I – O mandado de detenção europeu é um instrumento destinado a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros da União Europeia e consiste na decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade, obedecendo a sua execução ao disposto na Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto e na Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho, alterada pela Decisão-Quadro n.º 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de Fevereiro. II – O princípio do reconhecimento mútuo em matéria de justiça penal na União Europeia, que o MDE concretiza, pressupõe a realização de um simples procedimento de controlo pelo tribunal, destinado a verificar a regularidade formal e substancial da decisão proferida pelo tribunal de um Estado-Membro e a inexistência de motivo de recusa da respectiva execução. III – Em ordem a simplificar os pedidos e permitir responder-lhes mais facilmente, os MDE passaram a ser elaborados de modo uniforme mediante o preenchimento de um formulário próprio, mas previamente à emissão tem que ter sido proferida pela autoridade judiciária respectiva uma sentença nacional com força executiva, um mandado de detenção nacional ou decisão judiciária da mesma natureza, de forma separada daquele. IV – O sistema relativo ao MDE implica um duplo nível de protecção para os direitos processuais e fundamentais de que a pessoa procurada deve beneficiar: a protecção judicial a um primeiro nível, em que é adoptada uma decisão judiciária nacional, por exemplo, um mandado de detenção nacional, e a protecção que é concedida a um segundo nível, em que um MDE é emitido. V – As causas de recusa facultativa, previstas no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, estão ligadas à soberania penal do Estado português, não podem ser vistas isoladamente, devem ser consideradas e aplicadas tendo em conta o conjunto de fundamentos consagrados na lei, de modo a alcançar o equilíbrio entre as exigências da ordem pública do Estado-Membro de execução, no caso as exigências da ordem pública portuguesa, e a manifestação do ordenamento jurídico do Estado-Membro de emissão, submetidos à mesma balança de fiel comum: a cooperação judiciária europeia e os valores que emergem do princípio do reconhecimento mútuo, sua “pedra angular”. VI – O funcionamento das causas de recusa facultativa suscita ainda a necessidade de convocar mecanismos preventivos que permitam a adopção de decisões que evitem futuros conflitos positivos de jurisdição ou uma invocação do princípio non bis in idem. VII – A prescrição do procedimento criminal enquanto causa de recusa facultativa da execução de MDE tem como pressuposto que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado, pois só quando os tribunais portugueses detenham essa competência é que se aplicam os prazos de prescrição do procedimento criminal, ou da pena, de acordo com a lei portuguesa. VIII – No caso do artigo 5.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal a aplicação extraterritorial da lei penal justifica-se por estarem em causa bens ou interesses que não admitem a impunidade da respectiva ofensa, entrando-se no campo do princípio da universalidade ou da aplicação universal, que tem na cooperação internacional a sua mais lídima expressão, e no caso da alínea d) a aplicação extraterritorial da lei penal justifica-se por razões ligadas à tutela do princípio da nacionalidade activa, em que o critério é o da nacionalidade portuguesa do infractor e o fundamento, já tradicional, é o de que, em princípio, um Estado não extradita os seus cidadãos, exigindo-se em ambos os casos que que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de um mandado de detenção europeu. IX – Quando o requerido, ausentando-se para paradeiro desconhecido, contribuiu para o retardamento do andamento do processo crime, não pode depois invocar violação do direito a um processo equitativo, concretamente o direito a uma decisão em tempo útil, com vista a obstar à execução do mandado. X – O artigo 13.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, trata das garantias a fornecer pelo Estado-Membro de emissão em casos especiais indicados na norma, garantias que se assumem como uma dimensão da dignidade da pessoa arguida e respectivos direitos fundamentais, entre os quais avulta o acesso ao direito e a um julgamento justo, explicitados juridicamente em termos processuais penais no exercício do princípio do contraditório e no princípio da presunção de inocência.
Acordam na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1. O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação apresentou, no dia 15 de Março de 2023, requerimento para execução de Mandado de Detenção Europeu (MDE), emitido pela Autoridade Judiciária de Espanha, relativo a AA, cidadão com nacionalidade portuguesa … e residente em Portugal no ..., ..., 1, ... .... 2. O referido mandado foi emitido pelo 6.º Juízo de 1.ª Instância e Instrução de ..., em ... de 2016, para efeitos de procedimento criminal no âmbito do processo abreviado n.º 0000001/2013 PA 28/13, que tem por objecto a autoria do crime de prostituição coerciva, previsto e punido no artigo 188.º, n.º 1, e do crime de detenção ilícita (sequestro), previsto e punido no artigo 163.º, n.º 1, ambos do Código Penal Espanhol, imputada ao requerido AA, conjuntamente com BB, CC e DD. 3. Com base nas informações divulgadas pelo Sistema de Informações de Schengen (SIS) – alerta SIS n.º 0005.02... / ES20012140151A0000001 – a Guarda Nacional Republicana, Comando Territorial ..., Destacamento Territorial ..., Posto ..., comunicou a detenção do requerido, efectuada pelas 10h35m do dia 14 de Março de 2023, o qual foi presente neste Tribunal pelas 14h45m do dia 15 de Março de 2023, onde foi de imediato ouvido, nos termos e dentro do prazo previsto no artigo 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (com as alterações introduzidas pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, e Lei n.º 115/2019, de ..., doravante, Lei n.º 65/2003), tendo então declarado não consentir na entrega ao Estado requerente, não renunciar ao princípio da especialidade e requerido prazo de oito dias para deduzir oposição, o que foi deferido. A detenção do requerido foi julgada válida e mantida (artigo 18.º, n.º 3 da Lei n.º 65/2003). 4. Em prazo, o requerido AA deduziu oposição à execução do MDE, alegando para tanto o seguinte: No processo a que diz respeito o MDE, o requerido encontra-se indiciado de, em Março de 2011, vigiar e controlar as funcionárias de um clube nocturno, onde aquelas se dedicavam à prostituição, de transportá-las de uns clubes para outros quando estas se negavam a exercer a prostituição e ter mantido uma das testemunhas sob estrita vigilância sempre que se deslocava, limitando a sua liberdade de movimentos e usando de violência e intimidação sobre ela e outras que, como ela, trabalhavam nos clubes, impedindo-as de os abandonarem voluntariamente. Os factos descritos integram a prática de um crime de coacção para a prostituição (“prostitucion ativa”), punido nos termos do artigo 188.º, n.º 1 do Código Penal Espanhol, com pena de prisão até 3 anos, e a prática de um crime de sequestro (“detencion ilegal”), punido nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do Código Penal Espanhol, com pena de prisão até 5 anos. No ordenamento jurídico português, os factos descritos encontram enquadramento legal no crime de tráfico de pessoas, previsto nos termos do artigo 160.º, n.os 1, alínea a) e d), e 2 do Código Penal, punido com pena de prisão de 3 a 10 anos, e no crime de sequestro, previsto nos termos do artigo 158.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal, ao qual corresponde uma pena de 2 a 10 anos. O dever geral de executar mandados de detenção europeus, com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro 2002/584/JAI, de 13 de Junho, é limitado, nomeadamente, por motivos de não execução facultativa. Assim, tendo em conta o caso concreto, conforme o previsto no artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003, se “tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu”, a execução do MDE pode ser recusada. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, salvo tratado ou convenção em contrário, a factos praticados fora do território português, é aplicável a lei portuguesa a qualquer agente, nacional ou não nacional, que tiver cometido, entre outros, os crimes previstos no artigo 160.º do Código Penal (ou seja o crime de tráfico de pessoas), desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português. O que quer dizer que, quando esteja em causa um crime de tráfico de pessoas, a lei portuguesa é aplicável a qualquer agente, independentemente da sua nacionalidade, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não seja possível ao Estado Português satisfazer o MDE para entrega da pessoa que praticou o crime num país estrangeiro, por ocorrer, um qualquer motivo de recusa. Portanto, não há dúvida de que, sendo aplicável a lei penal aos factos alegadamente cometidos, pelo requerido, num país estrangeiro, neste caso Espanha, relativos a um cidadão nacional, detido em território nacional, tem de ser competente a jurisdição portuguesa. O requerido encontra-se indiciado por factos ocorridos em Março de 2011, praticamente há 12 anos. Ora, o MDE foi emitido em .../.../2016 e somente em 14 de Março de 2023 foi o requerido detido. À luz da lei penal portuguesa, o artigo 118.º do Código Penal prevê o seguinte: “1 – O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido os seguintes prazos: (…) b) Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos e não exceda dez anos”. Ou seja, os factos que justificaram a emissão do MDE encontram-se prescritos, de acordo com a lei penal portuguesa. Aplicando-se ainda o artigo 6.º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, atento o direito a um processo justo e equitativo, o que implica uma decisão em tempo útil, dificilmente conciliável com o enorme lapso temporal que mediou entre Março de 2011 e Março de 2023 (correspondente à data de detenção do requerido), colocando em crise o exercício do direito de defesa. O requerido reitera o que por ele foi dito em sede de sua audição, não renunciando, portanto, ao princípio da especialidade. Por fim, é cidadão de nacionalidade portuguesa e foi detido em Portugal, conta com 68 anos de idade e não tem qualquer suporte familiar em território espanhol. A garantia do Estado-Membro de emissão de que a decisão de entrega fica sujeita à condição de que o requerido, após ter sido ouvido, seja devolvido ao Estado Membro de execução, quer no decurso da fase de inquérito, para cumprimento de eventual medida de coacção, quer após audiência de discussão e julgamento que venha a condená-lo em pena privativa da liberdade, é uma conditio sine qua non para que o mandado de detenção possa ser executado, Deverá, pois, ser requerido ao Estado Membro emissor que forneça a garantia de devolução da pessoa procurada e, não sendo ela fornecida, deverá a execução do mandado de detenção ser recusada. O requerido AA termina pedindo que que a execução do mandado de detenção europeu seja recusada com fundamento na existência de causa de recusa, nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto. Sem prescindir, caso assim não se entenda e o requerido venha a ser entregue ao Estado-Membro emissor para procedimento criminal, deverá esse Estado Membro prestar a garantia prevista nos termos do artigo 13.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, sob pena de não o fazendo a execução do presente mandado de detenção ser recusada. * 5. O Exmo. Magistrado do Ministério Público respondeu à oposição, alegando que: Quanto à invocada causa de recusa de execução do MDE de prescrição do procedimento criminal (artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003), os factos que justificaram a emissão do mandado e pelos quais o requerido está indiciado constituem, para além do mais, um crime de tráfico de pessoas previsto e punido pelo artigo 160.º, n.os 1, alínea a), e 4, alínea d), do Código Penal, ao qual corresponde pena de prisão de 3 a 10 anos, mas agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo, pois, conforme vem descrito no expediente que acompanhou o presente MDE, o requerido actuava de forma conjunta e previamente concertado com outros três indivíduos … Deste modo, àquele crime pelo qual o requerido está indiciado cabe pena de prisão cujo limite máximo é superior a 10 anos e, consequentemente, é de 15 anos o prazo de prescrição do respectivo procedimento criminal, nos termos do artigo 118.º, n.º 1, alíneas a) e i), do Código Penal. Logo, tal prazo não se encontra ainda decorrido, em face da lei penal portuguesa pelo que, por esta via, não existe motivo para recusa da execução do MDE. Mesmo que assim não fosse e tivesse ocorrido já a prescrição do respectivo procedimento criminal em face da lei penal portuguesa, tal não significaria que o presente MDE não deveria ser executado, pois conforme resulta do artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003, a prescrição do procedimento criminal em face da lei penal portuguesa é um motivo de não execução facultativa do MDE desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado. Ora, o artigo 5.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal prevê que a lei penal portuguesa seja aplicável a factos cometidos fora do território nacional quando estiver em causa, entre outros, o crime de tráfico de pessoas pelo qual o requerido está indiciado, desde que o agente seja encontrado em Portugal “…e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português”. Assim, podendo o requerido ser entregue às autoridades do país onde os factos foram praticados através da execução de mandado de detenção europeu, deixa de ser aplicável a lei penal portuguesa ao caso em apreço e, em consequência, não pode a prescrição do procedimento criminal em face da lei penal portuguesa ser motivo de recusa facultativa da execução do presente MDE … Quanto ao pedido subsidiário para que o Estado requerente forneça as garantias a que alude o artigo 13.º, alínea b), da Lei n.º 65/2003, … De qualquer modo, nada tem a opor a que, caso se entenda necessário, se solicite desde já ao Estado requerente a emissão de tal garantia. * Na sequência de despacho da relatora de 31 de Março de 2023, as autoridades espanholas vieram juntar, por correio electrónico de 4 de Abril de 2023, o original em suporte digital do MDE e do despacho judicial a ordenar a sua emissão, bem como tradução certificada para a língua portuguesa. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II – Fundamentação Factos relevantes para a decisão: 1. Pela autoridade judiciária espanhola competente – 6.º Juízo de 1.ª Instância e Instrução de ... –, no âmbito do processo abreviado n.º 0000001/2013 PA 28/13, foi emitido, em ... de 2016, o mandado de detenção europeu objecto dos autos e inserido no Sistema de Informação Schengen o pedido de detenção e entrega às autoridades espanholas, do cidadão de nacionalidade portuguesa AA. 2. O referido mandado de detenção europeu foi emitido para efeitos de procedimento criminal no âmbito do processo abreviado indicado, no qual os factos indiciados que suportam o pedido de Espanha, enquanto Estado-Membro de emissão do mandado, são os seguintes: 2.1. Os quatro arguidos – … –, cada um com uma função circunscrita, agiam de forma conjunta e previamente concertados. … 2.2. O arguido BB encontrava-se a gerir, no decurso do ano 2011, vários bares de alterne … 2.3. Na sua condição de proprietário, convenceu a testemunha protegida n.º 4 para que se deslocasse de ... para o seu bar de alterne em ..., onde iria exercer a prostituição a troco de 50 euros diários, como retribuição pelo alojamento e a metade das bebidas que bebesse com os clientes, sendo o seu propósito reter a totalidade dos lucros. 2.4. Assim que a testemunha protegida n.º 4 chegou ao bar de ..., no mês de Março de 2011, teve relações sexuais a troco do preço com um número indeterminado de clientes do estabelecimento, entregando a totalidade do dinheiro a BB e quando esta se recusava a trabalhar, tanto BB, como também o arguido EE, aterrorizavam-na para que consentisse em coabitar com os clientes, dizendo-lhe que a iriam denunciar à polícia por estar em situação irregular em Espanha. 2.5. Nessas condições, praticou a testemunha n.º 4 a prostituição no Bar ..., até que decorrido algum tempo o arguido BB, mediante prévio acordo com o seu irmão, o também arguido DD, e AA, instruíram CC para que levasse a mulher para o bar que geriam em .... 2.6. Assim, o arguido CC agarrou a testemunha protegida n.º 4 pelo cabelo, levando-a para o seu quarto e ordenando-lhe que fizesse as suas malas, acabou por levá-la para ..., onde a manteve numa vivenda, durante pelo menos um período de sete dias, da qual apenas a tirava para a levar ao prostíbulo no qual CC trabalhava como responsável, sem retribuir a sua função com qualquer montante, a qual consistia em ter relações sexuais com os clientes e privando-a até da comida, chegando a bater-lhe quando esta se recusava a coabitar com os clientes do Bordel. 2.7. A testemunha protegida n.º 4 era submetida pelos arguidos a uma rigorosa vigilância em todas as suas deslocações, limitando deste modo a sua capacidade de movimento. 2.8. Facto que não constituía um caso isolado … 2.9. À factualidade descrita em 2.1. a 2.8. corresponde, na legislação espanhola, à qualificação jurídico-penal de crime de prostituição coerciva, previsto no artigo 188.º, n.º 1 Código Penal Espanhol, punível com pena de prisão de dois a cinco anos, pelo qual foi requerida no processo a aplicação de uma pena de três anos de prisão, e de crime de detenção ilícita (sequestro), previsto no artigo 163.º, n.º 1 do Código Penal Espanhol, punível com pena de prisão de quatro a seis anos, pelo qual foi requerida no processo a aplicação de uma pena de cinco anos de prisão. 2.10. O processo foi tramitado como processo de diligências prévias proc. abreviado 1/2013 e transformado em processo abreviado 28/13, pelos mencionados crimes de prostituição coerciva e de detenção ilícita (sequestro), de que são acusados AA, BB, CC e DD. 2.11. No referido processo a morada do requerido AA era Carretera ..., ..., ..., Espanha, encontrando-se, no entanto, aquele em paradeiro desconhecido. 2.12. O requerido residiu em Espanha … entre 1984 e 2013, tendo regressado a Portugal, em 26-07-2013, onde permanece, residindo na ..., .... 2.13. Vive com a sua mãe em casa arrendada pela mesma. É reformado. Aufere uma pensão de 320,00 € mensais, tem três filhos já adultos e autónomos. 2.14. O requerido foi detido no âmbito destes autos, no dia 14 de Março de 2023, no ..., ..., não consentiu na execução do MDE, não renunciou ao princípio da especialidade e, na oposição que deduziu, declarou que, caso venha a ser condenado em pena privativa da liberdade, pretende cumpri-la em Portugal. * Motivação A prova dos factos descritos baseou-se no teor do MDE e da documentação anexa ao mesmo, nos documentos remetidos pela autoridade judiciária espanhola, bem como nas declarações prestadas pelo requerido aquando da sua audição, em 15 de Março de 2023 (cf. o respectivo acto de audição). * Apreciando 1. O MDE consiste na decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade, obedecendo a sua execução ao disposto na Lei n.º 65/2003 e na Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho (alterada pela Decisão-Quadro n.º 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de Fevereiro). Constitui a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo em matéria de justiça penal na União Europeia, cujo núcleo essencial se consubstancia na seguinte realidade: “desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde ela procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União. Isto significa que as autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado”.[1] O reconhecimento mútuo pressupõe a realização de um simples procedimento de controlo pelo tribunal, destinado a verificar a regularidade formal e substancial da decisão proferida por um tribunal de um Estado-Membro da União Europeia e a inexistência de motivo de recusa da respectiva execução, o que bastará para que a decisão produza os seus efeitos. Trata-se, pois, de um instrumento destinado a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros da União Europeia, entre os quais se contam o Reino de Espanha e a República Portuguesa. O MDE substituiu, assim, o sistema tradicional de extradição por um mecanismo mais simples e mais rápido de entrega de pessoas procuradas para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade. Um mandado pode ser emitido para os efeitos (não cumulativos) de: a) Procedimento penal por actos puníveis, pela lei nacional, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses (durante as fases de investigação, análise e julgamento até à sentença); b) Cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração não inferior a quatro meses. Em ordem a simplificar os pedidos e permitir responder-lhes mais facilmente, os MDE passaram a ser elaborados de modo uniforme mediante o preenchimento de um formulário próprio. Contudo, é sempre necessário que uma sentença nacional com força executiva, um mandado de detenção nacional ou uma decisão judiciária da mesma natureza tenham sido emitidos em momento prévio e de forma separada do MDE. Previamente à emissão do MDE, a autoridade judiciária de emissão deve sempre assegurar que foi proferida uma decisão judiciária nacional com força executiva, sendo que a natureza dessa decisão depende da finalidade do mandado. Sempre que o MDE é emitido para efeitos de um procedimento penal, deve ter sido emitido um mandado de detenção nacional ou proferida qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva pelas autoridades judiciárias competentes do Estado-Membro de emissão (artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI) antes de ser possível emitir um MDE. No acórdão proferido no processo C-241/15 [2], o Tribunal de Justiça veio confirmar que tal mandado de detenção nacional ou qualquer outra decisão judicial é distinto do próprio MDE.[3] Assim, conforme o Tribunal de Justiça sublinhou no aludido aresto, o sistema relativo ao MDE implica um duplo nível de protecção para os direitos processuais e fundamentais de que a pessoa procurada deve beneficiar: a protecção judicial a um primeiro nível, em que é adoptada uma decisão judiciária nacional, por exemplo, um mandado de detenção nacional, e a protecção que é concedida a um segundo nível, em que um MDE é emitido. Esse duplo nível de protecção jurisdicional não existe, em princípio, caso uma decisão judiciária nacional, que venha a servir de base ao MDE, não seja proferida por uma autoridade judiciária nacional antes de o MDE ser emitido.[4] Pese embora o formulário do MDE deva conter a indicação da existência da decisão judiciária ou mandado de detenção nacional (artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Decisão-Quadro e artigo 3.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 65/2003), não é necessário anexar a decisão ou o mandado ao formulário. Seja como for, no caso dos autos, como acima já foi dito, a autoridade espanhola remeteu por correio electrónico o suporte digital do original despacho judicial a ordenar a emissão do MDE, bem como a sua tradução certificada para a língua portuguesa. Donde comprovadamente resulta que não só os direitos processuais e fundamentais do requerido se mostram assegurados nos dois níveis referidos, como se confirma que a pretensão vertida no MDE em questão é actual, que as razões que o fundamentam se mantêm inalteradas e o Estado-Membro de emissão reafirma o seu interesse no cumprimento do mandado. Dito isto. * 2. No caso em análise, verifica-se que os requisitos de forma, conteúdo e transmissão do mandado de detenção europeu, previstos nos artigos 3.º, 4.º e 5.º da Lei n.º 65/2003, estão preenchidos. Por outro lado, a factualidade descrita em 2.1. a 2.8. é subsumível à previsão do artigo 160.º, n.os 1, alínea a), e 4, alínea d), do Código Penal, que tipifica o crime de tráfico de pessoas, punível com prisão de dois a dez anos, agravada de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, por força da referida norma do n.º 4, alínea d) (agravação de que se falará adiante). Estando, pois, verificado também o critério da dupla incriminação do facto, previsto no artigo 2.º, n.º 3 da Lei n.º 65/2003. Acresce que o segundo crime imputado ao requerido – crime de detenção ilícita (sequestro), previsto no artigo 163.º, n.º 1 do Código Penal Espanhol –, faz parte do elenco de infracções que não exigem o controlo da dupla incriminação do facto, sendo, de resto, vem indicado como tal no formulário de MDE dos autos, em consonância com o que prevê o artigo 2.º, n.º 2, alínea q), da Lei n.º 65/2003. * 3. Na oposição o requerido começa por invocar que no ordenamento jurídico português os factos que lhe são imputados encontram enquadramento legal no crime de tráfico de pessoas, previsto nos termos do artigo 160.º, n.os 1, alínea a) e d), e 2 do Código Penal, punido com pena de prisão de 3 a 10 anos, e no crime de sequestro, previsto nos termos do artigo 158.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal, ao qual corresponde uma pena de 2 a 10 anos. Os factos de que se encontra indiciado ocorreram em Março de 2011, praticamente há 12 anos, sendo que o MDE foi emitido em .../.../2016 e somente em 14 de Março de 2023 foi aquele detido. Segundo o disposto no artigo 118.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal português, o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos e não exceda dez anos. Ou seja, os factos que justificaram a emissão do MDE encontram-se prescritos, de acordo com a lei penal portuguesa. Assim, tendo em conta o caso concreto, está verificada a causa de recusa facultativa da execução do mandado, prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003. Pois bem. * No âmbito da faculdade que o Estado português tem de recusar a execução de um mandado de detenção europeu, dentro das condições e fundamentos que se encontram definidas no artigo 12.º da Lei n.º 65/2003 (note-se que, no que diz respeito aos motivos de não execução facultativa, a autoridade judiciária de execução só pode invocar aqueles que estão transpostos para o seu direito nacional, sendo essa lista de motivos exaustiva – cf., v.g., Acórdãos do Tribunal de Justiça proferidos no processo C-123/08, Wolzenburg, n.º 57, e processos apensos C-404/15 e C-659/15 PPU, Aranyosi e Căldăraru, n.º 80) [5]. Assim, tendo em conta o caso concreto, conforme vem previsto no artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003, se “tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu”, a execução do MDE pode ser recusada. Ora, começando pelo prazo de prescrição aplicável ao caso dos autos, se se entender que os elementos factuais descritos na decisão da autoridade judicial espanhola são subsumíveis à norma que prevê a agravação da pena aplicável ao crime de tráfico de pessoas, constante da alínea d) do n.º 4 do artigo 160.º do Código Penal português, da qual resulta que a pena de prisão de três as dez anos é agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se a conduta de oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração, incluindo a exploração sexual, por meio de violência, rapto ou ameaça grave [artigo 160.º,n.º 1, alínea a)] tiver sido cometida no quadro de uma associação criminosa, então cai logo por terra a objecção suscitada pelo requerido, uma vez que para crimes puníveis com esta moldura agravada, cujo limite máximo é superior a 10 anos de prisão, o prazo de prescrição do procedimento criminal passa para 15 anos, conforme prevê o artigo 118.º, n.º 1, alínea a) i), do Código Penal. Conforme se assinala no Acórdão desta Relação de 27-11-2013, proferido no processo n.º 274/10.9JALRA-B.C1 [6], no crime de associação criminosa, tipificado no artigo 299.º do Código Penal, tutela-se o bem jurídico da paz pública, tratando-se de intervir num estádio prévio, quando a segurança e a tranquilidade públicas não foram ainda necessariamente perturbadas, mas se criou já um especial perigo de perturbação que, só por si, viola a paz pública. No que se refere ao tipo objectivo, o n.º 5 do artigo 299.º do Código Penal define o grupo, organização ou associação, para efeitos da prática do crime de associação criminosa, como o conjunto de pelo menos três pessoas, unidas por um acordo de vontade, tendo em vista a concertação para fins criminosos, durante um certo período de tempo. Neste contexto, o promotor ou fundador do grupo, organização ou associação é a pessoa que tem a ideia criadora do grupo, organização ou associação, como estrutura com certa estabilidade e permanência. Já o chefe ou dirigente da associação criminosa, indicado no n.º 3, é o membro que dirige a estrutura de comando e controla o processo de formação da vontade colectiva. O crime de associação criminosa exige a congregação de três elementos essenciais: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa. Sintetizando, podemos dizer que são elementos típicos da associação criminosa: - A existência de uma pluralidade de pessoas; - Uma certa duração; - Um mínimo de estrutura organizatória, que sirva de substrato material à existência de algo que supere os simples agentes, com estabilidade dos seus agentes; - Um qualquer processo de formação de vontade colectiva; - Um sentimento comum de ligação. O crime de associação criminosa consuma-se com a fundação da associação com a finalidade de praticar crimes ou, relativamente a associados não fundadores, com a adesão ulterior, sendo o agente punido independentemente dos crimes cometidos pelos associados. A propósito da distinção entre associação criminosa e mera comparticipação no crime, Figueiredo Dias[7] realça que é indispensável uma cuidadosa aferição, pelo aplicador, da existência in casu dos elementos típicos que conformam a existência de uma organização no sentido da lei, para além de que não será de condenar por associação criminosa quem tenha já levado a cabo a prática de crimes, sem perguntar primeiro se condenaria do mesmo modo os próprios elementos da associação mesmo que nenhum crime tivesse sido cometido e sem ter respondido afirmativamente a tal questão. * Segundo os factos descritos no MDE, o requerido AA actuava de forma conjunta e previamente concertado com outros três indivíduos na exploração de vários clubes nocturnos onde as funcionárias se dedicavam à prostituição. … Assim, no que respeita ao elemento organizativo, verifica-se que os quatro agentes indicados se concertaram entre si, numa organização com direcção, disciplina, hierarquia e atribuição de deveres e funções. Da mesma factualidade retira-se ainda um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa, uma vez que aqueles quatro visavam a exploração sexual das funcionárias dos bares. A estrutura montada, pelos fins criminosos visados e pela estabilidade demonstrada, revela-se com indo para além da mera comparticipação criminosa, constituindo uma organização estável cuja perigosidade social é tal que os seus membros deveriam ser responsabilizados pela associação criminosa, por violação da paz social, mesmo que nenhum crime tivessem aqueles posteriormente executado. Os factos da decisão judicial que ordenou a detenção do requerido AA são, pois, susceptíveis de integrar a previsão legal de cometimento do tráfico de pessoas no quadro de uma associação criminosa, com as consequências agravativas da pena já referidas. Contudo, há que fazer notar que esta qualificativa do n.º 4 do artigo 160.º só passou a constar do preceito incriminador com a Lei n.º 60/2013, de 23 de Agosto, o que, atendendo à data a que se referem os factos imputados ao requerido (Março de 2011), suscita naturalmente uma questão fulcral ao nível do princípio da legalidade (artigo 1.º, n.º 1 do Código Penal). Assim sendo, posta de parte a qualificativa e a respectiva moldura penal agravada, voltamos ao tipo base e às penas de prisão até dez anos, com o consequente prazo de prescrição também de dez anos. * É verdade que, à luz da lei penal portuguesa, o prazo de prescrição já se mostra transcorrido, pois no presente caso não se verificam causas de suspensão ou interrupção, tendo o referido período de dez anos seguido o seu curso sem pausas nem soluções de continuidade. Contudo, tal não significa que exista fundamento para recusar a execução do MDE, obstando à entrega de AA às autoridades espanholas, para efeitos de procedimento criminal relativamente aos factos descritos. Com efeito, segundo dispõe o artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003, a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu. Sem a competência dos tribunais portugueses para conhecer de tais factos, não há fundamento legal para ponderar as razões desta recusa facultativa do cumprimento do MDE. Conforme se assinala no Acórdão do STJ de 09-01-2013, proferido no processo n.º 211/12.6YRCBR.S1, importa aqui ter presente que, como sucede com as restantes causas de recusa facultativa, a prescrição prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, está ligada à soberania penal do Estado português e, nesta perspectiva, não pode ser vista isoladamente, mas, antes, considerada e aplicada tendo em conta o conjunto de fundamentos consagrados na lei. No fundo, trata-se de alcançar o equilíbrio entre as exigências da ordem pública do Estado-Membro de execução, no caso as exigências da ordem pública portuguesa, e a manifestação do ordenamento jurídico do Estado-Membro de emissão, submetidos à mesma balança de fiel comum: a cooperação judiciária europeia e os valores que emergem do princípio do reconhecimento mútuo, sua “pedra angular”. Este equilíbrio exige à autoridade judiciária de execução uma ponderação de interesses em que o critério decisivo é fundamentado nas circunstâncias jurídico-penais em que se encontra a pessoa procurada, nos termos previstos no artigo 12.º O funcionamento das causas de recusa facultativa suscita ainda a necessidade de convocar mecanismos preventivos que permitam a adopção de decisões que evitem futuros conflitos positivos de jurisdição ou uma invocação do princípio non bis in idem. Para além disso, há que levar em linha de conta o respeito que é dado pela Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI aos direitos fundamentais e a observância que faz dos princípios reconhecidos pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente o seu capítulo VI. Aliás, nenhuma disposição da Decisão-Quadro poderá ser interpretada como proibição de recusar a entrega de uma pessoa relativamente à qual foi emitido um mandado de detenção europeu quando existam elementos objectivos que comportem a convicção de que o mandado é emitido para mover procedimento contra ou punir uma pessoa em virtude do sexo, da sua raça, da sua religião, da sua ascendência étnica, da sua nacionalidade, da sua língua, da sua opinião política ou da sua orientação sexual, ou de que a posição dessa pessoa possa ser lesada por alguns desses motivos. A mesma Decisão-Quadro não impede que cada Estado-Membro aplique as suas normas constitucionais respeitantes ao direito a um processo equitativo (Considerando 12). Aliás, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece a toda a pessoa o direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável (cf. artigo 47.º). Direito esse que, de resto, se encontra expressamente consagrado na Constituição Portuguesa (artigo 20.º, n.º 4) e na Espanhola (artigo 24.º, n.º 2). * Como já se disse, a prescrição do procedimento criminal enquanto causa de recusa facultativa da execução de mandado de detenção europeu tem como pressuposto que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado. Somente quando os tribunais portugueses detenham essa competência é que se aplicam os prazos de prescrição do procedimento criminal (ou da pena), de acordo com a lei portuguesa. Competência que nos remete para o sistema de normas que complementam ou são subsidiárias à regra da territorialidade a que se subordina a aplicação da lei penal no espaço (cf. artigo 4.º do Código Penal). Assim, segundo dispõe o artigo 5.º, n.º 1, alíneas c) e e), do Código Penal: “1 - Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional: (…) c) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144.º-A, 144.º-B, 154.º-B e 154.º-C, 159.º a 161.º, 278.º a 280.º, 335.º, 372.º a 374.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português; (…) e) Por portugueses, ou por estrangeiros contra portugueses, sempre que: i) Os agentes forem encontrados em Portugal; ii) Forem também puníveis pela legislação do lugar em que tiverem sido praticados, salvo quando nesse lugar não se exercer poder punitivo; e iii) Constituírem crime que admita extradição e esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega do agente em execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português; No caso da alínea c), cuja aplicação é convocada pelos imputados factos subsumíveis no crime de tráfico de pessoas, previsto no artigo 160.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a aplicação extraterritorial da lei penal justifica-se quando estão em causa bens ou interesses que não admitem a impunidade da respectiva ofensa, entrando-se no campo do princípio da universalidade ou da aplicação universal, que tem na cooperação internacional a sua mais lídima expressão. Daí a ressalva dos tratados e convenções, procurando-se com a mesma garantir a tutela de interesses ou bens que importam a toda a Humanidade e partilhando outros interesses com alguns ou todos os demais Estados, em termos de se justificar, a propósito, a punição dos crimes correlativos, sejam quais forem os seus agentes. Por outro lado, no caso da alínea d), cuja aplicação é convocada pelos factos imputados subsumíveis no crime de sequestro, previsto no artigo 158.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal, a aplicação extraterritorial da lei penal justifica-se por razões ligadas à tutela do princípio da nacionalidade activa, em que o critério é o da nacionalidade portuguesa do infractor e o fundamento, já tradicional, é o de que, em princípio, um Estado não extradita os seus cidadãos.[8] Quer numa, quer noutra situação, a lei penal portuguesa é (ainda) aplicável a factos cometidos fora do território nacional, sendo que para tanto se exige que, além do mais, o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em resultado de execução de um mandado de detenção europeu. É certo que o requerido, com nacionalidade portuguesa, foi encontrado em Portugal. É também certo que um dos crimes em causa corresponde à tipificação prevista no artigo 160.º do Código Penal e o outro, que corresponde à tipificação no artigo 158.º do mesmo diploma, é também punível pela legislação de Espanha, onde os factos tiveram lugar. Contudo, já o mesmo não sucede com a exigência de o agente não poder ser entregue em execução de MDE, pois no presente caso não está verificada essa cumulativa condição, prevista na parte final das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 5.º do Código Penal. Não é possível dizer que o agente não pode ser entregue em execução de MDE ou que foi decidida a sua não entrega em execução de MDE quando o único motivo de recusa que se suscita no caso concreto é precisamente o que se prende com a razão facultativa da prescrição do procedimento criminal e aquele, para que possa operar, nos termos previstos no artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003, supõe de antemão que os tribunais portugueses são competentes para o conhecimento dos factos que motivaram a emissão do MDE e que se lhes aplica a lei penal portuguesa, em função da qual se afere o caso à luz do instituto da prescrição nela consagrado. No Acórdão do STJ de 09-01-2013 (proferido no processo n.º 211/12.6YRCBR.S1) acrescenta-se mais uma razão para considerar não verificada a condição cumulativa de o agente não poder ser entregue em execução de MDE, ao sinalizar que, perante este problema, resulta imediatamente outra questão: mesmo quando os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu, encontrando-se no Estado de emissão a decorrer o processo crime pelos mesmos factos que justificaram a emissão do MDE e não constando a existência de processo crime no Estado de execução, sobre os mesmos factos, à data da emissão do MDE, não poderia agora instaurar-se procedimento criminal em território português, sobre os mesmos factos, sob pena de se violar a proibição ne bis in idem, o que constitui causa de recusa obrigatória do MDE, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), e prevista no artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa. Temos, assim, que não se mostra preenchida a condição referida, sem a qual não é aplicável ao caso a lei penal portuguesa. * Não obstante o que se acaba de dizer, atentas as razões invocadas na oposição deduzida pelo requerido, o presente caso suscita ainda a questão de saber se a recusa de execução do MDE encontra fundamento na violação do artigo 6.º da CEDH, concretamente do direito a uma decisão em tempo útil, decorrência do direito a um processo justo e equitativo. Como já foi dito, o direito a uma decisão em tempo útil não constitui matéria estranha à Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, na medida em que esta respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos pelo artigo 6.º do Tratado da União Europeia e consignados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na qual o seu artigo 47.º reconhece a toda a pessoa o direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável. Direito esse que se encontra, aliás, expressamente consagrado na Constituição Portuguesa (artigo 20.º, n.º 4) e na Espanhola (artigo 24.º, n.º 2). Conforme refere Ireneu Cabral Barreto[9], em destaque no Acórdão desta Relação de 21-02-2018, proferido no processo n.º 2/18.0YRCBR, que aqui seguimos de perto, “a causa deve ser examinada num prazo razoável, elemento essencial para uma boa administração da justiça”. No âmbito dos critérios gerais para a apreciação dos atrasos processuais o autor esclarece que os órgãos da Convenção consideram a natureza do processo, o comportamento do requerente e o das autoridades competentes, acrescentando ainda que “[n]o penal, o acusado é dispensado de uma cooperação ativa para acelerar o processo. Porém, um acusado fugitivo não pode, em princípio, criticar o caráter não razoável da duração de um processo posterior à sua fuga; efetivamente, ninguém poderá queixar-se da duração de um processo devida essencialmente a um ato seu, inaceitável num Estado de direito: a subtração à ação da justiça”. Ainda a propósito do prazo razoável, o autor evidencia o seguinte: “[n]ote-se que a esta problemática é estranha a possibilidade de julgar crimes passados longos anos sobre a sua prática, dentro dos prazos de prescrição ou independentemente destes se aqueles crimes são imprescritíveis”. No caso aqui em análise, analisando o lapso de tempo verificado entre a data dos factos (2011), a emissão do MDE pela autoridade judiciária espanhola (2016) e a detenção do requerido (2023), tudo a resultar no decurso de praticamente 12 anos desde a data dos factos até ao momento em que se iniciaram os presentes autos, verifica-se que também ele, requerido, ao se ausentar para paradeiro desconhecido, contribuiu para o retardamento do andamento do processo crime, não podendo agora a resposta tardia para a qual também contribuiu, nas circunstâncias que se apuraram, fundamentar que, com base na alegada violação do direito a um processo equitativo, lhe seja dada resposta afirmativa à pretendida recusa de execução do mandado de detenção europeu. Por outro lado, há que fazer notar que o tempo decorrido não ultrapassa o limite que a lei penal portuguesa estabelece como prazo máximo da prescrição quando se verificam causas de interrupção: a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade – artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal. Ou seja, havendo causas interruptivas, aquele prazo só atingiria o seu limite máximo com o decurso de 15 anos desde a data da prática dos factos. Isto quando é sabido que o ordenamento jurídico-penal espanhol prevê a figura da interrupção da prescrição (artigo 132.º, n.º 2 do respectivo Código Penal) e que, segundo jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Espanha, a emissão de um MDE foi considerada causa interruptiva da prescrição do delito, ainda que a pessoa procurada se encontre em paradeiro desconhecido, porquanto implica uma activação do processo, activando a perseguição penal e reforçando a imputação relativamente à pessoa procurada (cf. Sentença do recurso de cassação penal n.º 41/2021, de 21-01-2021, STS 95/2021 - ECLI:ES:TS:2021:95[10]). Aliás, a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto), prevê, no seu artigo 12.º, n.º 1, alínea a), a aceitação pelo Estado português dos motivos de interrupção e suspensão da prescrição do Estado requerente. O que, como tem entendido a jurisprudência nacional, não significa a renúncia à aplicação do regime da interrupção e da suspensão da prescrição do Estado Português, na sua globalidade. Ou seja, a relevância dos motivos da interrupção ou suspensão segundo o direito do Estado requerente, prevista no citado artigo 12.º, n.º 1, não obsta à efectivação da prescrição, se ela resultar do regime da prescrição consagrado na lei portuguesa, aplicado em toda a sua extensão. Neste sentido, cf. Acórdão do STJ de 30-05-2012, proferido no processo n.º 290/11.3YRCBR1.S1. Ora, como já vimos, a nossa lei estabelece no n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, que a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, descontado o período da suspensão, tiver decorrido o prazo normal acrescido de metade. Trata-se de uma cláusula que visa, afinal, salvaguardar o objectivo do instituto da prescrição, que radica em razões político-criminais, ancoradas nos fins das penas, definidos no artigo 40.º do Código Penal. O decurso de um período significativo de tempo, por um lado, esbate, ou mesmo extingue, a censura comunitária, consequentemente o juízo de culpa que lhe é ínsito; por outro, atenua fortemente ou anula as razões da prevenção especial, quer do ponto de vista da ressocialização, quer do da segurança pública; por último, as exigências comunitárias de aplicação da lei, que a prevenção geral pretende salvaguardar também estarão já ultrapassadas, quer pelo seu apaziguamento, quer pela sua frustração definitiva. A estipulação de um limite máximo para a prescrição do procedimento criminal, independentemente da ocorrência dos diversos factores de interrupção, visa, pois, assegurar que as finalidades das penas não saiam lesadas. A inexistência desse limite, permitindo a prorrogação indefinida, ou desproporcionada, do prazo prescricional, frustraria as razões político-criminais que fundamentam o instituto da prescrição. Assentando, pois, a norma do artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal em razões conexas com os fins das penas, é evidente que o Estado Português, por razões de soberania, não pode renunciar à sua aplicação em processo de extradição passiva. Em conclusão, embora aceitando, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 144/99, os motivos de interrupção ou suspensão do Estado requerente, Portugal não abdica do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal (cf. Acórdão do STJ de 30-05-2012, já referido). Pese embora a Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, não tenha aplicação ao MDE, pois consiste na “lei geral” de cooperação judiciária penal, ao passo que a Lei n.º 65/2003 constitui “lei especial”, certo é que o apontado regime da prescrição do procedimento criminal é bem revelador dos limites que as razões político-criminais lhe impõem, dentro dos quais se reputa de equitativo e não constitui uma afronta aos direitos fundamentais da pessoa procurada considerar um prazo de prescrição no qual relevam as causas interruptivas vigentes no ordenamento jurídico Estado de emissão. Em suma, no caso dos autos não existe fundamento para determinar a recusa de execução do MDE e, consequentemente, da entrega do requerido às autoridades judiciárias de Espanha com base na tutela dos direitos fundamentais e na violação dos princípios constitucionais, tendo presente que o processo equitativo consagrado na nossa Constituição e, como vimos, na Constituição Espanhola, não difere do salvaguardado no artigo 6.º da CEDH. O presente caso diverge, pois, do que foi objecto de decisão por esta Relação no Acórdão de 13-11-2019, proferido no processo n.º 236/19.0YRCBR (sendo ali adjunta a aqui relatora e ali relator o aqui adjunto) e no qual a solução adoptada foi necessariamente diferente, porquanto na situação que naqueles autos se apreciava era a de que estavam em causa factos indiciados cujo prazo de prescrição, segundo o nosso ordenamento jurídico, era de dez anos – n.º 1 do artigo 118.º do Código Penal – e que terão pretensamente ocorrido entre os dias 15 de Agosto de 1991 e 5 de Novembro de 1995, ou seja, há mais de 24 anos, tendo já decorrido um lapso de tempo particamente equivalente a duas vezes e meia o prazo normal de prescrição, o que é, pois, exageradamente longo, perante os prazos fixados pelo nosso sistema jurídico-penal, sendo que o ali requerido já vivia em Portugal há cerca de cerca de dez anos, estando inserido no nosso país em termos familiares, laborais e sociais, sem que lhe conhecessem quaisquer factos ou condutas que atentem contra o normal viver de acordo com o direito, considerou-se justificada a recusa do cumprimento do MDE ao abrigo do disposto no artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Lei n.º 65/2003. Extensão de tempo que, como vimos, não ocorre nos presentes autos, devendo, por conseguinte, a pretendida recusa facultativa de execução do MDE improceder. * 4. Atentas as razões expostas, conclui-se que não se verifica qualquer causa de recusa, obrigatória ou facultativa, de execução do mandado de detenção europeu emitido pela autoridade judiciária espanhola contra o requerido AA. Assim, sendo o requerido procurado pela autoria de crimes cometidos em território espanhol, para procedimento criminal movido pela justiça de Espanha, puníveis pela lei portuguesa com penas de prisão até dez anos de prisão – crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, n.º 1, alínea a), e crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e b) – e não ocorrendo fundamento de recusa obrigatória nem de recusa facultativa, não pode o mandado de detenção europeu deixar de ser cumprido e executado, com a consequente entrega do requerido às autoridades de Espanha. Sucede que na oposição que deduziu o requerido veio peticionar que, na eventualidade de ser decidida a sua entrega às autoridades espanholas, esta fique condicionada, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 65/2003, à prestação da garantia de que será devolvido a Portugal, para cumprimento da pena ou de medida de segurança privativas da liberdade em que venha a ser condenado. Vejamos. Conforme dispõe o artigo 13.º, alínea b), da Lei n.º 65/2003, a execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado de emissão, quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado de execução, garantir a sua devolução, depois de ouvida, ao Estado de execução, para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade em que for condenado no Estado de emissão. Segundo explana o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 20-06-2021, proferido no processo n.º 445/12.3YRLSB.S1 (seguindo o mesmo sentido do Acórdão de 04-12-2008, proferido no processo n.º 08P3936), o artigo 13.º da Lei n.º 65/2003 trata das garantias a fornecer pelo Estado-Membro de emissão em casos especiais indicados na norma. Tais garantias assumem-se como uma dimensão da dignidade da pessoa arguida e respectivos direitos fundamentais, entre os quais avulta o acesso ao direito e a julgamento justo, explicitados juridicamente em termos processuais penais no exercício do princípio do contraditório e no princípio da presunção de inocência. A alínea c) do aludido artigo 13.º é ainda um modo de cooperação internacional, ao conceder potestas ao Estado nacional, o Estado-Membro da execução, na protecção dos seus nacionais ou residentes, para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativas de liberdade a que foi condenada a pessoa procurada no Estado-Membro de emissão. No caso da alínea c), a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de a pessoa procurada, após ter sido ouvida, ser devolvida ao Estado-Membro de execução (para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado-Membro de emissão), se for nacional ou residente no Estado-Membro de execução. Ou seja, não só não é interditada a prolação da decisão de entrega, por falta da respectiva garantia, como é mesmo admitida a sua prolação, mas sob condição de devolução da pessoa requerida. E não é imposta tal condição como obrigatória, mas como eventual: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição. Só é aplicável a limitação do corpo do artigo: a execução do MDE só terá lugar se o Estado-Membro de emissão prestar a garantia devida. Uma vez que a alínea c) não explicita qual é essa garantia, terá a mesma de ser deduzida de tal alínea e estar em consonância com a condição, se ela vier a ser determinada: a garantia de que o Estado-Membro de emissão aceitará devolver a pessoa requerida – após ter sido ouvida – ao Estado-Membro de execução, para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada naquele Estado membro, se essa for a vontade da pessoa requerida. Sendo a pessoa procurada ouvida no Estado de emissão, quando deva ser ouvida de harmonia com o respectivo ordenamento processual penal, o certo é que, logo que ouvida, deverá ser devolvida ao Estado-Membro onde reside, porque em caso de eventual condenação poderá cumprir a pena no Estado de execução. Só assim se conjugam os princípios da elevada confiança e do reconhecimento mútuo entre os Estados-Membros na cooperação judiciária penal, concretizada pelo objecto do MDE, sujeito às mesmas regras de cooperação aprovadas pelos Estados-Membros. In casu, o requerido tem nacionalidade portuguesa. Para além disso, reside há vários anos em Portugal. É, por outro lado, claro o seu propósito, no caso de condenação em pena privativa da liberdade, de que o respectivo cumprimento decorra em Portugal. Assim, e nos termos do artigo 13.º, alínea b) da Lei n.º 65/2003, a entrega do requerido às autoridades da Espanha, no âmbito da execução do mandado de detenção europeu dos autos, ficará condicionada à garantia a prestar por aquele Estado – o Estado de emissão – de que devolverá o requerido à República Portuguesa – o Estado de execução –, para que nela cumpra a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade em que venha a ser condenado em Espanha. * III – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em: A) Deferir a execução do Mandado de Detenção Europeu emitido pela Mma. Juíza do 6.º Juízo de 1.ª Instância e Instrução de ..., referente ao cidadão português, AA, determinando a sua entrega às autoridades judiciárias do Reino de Espanha, para efeitos de procedimento criminal, pelos factos mencionados no mandado de detenção, consignando-se que o requerido não renunciou ao benefício da regra da especialidade. B) A execução da entrega referida em A) fica sujeita à condição de a autoridade judiciária do Reino de Espanha, enquanto Estado de emissão, prestar garantia de que o requerido será devolvido a Portugal, para cumprimento da pena ou medida de segurança privativas da liberdade em que venha a ser condenado em Espanha. C) Comunique, desde já, e independentemente do trânsito do presente acórdão, à autoridade judiciária do Reino de Espanha, enquanto Estado de emissão, solicitando a prestação, no prazo de cinco dias, da garantia exigida (cf. artigo 5.º, n.º 3 da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI), com menção de que a entrega do requerido não será executada antes de prestada tal garantia. * Sem custas, por não serem devidas. * Proceda-se às necessárias comunicações (SEF e Gabinete SIRENE). Cumpra-se o artigo 28.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto. * Após trânsito, e verificada a condição indicada em C), proceda-se à entrega do requerido às autoridades judiciárias da Espanha, no mais breve prazo possível, sem exceder dez dias (artigo 29.º, n.º 2 da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto). Coimbra, 12 de Abril de 2023 (Elaborado pela primeira signatária, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94.º, n.os 2 e 3 do CPP) Helena Bolieiro – relatora Rosa Pinto – adjunta Luís Teixeira – adjunto [1] Daniel Flore, citado por Anabela Miranda Rodrigues, “O mandado de detenção europeu – Na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13.º, n.º 1, Jan.-Mar., 2003, págs.32 e 33. [2] Acórdão de 1 de Junho de 2016, Bob-Dogi, C-241/15, ECLI:EU:C:2016:385. [3] Cf. Nota da Comissão de 28-09-2017, Manual sobre a Emissão e a Execução de um Mandado de Detenção Europeu, C(2017) 6389 final, págs.12, 17 e 18. [4] Ibid., pág.17. [5] Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 2009, Wolzenburg, C-123/08, ECLI:EU:C:2009:616, e Acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, processos apensos C-404/15 e C-659/15 PPU, ECLI:EU:C:2016:198. [6] Os acórdãos nacionais indicados encontram-se disponíveis na Internet em <http://www.dgsi.pt>. [7] Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág.1157. [8] Cf. Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais Teoria Geral do Crime, 3.ª ed., Universidade Católica Editora, 2016, pág.237. [9] Cf. a versão mais recente da sua obra A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Anotada, 6.ª ed., 2020, Almedina, pág.203 e seguintes. [10] Decisão disponível na Internet em <https://www.poderjudicial.es/>.