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Acórdão TR Lisboa de 2011-12-07

6570/09.0TVLSB.L1-2

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo6570/09.0TVLSB.L1-2
RelatorMaria José Mouro
DescritoresAcidente de Viação, Acidente de Trabalho, Sub-rogação, Sub-rogação Legal, Indemnização, Contrato de Seguro
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2011-12-07
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualAPELAÇÃO
DecisãoImprocedente

Sumário

I - Tendo corrido termos pelo Tribunal do Trabalho processo especial emergente de acidente de trabalho, os valores que no âmbito do mesmo tenham sido pagos pela seguradora ao sinistrado, dentro das previsões da LAT e do seu regulamento, não o foram no exercício de uma livre negociação daqueles, uma vez que se trata de direitos indisponíveis, minuciosamente regulamentados e cuja determinação e quantificação sucede com as cautelas inerentes àquele processo especial. II - O art. 441 do CCom consagrava o princípio de o segurador se subrogar ao segurado contra terceiros responsáveis pelo dano: trata-se de um caso de sub-rogação legal especial em que o segurador cumpre uma obrigação que lhe é própria, advinda do contrato de seguro e que tem natureza diversa da do causador do sinistro que se funda na responsabilidade extracontratual; acresce que para efeitos da sub-rogação é abrangido não apenas o causador do sinistro mas, também, o responsável civil (ainda que pelo risco). III – O preceito em causa foi substituído pelo art. 136 do dl 72/2008 cujo nº 1 estabelece que o segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro. IV – O direito aludido no nº 4 do art. 31 da LAT (lei 100/97, de 13 de Setembro) não corresponde a um verdadeiro direito de regresso, mas antes à sub-rogação legal da entidade patronal ou da seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, responsável primário do acidente, na medida em que tiver pago a indemnização. V - Tendo a A. demonstrado os factos de que decorria a responsabilidade civil do lesante (responsável primário pelo acidente), o contrato de seguro entre este e a R. seguradora que vinculava esta, e o pagamento por si efectuado de prestações indemnizatórias ao lesado no âmbito do contrato de seguro por acidentes de trabalho - havendo corrido o processo especial emergente de acidente de trabalho – justifica-se que a R. satisfaça à A. os valores por esta pagos, atenta a referida sub-rogação. (Sumário da Relatora)


Texto Integral

Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:                                                                        *          I - «A – Companhia de Seguros, S.p.A.» intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra «B Seguros, SA».             Alegou a A., em resumo:             No dia 10 de Julho de 2006, ocorreu um acidente de viação no cruzamento entre a Praça de Espanha e a Avenida Calouste Gulbenkian, no qual foram intervenientes os veículos de matrícula 00-00-RB e 00-00-ED, conduzidos, respectivamente, por “C” e “D”. O veículo de matrícula ED circulava na Avª Calouste Gulbenkian, no sentido Campolide/Praça de Espanha; ao transpor os semáforos que se encontram à entrada da Praça de Espanha, no sentido em que circulava, foi surpreendido pelo veículo de matrícula RB, que circulava no sentido contrário da mesma via de trânsito. O veículo de matrícula RB, repentinamente, virou à esquerda, nada tendo podido fazer o condutor do veículo ED para evitar o embate. No sentido em que circulava o veículo de matrícula RB e no local onde este virou à esquerda existe um sinal de sentido obrigatório, que foi desrespeitado pelo mesmo; o condutor do RB conduzia sob o efeito de substâncias psicotrópicas, o que concorreu decisivamente para a ocorrência do sinistro. O condutor do veículo ED possuía um seguro de acidentes de trabalho com a A., titulado pela apólice nº … e ao abrigo da referida apólice a A. procedeu ao pagamento ao mesmo da quantia de € 31.542,90, sendo € 17.474,35, a título de capital de remição, nos autos de acidente de trabalho junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, € 13.674,25, a título de incapacidade do referido condutor entre 11 de Julho de 2006 e 18 de Dezembro de 2007 e € 394,30, a título de despesas com transportes. No âmbito do mesmo seguro, procedeu ainda ao pagamento da quantia de € 9.403,54, por serviços médicos, de enfermagem, de transportes prestados ao sinistrado e ainda de custas judiciais pagas no âmbito do processo de acidente de trabalho, que correu termos no 5º Juízo –2ª Secção – do Tribunal do Trabalho de Lisboa. A responsabilidade pelo acidente cabe ao condutor do veículo de matrícula RB e, por força do contrato celebrado entre este e a R., tem a mesma de ressarcir a A., a qual se encontra sub-rogada nos direitos do seu segurado.             Pediu a A. a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 40.946,44, acrescida de juros à taxa de 4% ao ano.             Citada, a R. contestou impugnando matéria de facto alegada pela A., designadamente afirmando desconhecer a que título a A. pagou a indemnização ao sinistrado “D”, não sendo alegados factos que demonstrem a obrigação de indemnizar. O processo prosseguiu e, a final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 20.371,97, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a citação e até integral pagamento, absolvendo a mesma do mais que era peticionado. Desta sentença apelou a R. concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso: 1. A ora recorrente não se conforma com a douta sentença, nomeadamente na sua condenação a pagar à recorrida a quantia de 20.371,97€. 2. A sentença ora objecto de recurso fez errada aplicação do direito aos factos alegados pelas partes e provados em sede de audiência de julgamento. 3. Desconhece-se por que motivo pagou a A. as quantias discriminadas na sentença ao Sr. “D” e a terceiros com cuidados de saúde ao Sr. “D”. 4. A boa prossecução da acção que tenha por base o direito de reembolso de uma seguradora que alegue ter pago determinada quantia em sequência da existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho exige, o preenchimento dos seguintes requisitos: A demonstração da existência do seguro de acidentes de trabalho entre a seguradora (Autora) e a entidade patronal do sinistrado. Prova de que o sinistrado se encontrava abrangido pela apólice supra referida. Alegação e prova da existência do acidente de trabalho. Prova dos pagamentos efectuados. Prova de que a responsabilidade pela ocorrência do acidente de trabalho é de terceiros (Réu). 5. No entanto, não se alegou nem provou que o acidente de viação descrito nos autos, em relação ao Sr. “D” tenha sido simultaneamente um acidente de trabalho. 6. A alegação das circunstâncias em que ocorreu o acidente de trabalho é essencial na presente acção, uma vez que se torna fundamental para a apresentação de uma defesa cabal pela R. 7. Se a A. pretende exercer um direito de regresso sobre quantias pagas terá de explicar e provar por que motivo procedeu aos pagamentos. 8. Apenas se resultar provado que a A. pagou aquelas quantias em sequência de uma obrigação legal ou contratual, e não de forma negligente ou arbitrária, é que poderá proceder o seu direito a ser ressarcida pelo responsável civil. 9. Para a acção ser julgada procedente teria, necessariamente, que se aquilatar sem margem para dúvidas que os pagamento que a A. fez foram em consequência de um acidente de trabalho e que esse acidente de trabalho foi causado pela R. (ou um segurado da Ré). 10. Não tendo no presente caso sido alegado ou provado qualquer facto que permita concluir pela existência de um acidente de trabalho, sofrido pelo Sr. “D”, teria a acção que improceder na totalidade, independentemente da culpa, ou risco da ora recorrente. A apelada contra-alegou nos termos de fls. 233 e seguintes.                                                                        *             II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:  1- No dia 10 de Julho de 2006, pelas 19h 15m, no cruzamento entre a Praça de Espanha e a Avenida Calouste Gulbenkian, em Lisboa, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo de matrícula 00-00-RB, conduzido por “C” e o veículo de matrícula 00-00-ED, conduzido por “D” (alínea A) da Matéria de Facto Assente). 2- O veículo de matrícula ED circulava na Avenida Calouste Gulbenkian, no sentido Campolide/Praça de Espanha (alínea B) da Matéria de Facto Assente). 3- Na data do embate, a responsabilidade civil referente ao veículo de matrícula 00-00-RB encontrava-se transferida para a R., mediante contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice nº … (alínea C) da Matéria de Facto Assente). 4- Na data e hora aludidas em 1-, o estado do piso e a visibilidade eram boas (resposta ao artigo 1º da Base Instrutória). 5- Após o condutor do veículo ED ter transposto os semáforos que se encontram à entrada da Praça de Espanha, no sentido Campolide/Praça de Espanha ocorreu o embate entre a parte da frente de tal veículo e parte lateral direita, junto à roda dianteira, do veículo de matrícula 00-00-RB (resposta ao artigo 2º da Base Instrutória). 6- Na Avª Calouste Gulbenkian, no sentido Praça de Espanha/Campolide, existe um sinal que impõe ao condutor a obrigação de seguir em frente (resposta ao artigo 5º da Base Instrutória). 7- O embate entre os dois veículos deu-se na faixa de rodagem onde circulava o veículo ED (resposta ao artigo 11º da Base Instrutória). 8- Em virtude do embate, o condutor do veículo ED sofreu ferimentos nos membros inferiores (resposta ao artigo 13º da Base Instrutória). 9- “E”, Lda., tinha transferido para a A. a responsabilidade civil por acidentes de trabalho ocorridos com “D”, por contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho titulado pela apólice nº … (resposta ao artigo 14º da Base Instrutória). 10- Por força de tal contrato, a A. pagou ao condutor do ED, em virtude de danos sofridos pelo mesmo com o embate, a quantia de € 17.474,35, a título de capital de remição (resposta ao artigo 15 da Base Instrutória). 11- Pagou igualmente ao mesmo a quantia de € 13.674,25, a título de indemnização pela incapacidade sofrida pelo mesmo entre 11 de Julho de 2006 a 18 de Dezembro de 2007 (resposta ao artigo 16º da Base Instrutória). 12- Em virtude do embate, a A. pagou também a “D”a quantia de € 191,80, a título de despesas suportadas por este com transportes (resposta ao artigo 17º da Base Instrutória). 13- A A. pagou ainda, em virtude do embate, as seguintes quantias: a) € 881,80, à Clínica …, respeitante a consultas, internamento, operações e cuidados médicos prestados a “D”; b) € 27,00, à médica FS, por consulta médica efectuada ao mesmo; c) € 5.257,41 referente a serviços médicos prestados ao condutor do veículo ED pelo Hospital …; d) € 13,50, relativa a serviços de enfermagem prestados ao mesmo; e) € 121,50, 2.380 e 197,50, respeitante a cuidados médicos que foram prestados ao referido condutor; f) € 10,00 e € 6.03 relativa a serviços de transporte que também lhe foram prestados e g) € 508,80, a título de Custas Judiciais relativas ao processo de acidente de trabalho, que correu termos no 5º Juízo – 2ª Secção – do Tribunal do Trabalho de Lisboa (resposta ao artigo 18º da Base Instrutória). 14- Aquando do embate, o sistema que regula a sinalização luminosa estava a funcionar sem qualquer anomalia (resposta ao artigo 19º da Base Instrutória).                                                                        *             III - Na sentença recorrida considerou-se que as quantias ali referidas se reportam a despesas decorrentes do embate e das respectivas consequências para o sinistrado “D”, pagas pela A. por força do contrato de seguro de acidentes de trabalho, tendo a A., por efeito da sub-rogação e atenta a contribuição de 50% de cada um dos veículos intervenientes no acidente, direito a receber o montante total de 20.276,07 €, a que acrescem os juros de mora.             Definindo as conclusões de recurso o objecto deste, conforme decorre do art. 684, nº 3, do CPC, a questão que essencialmente se nos coloca, atentas as conclusões apresentadas pela apelante/R. – acima reproduzidas – face à sentença é a de verificarmos se não estando provado que o acidente de viação a que se reportam os autos foi simultaneamente um acidente de trabalho por não terem sido alegados e demonstrados factos relativos à efectiva ocorrência de um acidente de trabalho, bem como que esse acidente de trabalho foi causado pela R. ou por um segurado desta, a acção deveria improceder.                                                                        *             IV – 1 - Resulta da factualidade provada que «“E”, Lda.» havia transferido para a A. a responsabilidade por acidentes de trabalho ocorridos com “D”, por contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho titulado pela apólice nº … e que por força de tal contrato, a A. pagou ao condutor do ED, em virtude de danos sofridos pelo mesmo com o embate referido nos autos, a quantia de € 17.474,35, a título de capital de remição, bem como despesas várias, incluindo indemnização por incapacidade temporária (entre 11 de Julho de 2006 e 18 de Dezembro de 2007), despesas de transportes, consultas, internamentos, cuidados médicos e de enfermagem e, ainda, € 508,80, a título de Custas Judiciais relativas ao processo de acidente de trabalho, que correu termos no 5º Juízo – 2ª Secção – do Tribunal do Trabalho de Lisboa.             Não se porá, pois, em causa que teve lugar um processo de acidente trabalho que correu termos pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa – aliás, foi no âmbito desse processo que foi pago o capital de remição acima aludido, conforme resulta claramente do documento de fls. 29 dos autos referente ao pagamento daquele capital de € 17.474,35 ([1]).             O acidente em causa nos presentes autos ocorreu em Julho de 2006. Vigorava então a LAT (lei 100/97, de 13 de Setembro) cujo art. 10 incluía no direito à reparação as prestações de natureza médica, hospitalar «e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa», bem como a indemnização por incapacidade temporária e a indemnização em capital correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente. Efectivamente, o art. 17 do diploma em referência previa o direito do sinistrado a um capital de remição (de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho) para o caso das incapacidades permanentes parciais inferiores a 30%; já no art. 56 do decreto regulamentar (dl 143/99, de 30 de Abril) previa-se para além da remição obrigatória de pensões, a sua remição facultativa.             É de salientar que as entidades seguradoras são obrigadas a participar ao tribunal competente os acidentes de trabalho de que tenha resultado uma incapacidade permanente (art. 18 do dl 143/99), constituindo contra-ordenação a falta de cumprimento desta obrigação (art. 67 do mesmo diploma). Com base na participação do acidente inicia-se o processo especial emergente de acidente de trabalho (art. 99 do CPT). Este, mesmo que não prossiga para a fase contenciosa ([2]), ficando-se pela fase conciliatória, é nesta fase dirigido pelo Ministério Público que deve assegurar-se da veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes (art. 104) e, havendo acordo - promovido pelo MP «de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo» (art. 109 do CPT) – o mesmo é submetido ao juiz que o homologa «se verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares ou convencionais» (art. 114 do CPT) ([3]).             Tudo isto para concluir que tendo corrido termos pelo 5º Juízo, 2ª Secção, do Tribunal do Trabalho de Lisboa o aludido processo especial emergente de acidente de trabalho os valores que, no âmbito do mesmo tenham sido pagos pela seguradora, dentro das previsões da LAT e do seu regulamento não o foram no exercício de uma livre negociação e arbítrio da aqui A., sem qualquer controle – trata-se de direitos indisponíveis ([4]), minuciosamente regulamentados e cuja determinação e quantificação sucede com as cautelas inerentes àquele processo especial.                                                                        *             IV – 2 - O art. 441 do CCom (que veio a ser revogado pelo dl 72/2008, de 16-4, que estabeleceu o novo regime do contrato de seguro a partir da sua entrada em vigor, ou seja, de 1-1-2009) previa que a seguradora que liquidasse um sinistro, havendo outro responsável, se sub-rogava, por mero efeito do pagamento, nos direitos do credor contra o terceiro responsável.              Embora dos termos daquela norma resulte que a sub-rogação do segurador se limitava aos seguros de coisas, advertia Moitinho de Almeida ([5]) que o preceito era susceptível de interpretação extensiva, abrangendo os seguros de responsabilidade, uma vez que a ratio é a mesma, sendo de imputar a atitude do legislador à diminuta relevância dos seguros de responsabilidade na época em que o Código foi elaborado.             Assim, como se disse no acórdão do STJ de 4-10-2004 ([6]), pode afirmar-se que o art. 441 do CCom consagra o princípio de o segurador se subrogar ao segurado contra terceiros responsáveis pelo dano.             Trata-se de um caso de sub-rogação legal especial: o segurador cumpre uma obrigação que lhe é própria, advinda do contrato de seguro e que tem natureza diversa da do causador do sinistro que se funda na responsabilidade extracontratual ([7]).             José Vasques ([8]) assinalava não parecer restarem dúvidas de que a sub-rogação prevista pelo art. 441 do CCom opera automaticamente, referindo que o exercício da sub-rogação depende da verificação das seguintes condições: - que ao segurado assista o direito de acção contra o lesante, isto é que haja responsabilidade de terceiro; - que a seguradora haja indemnizado o seu segurado; - que não existam excepções à sub-rogação (designadamente inimputabilidade do lesante ou inaplicabilidade convencional, total ou parcial, da sub-rogação).           Acrescentava que a expressão «fica subrogado em todos os direitos do segurado contra o terceiro causador do sinistro» deve ser interpretada extensivamente, por forma a abranger não apenas o causador do sinistro mas, também, o responsável civil, sendo esta a interpretação uniforme da doutrina e da jurisprudência ([9]). O preceito em causa foi substituído pelo art. 136 do dl 72/2008 cujo nº 1 estabelece que o segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro. A propósito desta disposição que, nesta parte, corresponde à anteriormente em vigor – atenta a interpretação que a esta foi dada supra - , dizem-nos Romano Martinez e Arnaldo Costa Oliveira ([10]) que condições da sub-rogação «são o pagamento da indemnização pelo segurador (naturalmente ao abrigo de um contrato de seguro) e a existência de um crédito do segurado contra o terceiro responsável», verificadas as quais a sub-rogação opera ipso iure, adquirindo o segurador, na medida do montante pago, os poderes que ao segurado competiam contra o terceiro responsável (nº 1 do art. 593 CC, princípio da identidade do crédito por sub-rogação relativamente ao acredito sub-rogado). Acrescentando que o princípio da identidade transfere para o segurador a prova e delimitação da responsabilidade do terceiro responsável mas não transfere para o terceiro responsável a relação jurídica entre o segurado e o segurador – essa transferência seria a negação da sub-rogação pelo segurador, seria a criação de um segundo momento de equacionamento básico da cobertura prevista no contrato de seguro. O terceiro apenas poderá opor ao segurador, além da inexistência da responsabilidade, a inexistência do contrato de seguro ou do pagamento do segurador ao abrigo do mesmo.                                                                   * IV – 3 –  O art. 18 do dl 522/85, de 31-12 prescrevia que quando o acidente for simultaneamente de viação e de trabalho se aplicariam as disposições deste diploma, tendo em atenção as constantes da legislação especial de acidentes de trabalho ([11]). Na sequência justifica-se trazer à colação o preceituado no art. 31 da LAT (lei 100/97, de 13 de Setembro) que dispunha: «1 - Quando o acidente for causado por outros trabalhadores ou terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra aqueles, nos termos da lei geral.       …4 – A entidade empregadora ou seguradora que houver pago a indemnização do acidente tem direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº1, se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente… »             O direito aludido no nº 4 acima transcrito não corresponde a um verdadeiro direito de regresso, mas antes à sub-rogação legal da entidade patronal ou da seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, responsável primário do acidente, na medida em que tiver pago a indemnização; aliás, depois da discussão sobre tal quer no âmbito da lei 100/97, quer no âmbito da lei nº 2127, de 3-8-65, que aquela substituiu, o art. 294 do Código do Trabalho – que regula a mesma matéria – fala expressamente em sub-rogação e não em direito de regresso.             Explica Antunes Varela ([12]), embora haja certa afinidade substancial nas suas raízes a sub-rogação e o direito de regresso constituem realidades jurídicas distintas: a sub-rogação sendo uma forma de transmissão das obrigações coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito (conquanto limitado pelos termos do cumprimento) que pertencia ao credor primitivo, enquanto o direito de regresso é um direito nascido ex-novo na titularidade daquele que extinguiu a relação creditória anterior ou daquele à custa de quem a relação foi considerada extinta. Como se afirmou no acórdão do STJ de 31-03-2009 ([13]) «ocorrendo acidente simultaneamente de viação e de trabalho, a responsabilidade primeira ou primacial é daquele ou daqueles a quem puder ser imputado, a título de culpa ou risco, o acidente de viação, enquanto lesante e sujeito da obrigação de indemnizar o lesado pelo dano causado. Quando a entidade patronal ou a sua seguradora satisfaçam a indemnização estão a cumprir uma obrigação do lesante, substituindo-se--lhe. Quem, de entre estas entidades, pagar está a adiantar um pagamento que só em “segunda linha” poderá considerar-se uma obrigação própria». Acrescentando-se então: «não havendo “um dano da viação e um dano do trabalho, mas apenas um dano com origem na viação, que em parte pode – deve – ser quantificado pelos prejuízos resultantes da lesão da prestação do trabalho”, ao demandar o responsável pelo acidente de viação, pedindo-lhe o reembolso da indemnização com que haja ressarcido danos desta última espécie, a Seguradora não faz mais do que exercitar aquele que é o seu direito, reconhecido pela lei, e exercitá-lo contra quem é o primeiro e mais próximo responsável pelo ressarcimento do dano».                                                            * IV – 4 – Tecidas estas considerações apliquemo-las ao caso concreto, tendo sempre em perspectiva as conclusões desenvolvidas. A A. demonstrou que ao sinistrado “D” assistia o direito de acção contra a aqui R., uma vez que a responsabilidade civil referente ao veículo de matrícula 00-00-RB se encontrava transferida para a R. mediante contrato de seguro do ramo automóvel e, nos termos desenhados na sentença e não postos em causa na presente apelação, o condutor daquele veículo, surge como responsável – não pela culpa, mas pelo risco – pelo acidente de viação. Efectivamente a apelante não põe em causa a responsabilidade civil (pelo risco) do condutor “C” pelo acidente ocorrido no dia 10-11-2006, nos termos considerados na sentença recorrida. Entende, sim, afigura-se (compaginando o teor das conclusões com o do corpo da alegação) que tratando-se de responsabilidade pelo risco não se trataria de «responsabilidade efectiva» do seu segurado. Tal circunstância, todavia, não releva, já que, como vimos, para efeitos da sub-rogação é abrangido não apenas o causador do sinistro mas, também, o responsável civil – logo, ainda que pelo risco. Deste modo, ao lesado (o referido “D”) cabia o direito de ser ressarcido pelo lesante face à responsabilidade deste e, logo, atento o contrato de seguro, pela seguradora do mesmo, a aqui R.. Por outro lado, ficou provado nos autos a existência de um seguro de acidentes de trabalho ao abrigo do qual a A. indemnizou o aludido “D” – nem o seguro nem a satisfação das prestações sofrem dúvida face aos factos provados. Não se afigura que a A., neste processo, tivesse que demonstrar os elementos de que dependia a caracterização do acidente ocorrido como sendo um acidente de trabalho – aliás, o processo especial emergente de acidente de trabalho correu termos e ali foram ponderados esses elementos. É certo que a aqui R. – ou o seu segurado – não intervieram nesse processo, não estando por ele directamente vinculados. Todavia, a questão é que para a sub-rogação - que é o que aqui nos ocupa – à A. não cabia alegar e provar os elementos de facto que conduziriam à caracterização do acidente de trabalho. Tinha, sim, que provar os factos de que decorria a responsabilidade civil do lesante (responsável primário pelo acidente), o contrato de seguro entre este e a R. que vinculava esta, e o pagamento de prestações indemnizatórias ao lesado no âmbito do contrato de seguro por acidentes de trabalho. Recordemos que correu termos o processo competente – o processo especial emergente de acidente de trabalho – com todas as garantias acima aludidas. Tendo a A. demonstrado esses elementos, não pode a apelante afirmar, como fez, «desconhece-se por que motivo pagou a A. as quantias discriminadas na sentença ao Sr. “D” e a terceiros com cuidados de saúde ao Sr. “D”». Deste modo não colhem as conclusões da alegação da apelante.                                                            * V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida. Custas (da apelação) pela apelante.                                                            * Lisboa, 7 de Dezembro de 2011 Maria José Mouro Teresa Albuquerque Isabel Canadas ---------------------------------------------------------------------------------------- [1]              E a A. alegou no art. 18 da p.i.. [2]              Se seguir para esta terminará por decisão judicial, quer se trate de fase contenciosa simplificada quer não. [3]              Se não houver acordo segue-se a fase contenciosa. [4]              Nos termos do art. 34 da LAT «é nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidas nesta lei ou com eles incompatível»; os créditos provenientes do direito às prestações são, por seu turno, inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis – art. 35 da LAT. [5]              Em «O Contrato de Seguro», pag. 220. [6]              Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do STJ, ano XII, tomo 3, pag. 39. [7]              Ver Bettencourt de Faria, «O Conceito e a Natureza Jurídica do Contrato de Seguro», Colectânea de Jurisprudência, ano III, tomo 3, pag. 792. [8]              Em «Contrato de Seguro», pags. 153 e seguintes. [9]              Assim, no acórdão deste Tribunal de 4-5-2006, ao  qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 3485/2006-6, diz-se que o «artº 441º do C. Com., para ser razoavelmente interpretado, tem de ser entendido no sentido de conceder ao sub-rogado que paga a indemnização o direito de accionar qualquer dos responsáveis para com o segurado, ainda que simples responsáveis civis, e não apenas o causador ou causadores do sinistro». [10]             Em «Lei do Contrato de Seguro», pag. 391. [11]             O dl 522/85, de 31-12 veio a ser revogado pelo dl 291/2007, de 21-8, entrado em vigor 60 dias após a sua publicação, atento o seu art. 95, mas o seu art. 26 dispôs em termos idênticos aos do art. 18 do dl 522/85. [12]             «Das Obrigações em Geral», vol. II, 3ª edição, pags. 309-311- [13]             Ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 09A0536.

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