado; c) A DGAE não tem qualquer obrigação legal de averiguar sobre a existência de patentes relacionadas com o medicamento de referência quando emite o PVP, devendo limitar a sua análise aos requisitos do D.L. 65/2007 e verificar que o medicamento para o qual é pedido o PVP dispõe de AIM, mas sempre sob a égide do CPA; d) A fixação ou aprovação de PVP é, pois, um acto consequente da AIM, com procedimento administrativo diferente. O que significa que, se a AIM for inválida inválida, também o será o PVP, mas não o oposto necessariamente. Também significa que devemos separar ou identificar separadamente os vícios de um e de outro. e) É muito incorrecto e logicamente ilegal afirmar que a vigência da patente não impede a concessão de AIM e PVP a outrem. Do 1º requisito: periculum in mora No caso presente, é evidente que foi requerida uma providência conservatória, à qual se aplica o art. 120º-1-b) do CPTA. Ora, o que entendemos nesta sede é que a) A AIM e o PVP permitem conjuntamente a comercialização do medicamento, como resulta implícito da decisão recorrida; b) O PVP, ao também ser decisivo para a comercialização, pode logicamente prejudicar quota de mercado e exclusivo de comercialização preexistentes. E reafirmamos: a concessão de AIM de medicamentos genéricos na pendência da vigência de patente/CCP sobre a substância activa dos medicamentos de referência e obtido o PVP, constituem causa provável, em juízo de normalidade, de decréscimo do volume de negócios e descida de réditos, probabilidade fáctica notória no sentido adjectivo do artº 514º nº 1 CPC, que não carece de prova, não sendo necessário trazer à acção cautelar as demonstrações financeiras dos dois ou três últimos anos para, a partir delas, extrapolar projecções contabilísticas de perdas operacionais e decréscimo de proveitos e ganhos de exercício (v.g., Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 13-1-2011, P. nº 7000/10). Há, assim, periculum in mora: fundado receio de constituição de facto consumado. Do 2º requisito: fumus boni iuris: fundamentação insuficiente, violação do direito de audiência prévia e desrespeito da Portaria 337-A/2010 (rectius: 312-A/2010) e da C.N.C. 001/INFARMED/DGAE, violação dos direitos conferidos pela patente em vigor, art. 98º do CPI O acto em causa é a fixação dos PVPs. A prova dos direitos de propriedade industrial faz-se por meio de títulos, correspondentes às suas diversas modalidades (art. 7º-1 CPI). A titularidade de uma patente dá o exclusivo da comercialização, comercialização que depende sempre de uma AIM e de um PVP. A requerente provou por doc. a sua patente nacional de processo, ainda vigente, pelo que beneficia da presunção estabelecida no art. 98º do CPI: Se uma patente tiver por objecto um processo de fabrico de um produto novo, o mesmo produto fabricado por um terceiro será, salvo prova em contrário, considerado como fabricado pelo processo patenteado. Os demandados nada provaram contra. Mas isto só releva directamente e aqui contra a AIM. Há que analisar se as ilegalidades aparentes invocadas, próprias do acto de fixação do PVP, satisfazem o cit. fumus non malus iuris (art. 120º-1-b) cit.). O acto em causa é a fixação dos PVPs a favor da C-I e não quaisquer AIMs. Desde já devemos afirmar que a ilegalidades invocadas não são simples e manifestas. Estando nós em sede de relações jurídicas administrativas multilaterais, há que aplicar o art. 100º CPA. E como a requerente, interessada no como e quando da comercialização dos medicamentos concorrentes, não foi ouvida em audiência prévia quanto a este 2º elemento essencial para a introdução no mercado do medicamento, ocorre aqui aparência do bom direito por desrespeito do art. 100º cit., por aparente vício próprio deste procedimento multilateral. Há fumus non malus iuris. Quanto à questão da falta ou insuficiência de fundamentação da fixação dos PVP (boa ou má, correcta ou incorrecta, algo nem discutido nos articulados), a ser feita de acordo o Decreto-Lei cit. de 2007, basta atentarmos no despacho suspendendo. Dali conclui-se que os arts. 124º-1-a) e 125º nº 1 do CPA parece que foram desrespeitados, porque desconsiderados, quanto aos cits. interesses comerciais da requerente, interessada em toda a procedimentação que possa pôr em causa interesses seus (art. 55º CPA). Há fumus non malus iuris, por aparente vício próprio deste procedimento multilateral. Quanto a uma alegada violação do art. 1º-1 da Portaria 312-A/2010(6), a requerente não tem razão, porque não cabe analisar aqui, neste processo cautelar contra o PVP (por vícios próprios), a validade da AIM antecedente ao PVP. Portanto, discordamos da recorrente quando invoca que os PVP não poderiam ser fixados, porque foram pedidos por quem era detentor de AIMs inválidas. Com efeito, não se provou tal invalidade, nem cabe aferir de tal indiciada ilegalidade das AIMs neste processo cautelar. Do 3º requisito: a ponderação dos danos para os interesses presentes (art. 120º-2 CPTA cit.). Do interesse público Há que dar aqui, e não sempre, prioridade ao direito fundamental de natureza económica da requerente (art. 62º CRP), com óbvio risco de decréscimo do volume de negócios e descida de réditos, já que do outro lado há o facto positivo de existir já acesso a este tipo de medicamento no mercado sem prejuízo concreto apurado para o interesse público, e não contra-relevando nada de concreto quanto aos interesses também económicos das C-I. O que sucede nos autos é que a violação do direito da requerente causa situações de facto consumado, como já dissemos: por um lado a perda irreversível de quota de mercado, que não se mede apenas pela perda dos rendimentos correlativas, já que afecta a performance pública da empresa, e, por outro lado, a perda do exclusivo de produção e ou comercialização do produto que a patente protege, impossível de ser reposto. Nada de factualmente relevante foi apurado, além do acima referido, que permita concluir que os danos concretos para as C-I, para o Estado e para os doentes sejam superiores aos dos da requerente. Ademais, o medicamento já existente no mercado serve no essencial os interesses dos doentes. Do 4º requisito: necessidade, adequação e suficiência da providência cautelar concreta para o caso concreto A suspensão da eficácia é notoriamente a medida cautelar típica e adequada a este tipo de situação e de acto administrativo (cfr. assim FREITAS DO AMARAL, in CJA 43; MÁRIO AROSO…, Comentário ao CPTA, 3ª ed., notas ao art. 112º). Concluindo: - o juiz cautelar deve elencar sempre os “factos relevantes não provados”, a não ser que não existam, e deve justificar em concreto por que não se produzem os meios de prova requeridos pelas partes; - o PVP, tal como a AIM, tem obviamente a ver de forma directa e imediata com a comercialização do medicamento genérico, sendo ambos actos administrativos com eficácia externa, que se formam em procedimentos administrativos multipolares; - a concessão de AIM deve considerar sempre as patentes vigentes, que o INFARMED pode e deve perscrutar; - a fixação do PVP, tal como a concessão da AIM, deve respeitar todas as regras dos procedimentos administrativos multipolares, nomeadamente o previsto nos arts. 53º e 54º ss do CPA, a audiência prévia e a consideração dos interesses dos prévios detentores de AIM da mesma substância activa; - A comercialização de um medicamento genérico, dependente de dois actos administrativos (AIM e PVP), causa sempre danos notórios a quem já está no mercado, sobretudo se o for em termos de exclusividade de comercialização; - suspender a eficácia de uma AIM ou de um PVP, quando já exista um medicamento idêntico no mercado, não prejudica, em princípio, o interesse público da saúde; pode prejudicar o interesse público de poupar em meios financeiros, mas isso tem de ser alegado e provado em concreto. III. DECISÃO Pelo que acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o recurso, revogar a decisão recorrida e suspender a eficácia dos actos citados de determinação de PVPs pela DGAE. Custas a cargo da C-I, que contra-alegou, neste Tribunal Central Administrativo Sul, e a cargo dos oponentes na 1ª instância. Lisboa, 8-9-2011 Paulo Pereira Gouveia, relator Cristina Santos António Vasconcelos 1- Por exemplo, entre outros (suspensão de eficácia), o pedido cautelar de intimação de alguém para que provisoriamente se abstenha de um certo comportamento, alegadamente violador de normas de direito administrativo, supõe que haja um vazio decisório, isto é, que não exista ou subsista uma qualquer pronúncia justificativa de tal comportamento (Ac. do STA de 10.1.2008, Rec. nº 0675/07). 2- Sobre este tema, ver: FREITAS DO AMARAL, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 43, e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA et al., Comentário ao CPTA, 3ª ed., 2010, notas ao art. 112º. Ou seja: os actos concretos alegados inspiram o fundado receio de que, se a providência não for concedida, se tornará depois impossível proceder à reintegração factual da situação conforme à legalidade; é o risco da infrutuosidade da sentença de mérito futura (MÁRIO AROSO…, Manual…, 2010, p. 475). 3- Porque há prejuízos, certos ou prováveis, que se irão produzindo e serão impossíveis de reparar ou de reparar integralmente após a sentença de mérito de procedência. É o risco do retardamento da tutela. 4- Não obstante, o CPTA admite todos os meios de prova estritamente necessários e úteis ao esclarecimento sumário do caso concreto objecto de tutela cautelar. O CPC (v. arts. 384º-3 e 303º) e o CPTA (arts. 1º, 114º-3-g e 118º-2) não parecem permitir a aplicabilidade do art. 523º-2 CPC. 5- Transpõe: a Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano; o artigo 31.º da Directiva n.º 2002/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, que estabelece normas de qualidade e segurança em relação à colheita, análise, processamento, armazenamento e distribuição de sangue humano e de componentes sanguíneos; a Directiva n.º 2003/63/CE, da Comissão, de 25 de Junho de 2003, que altera a Directiva n.º 2001/83/CE; a Directiva n.º 2003/94/CE, da Comissão, de 8 de Outubro de 2003, que estabelece princípios e directrizes das boas práticas de fabrico de medicamentos para uso humano e de medicamentos experimentais para uso humano; a Directiva n.º 2004/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004; e a Directiva n.º 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004. 6- Os pedidos de autorização de preços dos medicamentos, nos termos do Decreto -Lei n.º 65/2007, de 14 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto--Lei n.º 184/2008, de 5 de Setembro, e pelo Decreto–Lei n.º 48 -A/2010, de 13 de Maio, devidamente instruídos, são apresentados pelos titulares de autorização de introdução no mercado (AIM), ou pelos seus representantes legais, junto da Direcção -Geral das Actividades Económicas (DGAE).

© 2024 Apura. Todos os direitos reservados.
Termos e Condições
Política de Privacidade