I - As formas de cooperação referidas no art. 1.º da Lei 144/99, de 31-08, a começar por a aí mencionada em primeiro lugar, que é a extradição, nos termos do n.º 1 do art. 3.º do diploma, “regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma”. Daí que, as causas de recusa facultativa ou obrigatória do pedido de extradição, decorrentes da lei geral, não devam ser chamadas à colação. II - Importa sim, ter em consideração [no caso presente, em que o Tribunal da Relação deferiu o pedido de extradição de cidadã brasileira], o Tratado de Extradição entre Portugal e o Brasil, de 07-05-1991, concretamente em matéria de recusa do pedido de extradição. Sabido que, em relação à disciplina sobre cooperação judiciária penal, e especificamente sobre extradição, que resulta da Lei 144/99, de 31-08, esse tratado teve em conta as ligações especialmente estreitas entre os dois países e só pode ter querido facilitar a cooperação, em ambos os sentidos do Atlântico. III -Entre as normas que prevêem circunstâncias, em face das quais a extradição é inadmissível, e, bem assim, em que a dita extradição pode ser recusada, encontra-se a prevista na al. b) do art. 3.º do Tratado: “ter sido a infracção cometida no território da Parte requerida”. Ou seja, em Portugal. IV - Nos termos do art. 7.º do CP português, “o facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido”. V - Os factos indiciados nos autos reportam-se a um grupo criminoso que se organizou e que passou a funcionar a partir de S. Paulo, pelo menos desde Junho de 2006, com vista ao tráfico internacional de mulheres, para fins de prostituição. A extraditanda é reputada pessoa de confiança da co-arguida GG para a Europa. Refere-se que aquela reside em Portugal e «agencia as garotas de GG naquele continente». Importa ter em conta que se está perante a acusação, entre o mais, de um crime de associação criminosa, aí assumindo aparentemente, papel mais relevante, a tal GG, moradora em S. Paulo. Também é certo que todos os outros co-arguidos aí residem, com excepção de TB, residente em S. André, e GR em Miami, EUA, para além da extraditanda, que reside em Portugal. Os elementos fornecidos apontam claramente para uma organização que labora a partir do Brasil, enviando raparigas para encontros de cariz sexual, não só internamente, como daí para o estrangeiro. VI - A constituição e início do funcionamento de uma associação criminosa assinala o momento da consumação deste crime, que depois se pode prolongar. Porque a associação é autónoma em relação aos crimes que se pratiquem através dela, fazer parte da associação não implica evidentemente participar em todos os crimes praticados no seu seio. VII - O facto de a recorrente integrar a associação criminosa em foco não reclama, obviamente, que a mesma viva e trabalhe, no que possa ser tido por sede da mesma, podendo dar o seu contributo, para funcionamento do grupo e prossecução dos seus objectivos, a partir de outro país que não o Brasil. Mais, tratando-se de uma rede transnacional de prostituição, é clara a necessidade de apoios no estrangeiro, para seu funcionamento. Em matéria de crime transnacional, a mobilidade e a dispersão de agentes e actividades, reclama, pois, que se possa proceder contra alguém por um crime cometido num lugar, a partir do qual a organização actua, mesmo que esse alguém não tenha desenvolvido toda ou alguma da sua actividade aí. VIII - Em relação aos crimes de lenocínio e tráfico de pessoas, dir-se-á que, decisivo para efeitos de consumação e portanto de competência, à luz do normativo atrás transcrito, é o local do aliciamento, angariação ou contratação das prostitutas. E esse trabalho incidia sobre brasileiras, no Brasil. IX - Não existe motivo que impeça a concessão da extradição em causa.
A – PEDIDO DE EXTRADIÇÃO E TERMOS SUBSEQUENTES O Magistrado do Mº Pº, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, veio, ao abrigo do Tratado de Extradição entre o Governo da República Portuguesa e o da República Federativa do Brasil, assinado a 7/5/1991, e aprovado por Resolução da Assembleia da República de 4/11/1993 (D.R. Iª Série-A de 3/2/1994), promover o cumprimento do pedido de extradição de AA, cidadã brasileira, nascida a 3/2/1964, filha de N... B... R... e A... dos S... B..., com última residência em R. das F..., ..., ... Dtº, S. Domingos de Benfica, Lisboa. Apresentou, em síntese, os fundamentos seguintes: 1) Corre termos contra a extraditanda o processo-crime 2007. 61. 81. 001663, da 7ª Vara Federal Criminal da 1ª Subsecção Judiciária do Estado de S. Paulo. 2) Encontra-se a mesma indiciada por um conjunto de factos, que são descritos, e se prendem com o tráfico internacional de mulheres com fins de prostituição, para obtenção de proventos económicos, os quais integram, segundo o Código Penal Brasileiro, os crimes de: - associação criminosa, p. no artº 288º e p. com a pena de 1 a 3 anos de prisão; - lenocínio, p. no artº 230º e p. com a pena de 1 a 4 anos de prisão; - tráfico de pessoas, p. no artº 231º e p. com a pena de 3 a 8 anos de prisão. 3) Segundo a lei portuguesa, tal factualidade integra os crimes de associação criminosa do artº 299º do C.P., punido com a pena de 1 a 5 anos de prisão, lenocínio, do artº 169º, punido coma pena de 6 meses a 5 anos de prisão, e tráfico de pessoas, do artº 160º, punido com a pena de 3 a 10 anos de prisão. 4) Sua Exª o Sr. Ministro da Justiça considerou admissível o pedido de extradição ao abrigo do nº 2 do artº 46º e 48º da Lei 144/99 de 31 de Agosto, conforme se pode ver do documento de fls. 57. 5) O pedido é formulado nos termos dos artsº 1º, 2º e 12º, do Tratado acima referido, e artº 1º, al. a), 3º e 31º, da Lei 144/99 de 31 de Agosto, pelo que, de acordo com o artº 15º daquele Tratado e 51º desta Lei, deverá proceder-se à detenção de AA, à sua audição, e aos ulteriores termos do processado até concessão, a final, da extradição. Juntou a documentação pertinente. A extraditanda foi detida a 9/10/2008 (fls. 63 v.). Ouvida nesse dia, opôs-se à extradição e não renunciou á regra da especialidade. Foi ordenado o prosseguimento do processo de extradição, e, além disso, foi-lhe aplicada a medida de coacção de prisão preventiva (fls. 65 e seg.). Na sua oposição, a extraditanda invoca, em síntese, a omissão de qualquer referência na fundamentação do pedido, aos locais onde terá cometido os factos que lhe são imputados, e ainda a circunstância de, a ter cometido tais infracções, as não poder ter cometido no Brasil. Na verdade, diz que viveu sempre em Portugal desde o ano 2000, só tendo ido ao Brasil três vezes, certo que os factos se situaram entre Junho e Novembro de 2006. Também se insurge contra o facto de não ser indicada data, local e circunstâncias da prática das infracções. Por último, considera a medida de coacção aplicada excessiva e inadequada, devendo ser substituída por outra menos gravosa. Tanto mais que os co-arguidos se encontram em liberdade no Brasil. O Mº Pº pronunciou-se quanto à oposição formulada, e concluiu pela prossecução dos autos sem realização da diligência entretanto requerida pela extraditanda, a qual se reportava a uma consulta às autoridades brasileiras para se saber se ainda interessava a extradição pedida. Considerou ser de facultar a extradição, por entender inexistir dúvida sobre a identidade da pessoa a extraditar, bem como qualquer das razões de recusa da extradição, dos artsº 6º a 8º da Lei 144/99 de 31 de Agosto. B – DECISÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA Por acórdão de 4/11/2008, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu deferir e autorizar a extradição solicitada. Fundamentou a sua decisão nos termos que se transcrevem: “II- Conhecendo 2.1- Os factos relativos ao pedido de extradição constam já enunciados anteriormente. Os crimes imputados são concomitantemente puníveis também segundo a legislação portuguesa, ainda que com penas diferenciadas nos seus limites mínimos e/ou máximos. A extraditanda invoca como fundamento de oposição o desconhecimento do local ou território, data e circunstâncias da prática da infracção sendo a acusação omissa nessa parte e por isso, violando-se o art° 12°, ala e) do Tratado. Porém, verificando-se a acusação e a descrição global dos factos, vê-se que se trata de actuação imputada com contornos transnacionais, que a organização criminosa actuará a partir do Brasil, que tem ramificações agenciadas em outros países e continentes e que a extraditanda coopera, comparticipa e agencia com aqueles factos e organização a partir de Portugal. Consequentemente, não há sinais de prática exclusiva em Portugal ou para Portugal mas actuação em comparticipação criminosa também a partir deste país. 2.2- É também de assinalar que, mesmo nos termos do n° 4 do art° 2º do Tratado- "Quando a infracção que deu lugar ao pedido de extradição tenha sido cometida fora do território da Parte requerente, a extradição será concedida, de acordo com as disposições do presente Tratado , desde que: a) a pessoa cuja extradição é pedida seja nacional da Parte requerente; (.. .)ou b) a lei da Parte requerida preveja a punição de um crime cometido fora do seu território, em condições semelhantes. Ambas as situações se verificam in casu. Ainda que a referência fáctica em relação à arguida seja, na verdade, muito sintética, não se pode dizer que tecnicamente existe omissão daqueles elementos circunstanciais, temporais e territoriais. A actuação é reportada em cooperação/comparticipação através de agenciamento de garotas de programa através da extraditanda para "GIGI" (alcunha ou mesmo acrónimo de G... A... de O...) identificada nos autos, e sendo a actuação desta a partir de território brasileiro com outros, pertencentes à mesma organização criminosa, referenciada a partir de Junho de 2006, todos eles ( excepto a extraditanda e uma outra residente em Miami) residentes em S. Paulo- Brasil. Consequentemente, ainda que tecnicamente não se trate de um modelo perfeito e processualmente bem conseguido de acusação, os elementos mínimos de imputação fáctica contra a extraditanda não estão omitidos, sendo compreensíveis e inteligíveis não obstante a imputação bastante genérica feita contra a arguida. Esta agencia na Europa as "garotas de programa" por conta de GIGI, que opera a partir de S.Paulo para satisfazer pedidos de clientes de vários Estados da Federação, nesses Estados, para esses Estados ou às vezes no exterior. 2.3-Relativamente ao pedido de extradição, o mesmo deve considerar-se activo visto inexistir qualquer indicador sério e evidente de ter sido eliminado ou desnecessário. Caberá às autoridades brasileiras, nesse caso, avisar de imediato as autoridades portuguesas, de acordo com a prudência, bom senso e regras de processo que vinculam as relações de extradição, sendo certo que qualquer pedido de comunicação novo para confirmação suporia uma demora intolerável, já que a formulação se tramitaria sempre por via diplomática, incompatível, na actual fase, com os curtos prazos de decisão. Aliás, o pedido da extraditanda baseia-se apenas no facto da sua anterioridade há mais de 18 meses o que equivale, de acordo com outros casos idênticos, a uma perfeita "normalidade". Não cabe agora ter de se fazer confirmação daquilo que foi solicitado e até então, nunca foi declarado extinto ou desnecessário. Resta por último referir que as medidas de coacção aplicadas no processo em curso a outros co-arguidos pelas autoridades judiciais brasileiras paulistas, hajam sido elas o que houverem sido, não importam nem afectam os pressupostos da fixada à extraditanda, porque independentes e autónomas umas das outras. E, de outro modo, a detenção preventiva interessa apenas e para já para se assegurar o exacto cumprimento da extradição em si, sendo irrelevante que, no Brasil, a situação detentiva venha entretanto a modificar-se. 2.4-Tudo visto e tendo em consideração as disposições normativas citadas, quer inscritas no Tratado de Extradição de 7.5.1991 quer na Lei de Cooperação Judicial portuguesa ( Lei 144/99 ) não se encontram razões relevantes e decisivas para se negar o pedido de extradição. Na verdade, não se encontram quaisquer factores de negação entre os previstos no art° 3º do Tratado : "ARTIGO III Inadmissibilidade de extradição 1. Não terá lugar a extradição nos seguintes casos: a) ser a pessoa reclamada nacional da Parte requerida; b) ter sido a infracção cometida no território da Parte requerida; c) ter a pessoa reclamada sido definitivamente julgada na Parte requerida ou num terceiro Estado pelos fatos que fundamentam o pedido de extradição e ter sido absolvida, ou, no caso de condenação, ter cumprido a pena; d) estar extinto no momento do recebimento do pedido, segundo a lei de qualquer das Partes Contratantes, o procedimento criminal ou a pena, por prescrição ou por qualquer outra causa; e) estar amnistiada a infracção segundo a lei de qualquer das Partes Contratantes; f) ser a infracção punível com pena de morte ou prisão perpétua; g) dever a pessoa ser julgada por tribunal de excepção ou cumprir uma pena decretada por um tribunal dessa natureza; h) haver fundadas razões para considerar que a pessoa reclamada será sujeita a processo que não ofereça garantias de um procedimento criminal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos Direitos do Homem ou cumprirá a pena em condições desumanas; i) tratar-se, segundo a legislação da Parte requerida, de infracção de natureza política ou com ela conexa; j) haver fundadas razões para concluir que a extradição é solicitada para fins de procedimento criminal ou de cumprimento de pena por parte de uma pessoa, em virtude da sua raça, sexo, religião, nacionalidade ou convicções políticas, ou que a situação dessa pessoa possa ser prejudicada por qualquer dessas razões; 1) tratar-se de crime militar que, segundo a lei de ambas as Partes contratantes, não constitua simultaneamente uma infracção de direito comum. Também não existem quaisquer causas de recusa de entre as previstas no Tratado: "ARTIGO V Recusa de extradição 1. A extradição poderá ser recusada: a) se as autoridades competentes da Parte requerida tiverem decidido abster-se de instaurar procedimento criminal, pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, contra a pessoa em relação à qual a extradição é pedida; b) se a pessoa cuja entrega é solicitada tiver sido condenada à revelia pela infracção que deu lugar ao pedido de extradição, excepto se a lei da Parte requerente lhe assegurar a possibilidade de interposição de recurso da decisão condenatória, ou a realização de novo julgamento após a extradição; c) se estiver pendente procedimento criminal nos tribunais da Parte requerida, pelos factos que fundamentam o pedido de extradição. 2. A Parte requerida poderá sugerir à Parte requerente que retire o seu pedido de extradição, tendo em atenção razões humanitárias que digam nomeadamente respeito à idade, saúde, ou outras circunstâncias particulares da pessoa reclamada." Por sua vez, a Lei 144/99 de 31 de Agosto, que não prevalece sobre as do Tratado, ex vi do art° 3º, também ela mesmo não prevê situação relevante e de excepção nesta matéria. É aplicável o princípio da reciprocidade na cooperação e, quanto ao da especialidade, a extraditanda não o renunciou. 2.5-O pedido de extradição cumpre assim os requisitos de instrução previstos no art° 12° do Tratado de Extradição e não se lhe impõem fundamentos de rejeição.” C – RECURSO A extraditanda recorreu, concluindo assim: “1 - O pedido de extradição formulado pelo Brasil às autoridades portuguesas fundamenta-se na imputação, à extraditanda e ora Recorrente, da prática dos ilícitos criminais de associação criminosa, de lenocínio e de tráfico de pessoas, conforme texto acusatório junto ao pedido. 2 - A ter cometido os crimes de que está acusada, cuja prática a Recorrente refuta mas que alega por dever de patrocínio e sem prescindir, só o poderia ter feito em território português já que, à data em que os factos ocorreram, entre Junho e Novembro de 2006 segundo a acusação, a extraditanda residia e trabalhava em Portugal, como documentou em sede de oposição. 3 - Ora, a alínea b) do n.° 1 do art.° 3.° do Tratado de Extradição entre Portugal e o Brasil, de 7 de Maio de 1991 e a alínea a) do n.° 1 do art.° 32.° da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, estipulam que não há lugar à extradição quando a infracção ou crime tenha sido cometido em território da parte Requerida, pelo que se constata, in casu, a falta de um dos requisitos legais ao deferimento do pedido. 4 - Tendo decidido e autorizado a extradição, o Tribunal da Relação de Lisboa violou as ditas disposições normativas. 5 - Na sua decisão, o Tribunal Recorrido relevou a circunstância da actuação que consta da acusação ter contornos transnacionais, uma organização centrada no Brasil mas com ramificações agenciadas em outros países. Contudo e para efeitos de apreciação do pedido, relevante era e é saber-se o local e as circunstâncias da prática dos factos imputados à extraditanda sendo que, quanto a estes, o próprio Tribunal da Relação de Lisboa parece aceitar que o possam ter sido a partir do território português. 6 - O pedido de extradição e a acusação que o suporta, são totalmente omissos e nada dizem quanto à data, local e circunstâncias da prática das infracções imputadas à extraditanda. 7 - Em concreto e de substancial, a extraditanda apenas é referenciada por agenciar garotas de programa na Europa, sem uma única indicação sobre quem agenciou, quando o fez, para quem, contactos ou sobre quaisquer outros elementos circunstanciais. 8 - O próprio Tribunal Recorrido reconhece que "a referência fáctica em relação à arguida seja, na verdade, muito sintética ". 9 - Contrariamente ao entendimento do Tribunal Recorrido, pensa a Recorrente que, de tão vagos, de tão genéricos e de tão pouco precisos, não estão presentes, na acusação, os elementos mínimos de imputação fáctica contra a extraditanda. 10 - Ora, o art.° 12.° do citado Tratado de Extradição, na sua alínea e), estipula que ao pedido de extradição devam ser juntos os seguintes elementos: " Descrição dos factos imputados à pessoa reclamada, com indicação da data, local e circunstância da infracção e a sua qualificação jurídica, se não constarem das situações referidas nas alíneas c) ou d)". 11 - Do pedido de extradição em apreço não constam tais elementos descritivos, pelo que não cumpre com o requisito exigido no Tratado de Extradição e deveria como deverá ser indeferido. 12 - Ao ter decidido pelo deferimento e autorização da extradição, o Tribunal Recorrido violou, também neste pormenor, a referida disposição normativa. 13 - Terá violado ainda o disposto nos artigos 8.°, n.° 2 e 203.°, da C.R.P.” Na sua resposta, o M.° P.° contrapôs o seguinte: “1.° No seguimento do pedido formal de extradição apresentado em 4 de Agosto de 2008, feito, na sequência da solicitação efectuada pelas autoridades brasileiras para efeito de procedimento criminal, contra a extraditanda Maria de Jesus, pelo facto de se encontrar indiciada da prática de crime de associação criminosa, lenocínio e tráfico de pessoas, foi em 4 de Novembro de 2008, proferido o douto acórdão que deferiu e autorizou a extradição solicitada, determinando que se cumpra a remoção da extraditanda do território português. 2.° Foi, na sequência deste douto acórdão que a extraditanda veio interpor recurso defendendo, em síntese e de acordo com as suas "Conclusões", pois são elas que fixam o objecto do recurso, que refuta a prática dos ilícitos que as autoridades brasileiras lhe imputam, pela circunstância de à data daqueles factos que lhe são imputados residir em Portugal, sendo por esse motivo ilegal o deferimento do pedido, pelo facto de não se encontrarem reunidos os requisitos impostos por lei, uma vez que, a extradição não pode ser deferida quando a infracção ou crime tiver sido cometido em território da Requerida, para além de não se encontrarem referidos os elementos mínimos de imputação fáctica contra a extraditanda. 3.° A sem razão da recorrente, afigura-se-nos ser evidente na medida em que de acordo com o n.° 2 do art.° 55 da lei n.° 144/99 de 31 de Agosto, a oposição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição, uma vez que não pode o Tribunal solicitado apreciar ou admitir prova sobre a existência ou não do crime indiciado em Tribunal do País impetrante, não cabendo aos nossos Tribunais discutir o mérito da decisão do Tribunal estrangeiro, no caso o Brasil, nem tão pouco das razões que levem ou possam levar à aplicação de determinadas penas, não sendo, assim, consentida qualquer discussão sobre a existência ou não de fortes indícios da prática do crime. 4.° Ora, não existindo qualquer dúvida quanto à identidade da pessoa a extraditar, a extradição só poderia ser recusada nos termos dos artigos 6.° a 8.° da Lei n.° 144/99 de 31 de Agosto. 5.° Sendo certo, que dos autos não se invoca a existência de qualquer situação que obstando ao deferimento do pedido, preencha alguma das situações referidas nas citadas normas, concluindo-se, assim, pela inexistência legal de qualquer facto que inviabilize o pedido efectuado. 6.° Com efeito, as razões apresentadas pela recorrente quanto à circunstância de os factos imputados terem ocorrido em território português não se encontra assente em qualquer fundamento legal, na medida em que estamos perante a prática de factos com contornos transnacionais, verificando-se que a organização criminosa a que a extraditanda pertence actua a partir do Brasil, ao mesmo tempo que através dos seu membros vai actuando noutros países e continentes, cabendo à extraditanda cooperar e comparticipar a partir de Portugal para os interesses e finalidades da organização. 7.° Efectivamente, e como se refere no douto acórdão agora colocado em crise apesar da referência fáctica relativamente à extraditanda ser bastante sintética, não nos podemos esquecer que estamos perante uma actuação reportada a cooperação/comparticipação através de agenciamento de garotas de programa através da extraditanda para "Gigi", sendo actuação desta a partir de território brasileiro com outros, pertencentes todos à mesma organização criminosa, cabendo à extraditanda agenciar na Europa "garotas de programa" por conta da referida "Gigi", a qual opera a partir de S. Paulo para satisfazer pedidos de clientes de vários Estados da Federação, quer nesses Estados, quer fora deles. 8.° E não havendo qualquer causa de inviabilização do pedido de extradição apresentado que preenche os fins e fundamentos referidos no art.° 31.° da Lei n.° 144/99 de 31 de Agosto e constituindo as infracções penais imputadas à extraditanda motivo de extradição, como consta do pedido, entende-se que o douto acórdão não merece qualquer censura, pelo que, deve ser confirmado e consequentemente, ser viabilizado o pedido de extradição apresentado pelas autoridades brasileiras, com e efectivação da sua entrega.” D – APRECIAÇÃO A questão levantada nas conclusões de recurso, retomada da oposição antes deduzida, prende-se fundamentalmente com a falta de indicação, no rol dos factos imputados à recorrente, de data e circunstâncias da sua prática, mas, sobretudo, do local de actuação da extraditanda. E porque esta, a admitir que praticara os factos imputados, só o poderia ter feito em Portugal, daí dever ser negada, a seu ver, a respectiva extradição. Na verdade, de acordo com o Tratado em apreço, e seu art° 3º, alínea b), a extradição será inadmissível por “ter sido a infracção cometida no território da Parte requerida”. Importa adiantar que, nos termos do nº 1 do artº 3º, da Lei n.° 144/99 de 31 de Agosto, as formas de cooperação referidas no artº 1º do diploma, a começar por a aí mencionada em primeiro lugar, que é a extradição, “regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência , pelas disposições deste diploma”. Daí que, as causas de recusa facultativa ou obrigatória do pedido de extradição, decorrentes da lei geral, não devam agora ser chamadas à colação. Importa sim, ter em consideração, o que no diz o Tratado de Extradição entre Portugal e o Brasil, de 7/5/1991, concretamente em matéria de recusa do pedido de extradição. Sabido que, em relação à disciplina sobre cooperação judiciária penal, e especificamente sobre extradição, que resulta da Lei 144/99, de 31 de Agosto, esse tratado teve em conta as ligações especialmente estreitas entre os dois países e só pode ter querido facilitar a cooperação, em ambos os sentidos do Atlântico. De todas as normas que prevêem circunstâncias, em face das quais a extradição é inadmissível, e, bem assim, em que a dita extradição pode ser recusada, a única que apresenta virtualidades para impedir a presente extradição é, à partida, a prevista na al. b) do artº 3º do Tratado: “ter sido a infracção cometida no território da Parte requerida”. Ou seja, em Portugal. Ora, nos termos do artº 7º do C.P. português, “o facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido”. Esta a norma que, no presente recurso, nos pode guiar em matéria de atribuição de jurisdição penal, e, consequentemente, de facultar ou não a extradição. Se nos debruçarmos sobre os factos dos autos, verificamos que a indiciação se reporta a um grupo criminoso que se organizou, e que passou a funcionar a partir de S. Paulo, pelo menos desde Junho de 2006, com vista ao tráfico internacional de mulheres, para fins de prostituição. A extraditanda é reputada pessoa de confiança da co-arguida J... A... de O... (a “Gigi”), para a Europa. Refere-se que aquela reside em Portugal e “agencia as garotas de “Gigi” naquele continente” (fls. 3). Há conversas telefónicas efectuadas a partir das quais se pode configurar o seu tipo de função (fls. 33, 38). Não compete a este processo sindicar a veracidade dos factos imputados pelas autoridades brasileiras. Interessa sim apurar se os factos apresentados, quanto a data, local e circunstâncias, têm o mínimo de consistência para que se possa considerar estar perante um pedido suficientemente instruído para os efeitos das al. c) e e) do artº 12º do Tratado. Tal como se decidiu no acórdão recorrido, a factualidade mencionada, no que toca à extraditanda, sem ser abundante, preenche aquele mínimo de suficiência. Depois, importará ter em conta, que se está perante a acusação, entre o mais, de um crime de associação criminosa, aí assumindo aparentemente, papel mais relevante, a tal “Gigi” , moradora em S.Paulo. Também é certo que todos os outros co-arguidos aí residem. Excpciona-se Thais Ballai, residente em S. André, e G... R... em Miami, E.U.A., para além da extraditanda, que, como se viu, reside em Portugal. Os elementos fornecidos apontam claramente para uma organização que labora a partir do Brasil, enviando raparigas para encontros de cariz sexual, não só internamente, como daí para o estrangeiro. São referidos os envios de várias prostitutas para outros países, como por exemplo de uma tal E... para a Rússia em Setembro de 2006, da L... M... para Inglaterra em Novembro de 2006, da Y... M... para Lisboa em Outubro de 2006, onde ia ter um encontro com a ora extraditanda. A constituição e início do funcionamento de uma associação criminosa assinala o momento da consumação deste crime, que depois se pode prolongar. Porque a associação é autónoma em relação aos crimes que se pratiquem através dela, fazer parte da associação não implica evidentemente participar em todos os crimes praticados no seu seio. Sobretudo, o facto de a recorrente integrar a associação criminosa em foco não reclama, obviamente, que a mesma viva e trabalhe, no que possa ser tido por sede da mesma, podendo dar o seu contributo, para funcionamento do grupo e prossecução dos seus objectivos, a partir de outro país que não o Brasil. Mais, tratando-se de uma rede transnacional de prostituição, é clara a necessidade de apoios no estrangeiro, para seu funcionamento. Em matéria de crime transnacional, a mobilidade e a dispersão de agentes e actividades, reclama, pois, que se possa proceder contra alguém por um crime cometido num lugar, a partir do qual a organização actua, mesmo que esse alguém não tenha desenvolvido toda ou alguma da sua actividade aí. Em relação aos restantes crimes de lenocínio e tráfico de pessoas, dir-se-á que, decisivo para efeitos de consumação e portanto de competência, à luz do normativo atrás transcrito, é o local do aliciamento angariação ou contratação das prostitutas. E esse trabalho incidia sobre brasileiras, no Brasil. De notar, que já no acórdão de 13/3/1990 deste S.T.J. (in Col. Jur. Ano XV, Tomo I, pag. 31), se disse que “É competente para se conhecer do crime de tráfico de pessoas, do [então] artº 217º do CP, o tribunal da área onde a pessoa é aliciada, seduzida ou desviada para a prática da prostituição noutro país.” Por todo o exposto, não se vê motivo que impeça a concessão da extradição solicitada. E – DECISÃO Termos em que se considera improcedente o recurso interposto, assim se confirmando a decisão recorrida. Taxa de Justiça: 10 U.C. Lisboa, 11 de Dezembro de 2008 Souto de Moura (Relator) Soares Ramos