Factos que justificam a investigação, no sentido da al. b) do n.º 3 do art. 1817.º do CC, são aqueles que fazem com que seja exigível ao pretenso filho a propositura da acção de investigação da maternidade ou da paternidade.
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Recorrentes: AA, BB, CC e DD Recorrida: EE I. — RELATÓRIO 1. A Autora propôs a presente acção de investigação de paternidade pedindo que fosse reconhecido que FF é seu pai. 2. As Rés contestaram, deduzindo a excepção peremptória de caducidade. 3. A Autora respondeu, alegando que o prazo de caducidade do direito de acção só começou a correr em 4 de Maio de 2020. 5. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção improcedente. 6. O Tribunal da Relação revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, “julgando-se procedente a ação e reconhecendo-se que FF é pai da Autora”. 7. Inconformadas, as Rés interpuseram recurso de revista. 8. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões: a) O acórdão recorrido padece da nulidade prevista no artº 615º nº 1 alínea d) ex vi do artº 666º nº 1 do CPC, por omissão de pronuncia relativamente à questão suscitada pelas ora recorrentes na contra alegação do recurso de apelação com fundamento em que a apelante não cumpriu o disposto no artº 639º nºs 1 e 2 do CPC porquanto as conclusões do recurso não foram apresentadas de forma sintética; b) Tal nulidade constitui fundamento da presente revista nos termos do artº 615º nº 4 ex vi do artº 666º nº 1 do CPC aqui invocada para os devidos e legais efeitos; c) O acórdão recorrido não procedeu a uma análise criteriosa dos meios de prova, nomeadamente os invocados pela apelante para alterar a decisão de facto da 1ª Instância referente aos pontos 7 e 8 dos Factos Provados, conforme se desenvolveu no corpo destas alegações; d) Uma análise criteriosa impõe ao julgador que escalpelize os depoimentos prestados, apreciando a consistência, segurança, coerência entre si e com os demais que apresentam a mesma versão dos factos, conjugando-os com as regras da experiência e da lógica para conseguir valorizar umas das “realidades dos factos” apresentada em detrimento da outra; e) Não cumpriu, pois, a decisão recorrida o poder/dever que lhe impõe o artº 607º nº 4 do CPC ex vi do artº 663º nº 2 do mesmo diploma; f) O exercício do poder cognitivo imposto por aquelas disposições legais é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça em termos de verificar se foram observados os parâmetros formais ou balizadores da respetiva disciplina processual, competindo ao tribunal de revista ajuizar se o Tribunal da Relação observou o método de análise crítica da prova prescrito no nº 4 do citado artº 607º - v. sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-07-2019, proc. 24369/16.6T8LSB.L1.S1; g) Deverão, pois, os autos voltar ao Tribunal da Relação para que ali se proceda à análise crítica dos concretos meios de prova indicados como fundamento da impugnação no que toca aos factos 7 e 8 dos FP, o que é imposto pelo artº 682º nº 3 do CPC; h) Ainda que de outro modo se entenda, a matéria factual dada como assente no acórdão recorrido, completada e interpretada também com os expresso teor da carta de ... de julho de 2006 (não impugnada e que deve ser considerada na decisão por força do disposto no artº 607º nº 4 do CPC ex vi do artº 663º nº 2 do mesmo diploma e como consequência do preceituado no artº 376º do Código Civil) impõe a sua revogação por se mostrar preenchida a previsão do artº 1817º nº 3 alínea b) do Código Civil aplicável por força do artº 1873º do mesmo diploma; i) Efetivamente, tendo-se dirigido em 2006 a uma advogada que, representando-a, escreveu em ... de julho de 2006 uma carta ao investigando solicitando a sua disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade, anotando que caso contrário recorreria à via judicial, e tendo realizado o exame hematológico com vista àquele objetivo, a Autora demonstrou que considerava que seu pai biológico era o investigando ou que, no mínimo, suspeitava que o fosse; j) Sendo certo que em 2006 e em 2007 ainda não vigorava a redação da alínea b) do nº 3 do artº 1817º do CC (Lei 14/2009 de 1/4) – que estabelece que a ação de investigação pode ser proposta nos prazo de três anos, ainda que seja decorrido o prazo de 10 anos posteriores à maioridade, quando o investigante tenha conhecimento de facto ou circunstâncias que justifiquem a investigação – impunha-se à Autora que tivesse recorrido à via judicial antes de decorridos 3 anos sobre a entrada em vigor daquela nova redação, ou seja, até 2 de abril de 2012; k) Não existe fundamento para que a Autora pudesse ter usado da “cláusula geral de salvaguarda” impeditiva da caducidade, objeto do nº 3 do artº 1817º do CC; l) Não releva o facto de não ter recorrido à via judicial por alegadamente não dispor de possibilidades financeiras para o pagamento do custo do exame – como sustentou a Autora na petição inicial, porquanto, quer por força dos artºs 13º nº 2, 20º nº 1 e 268º da Constituição da República, quer por força do artº 5º da Lei 46/2007 de 24/8 – Lei de Acesso aos Documentos da Administração Pública – poderia ter obtido acesso gratuito ao resultado do exame; m) Também não é putativamente sustentável que a Autora pudesse ter a expectativa de que, enquanto vivo, o investigando viesse a reconhecê-la como filha algo que, aliás, teria cessado com o respetivo óbito em 3 de julho de 2017, impondo então que o prazo de 3 anos se contasse a partir desta data, devendo a ação ser proposta até 3 de julho de 2020, o que não sucedeu; n) A Autora deveria ter norteado a sua conduta com o mínimo de diligência, recorrendo oportunamente à via judicial, sobretudo a partir do momento em que não dispunha do relatório do exame hematológico, falta de diligência que a impede de beneficiar da já aludida “cláusula geral de salvaguarda”; o) Aguardando, seja até 2012 (data do termo do prazo de 3 anos na sequência da nova redação do citado artº 1817º nº 2 alínea b) do CC), seja até ao falecimento do investigando (em 3 de julho de 2017), para apenas em 6 de novembro de 2020 (na sequência de uma putativa carta anónima) instaurar a presente ação de investigação de paternidade, a Autora conduziu-se com grave negligência, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé e, sobretudo, pelo fim social do direito à propositura da presenta ação de investigação, sendo, consequentemente, ilegítima tal propositura face ao disposto no artº 334º do CC, questão que é de conhecimento oficioso; p) Revogando a sentença de 1ª Instância, e não tendo como caduco o direito à propositura da presente ação de investigação de paternidade, o acórdão recorrido violou por erro de interpretação e de aplicação o disposto no artº 1817º nº 1 alínea b) do CC ex vi do artº 1873º do mesmo diploma, a interpretar e a aplicar no sentido propugnado nas presentes alegações e conclusões, impondo-se a sua revogação, com a consequente improcedência da ação; Decidindo-se nos termos expostos e naqueles que V. Exªs doutamente suprirão será feita a habitual Justiça ! 9. A Autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. 10. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões: Quanto à invocada nulidade nos termos do artigo 639 nº.1, 615 al. d) do e 682 nº. 3 do CPC: 1. As RR. tal como os Venerandos Desembargadores compreenderam e atentaram às conclusões apresentadas. Na verdade, prevê o artigo 639 nº.3 que caso se viesse a entender que as conclusões padeciam de algum vicio, sempre a A. as podia corrigir. 2. Assim, a invocada nulidade padece de falta de fundamento legal, pois que as RR. o que pretendem é apenas protelar no tempo os presentes autos, pois que, nenhum efeito útil aquela nulidade traria aos presentes autos, pretendendo as mesmas substituírem-se ao papel do Julgador, que na análise dos factos e na interpretação da escrita das conclusões não se lhes assacou qualquer deficiência, obscuridade ou complexidade, o que é manifesto face à fundamentação do Acórdão. Quanto à matéria de Facto alterada na relação: 3. Insurgem-se as RR. de forma genérica com a alteração da matéria de facto constante dos factos provados pontos 7 e 8. Conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.02.2023, publicado em www.dgsi.pt: “II. A decisão de facto é da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o aresto recorrido afronte disposição expressa de lei, nomeadamente, quanto às regras atinentes à impugnação da decisão de facto. III. A lei adjetiva impõe ao recorrente que impugna a decisão de facto que individualize os factos que estão mal julgados, que especifique os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, que indique o sentido da decisão a proferir, sendo que a violação deste ónus, preciso e rigoroso, conduz à rejeição imediata do recurso na parte afetada.” 4. Assim, considerando que as RR. não invocam de forma precisa quais os meios de prova que impunham decisão diversa, deve o pedido das mesmas ser liminarmente rejeitado. Quando assim não se entenda: 5. Entendem as RR. que a eliminação dos ponto 7 dos factos provados e alteração do ponto 8 foi efetuado sem cumprimento de uma análise critica da prova, visto que no entender das mesmas – “E nem consta que os respetivos subscritores tenham procedido à audição das gravações das declarações e depoimentos”. 6. Ora tal afirmação só poderá ser de má fé, pois que de uma breve leitura do Acórdão é feito um resumo do depoimento de todas as testemunhas, pelo que, facilmente se constata que os Venerandos Desembargadores analisaram toda a prova proferida, Atestando inclusive “Em consequência da reapreciação da matéria de facto o facto n.º 7 foi julgado não provado e modificada a redação do n.º 8 que passou a ser: Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada que, representando-a, escreveu em ... .6.2006, uma carta a FF, solicitando a sua disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade. 7. Assim, em consequência da reapreciação, ou seja, análise critica toda a prova entenderam os Venerandos Desembargadores de forma criteriosa e fundamentada alterar a matéria de facto, até porque nos termos em que o ponto 7 e 8 haviam sido dados por provados na primeira Instância estavam alicerçados em métodos proibidos de prova – uns escritos do investigado que, pasme-se, representado por advogado não tirou uma foto às msgs, não pediu às operadoras a certificação e nem sequer reconhecimento notarial das mesmas e em segundo uma carta em total violação do segredo profissional e que ninguém corroborou a sua veracidade. 8. Ora, como doutamente consta da decisão recorrida quanto ponto 7 “Os documentos juntos aos autos não relevam para a demonstração do facto n.º 7, pois a prova de que os escritos junto aos autos em 10.11.022 são da autoria do investigando não abrange a prova da verdade dos factos neles contida…” e em relação à carta “O facto n.º 8 encerra em si uma conclusão que a prova produzida não permite, pois só se sabe que a Autora, nessa data, contactou uma advogada, para esta contatar o investigando para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade.” 9. Tentam ainda as RR. abalar tal decisão, porque veja-se e pasme-se com três familiares que prestaram falsas declarações, ao tentarem dizer que a A. sabia quem era o pai, de tal forma que uma delas até inventa ter andado no único liceu de ... onde diz ter falado com a A., porque acharia que a A tal como quase todos os ..., só podia ter andado nesse dito Liceu, certo é que a A. nunca frequentou o mesmo como declarações da escolaridade da A. junta aos autos. 10. Sendo que, as RR, nem invocam qualquer transcrição para abalar a apreciação critica efetuada desses depoimentos na decisão Recorrida, que considerou: “As testemunhas apresentadas pelas Rés - sobrinhos e primos – confirmaram nos seus depoimentos a veracidade desde facto, mas tal como aconteceu com a testemunha da Autora, os mesmos do modo como foram prestados, querendo demonstrar desinteresse pelo desfecho da ação, não se revelam com a credibilidade necessária para de poder julgar o facto como provado, não se revelando com o mínimo de credibilidade que toda a gente soubesse da paternidade da Autora e a mulher e filhas do investigando o desconhecessem.” Do Direito: 11. Conforme resulta dos factos provados e que em momento algum foram postos em causa por parte das RR., ao até neste recurso invocando meios de prova que impusessem decisão diversa, certo é que com os factos dados por provados, fica demonstrado que aquelas não fizeram prova da invocada caducidade que tanto invocam. 12. Como consta do Acórdão Recorrido: “Após a alteração da matéria fáctica provada resulta agora indubitável que a Autora só com o relatório dos exames efetuados no INML é que soube que o investigando era o seu pai. No entanto o art.º 1817º, n.º 1, b) do C. Civil quando atribui relevância ao conhecimento para estender o prazo do exercício direito à investigação refere-se ao conhecimento de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, não exigindo o conhecimento da paternidade.” (…) “O conhecimento superveniente que dá o tiro de partida à contagem daquele segundo prazo de caducidade não se verifica com a perceção de qualquer facto ou circunstância que crie a suspeita que alguém pode ser o pai do investigante, mas apenas aquele que se reporte a factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a interposição de uma ação de investigação de paternidade, num juízo de perceção e ponderação de um cidadão médio (sendo, mais uma vez, necessário o recurso à figura do bonus pater familiae). Esse juízo, alicerçado no conhecimento de factos consistentes, se não tem de ser um juízo de certeza, deve ser de forte probabilidade, não sendo suficiente uma mera possibilidade. Ora, dos factos que resultaram provados após a alteração ocorrida no conteúdo da matéria de facto apurada, apenas se pode concluir que em 2006 já existia uma suspeita que FF poderia seria o pai da Autora, pois, só assim, se justifica que esta, através de uma advogada, tenha solicitado àquele a sua colaboração para realização de exames de paternidade. Mas, a opção pela não propositura imediata de uma ação, suscita a dúvida sobre se o grau de suspeita estaria suficientemente alicerçado para que fosse exigível à Autora, naquele momento, seguir a via judicial. O segundo ponto de interrogação coloca-se quando, após a realização do exame em 2007, a Autora só procede ao seu pagamento e levantamento dos resultados em 2020. O que determinou que a Autora tivesse deixado decorrer 13 anos sem querer saber os resultados do exame? Estes dois espaços em branco na factualidade no domínio da ideação, ou estas duas perguntas sem resposta sobre um estado subjetivo relevante, no percurso do processo psicológico da Autora quanto à perceção da sua paternidade, não nos permitem concluir que esta, num período anterior aos três anos que antecederam a propositura desta ação já tinha um conhecimento suficiente de factos ou circunstâncias que justificavam a sua propositura. Competindo aos demandados a prova de que esse conhecimento existia, a sua não demonstração funciona contra as suas pretensões, pelo que não é possível considerar caducado o direito da Autora a obter o reconhecimento da sua paternidade. 13. A carta que as RR. juntaram a 08.11.2021 encontra-se impugnada expressamente por requerimento enviado via citius a 15.11.2021, e claramente a A. disse desconhecer a mesma, o que até é notório pois que a mesma nem se encontra assinada pela A. Assim, mais uma vez as RR. omitem a verdade, até mesmo a verdade processual, porquanto naquele requerimento a A., além do mais disse: 14. A A. confirmou que contactou uma advogada, contudo, em momento algum resulta do depoimento da mesma que o seu propósito fosse o de “vir a ser declarada filha”. Tal conclusão extravasa aquilo que a A. referiu nas suas declarações que, conforme transcrição [00:25:04] “H. não, a Dra. GG trocou cartas com, eu não sei se for com o Sr. Dr. FF se foi com algum advogado, eu penso que foi com o Dr. FF, que eu que queria fazer os testes uma vez que a minha mãe me tinha dito em 2006/2007 que poderia ser ele o meu pai e ai eu fui ter com a dra. GG, e ela escreveu penso que foi para o Dr. FF a pedir os exame” [00:25:36] 15. Ora como bem resulta deste depoimento a A. queria fazer o exame pois não tinha certezas, pois que se as tivesse naturalmente que qualquer advogado avançaria com ação e não com meras cartas. Sendo que, é precisamente no ano de 2008 que mãe e pai da A. lhe dão conhecimento de que este não podia ser oseu pai, assim, perante tal relato não podia a A. ter qualquer conhecimento de factos e circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação 16. Tendo o Tribunal a quo chegado a tal conclusão pelo teor da carta que a advogada alegadamente endereçou ao Dr. FF. Quanto à valoração do depoimento da Dra. GG, é alicerçar-se em meios de prova proibidos – nos termos 135 do CPP e 92 nº.5 e 81 nº.5 EOA – Estatuto que é lei e que proíbe a valoração de prova em violação do sigilo – atendendo que se encontra junto aos autos despacho da OA em que proíbe a prestação de declarações em violação do sigilo. 17. Acresce que, no ano de 2006 e 2007 não existia qualquer prazo para instauração da ação de reconhecimento da paternidade conforme Ac. do Tribunal Constitucional 486/2004 em plenário 11/2005 DECLAROU COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL nº.1 do artigo 1817 do Código Civil aplicável por força do 1873. Assim, de 2005 até Abril de 2009 data de entrada da nova redação não existiu qualquer prazo para propositura da ação de reconhecimento da paternidade. 18. Ademais, como bem entendeu Tribunal da Relação depois de dar como provado que o teste de paternidade foi feito em 2007 e nunca foi pago e, por isso o resultado ser desconhecido da A., e nunca o receberam porque não estava pago, só com um verdadeiro convencimento da A. que não era filha daquele é que a mesma não levantou o teste. 19. Pois que, não é credível nem aceitável que qualquer filho que havia efetuado o teste de paternidade estivesse desde 2007 até 2020 sem pagar o teste se não estivesse mais do que convencido de que não era mesmo filho do examinado. 20. Qualquer homem médio só não pagaria o teste com uma forte certeza de que não era filho, pois só assim se justifica que a A. não sabia e estava convencida de que não era mesmo filha daquele. 21. Toda a conclusão do Tribunal da Primeira Instância para alicerçar os pontos provados 7 e 8 foi com fundamento em provas vagas e incertas, em contraposição com a prova irrefutável – teste ADN a confirmar a paternidade, sendo todas as demais provas das RR. vagas e inconclusivas – sendo por isso a decisão da Relação em consonância com a verdade. 22. Inclusivamente, a referida bióloga, repete inúmeras vezes no seu depoimento, ter-se tratado de “(…) pronto, olhe, este processo não foi o normal” e “E é como lhe disse há bocadinho, isto foi caso único e nós no laboratório, olhe não sei, não lhe sei explicar, foi também um lapso que aqui aconteceu por ser uma situação tão pontual, não lhe sei explicar, não tenho uma regra nem lhe posso dizer se foi bem ou mal feito, acho um bocado estranho algumas coisas que aconteceram aqui.” 23.As RR. que, veja-se, e pasme-se demonstraram tudo fazer para que a A. não fosse reconhecida a paternidade, desde logo, quando em sede de julgamento se constata que as testemunhas arroladas pelas mesmas prestaram falsas declarações, mentindo com uma versão de que a A. sempre soube que o pai era FF, quando tal matéria nem havia sido alegada em sede de contestação. 24.Acresce ainda que dizem as RR, que a A. recebeu dinheiros, matéria que sabem ser falsa e difamatória nada resultando dos autos, quanto a tais insinuações provocatórias e mais uma vez efabuladas. 25. O preenchimento do conhecimento superveniente a que alude o n.º 3, alínea c) não se basta com todo e qualquer facto ou circunstância, antes exigindo que o tal conhecimento superveniente se reporte a factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação. 26. Assim, foi com o recebimento da carta que conforme infra se deixou exposto, facto este que deverá ser aditado à matéria de facto dada como provada - “em 6 de março de 2020 a autora recebeu na sua caixade correio um documento anónimo do qual depreendeu ser filha biológica de FF e ter este sido cremado para impedir a realização do teste de paternidade” - e apenas nesse momento que a A. exerceu o seu direito de ver estabelecido o vínculo da filiação, que apesar da VERDADE MATERIAL as RR. tentam recusar tal direito. 27. De facto, e desde a entrada em vigor da redação dada pela lei nº 14/2009, de 1 de abril, a ora recorrente APENAS E TÃO SÓ no ano de 2020 teve conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação. 28. Entendendo-se por superveniente, “que sobrevém, que vem depois de outra coisa” — "superveniente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/superveniente. 29. Competia às RR., o ónus de provar que o prazo de três anos referido no aludido normativo, já se mostrava expirado à data em que a A. intentou a presente acção, o que manifestamente não logrou conseguir. 30. Acresce ainda que, nos termos do Acórdão do Tribunal Constitucional 486/2004 em plenário 11/2005 DECLAROU COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL nº.1 do artigo 1817 do Código Civil aplicável por força do 1873. 31. Assim, de 2005 até Abril de 2009 não existiu qualquer prazo para propositura da ação de reconhecimento da paternidade. 32. Sendo que, é precisamente no ano de 2008 que mãe e o investigado dão conhecimento a A. de que este não podia ser o seu pai, assim, perante tal relato não podia a A. ter qualquer conhecimento de factos e circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação. 33. Assim, impendendo o ónus da prova sobre o réu (art. 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC) e não tendo feito a dita prova deve ser julgada improcedente a excepção da caducidade do direito de acção e serem condenadas as RR. a ver reconhecida a paternidade da A., pois só assim é possível obter decisão que vá de encontro à verdade irrefutável de que a A. é filha de FF ao contrário das demais provas juntas pelas RR que são subjetivas e falsas. Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente e consequentemente manter-se a decisão recorrida, nos exatos termos em que foi proferida. 11. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigo 608.º, n.º 2, por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes: I. — se o acórdão recorrido violou o art. 607.º, n.º 4, do Código do Processo Civil, a. — ao dar como não provado o facto que o Tribunal de 1.ª instância dera como provado sob o n.º 7; b. — ao alterar a redacção do facto que o Tribunal de 1.ª instância dera como provado sob o n.º 8; II. — se o acórdão recorrido violou o art. 1817.º, n.º 1, alínea b), aplicável por remissão do art. 1873.º do Código Civil, ao julgar improcedente a excepção peremptória de caducidade. II. — FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS 12. O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os factos seguintes: 1. EE foi registada como sendo filha de HH e como tendo nascido a ... de outubro de 1968, estando omissa a paternidade. 2. FF faleceu no dia ... de julho de 2017, no estado de casado com AA. 3. Foram habilitadas como herdeiras de FF, a cônjuge AA e as filhas BB, DD e CC. 4. Foi realizada no Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação do Centro, Serviço de Genética e Biologia Forense uma perícia de investigação da paternidade da autora EE, requerida a ... de outubro de 2007, tendo sido recolhido, em ... de dezembro de 2007, sangue e saliva de EE, de FF e de HH. 5. FF é o pai biológico de EE. 6. A autora e a mãe não procederam a qualquer pagamento para a realização da perícia referida em 4. antes de ... de abril de 2020. 7. Pelo menos em 2008 a autora dirigiu-se a FF tratando-o por pai. 8. Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada com o propósito de vir a ser declarada filha de FF. 9. A ... de abril de 2020, a autora pagou € 1.056 ao INML para ter acesso ao resultado da perícia referida em 4. e decidiu propor a presente ação. 13. O Tribunal da Relação I. — deu como não provado o facto que o Tribunal de 1.ª instância dera como provado sob o n.º 7 — Pelo menos em 2008 a autora dirigiu-se a FF tratando-o por pai; II. — alterou a redacção do facto dado como provado sob o n.º 8 de Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada com o propósito de vir a ser declarada filha de FF para Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada que, representando-a, escreveu em ... .6.2006, uma carta a FF, solicitando a disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade. 14. Em consequência da alteração, o Tribunal da Relação deu como provados os factos seguintes: 1. EE foi registada como sendo filha de HH e como tendo nascido a ... de outubro de 1968, estando omissa a paternidade. 2. FF faleceu no dia ... de julho de 2017, no estado de casado com AA. 3. Foram habilitadas como herdeiras de FF, a cônjuge AA e as filhas BB, DD e CC. 4. Foi realizada no Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação do Centro, Serviço de Genética e Biologia Forense uma perícia de investigação da paternidade da autora EE, requerida a ... de outubro de 2007, tendo sido recolhido, em ... de dezembro de 2007, sangue e saliva de EE, de FF e de HH. 5. FF é o pai biológico de EE. 6. A autora e a mãe não procederam a qualquer pagamento para a realização da perícia referida em 4. antes de ... de abril de 2020. 7. – passou a não provado 8. Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada que, representando-a, escreveu em ... .6.2006, uma carta a FF, solicitando a sua disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade. 9. A ... de abril de 2020, a autora pagou € 1.056 ao INML para ter acesso ao resultado da perícia referida em 4. e decidiu propor a presente ação 15. Em contrapartida, o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação deram como não provados os factos seguintes: a) Entre o ano de 2006 / 2007 a mãe da autora revelou-lhe que o seu pai biológico era FF. b) FF informou a autora que, de acordo com a perícia referida em 4., não era o seu pai biológico. c) A autora confrontou a mãe e a mãe fê-la quer que o resultado do teste à paternidade realizado por si e por FF teria sido negativo. d) Em 2008 a autora dirigiu-se a um advogado para propor ação de investigação da paternidade contra FF. e) Em ... de ... de 2020 a autora recebeu na sua caixa de correio um documento anónimo do qual depreendeu ser filha biológica de FF e ter este sido cremado para impedir a realização de teste de paternidade. f) A autora procedeu ao pagamento ao INML na sequência do documento referido em e). O DIREITO 16. A primeira questão suscitada pelas Rés, agora Recorrentes, consiste em averiguar se o acórdão recorrido violou o art. 607.º, n.º 4, do Código do Processo Civil, ao dar como não provado o facto que o Tribunal de 1.ª instância dera como provado sob o n.º 7, ou ao alterar a redacção do facto que o Tribunal de 1.ª instância dera como provado sob o n.º 8. 17. O art. 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil é do seguinte teor: 4. — Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. 18. A actual redacção do art. 662.º do Código de Processo Civil exprime a autonomia decisória do Tribunal da Relação na apreciação e reapreciação da matéria de facto: “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” 1. 19. O acórdão recorrido fundamenta a decisão relativa aos n.ºs 7 e 8 nos seguintes termos: Os documentos juntos aos autos não relevam para a demonstração do facto n.º 7, pois a prova de que os escritos junto aos autos em 10.11.022 são da autoria do investigando não abrange a prova da verdade dos factos neles contida, os quais são negados pela Autora e pelas suas testemunhas, todas elas com uma relação familiar ou de muita proximidade com aquela. A consistência destes depoimentos éfragilizada pela proximidade das testemunhas com a Autora, proximidade essa com grande probabilidade de os revestir de parcialidade. As testemunhas apresentadas pelas Rés — sobrinhos e primos – confirmaram nos seus depoimentos a veracidade desde facto, mas tal como aconteceu com a testemunha da Autora, os mesmos do modo como foram prestados, querendo demonstrar desinteresse pelo desfecho da ação, não se revelam com a credibilidade necessária para de poder julgar o facto como provado, não se revelando com o mínimo de credibilidade que toda a gente soubesse da paternidade da Autora e a mulher e filhas do investigando o desconhecessem. Assim, impõe-se o seu julgamento como não provado O facto n.º 8 encerra em si uma conclusão que a prova produzida não permite, pois só se sabe que a Autora, nessa data, contactou uma advogada, para esta contatar o investigando para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade. Assim, deve tal facto ser alterado, passando a ter a seguinte redação: Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada que, representando-a, escreveu em ... .6.2006, uma carta a FF, solicitando a disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade. 20. Ora, atendendo à fundamentação, deve concluir-se que o acórdão recorrido cumpriu os requisitos do art. 607.º, n.º 4, do Código do Processo Civil — analisou criticamente as provas, especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; tomou em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”. 21. A segunda questão suscitada pelas Rés, agora Recorrentes, consiste em averiguar se o acórdão recorrido violou o art. 1817.º, n.º 1, alínea b), aplicável por remissão do do art. 1873.º do Código Civil, ao julgar improcedente a excepção peremptória de caducidade. 22. O art. 1817.º do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, dizia que 1. — A acção de investigação de maternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação. 2. — Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815.º, a acção pode ser proposta no ano seguinte à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório, contanto que a remoção do obstáculo tenha sido requerida até ao termo do prazo estabelecido no número anterior, se para tal o investigante tiver legitimidade. 3. — Se a acção se fundar em escrito no qual a pretensa mãe declare inequivocamente a maternidade, pode ser intentada nos seis meses posteriores à data em que o autor conheceu ou devia ter conhecido o conteúdo do escrito. 4. — Se o investigante for tratado como filho pela pretensa mãe, a acção pode ser proposta dentro do prazo de um ano, a contar da data em que cessar aquele tratamento. 23. A Lei n.º 21/98, de 12 de Maio alterou a redacção do n.º 4 e se aditou ao art. 1817.º os n.ºs 5 e 6: 5. — Se o investigante, sem que tenha cessado voluntariamente o tratamento como filho, falecer antes da pretensa mãe, a acção pode ser proposta até um ano posterior à data da morte daquele; tendo cessado voluntariamente o tratamento como filho antes da morte deste, é aplicável o disposto na segunda parte do número anterior. 6. — Nos casos a que se referem os n.os 4 e 5 incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento no ano anterior à propositura da acção”. 24. Ora a redacção dada ao art. 1817.º do Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro e pela Lei n.º 21/98, de 12 de Maio, foi declarada inconstitucional pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, de 10 de Janeiro de 2006, “na medida em que prev[ia], para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante” 2 3. 25. Face à declaração de inconstitucionalidade de 10 de Janeiro de 2006, a Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, alterou o art. 1817.º do Código Civil em dois aspectos essenciais: I. — Em primeiro lugar, alterou o n.º 1, para que o prazo deixasse de ser de dois anos e passasse a ser de dez anos a contar da maioridade ou da emancipação do investigante. Em vez de se dizer que “[a] acção de investigação de maternidade [ou de paternidade — cf. art. 1873.º] só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”, passou a dizer-se que “[a] acção de investigação de maternidade [ou de paternidade] só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação”. II. — Em segundo lugar, a Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, estabeleceu o n.º 3, para que o decurso do prazo de dez anos não determinasse, em absoluto, a caducidade do direito de acção: 3. — A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) Em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação. 4. — No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção. 26. Como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 200/11.8TBFVN.C2.S1 —, IV – A reforma legislativa em causa não se limitou a alongar a duração dos prazos de caducidade anteriormente estabelecidos no artigo 1817.º do Código Civil, tendo ido mais longe ao ter posto fim ao funcionamento autónomo de um prazo de caducidade ‘cego’ que corria inexorável e ininterruptamente, independentemente de poder existir qualquer justificação ou fundamento para o exercício do direito. V – Não obstante o n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil (aplicável às acções de investigação da paternidade ex vi do disposto no artigo 1873.º do mesmo Código) manter que esta acção só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, o n.º 3 estabelece que a acção ainda pode ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos factos aí enunciados VI - O prazo de três anos referido no n.º 3 conta-se para além do prazo fixado no n.º 1, do artigo 1817.º do Código Civil, não caducando o direito de proposição da acção antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou emancipação, a acção é ainda exercitável dentro do prazo fixado no n.º 3; e inversamente, a ultrapassagem deste prazo não obsta à instauração da acção, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação. VII - Onde anteriormente se previam, de forma fechada e taxativa, duas causas de concessão de prazos que, excepcionalmente, poderiam legitimar o exercício da acção para lá dos dois anos posteriores à maioridade ou emancipação, passou a acolher-se, através de autênticas cláusulas gerais, como dies a quo, a data em que se verifique ‘o conhecimento de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação’. 27. O ponto está em averiguar se circunstância de, em ... de ... de 2006, a Autora EE ter pedido a FF para realizar testes de ADN em 2006 4 e de, em ... de ... de 2007, FF ter realizado os testes de ADN pedidos 5 é suficiente para que se conclua que, em 2006 ou, em todo o caso, em 2007, a Autora teve conhecimento “de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação”. 28. O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2021, de 17 de Setembro de 2019, pronunciou-se sobre a questão nos seguintes termos: Nas acções de investigação de paternidade, intentadas nos termos da al. b) do nº 3 do art.º 1817º, ex vi do art.º 1873º do CC, compete ao Réu/investigado, o ónus de provar que o prazo de três anos referido no aludido normativo, já se mostrava expirado à data em que o investigante intentou a acção. 29. O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2021, de 17 de Setembro de 2020, distingue estritamente o ónus da alegação e o ónus da prova dos factos referidos no n.º 3 do art. 1817.º do Código Civil — e, em particular, o ónus da alegação e o ónus da prova do facto referido na alínea b) do n.º 3 do art. 1817.º: “[ter] o investigante […] tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no n.º 1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação”. I. — O investigante tem o ónus da alegação das circunstâncias em que teve conhecimento dos factos que justificam a investigação, “designadamente que esse conhecimento lhe adveio já depois de decorrido o prazo referido no n.º 1 [do art. 1871.º] e em particular que o mesmo ocorreu nos três anos que […] antecederam [a propositura da acção]”. II. — O investigado tem o ónus da prova de que o investigante teve conhecimento dos factos que justificam a investigação depois de decorrido o prazo de três anos do n.º 3 do art. 1871.º do Código Civil 6. Embora a distinção entre o ónus da alegação e o ónus da prova contida na fundamentação do acórdão de uniformização seja de quando em quando criticada, com o argumento de que “dificilmente se compreenderia que ao investigante incumbisse alegar o seu conhecimento superveniente dos factos ou circunstâncias que justificam a investigação da paternidade e ao réu provar a data ou uma data diversa de ocorrência de tal conhecimento por forma a demonstrar a não verificação da condição específica de propositura da ação exigida pelo n.º 3, alínea b), do artigo 1817.º do Código Civil” 7, os comentadores do acórdão de uniformização de jurisprudência consideram para que “o legislador [não terá aceitado] a razão invocada” e convocam, para o demonstrar, o art.343.º, n.º 2, do Código Civil 8. 30. As Rés, agora Recorrentes, alegam que cumpriram o ónus de provar que o prazo de três anos referido na alínea b) do n.º 3 do art. 1817.º do Código Civil, já se mostrava expirado à data em que a Autora propôs a acção de investigação. 31. O problema está em averiguar se os factos dados como provados sob os n.ºs 4 e 8 — datados de 2006 e de 2007 — são suficientes para que se conclua que a Autora, agora Recorrente, tomou conhecimento de factos que justificam ou que justificariam a investigação em 2006 ou em 2007. 32. O conceito indeterminado da alínea b) do n.º 3 do art. 1817.º do Código Civil foi concretizado, designadamente, pelo acórdão do STJ de 2 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 200/11.8TBFVN.C2.S1 —, em cujo sumário se diz: VIII - O conhecimento superveniente de que cuida o n.º 3, alínea c) será aquele que se verifique depois de integralmente decorrido o prazo objectivo de dez anos previsto no n.º 1 do artigo 1817º do Código Civil. IX - O seu preenchimento não se basta com todo e qualquer facto ou circunstância, antes exigindo que o tal conhecimento superveniente se reporte a factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação ou, dito de outro modo, a factos que justifiquem que tenha sido apenas nesse momento (e não antes – ou seja, dentro do prazo geral de dez anos após a maioridade ou a emancipação) que o investigante tenha lançado mão da acção com vista a exercer o seu direito de ver estabelecido o vínculo da filiação. 33. Em consonância com o acórdão do STJ de 2 de Fevereiro de 2017 — processo n.º 200/11.8TBFVN.C2.S1 —, dir-se-á que factos que justificam a investigação, no sentido da alínea b) do n.º 3 do art. 1817.º do Código Civil, são os factos que fazem com que seja exigível ao pretenso filho a propositura da acção de investigação de maternidade ou de paternidade. 34. Ora, como se diz no acórdão recorrido, “O conhecimento superveniente que dá o tiro de partida à contagem daquele segundo prazo de caducidade não se verifica com a perceção de qualquer facto ou circunstância que crie a suspeita que alguém pode ser o pai do investigante, mas apenas aquele que se reporte a factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a interposição de uma ação de investigação de paternidade, num juízo de perceção e ponderação de um cidadão médio (sendo, mais uma vez, necessário o recurso à figura do bonus pater familiae). Esse juízo, alicerçado no conhecimento de factos consistentes, se não tem de ser um juízo de certeza, deve ser de forte probabilidade, não sendo suficiente uma mera possibilidade. Ora, dos factos que resultaram provados após a alteração ocorrida no conteúdo da matéria de facto apurada, apenas se pode concluir que em 2006 já existia uma suspeita que FF poderia seria o pai da Autora, pois, só assim, se justifica que esta, através de uma advogada, tenha solicitado àquele a sua colaboração para realização de exames de paternidade. Mas, a opção pela não propositura imediata de uma ação, suscita a dúvida sobre se o grau de suspeita estaria suficientemente alicerçado para que fosse exigível à Autora, naquele momento, seguir a via judicial”. 35. Entre todos os factos provados, o único que de forma clara, incontroversa e incontrovertível fazia com que fosse exigível à Autora a propositura da acção de paternidade é o facto dado como provado sob o n.º 9, ou seja: é o facto só depois de ... Abril de 2020 a Autora ter tido acesso ao resultado da perícia — e a presente acção foi proposta dentro dos três anos subsequentes ao facto dado como provado sob o n.º 9. III. — DECISÃO Face ao exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelas Recorrentes AA, BB, CC e DD. Lisboa, 24 de outubro de 2023 Nuno Pinto Oliveira (relator) Manuel Capelo Ferreira Lopes ____ 1. António dos Santos Abrantes Geraldes, anotação ao art. 636.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 287-288. 2. Com anotação de Jorge Duarte Pinheiro, com o título “Inconstitucionalidade do art. 1817.º, n.º 1, do Código Civil”, in: Cadernos de direito privado, n.º 16 — Julho / Setembro de 2006, págs. 32-52. 3. Sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional anterior à Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, vide por todos Guilherme de Oliveira, “A jurisprudência constitucional portuguesa e o direito das pessoas e da família”, in. XXV anos da jurisprudência constitucional portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, págs. 193-207 (esp. nas págs. 204-207). 4. Cf. facto dado como provado sob o n.º 8 — “Em 2006 a autora dirigiu-se a uma Advogada que, representando-a, escreveu em ... .6.2006, uma carta a FF, solicitando a sua disponibilização para a realização de exames de ADN com vista ao apuramento da sua paternidade”. 5. Cf. facto dado como provado sob o n.º 4 — “Foi realizada no Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação do Centro, Serviço de Genética e Biologia Forense uma perícia de investigação da paternidade da autora EE, requerida a ... de outubro de 2007, tendo sido recolhido, em ... de dezembro de 2007, sangue e saliva de EE, de FF e de HH 6. Sobre o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2021, de 17 de Setembro de 2020, vide por todos Guilherme de Oliveira, “Contribuições jurisprudenciais para o desenvolvimento do direito da família”, in: A revista, n.º 2 — Julho-Dezembro de 2022, págs. 39-72 (64-71). 7. Cf. declaração de voto de vencido do Exmo. Senhor Conselheiro Tomé Gomes no córdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2021, de 17 de Setembro de 2020. 8. Guilherme de Oliveira, “Contribuições jurisprudenciais para o desenvolvimento do direito da família”, cit., pág. 71.