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Acórdão STJ de 2020-06-02

3278/16.4T8GMR.G1.S1

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo3278/16.4T8GMR.G1.S1
Nº Convencional1.ª SECÇÃO
RelatorMaria Clara Sottomayor
DescritoresInvestigação de Paternidade, Exame Hematológico, Prova Pericial, Exclusividade de Relações Sexuais, Poderes do Supremo Tribunal de Justiça
Data do Acordão2020-06-02
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualREVISTA
DecisãoNegada a Revista

Sumário

I – Nas ações de investigação da paternidade a causa de pedir é o vínculo biológico de filiação que liga o filho ao réu (pretenso pai). II – A prova da progenitura biológica pode ser feita através de três vias possíveis: a) por via direta, mediante a realização de exames de sangue ou outros métodos cientificamente comprovados (artigo 1801º do Código Civil; b) por via indireta, através do recurso às presunções legais do artigo 1871º, n.º 1 do Código Civil; c) e/ou por via indireta, mediante recurso a presunções naturais ou judiciais. III – Os exames hematológicos são a prova rainha nas ações de investigação da paternidade, com virtualidade prática de excluir que o réu seja o pai do menor ou de provar, pela positiva, com probabilidade próxima de 100%, que o réu é o pai. IV - Os tribunais devem assumir um papel decisivo na apreciação do valor probatório da prova pericial, sem ceder à tendência de delegar a decisão nos exames científicos ou genéticos, apurando as condições em que o exame foi feito, a competência dos peritos, e se este foi realizado dentro dos parâmetros e condições internacionalmente exigidos. V – No caso dos autos, tendo sido realizadas duas perícias, por peritos diferentes, e ouvidos os peritos em audiência de julgamento, na qual prestaram esclarecimentos acerca dos métodos usados e da interpretação dos resultados dos exames, deve entender-se que ficou garantida a fiabilidade dos exames hematológicos. VI - A criação pela Lei n.º 21/98 de uma nova presunção legal de paternidade, estabelecida na alínea e) do n.º 1 do artigo 1871.º do CC (relações sexuais entre ao pretenso pai e a mãe durante o período legal de conceção), acabou por derrogar o Assento n.º 4/83, eliminando também a concetualização da causa de pedir na exclusividade das relações sexuais, passando a dispensar-se, assim, o julgamento da lide em função de uma valoração do comportamento da mãe do investigante. VII - Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, compete somente a aplicação, em definitivo, do regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (artigo 682º, n.º 1, do CPC). VIII – Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça pode exercer censura, direta ou indireta, sobre a forma como o Tribunal da Relação exerce os seus poderes quanto à matéria de facto, nomeadamente, averiguar se a Relação excedeu os limites impostos pelo artigo 662.º do CPC. IX – O exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1.ª instância só se justifica se recair sobre factos com indiscutível relevância para a decisão da causa, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (artigo 130º do CPC). Por conseguinte, se os factos cujo julgamento é impugnado não forem suscetíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1ª instância, no plano dos factos. X - O Supremo Tribunal de Justiça não tem poderes para alterar o valor probatório atribuído pelo Tribunal da Relação às declarações dos peritos, pois, em processo civil estamos no domínio de prova sujeita a livre apreciação, não podendo o Supremo Tribunal substituir-se ao tribunal recorrido, nem para valorar de outra forma este meio de prova, nem para ordenar a repetição de novos exames, que substituíssem aqueles que já foram realizados, uma vez que foi feita nos autos uma segunda perícia, em relação à qual não se provou qualquer irregularidade, vício ou quebra de imparcialidade. XI - A faculdade, que permite ao Supremo Tribunal de Justiça mandar ampliar a matéria de facto, não constitui uma medida a ser aplicada discricionariamente pois tem limites a vincular a respetiva concretização: para além de os factos a averiguar deverem ter sido articulados, importa verificar se eles são suscetíveis de impedir, uma vez provados, a decisão jurídica tomada nas instâncias.


Texto Integral

Processo n.º 3278/16.4T8GMR.G1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA, residente na Rua…n.º… esquerdo, …....., em representação de seu filho menor, BB, instaurou a presente ação declarativa de investigação de paternidade, com processo comum, contra CC, residente a Rua de …, n.º …, ..., ... ..., pedindo que se reconheça o menor BB como filho do Réu, CC, e se ordene o averbamento no assento de nascimento do menor a identidade do pai e dos seus avós paternos. Para tanto alega, em síntese, que AA é mãe de BB, nascido a …/2012, cuja paternidade consta como omissa no respetivo assento de nascimento; Acontece que o menor BB sobreveio da gravidez de AA em consequência de relações de cópula completa que esta manteve com o Réu; Apesar de não terem assumido publicamente qualquer compromisso, a partir de meados de abril de 2011, AA e o Réu começaram a encontrar-se todos os dias, mantendo quase todos os dias relações de cópula sexual, até maio de 2011, altura em que o Réu foi de férias; Em inícios de junho de 2011, o Réu regressou de férias e aquele e AA mantiveram, por duas vezes, relações de cópula completa, as quais terminaram em junho de 2011; Durante o período compreendido entre abril de 2011 e setembro de 2011, AA não teve qualquer relacionamento sexual com outro homem que não o Réu; Quer antes, quer após o nascimento do menor, o Réu sempre considerou o menor seu filho, procurando estar com ele e tratando-o como tal, sendo também, por todos, reconhecido como tal; Em julho de 2012, quando o menor tinha cerca de quatro meses de idade, o Réu pediu a AA para se realizar um teste de DNA que teria mandado vir pela Internet, o que foi aceite por esta; Fizeram o teste e mesmo antes de sair o resultado, o Réu deixou, de imediato, de manter qualquer contacto com o menor e AA, tendo, posteriormente, o referido teste concluído que a probabilidade do Réu ser pai do menor era de 0%; Não existe entre o Réu e AA relação de parentesco ou de afinidade na linha reta ou na linha colateral. O Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação. Invocou a exceção dilatória do caso julgado, sustentando que a presente ação é repetição da que correu termos pela 2ª Vara de Competência Mista de ..., sob o n.º …, em que por sentença transitada em julgado, o Réu foi absolvido do pedido, havendo entre ambas as ações identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir; Impugnou praticamente toda a factualidade alegada pelo Autor; Conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente e procedente a exceção. 2. Por decisão proferida em 17/11/2016, julgou-se procedente a exceção dilatória do caso julgado entre a presente ação e a que correu termos sob o n.º ..., e absolveu-se o Réu da instância. 3. Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação, na sequência do que, por decisão de 09/01/2017, a 1ª instância deu sem efeito aquela decisão. 4. Dispensou-se a realização de audiência prévia, fixou-se o valor da presente ação em 30.0000,01 euros, proferiu-se despacho saneador, o objeto do litígio e os temas da prova, admitiu-se os requerimentos probatórios apresentados pelas partes e designou-se data para a realização da audiência final, a qual veio a ser dada sem efeito. Em 20/07/2017, o Réu juntou aos autos certidão do relatório pericial de investigação de paternidade do aqui Réu em relação ao menor, realizado no âmbito da ação n.º …, em que os senhores peritos do IML, Delegação do Norte, Serviço de Genética e Biologia Forense, concluíram que “De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA” (cfr. fls. 114 a 117). Determinou-se a realização de exame hematológico no âmbito dos presentes autos, o qual foi realizado pelo IML, Delegação do Centro, Serviço de Genética e Biologia Forense, tendo os senhores peritos concluído que “De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA” (cfr. fls. 181 e 182). O Autor solicitou esclarecimentos aos senhores peritos, que foram deferidos e prestados (fls. 187 e 189 a 191) e após requereu a realização de segunda perícia. Deferiu-se a realização da segunda perícia (cfr. fls. 205), que foi realizada pela Delegação do Sul do IML, Serviço de Genética e Biologia Forense, cujos senhores peritos concluíram no seguinte sentido: “A identificação de haplótipos distintos do cromossoma Y em CC e BB, exclui a possibilidade de pertencerem à mesma linhagem paterna, ou seja, CC é excluído da paternidade que lhe é atribuída no haplótipo do cromossoma Y” (cfr. fls. 253 a 254). Designou-se data para a realização da audiência final, a qual veio a ser adiada, uma vez que aberta esta, os ilustres mandatários das partes requereram que fossem convocados os peritos que realizaram a segunda perícia, Dr. DD e EE, e que a produção de prova se iniciasse com a tomada de esclarecimentos aos últimos, o que foi deferido (cfr. ata de fls. 283). 5. Realizada audiência final, proferiu-se sentença julgando a ação improcedente (cfr. fls. 332 a 334). Entretanto, o Autor veio requerer o suporte da gravação da audiência final, na sequência do que veio arguir a nulidade desses atos, com fundamento de que a respetiva gravação se encontraria inaudível (cfr. fls. 338 a 340). Tendo o Réu deduzido oposição à invocada arguição de nulidade, alegando a extemporaneidade dessa arguição, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença proferida (cfr. fls. 342 a 383) e perante a informação da secção de que “a gravação efetuada na 1ª sessão de julgamento, datada de 10/01/2019, não se encontra audível”, reabriu-se a audiência final, para reinquirição das testemunhas cuja gravação não se encontrava audível (cfr. fls. 384 e 385). 6. Efetuada essa reinquirição, proferiu-se nova sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo o Réu do pedido, constando essa sentença de seguinte parte dispositiva: “Nestes termos julgo a ação improcedente por não provada, e em consequência declaro que o menor BB não é filho do Réu CC, que absolvo do pedido. Custas pelo autor, levando-se em conta o benefício do apoio judiciário. Valor da ação: 30.000,01 euros (art. 304º, n.º 1 e art. 306º, n.ºs 1 e 2 do CPC. “ex vi” art. 33º, n.º 1 do RGPTC)”. 7. Inconformada com esta sentença, AA, em representação de seu filho menor, veio interpor recurso de apelação, em que pede, em síntese, a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, impugna a matéria de facto e termina pugnando pela revogação da sentença, reconhecendo-se a paternidade do réu. 8. O Tribunal da Relação aditou à matéria de facto os seguintes factos, que considerou como provados: «11A - No âmbito da ação ordinária identificada em 11), submeteu-se o aqui réu e o aqui autor e a mãe deste a exame pericial, tendo os peritos, nessa perícia concluído o seguinte: “CC pode ser excluído da paternidade que lhe é atribuída nos marcadores genéticos D16S539, D8S1179, D21S11, D18S51, TH01, FGA, D13S317, TPOX e PentaE. De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA .” 15- Dada a ocorrência de um fenómeno raro que pode acontecer na transmissão do património genético de pai para o filho, os exames hematológicos podem dar um resultado de exclusão de paternidade biológica do primeiro em relação ao segundo, não obstante aquele ser efetivamente pai biológico deste. 16- Apesar do referido em 15), a quantidade de perfis genéticos que foram analisados aquando da realização das periciais identificadas em 11A), 13) e 14) e o número de perfis genéticos em que ocorre incompatibilidade genética entre Autor e Réu, a possibilidade deste ser pai biológico do Autor é praticamente nula». E decidiu: «Nestes termos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de ... acordam, sem prejuízo das alterações supra identificadas introduzidas à matéria de facto julgada como provada na sentença, em julgar improcedente a presente apelação e, em consequência: - confirmam a sentença recorrida. Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC)» 9. Novamente inconformado, o recorrente interpõe recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, argumentando que havia uma diferença essencial entre a fundamentação da sentença do tribunal de 1.ª instância e o acórdão do Tribunal da Relação, por força da nova factualidade aditada, e pedindo, subsidiariamente revista excecional. 10. Na alegação de recurso, o recorrente formula as seguintes conclusões: «1ª- O acórdão recorrido manteve a decisão da sentença, por entender que esta “não padece de nenhum dos erros de direito que o apelante lhe assaca, porque sem prejuízo das alterações supra identificadas introduzidas à matéria de facto julgada como provada na sentença, na improcedência de todos os fundamentos do recurso aduzidos pelo apelante, se impõe a respetiva confirmação.”, formulando um conjunto de conclusões, com sumário elaborado nos termos do artigo 663.º, n.º7 do Código de Processo Civil, das quais se destacam, por serem diretamente ligadas ao objeto do recurso, embora este não se esgote nelas, nem elas esgotem o conjunto das decisões impugnadas, as seguintes: a) “Os exames hematológicos, face ao estado atual da ciência permitem fazer prova direta do vínculo biológico da progenitura ou da respetiva exclusão, pelo que (…) assumem um papel essencial nuclear e fundamental nas ações de investigação da filiação, secundarizando os outros meios de prova, nomeadamente a testemunhal” pelo que “o juiz apenas se pode afastar do laudo pericial desde que justifique esse afastamento e utilizando fundamentos de natureza igual aos utilizados pelos peritos” (conclusões 1ª a 4ª); b) “A lei n.º45/2004 de 19/08 que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses é especial em relação ao Código de Processo Civil, pelo que os exames hematológicos (…) de determinação direta de filiação biológica têm de ser realizados pela delegação do INML da área territorial do tribunal que os requer e, quer se trate da 1ª perícia quer da 2ª são em regra efetuados por um único perito do INML ou por este contratado, estando reservada a perícia colegial apenas aos casos em que o juiz a determine por decisão fundamentada, em que essa perícia colegial continua a ter que ser realizada por peritos do INML ou por este contratados.” (Conclusões 5ª, 6ª e 7ª); c) O juiz deve considerar que “em termos gerais a prova de determinado facto não é a certeza lógica, absoluta ou cientifica da ocorrência desse facto, mas apenas um alto grau de probabilidade (…) de que esse facto ocorreu (…)” pelo que “tendo sido instaurada a ação de investigação de paternidade com fundamento (causa de pedir) na paternidade biológica do réu em relação ao autor (pretenso filho) e com fundamento nas presunções legais de posse de estado e ocorrência de relações sexuais entre o réu e a mãe do autor, durante o período legal da conceção deste, (…) é de considerar que existem “dúvidas sérias” sobre a paternidade do réu em relação ao autor, quando foram realizados três exames hematológicos ao autor, à mãe deste e ao réu, com o número crescente de perfis genéticos analisados nessas sucessivas perícias, e os peritos concluem nesses três exames, pela exclusão da paternidade” (conclusões 8ª a 11ª). 2ª- Para além dessas questões, o acórdão recorrido julgou: a) Que a sentença recorrida não era nula por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre a existência de duas conclusões contraditórias num dos relatórios médicos; por não se ter pronunciado sobre os impedimentos suscitados pelo apelante em relação aos peritos da delegação do IML do Porto para efetuar os exames hematológicos; por não se ter pronunciado sobre requerimento em que o apelante pedia que a 2ª perícia fosse efetuada por perito exterior ao IML; por não ter decidido a realização de uma 2ª perícia por entidade independente do IML; por se basear exclusivamente nas conclusões dos relatórios dos exames hematológicos, sem considerar que os peritos os esclareceram no sentido de que a exclusão da paternidade não é absoluta porque pode sempre ocorrer um fenómeno a que chamaram “ocorrência de mutações”, que consideraram raro, mas que “podia explicar as inconsistências ou incompatibilidades referidas”; b) Que a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à matéria de facto fixada na 1ª Instância, pois a esta devem ser aditados três factos que nela não estavam incluídos: “11A- No âmbito da ação ordinária identificada em 11), submeteu-se o aqui réu e o aqui autor e a mãe deste a exame pericial, tendo os peritos, nesse perícia concluído o seguinte: “CC pode ser excluído da paternidade que lhe é atribuída nos marcadores genéticos D16S539, D8S1179, D21S11, D18S51, TH01, FGA, D13S317, TPOX e PentaE. De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA.” “15- Dada a ocorrência de um fenómeno raro que pode acontecer na transmissão do património genético de pai para filho, os exames hematológicos podem dar um resultado de exclusão da paternidade biológica do primeiro em relação ao segundo, não obstante aquele ser efetivamente pai biológico deste.” “16- Apesar do referido em 15), a quantidade de perfis genéticos que foram analisados aquando a realização das perícias identificadas em 11A), 13) e 14), e o número de perfis genéticos em que ocorre incompatibilidade genética entre autor e réu, a possibilidade deste ser pai biológico do autor é praticamente nula.” c) Que o julgamento da impugnação que incidiu sobre a restante matéria de facto, suscitado pela recorrente em sede do recurso de apelação ficava prejudicado pela procedência da reclamação nessa parte, por a restante, não julgada, ser inútil para a decisão, esclarecendo-se que a recorrente propugnava também que se desse por provado que, e foram esses os factos considerados irrelevantes, os seguintes factos eram relevantes e deviam constar do probatório, por resultarem da prova produzida: - Facto 4: “A partir de meados de abril de 2011 e até pelo menos maio de 2011, A e R mantiveram relações sexuais de cópula completa”. - Facto 5:“O R foi jogador, no ano de 2011, do ..., e no final da época, cerca do mês de junho, foi de férias”. - Facto 8: “Após o nascimento do menor, o R esteve em casa da autora”. - Facto 9: “Após o nascimento do menor, o R visitou a A. no hospital e em sua casa”; - Facto 15 : As relações de sexo entre a autora e o réu tiveram lugar “pelo menos entre o mês de Maio e finais de Junho do referido ano de 2011”. - Facto 16: “Durante o período compreendido entre Abril e Setembro de 2011, não teve a autora qualquer relacionamento amoroso/sexual com outro homem que não o réu.” - Facto 17: “Entre 21 de Maio de 2011 e 17 de Setembro de 2011, isto é, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor BB a autora manteve relações sexuais de cópula completa única e exclusivamente com o aqui réu”. (esclarecendo-se que ninguém questionou ao longo do processo, nem tão pouco o réu, a menor dúvida quanto à fidelidade da mãe ao imputado pai no período legal da conceção). d) Que a sentença recorrida não padece de erro de direito nem sequer no que respeita à arguição e nulidades, porquanto relativamente às nulidades processuais, o recorrente deveria ter atempadamente interposto recurso das mesmas, e só as nulidades da sentença podiam ser apreciadas em recurso, e no que respeita ao direito aplicado porque não foi cometido qualquer irregularidade, não foi omitida qualquer pronúncia em sede de julgamento, e ainda porque foram analisados um número sempre crescente de perfis genéticos do apelante, da mãe deste e do pretenso pai, que permitem senão excluir em absoluto a paternidade do réu (porque as provas não têm de criar no espírito do julgador uma certeza para além de toda a dúvida), por fixarem, no caso concreto, um alto grau de probabilidade de que o investigado não é pai do autor, tal grau de improbabilidade é quanto basta para excluir a paternidade. 3ª- Tal matéria de facto, cuja apreciação foi dispensada, não era, porém, inútil para a decisão, uma vez que se tratava de matéria relevante para se fixarem as condições legais de presunção de paternidade, questão esta que cabe na competência jurisdicente do STJ, nos termos do artigo 674.º, n.º1 e n.º3 do Código de Processo Civil, uma vez que a recorrente não pretende que o tribunal de revista sindique diretamente os factos fixados, mas antes que sindique se havia razões -, e, salvo o devido respeito, parece que não há – para julgar que esses factos eram inúteis para a discussão, o que é questão de direito, não podendo sustentar-se que esses factos são, como o acórdão os rotulou, inúteis para a apreciação e sindicância da verdade material. 4ª- Ora, a sentença – e desse julgamento comungou o acórdão recorrido - deu como provado que a mãe do menor e o pretenso pai tiveram relações sexuais de cópula completa no período legal da conceção e que o pretenso pai após o nascimento do menor visitou a mãe no hospital e em sua casa, julgando a ação de investigação de paternidade improcedente e não provada, declarando que o menor não é filho do réu que, em consequência, foi absolvido do pedido. 5ª- As instâncias aderiram, pois, como elas próprias reconhecem, exclusivamente aos resultados dos dois exames hematológicos realizados pelo Instituto de Medicina Legal (folhas 182 verso e folhas 253 a 254 verso) que concluíram, após um conjunto de formulações matemáticas indecifráveis, que o pretenso pai era excluído da paternidade (cita-se “de acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA”). 6ª- Porém, esses dois exames haviam sido precedidos de um outro, igualmente da autoria do IML, no âmbito de uma outra anterior ação de investigação de paternidade proposta pelo Ministério Público, onde contraditoriamente se concluía, ao mesmo tempo, que o réu podia ser excluído da imputada paternidade, e que era mesmo excluído dessa paternidade. 7ª- O acórdão recorrido considerou, confirmando o que fora sentenciado que (factos 4, 7, 8 e 9) “a partir de meados de Abril de 2011, em datas não concretamente apuradas, a A e R mantiveram relações sexuais de cópula completa; em data não concretamente apurada a A contou ao R que estava grávida; em datas não concretamente apuradas o R esteve em casa da A; em datas não concretamente apuradas, após o nascimento do menor, o R visitou a A no hospital e em sua casa”), tendo a sentença, ante esse conjunto de factos, sustentado que não fosse o resultado desses exames hematológicos, esses factos poderiam “consubstanciar presunção de paternidade, nos termos do artigo 1871º n.º1 al. c) do Código Civil”, mas “tal presunção mostra-se ilidida pela prova, sem dúvidas, resultante dos exames hematológicos, de que o R não é o pai do menor BB”. 8ª- As instâncias não deram como provada (mas essa matéria nem sequer se discutia no processo porque ninguém a questionou, nem sequer o próprio alegado pai), a fidelidade da mãe ao pretenso pai no período legal da conceção. 9ª- Interposto recurso de apelação da decisão da 1ª Instância, a autora arguiu uma nulidade da sentença resultante de omissão de pronúncia sobre a alegada semelhança física do menor e do pretenso pai, sustentando ainda que o resultado dos referidos exames é médico-legalmente inadmissível, porque não é possível nunca, em termos absolutos, excluir qualquer paternidade, pois a ciência médica não está em condições de o fazer, apenas podendo estabelecer um conjunto de probabilidades percentuais de exclusão, sucedendo, mesmo, que, no caso concreto, em esclarecimento ao teor do segundo daqueles relatórios, os peritos reconheceram que as inconsistências detetadas no exame efetuado na relação pai/filho podiam ser consequência da ocorrência de mutações genéticas, que, a terem sucedido, não permitiriam excluir que o pretenso pai fosse o pai biológico do menor investigado (autos a folhas 189 verso 2º parágrafo), tendo o acórdão recorrido incluído esta afirmação na matéria de facto provada. 10ª- Além disso, ouvida em audiência de julgamento uma das peritas que participou no exame, reconheceu expressamente que apenas por existir uma orientação internacional aprovada num qualquer congresso aquela conclusão de exclusão da paternidade era por ela defendida, por haver mais de duas incompatibilidades e “podia ser uma mutação e as normas internacionais dizem que neste caso existem mais do que três”, pelo que “as normas internacionais permitem excluir o indivíduo”- o que, em termos médico-legais, é de todo irrelevante e se afigura juridicamente inadmissível para fundar uma qualquer decisão no sentido da possibilidade de exclusão da paternidade em termos absolutos. 11ª- De facto, (Testes de Paternidade, Ciência Ética e Sociedade, Universidade do Minho, Centro de Investigação em Ciências Sociais, Edição Humus Lda., 2013, trabalho da autoria de António Amorim, professor catedrático na Faculdade de Ciência da Universidade do Porto e Cíntia Alves, responsável pelo Departamento de Investigação de Parentescos e Identificação Genética do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto) constitui hoje certeza “cientificamente comprovada de que não passam de confusões indesculpáveis” “as sedutoras ideias feitas sem base científica e falsas intenções como a de ser possível a exclusão da paternidade de forma absoluta” , pois “quando deparamos com uma observação que contradiz na aparência o parentesco em causa (fenómeno infeliz mas vulgarmente conhecido por “exclusão” de paternidade) não sabemos na verdade se essa incompatibilidade resulta realmente da falsidade do parentesco ou da desadequação do modelo formal aplicado”. (este autor vem citado num conjunto de orientações que o Boletim do Ministério da Justiça n.º333, a página 5 e seguintes, publicou, e citado no texto, dirigidas à magistratura portuguesa, que mantem plena atualidade). 12ª- É que, quando o pretenso pai e o filho têm perfis considerados incompatíveis, não estamos necessariamente a observar uma exclusão, pois “existem duas possibilidades alternativas: (I) que uma informação genética não detetadas com a técnica utilizada esteja presente em ambos, o que levaria a interpretar os seus perfis (…) como compatíveis com a paternidade; ou ainda (II) que tenha havido um erro de cópia da informação genética (uma mutação) na transmissão pai – filho de tal forma que de um original (…) tenha sido feita uma cópia (…) ”, fenómeno que, apesar de raro, não é impossível. 13ª- Para além disso, os exames efetuados em nenhuma das vezes consideraram, mas ela existe e é reconhecida, a possibilidade da ocorrência de fatores recessivos, isto é, de fatores que permanecem escondidos, por vezes durante várias gerações, e que, se o exame tivesse sido efetuado com a necessária profundidade e a participação, por exemplo, dos pais do demandado, podiam permitir desvendar (“os genes recessivos podem ficar silenciosos durante gerações”, G. Ferreira, Saúde Pública, página 145). 14ª- Na obra “Filiação Natural”, o Desembargador F. Brandão Ferreira Pinto (citado também na “Nota Informativa à Magistratura Portuguesa”, BMJ 333, página 5 e seguintes), chama veementemente à atenção para o facto de “muitos destes sistemas ou marcadores genéticos, embora intensamente estudados, põem ainda dúvidas quanto à sua aplicação devido à complexidade da sua transmissão genética e instabilidade dos seus antigénios, não tendo ainda o rigor exigido na resolução de problemas relacionados com a averiguação da progenitura. Associados a estes problemas outros se colocam relacionados com o custo e dificuldade da obtenção de soros específicos para a sua determinação, bem como a falta de pessoal especializado na realização de técnicas tão complexas” 15ª- Assim sendo, como é, a exclusão da paternidade no caso não tem qualquer base científica segura, pelo que a conclusão daqueles exames não pode ser tida como aceitável, quer porque a lei não permite atribuir ao exame um valor absoluto sendo que à luz do nosso ordenamento jurídico o resultado do exame genético não é vinculativo para o tribunal, como, por exemplo, decidiu o acórdão da Relação de Lisboa de 3 de Abril de 1990, (Col. Jurisp. XV, II, 146), quer porque, como a sentença reconheceu, ocorrendo como ocorrem presunções de paternidade (art. 1871º n.º1 als. c) e e) do Código Civil), a autora apenas tem que provar – e provou – os factos em que assenta a presunção, ficando dispensada de provar o vínculo biológico (neste sentido também Antunes Varela, RLJ 117, ed. 1983-1984, página 86), pelo que, nas condições expostas a ação teria de ser julgada procedente e provada. 16ª- No recurso de apelação, a recorrente, a partir dos depoimentos dos peritos, documentados nos autos e das testemunhas ouvidas FF e da testemunha GG e das informações constantes das precedentes conclusões, sustentou que a matéria de facto devia ser corrigida e ampliada nos termos atrás sugeridos, o que o acórdão recorrido deferiu numa parte substancial, por forma a considerar provado, como se disse, que os exames médicos nunca podiam excluir em absoluto a paternidade, tendo, não obstante, mantido a decisão. 17ª- O acórdão recorrido escusou-se de julgar procedente um conjunto de nulidades imputadas à sentença por omissão de pronúncia, quer porque sustentou que umas são nulidades da sentença e outras do processo, pelo que só as nulidades da sentença podiam ser agora decididas, princípio obviamente correto, mas inaplicável ao caso, porque se há omissão de pronúncia, como há, é porque a questão não foi decidida, e não tendo sido decidida, nenhum prazo de recurso começou ainda a correr, sucedendo também que tratando-se de direitos indisponíveis, é pelo menos duvidoso que se possa sustentar que o direito de recorrer ou reclamar pode ser impedido por inércia das partes. 18ª- Assim sendo, face à decisão recorrida, o recorrente mantém, nos seus precisos termos, as críticas tecidas em termos de nulidades, à decisão da 1ª Instância, a saber, o que implica a necessidade de conhecer das nulidades arguidas por omissão de pronúncia nos termos do artigo 615.º n.º1, alínea d) do Código de Processo Civil: a) Omissão de pronúncia pelo facto de o tribunal não se ter pronunciado sobre a existência de duas conclusões contraditórias, uma vez que numa delas se refere que num exame hematológico se diz ao mesmo tempo, e em conclusões distintas, que o réu pode ser excluído da paternidade, e é excluído da paternidade; Sobre a arguição de impedimentos pelo facto de o segundo exame hematológico realizado no processo ter sido efetuado, ao contrário do que a lei exige, pela mesma entidade que efetuou o primeiro e sobre o requerimento da apelante que suscitou a questão anterior e pediu a designação de peritos diferentes dos envolvidos no anterior exame. b) Arguição de ambiguidade ou obscuridade e ininteligibilidade da sentença, por desta constar que o “réu é excluído da paternidade que lhe é atribuída no haplótipo do cromossoma Y”, sucedendo que essa pretensa certeza é posta em crise pelos esclarecimentos dos peritos que a formularam (autos a folhas 253 e 254 vs.) pois estes reconheceram expressamente, depois, que a exclusão de paternidade não é absoluta pois um fenómeno a que chamaram “ocorrência de mutações” podia explicar “as inconsistências ou incompatibilidades referidas.” c) Evidentes semelhanças físicas do investigado com o menor: no recurso de apelação, a apelante sustentou, na sequência do alegado na petição, e da junção de fotografias, que não foram impugnadas, que as semelhanças físicas do pretenso pai e do menor deviam ter sido consideradas provadas, ao que o acórdão recorrido apenas obtemperou que o apelante não alegou quaisquer “concretas semelhanças físicas”, pelo que o tribunal não podia delas conhecer, mas que, ainda que tivesse alegado, elas não eram essenciais à causa de pedir invocada, o que não é exato e para o comprovar basta ler o que consta dos artigos 25.º e 26.º da petição. d) A indecifrabilidade das conclusões extraídas pelos peritos nos exames hematológicos, o que torna as mesmas inaceitáveis, porquanto é absolutamente inadmissível e incompreensível para o homem comum sustentar-se que, como se sustentou, o pretenso pai “apresenta incompatibilidades em relação ao menor nos marcadores D16S539, TPOX, D8S1179, D21S11, D118S51, TH01, FGA, D13S317, SE33, D12S391 e PentaE”, nunca tendo sido, não obstante requerimento expresso para o efeito, esclarecido o significado de semelhantes referências), invocando a recorrente a seu favor a jurisprudência administrativa feita sobre uma questão semelhante (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 2788/17.OBELSB, Secção SA, relator Paulo Pereira) que considera manifestamente insuficiente a motivação de uma decisão em números ou pontuações, em meras conclusões, ou em meras opiniões, conforme decisões precedentes que cita. 19ª- Não é aceitável também a pretensa exigência de que os relatórios de exames médicos tenham de ser feitos, mesmo em relação à 2ª perícia, sempre e apenas pelo IML , por, em derrogação da lei geral (artigo 488.º, alínea a) do Código de Processo Civil), a lei 45/2004 de 19/08 impor essa regra, não apenas porque é discutível que a referida lei possa ser considerada lei especial em relação ao Código de Processo Civil, que é um compêndio de normas infraconstitucionais, mas de valor reforçado, como porque essa lei expressamente permite, e nem sequer contraria as normas do Código de Processo Civil, no que respeita às segundas perícias, que as perícias sejam realizadas por entidades terceiras públicas ou privadas (artigos 2.º, n.º2, 4º e 5º e artigo 23.º da citada lei), e até por requisição direta do tribunal a essas entidades terceiras (artigo 23.º, n.º3 da lei), o que tudo significa que, conhecendo-se dessa errada decisão, deve ser ordenada a realização de uma perícia em regra. 20ª- De facto, quando foi ordenada a realização de um novo exame pericial, a autora aceitou-o, mas deduziu impedimento do IML por ser o autor do anterior exame, requerimento que não mereceu qualquer despacho, integrando a falta de decisão, pois, nulidade por omissão de pronúncia referida no art. 615º n.º1 al. d) do Código de Processo Civil, e essa questão foi erradamente decidida no acórdão recorrido através da pretensa impossibilidade legal de ser designado uma entidade estranha ao IML. 21ª- E, efetuada essa perícia, com colheita de análises na Delegação do Porto do IML e exame na Delegação de Coimbra (folhas 182), a autora contestou o resultado mantendo igualmente a arguição de impedimento do IML, requerendo ainda a realização de uma segunda perícia, a efetuar por entidade diferente do IML (autos a folhas 193), mas o tribunal sustentou que bastava que a perícia fosse realizada por diferentes peritos, acabando por (autos a folhas 258) decidir que, estando a perícia já realizada nada mais havia a ordenar, o que, igualmente por omissão de pronúncia integra a nulidade do art. 615º n.º1 al. c) do Código de Processo Civil. 22ª- Sem prescindir, deveria ter sido ordenada uma efetiva segunda perícia, porquanto a primeira resultou de provas colhidas e tratadas pela mesma pessoa, o que implica a sua falta de credibilidade (Testes de Paternidade, Ciência Ética e Sociedade, Universidade do Minho, Centro de Investigação em Ciências Sociais, Edição Humus Lda., 2013, atrás citado, página 14 e seguintes) os resultados das análises não estão documentados por forma a qualquer leigo possa compreender a sua linguagem hermética, não constando qualquer explicação para o significado dos chamados marcadores genéticos, e é manifesto que essa segunda perícia não pode ser efetuada pelos mesmos autores da primeira, até porque mesmo que se optasse por um laboratório público, no país há pelo menos três laboratórios do Estado que realizam esses exames (citada obra página 27). 23ª- Não obstante posteriores requerimentos (autos a folhas 193, 205, 227, 230, 231, 235, 239, 241, 247, 249, 254, 256, 258, 260 a 263) arguindo os impedimentos já referidos e a necessidade de uma perícia verdadeiramente independente da primeira, com nomeação de outros peritos, o tribunal indeferiu implicitamente esses requerimentos com o argumento de que a prova pericial já estava realizada, e por isso, nada havia a ordenar, e o acórdão recorrido não viu necessidade de o fazer. 24ª- Por outro lado, e agora quanto à matéria de direito, tendo o acórdão recorrido admitido, como admitiu, que não pode ser excluída em termos absolutos a paternidade, estando assente que no período legal de conceção o pretenso pai e a mãe mantiveram relações de sexo, e não podendo jamais discutir-se, por falta de alegação, desde logo, que o pai não foi fiel à mãe no período legal da conceção, não é a circunstância de o exame médico sustentar que é pouco provável que o investigado seja pai do autor, que impede a conclusão segura no sentido da paternidade dever ter-se por absolutamente estabelecida. 25ª- Do conjunto de factos provados e atrás referidos, conjugados com a inelutabilidade da conclusão de que o réu, sendo o único homem que teve relações de sexo com a mãe do menor, uma vez que nenhum outro homem é referido nos articulados, nem nos elementos probatórios, é de concluir pela existência de uma presunção de um vínculo biológico, nos termos do artigo 1871.º, n.º1, alíneas a), c) e e) do Código Civil, porquanto o filho foi reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e pela família deste, durante o período legal da conceção existiu comunhão duradoura entre a mãe e o pretenso pai, e o pretenso pai teve nesse período relações sexuais de cópula completa com a mãe. 26ª- Assim sendo, a não ser julgada a ação desde já provada e procedente, importa declarar-se a nulidade de todos os exames, pronúncias e esclarecimentos, relativos à que foi admitida como segunda perícia, e a nulidade sequencial da sentença e do acórdão produzidos, por deixar de ter fundamento sustentável. Termos em que o presente recurso deve ser julgado provado e procedente, revogando-se o acórdão recorrido e reconhecendo-se desde já que o menor BB é filho do réu CC, Ou, a não se entender assim, declararem-se nulos, ou eivados de erro de julgamento, os exames hematológicos realizados, Determinando-se a realização de uma segunda perícia, através de entidade diferente da que realizou a primeira, e, em consequência, declarando-se nulo todo o processado a partir do momento em que irregularmente se determinou a realização de uma segunda perícia pela mesma entidade que realizara a primeira, Para que se faça JUSTIÇA!» O recorrido não apresentou contra-alegações. 11. O recurso foi admitido, por se ter entendido que a fundamentação da sentença do tribunal de 1.ª instância e a do acórdão recorrido eram essencialmente diferentes, pelo que não se deu por verificado o requisito negativo da dupla conformidade. 12. Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões, as questões a decidir são as seguintes: I – Nulidades imputadas à sentença que o acórdão recorrido julgou inexistirem II – Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto às conclusões contraditórias do mesmo exame hematológico e quanto aos impedimentos dos peritos. III – Ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade do acórdão recorrido em relação ao valor probatório dos exames periciais que excluem a paternidade IV – Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à modificação e ampliação da matéria de facto requerida pelo apelante V – Indecifrabilidade das conclusões extraídas pelos peritos dos exames periciais VI – Realização de uma segunda perícia por entidade diferente da que realizou a primeira VII - Estabelecimento da paternidade Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação de facto As instâncias consideraram, após o exercício pelo Tribunal da Relação do seu poder de modificação da matéria de facto, provados os seguintes factos: 1 - AA é mãe do menor BB, nascido no dia …. de 2012, cuja paternidade consta como omissa no respetivo assento de nascimento. 2 - O menor BB nasceu no dia … de 2012, no termo da gravidez que sobreveio a sua mãe. 3 - Autora e Réu frequentavam um bar na cidade de .... 4 - A partir de meados de abril de 2011, em datas não concretamente apuradas, A. e R. mantiveram relações sexuais de cópula completa. 5- O R. foi …., em data não concretamente apurada do ... e no fim da época foi de férias. 6 - No dia …-2011 a A. fez ecografia, da qual resultava que estava grávida de 15 semanas. 7 - Em data não concretamente apurada a A. contou ao R. que estava grávida. 8 - Em datas não concretamente apuradas o R. esteve em casa da A.. 9 - Em datas não concretamente apuradas, após o nascimento do menor, o R visitou a A. no hospital e em sua casa. 10 - Foi realizado teste de DNA, mandado vir pela Internet, onde se conclui que a probabilidade do R ser pai do menor era de 0%. 11 - No processo n.º …R, que correu termos na 2.ª Vara de Competência Mista de ..., de investigação de paternidade, em que foi autor o Ministério Público e réu CC, ação foi proferida sentença, em 31 de outubro de 2013, que julgou a ação “totalmente improcedente”. 11A- No âmbito da ação ordinária identificada em 11), submeteu-se o aqui Réu e o aqui Autor e a mãe deste a exame pericial, tendo os peritos, nessa perícia, concluído o seguinte: “CC pode ser excluído da paternidade que lhe é atribuída nos marcadores genéticos: D16S539, D8S1179, D21S11; D18S51, TH01, FGA, D13S317, TPOX e Penta E. De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA”. (Facto aditado pelo tribunal da Relação). 12 - Não existem entre o R. e a A. relações de parentesco ou afinidade na linha reta, nem de parentesco no segundo grau da linha colateral. 13 - Resulta do Relatório Pericial de Investigação de Parentesco Biológico de fls. 182 e v.º, que “De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA.” 14 - Resulta do Relatório Pericial de Investigação de Parentesco Biológico de fls. 253 a 254v.º, que “De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA. A identificação de haplótipos distintos do cromossoma Y em CC e BB, exclui a possibilidade de pertencerem à mesma linhagem paterna, ou seja CC é excluído da paternidade que lhe é atribuída no haplótipo do cromossoma Y.”. 15- Dada a ocorrência de um fenómeno raro que pode acontecer na transmissão do património genético de pai para o filho, os exames hematológicos podem dar um resultado de exclusão de paternidade biológica do primeiro em relação ao segundo, não obstante aquele ser efetivamente pai biológico deste (Facto aditado pelo Tribunal da Relação). 16- Apesar do referido em 15), a quantidade de perfis genéticos que foram analisados aquando da realização das periciais identificadas em 11A), 13) e 14) e o número de perfis genéticos em que ocorre incompatibilidade genética entre Autor e Réu, a possibilidade de este ser pai biológico do Autor é praticamente nula (Facto aditado pelo Tribunal da Relação). Não resultaram provados, com interesse para a decisão da causa, nomeadamente: a- encontravam-se somente à noite, num descampado perto de casa da autora, no carro do réu, um ..., …, de vidros fumados atrás, onde tinham relações sexuais de cópula completa: b- assim foi até meados de maio; c- relações essas que terminaram em finais de junho do referido ano de 2011, por vontade da autora, após ter conhecimento que o réu se teria envolvido com outras mulheres quando foi de férias para ..., ...; d- aliás o réu ainda tentou encontrar-se novamente com AA, aqui autora, mas esta não aceitou; e- durante o período compreendido entre abril e setembro de 2011, não teve a autora qualquer relacionamento amoroso/sexual com outro homem que não o réu; d- entre 21 de maio de 2011 e 17 de setembro de 2011, isto é, nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam ao nascimento do menor BB, a autora manteve relações sexuais de cópula completa única e exclusivamente com o aqui réu. III – Fundamentação de direito I – Nulidades imputadas à sentença que o acórdão recorrido julgou inexistirem Invoca o recorrente um conjunto de nulidades imputadas à sentença, por omissão de pronúncia (em relação às conclusões alegadamente contraditórias dos exames, aos impedimentos dos peritos, aos requerimentos apresentados para realização de exame por perito exterior ao IML e a entidade independente do IML, e às semelhanças físicas entre o recorrente e o pretenso pai), por ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade da fundamentação, bem como nulidades processuais, que foram consideradas improcedentes pelo tribunal recorrido ou nem foram conhecidas por extemporaneidade. Independentemente da análise da pertinência das causas de nulidade invocadas, pelo agora recorrente, em relação à sentença do tribunal de 1.ª instância e à forma como este tribunal orientou o processo e fundamentou a decisão, importa indagar, em primeiro lugar, se este Supremo Tribunal de Justiça, enquanto 3.º grau de jurisdição, tem competência para conhecer de nulidades da sentença de 1.ª instância, que o tribunal recorrido entendeu não existirem. Ora, enquanto causas de nulidade de uma decisão, apenas é competente para as conhecer o tribunal ad quem, ou seja, o Tribunal da Relação, a quem cabe a competência para declarar a nulidade da sentença de 1.ª instância e para a revogar, não o Supremo Tribunal de Justiça, que exerce a sua competência apenas sobre o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação. Por outro lado, em relação às nulidades processuais, cujo regime se encontra regulado nos artigos 196.º a 198.º e 200.º do CPC, invocadas pelo recorrente em relação a prática ou omissão de atos processuais no decurso da tramitação do processo no tribunal de 1.ª instância, não é admissível qualquer pronúncia deste Supremo Tribunal, por extemporaneidade. II – Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto às conclusões contraditórias do mesmo exame hematológico e quanto aos impedimentos dos peritos Algumas das questões suscitadas pelo recorrente como causa de nulidade da sentença, designadamente aquelas que envolvem o valor probatório dos exames periciais que excluíram a paternidade, podem ser analisadas, mas apenas na medida em que o recorrente as invoca como causa de nulidade do acórdão recorrido ou em que as tenha colocado novamente ao Supremo nas suas conclusões como questões de violação de lei adjetiva ou substantiva. Ora, para estarmos perante uma omissão de pronúncia é necessário que o acórdão recorrido não tenha respondido a questões suscitadas pelo apelante nas suas conclusões de recurso, de molde a vincular o tribunal recorrido a decidi-las. Nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. d), do CPC, o acórdão ou a sentença padecem de nulidade quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que deve apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, referindo-se a primeira parte da previsão legal à nulidade por omissão de pronúncia e a segunda à nulidade por excesso de pronúncia. Trata-se de nulidades que se relacionam com o preceituado no artigo 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso. A invalidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia é uma decorrência do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes instaurar a ação e, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema decidendum (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pp. 373 e 374). Mas decorre também do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (artigo 3º, n.º 3, do CPC), ao postergar a indefesa e, consequentemente, reconhecendo às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de influírem para a decisão a ser nele proferida. Como afirmava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., pp. 55 e 143) impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “…Uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”. Importa precisar que apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que são submetidas ao tribunal recorrido, pelas partes, determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões ou de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes para sustentar as suas posições. Também não incorre o tribunal no vício de omissão de pronúncia quando o tribunal se pronuncia sobre a questão de modo sintético e escassamente fundamentado, o que, podendo colocar em crise o valor persuasivo da sentença, perante os destinatários e perante a comunidade, não determina uma nulidade por omissão de pronúncia. Neste quadro, vejamos: Invoca o recorrente, na conclusão 18.ª a), que o tribunal recorrido teria omitido pronúncia sobre duas questões: 1) a existência de duas conclusões contraditórias no mesmo exame hematológico realizado noutro processo, em que simultaneamente se afirma que o réu pode ser excluído da paternidade e em que é excluído (segundo certidão extraída da ação ordinária n.º …); 2) a arguição de impedimentos pelo facto de o segundo exame hematológico realizado no processo ter sido efectuado pela mesma entidade que efetuou o primeiro e sobre o requerimento da apelante que suscitou a questão anterior e pediu a designação de peritos diferentes dos envolvidos. Ora, da análise do acórdão recorrido resulta, em relação à primeira questão, que esta foi considerada pelo Tribunal da Relação uma nulidade processual, que não mereceu reclamação atempada durante o processo no momento próprio, na própria instância em que é cometida. Afirma o tribunal recorrido que “ Essa nulidade processual tinha de ser arguida pelo apelante, junto do tribunal a quo, no prazo de dez dias, a contar da data em que o despacho de fls. 138 lhe foi notificado e onde pretensamente ocorreu a omissão cometida, sob pena da pretensa nulidade cometida se sanar (arts. 195º, n.º 1, 197º, n.º 1, 199º, n.º 1, 149º, n.º 1 do CPC)”. Mas, ainda assim, o tribunal recorrido pronunciou-se sobre o valor das conclusões, alegadamente contraditórias, do citado exame pericial, entendendo que: «A certidão de um exame hematológico realizado naquela outra ação é um elemento de prova, mais concretamente de prova pericial. Ora, ao proferir o despacho de fls. 138, admitindo a junção aos autos pelo apelado daquela prova pericial realizada naquela outra ação e ao desatender, assim, implicitamente, às razões invocadas pelo apelante que, na sua perspetiva, impediam processualmente essa junção, mediante a prolação do despacho de fls. 138, a 1ª Instância admitiu um meio de prova, pelo que, nos termos do disposto nos arts.644º, n.º 2, al. d) e 638º, n.º 1, do CPC, caso o apelante entendesse que na prolação desse despacho a 1ª Instância incorreu em erro de direito (posto que, segundo o quadro legal em vigor, na sua perspetiva, se impunha que tivesse proferido decisão de sentido contrário, indeferido a junção aos autos desse meio de prova), porque esse despacho era recorrível autonomamente, aquele tinha de ter interposto recurso autónomo desse despacho, no prazo de quinze dias, sob pena dessa decisão se consolidar na ordem jurídica, operando caso julgado formal e tornando-se inatacável. Ora, não tendo o apelante interposto recurso de apelação autónomo do despacho proferido a fls. 138, essa decisão transitou em julgado, pelo que todos os fundamentos invocados pelo apelante a fls. 122 a 131 para se opor a essa junção da certidão aos autos, não podem por ele agora ser suscitados no âmbito do presente recurso, por se encontrarem, em definitivo, decididas no âmbito dos presentes autos, em virtude do trânsito em julgado do despacho de fls. 138, em que se admitiu a junção aos autos dessa prova pericial. Como dito, situação diversa é a das pretensas incongruências ou contradições das conclusões a que chegaram os senhores peritos nesse exame hematológico. Essa questão não tinha, sequer podia, ser apreciada pela 1ª Instância no despacho proferido a fls. 138. Na verdade, ao invocar existirem essas pretensas incongruências ou contradições, o apelante mais não faz que pretender abalar a força probatória desse meio de prova. Acontece que o momento processual próprio para avaliar a força probatória deste meio de prova, assim como de todos os restantes meios de prova que foram produzidos no âmbito dos presentes autos, é a sentença, mais concretamente, aquando do julgamento da matéria de facto nela realizado pelo tribunal. É nesse momento que o juiz da 1ª Instância, confrontado com todos os meios de prova produzidos, tem de aquilatar da força probatória de cada um dos meios de prova produzidos e em função deles julgar a matéria de facto essencial alegada pelo autor constitutiva da causa de pedir por ele invocada ou os factos essenciais em que se baseiam as exceções invocadas pelas partes (art. 5º, n.º 1 do CPC) e que permaneça (a matéria de facto) controvertida e submetida ao princípio da livre apreciação da prova ou a matéria de facto complementar em relação à qual se verificam preenchidos os requisitos legais do art. 5º, n.º 2, al. b) do CPC, como provada ou não provada (art. 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC), pelo que se porventura, o tribunal a quo, julgou determinados factos como provados ou não provados com base nesse meio de prova, que é a certidão de fls. 114 a 117, e caso nesse documento ocorram as contradições que o apelante assaca às conclusões nele extraídas pelos senhores peritos que realizaram o exame pericial cujo relatório essa certidão explana, tudo se resume a um erro de julgamento em sede de matéria de facto em que terá incorrido a 1ª Instância em relação ao julgamento da matéria de facto que realizou na sentença, que cumpre ao apelante atacar na sede própria – em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto – e mediante observância dos ónus de impugnação enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC». Pelo que, assim tratada a questão, independentemente do acerto da posição adotada, não pode afirmar-se incorrer o acórdão em nulidade por omissão de pronúncia. Relativamente à questão de o segundo exame ser realizado pela mesma entidade e sobre o requerimento do autor a pedir peritos diferentes dos envolvidos no anterior exame, o tribunal recorrido entendeu que o apelante confundiu mais uma vez nulidades da sentença com nulidades processuais e erros de julgamento, e tratou as questões na dupla perspectiva processual e substantiva, conforme decorre dos seguintes excertos da fundamentação do acórdão recorrido: «É certo que no despacho proferido a fls. 138 e 139, a 1ª Instância ordenou que fosse realizado exame hematológico pelo INML, com vista a determinar se o menor (o apelante) é filho biológico do apelado. Também é certo que notificado da data e hora para comparecer na Delegação do Porto do INML, a fls. 159 a 162, o apelante veio sustentar que tendo aquela Delegação realizado o exame pericial no âmbito daquela outra ação n.º ..., nos termos dos arts. 470º, n.º 1 e 115º, al. c) do CPC, os peritos da Delegação do Porto do INML se encontrariam impedidos de realizar essa perícia e requereu que fosse dada sem efeito a nomeação em causa e fosse designado para perícia um “outro perito, de um outro instituto, da mesma área de competência e conhecimentos, mas em que a Autora possa confiar”, com o que suscitou efetivamente o incidente de suspeição dos peritos do INML da Delegação do Porto. Acontece que sobre esse requerimento, após observância do contraditório e abertura de vista ao Ministério Público, recaiu o despacho de fls. 172, em que o tribunal determinou que o INML indicasse outra delegação para realizar o exame hematológico que tinha determinado”. Este exame hematológico acabou por ser realizado pelo INML, Delegação do Centro (cfr. relatório de fls. 180 a 181), não obstante as colheitas das amostras biológicas para a realização deste exame pericial tivessem sido recolhidas no INML, Delegação do Norte (cfr. fls. 179). Acontece que notificado o apelante do teor daquele relatório pericial, o mesmo não veio arguir, no prazo de dez dias, como teria de fazer, qualquer nulidade processual, acabando as amostras biológicas por serem recolhidas pela Delegação do Norte do INML e do exame pericial por ser realizado pela Delegação do Centro desse mesmo Instituto, quando aquele anteriormente tinha suscitado o supra referido incidente e quando sobre esse incidente não tinha ainda recaído qualquer decisão (cfr. arts. 195º, n.º 1, 197º, n.º 1, 199º, n.º 1 e 149º, n.º 1 do CPC), mas, pelo contrário, o apelante veio pedir esclarecimentos em relação a este concreto exame hematológico (cfr. fls. 186 a 187) e deferidos esses esclarecimentos (cfr. fls. 187) e prestados os mesmos (cfr. fls. 189 a 191), requereu a realização de segunda perícia (cfr. fls. 193 a 200), cuja realização foi deferida (cfr. fls. 205). Significa isto que a circunstância de se ter realizado aquele 1º exame hematológico, com recolha do material biológico pela Delegação do Norte do INML e deste ter sido realizado pela Delegação do Centro desse Instituto sem que o tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre o incidente de suspeição suscitado pelo apelante, consubstancia nulidade processual, que se encontra sanada, porquanto notificado do relatório pericial, o apelante não veio arguir, no prazo de dez dias, essas invocada nulidade processual por omissão de pronúncia. Trata-se, portanto, de uma nulidade processual e não de uma nulidade da sentença. Como acabado de demonstrar, essa nulidade processual encontra-se sanada, pelo que a mesma não acarreta qualquer invalidade dos atos processuais subsequentes, nomeadamente da sentença que veio a ser proferida nos autos e agora sob recurso. Logo, a omissão de pronúncia que o apelante veio acusar a fls. 193 a 200, decorrente de não ter recaído ainda qualquer decisão sobre o incidente de suspeição que suscitara em relação aos peritos do INML da Delegação do Norte, quando foi realizado o exame hematológico, é intempestiva, porque foi suscitada quando já tinham decorrido mais de dez dias sobre a notificação àquele do relatório pericial desse exame, pelo que essa nulidade há muito que se encontrava sanada. Aliás, esse requerimento de fls. 193 a 200 apenas foi apresentado pelo apelante já depois do mesmo ter requerido esclarecimentos em relação a esse relatório pericial de que foi notificado, desses esclarecimentos terem sido deferidos, de terem sido prestados e daquele ter sido notificado desses esclarecimentos, vindo o apelante apenas suscitar essa omissão de pronúncia em relação ao incidente de suspeição antes suscitado no requerimento em que solicitou a realização de segunda perícia. Prosseguindo. Deferida a realização da segunda perícia, a fls. 147, o apelante requereu que esta fosse realizada pelo Centro de Genética Clínica. Após observância de contraditório e de solicitação de esclarecimentos ao apelante quanto ao objeto da segunda perícia a realizar (cfr. fls. 223) e de prestados esses esclarecimentos pelo último (cfr. fls. 225 e 226), por despacho proferido a fls. 227, a 1ª Instância determinou que o seguinte: “Informe (o INML) que o objeto da 2ª perícia é o mesmo da 1ª, mas realizada por outros peritos”. Esse despacho foi notificado, via Citius, ao apelante, ao apelado e ao INML em 14/03/2018, e dele decorre o indeferimento implícito da pretensão do apelante no sentido de que a segunda perícia fosse realizada pelo Centro de Genética Clínica e do incidente de suspeição que tinha sido suscitado pelo mesmo quanto aos peritos do INML, Delegação do Porto, conquanto a segunda perícia fosse realizada por peritos distintos daqueles que intervieram na primeira. Aliás, esta também foi a interpretação dada pelo próprio apelante a esse despacho conforme se vê do requerimento que apresentou a fls. 230 a 232, em que escreve: “…vem a autora AA, acabando de se aperceber, pela leitura do douto despacho ref.: … de que a segunda perícia ordenada vai ser realizada, tal como a precedente, no Serviço de Genética e Biologia Forenses da Delegação do Norte do Instituto de Medicina Legal, expor e requerer o seguinte: …”. Significa isto, que tendo o incidente de suspeição dos peritos do INML, Delegação do Porto, suscitado pelo apelante, sido decidido, por decisão proferida a fls. 227, no sentido da sua improcedência, contanto que essa segunda perícia fosse realizada por peritos dessa Delegação que fossem distintos dos que intervieram na primeira, nos termos do disposto no art. 613º, n.º 1 do CPC, ficou esgotado o poder jurisdicional da 1ª Instância quanto a essa concreta questão com a prolação dessa decisão de fls. 227. Não integrando essa decisão o elenco das decisões imediatamente recorríveis do art. 640º do CPC, a mesma apenas é impugnável no presente recurso de apelação, como de resto faz o apelante, onde coloca em crise a segunda perícia que foi realizada nos presentes autos em sede de impugnação do julgamento da matéria de direito (cfr. ponto 4.3.1), onde essa questão terá de ser apreciada e decidida. Sobre os invocados erros de direito cometidos pelo despacho de indeferimento do incidente de suspeição no qual foi também determinado que a segunda perícia fosse realizada por outros peritos da Delegação do Porto do INML, afirmou o acórdão recorrido que estas questões reconduzem-se a um pretenso erro de julgamento em sede de matéria de facto, relacionadas com a força probatória atribuída ao exame pericial e trata-a da seguinte forma: «No entanto, ao imputar erro de direito quanto à decisão de mérito proferida na sentença, sustentando que a segunda perícia que foi realizada no âmbito dos presentes autos não observa o disposto no art. 488º do CPC, por nela não poderem participar os peritos do INML por se encontrarem impedidos, “não qualquer perito individualmente considerado” desse Instituto, mas todos os peritos do INML, uma vez que este realizou a anterior perícia que foi efetuada no âmbito dos presentes autos (a primeira perícia neles realizada), bem como a que foi realizada no âmbito da ação n.º ..., concluindo que essa segunda perícia que foi realizada é nula e com ela acarreta a nulidade dos atos processuais subsequentes, inclusivamente, a sentença recorrida, requerendo, inclusivamente, que se declare nula a realização da prova pericial produzida e se determine “a realização de uma segunda perícia, através de entidade diferente da que realizou a primeira e, em consequência, declarando-se nulo todo o processado a partir do momento em que irregularmente se determinou a realização de uma segunda perícia”, o apelante mais não faz que imputar erro de direito à decisão proferida a fls. 227». (…) E dando à questão a seguinte resposta: « Logo, e em síntese, em face do que se vem dizendo, impõem-se extrair as seguintes conclusões: 1ª- os meios de prova, incluindo a prova pericial (um dos meios de prova legalmente previstos), não são meios alegatórios, mas meios probatórios, não podendo através deles as partes suprir eventuais incumprimentos do ónus alegatório que sobre si impendem quanto aos factos essenciais; 2ª – os meios de prova destinam-se a determinar a convicção do julgador no sentido de que determinadas realidades ou acontecimentos, internos ou externos, captáveis pelos sentidos, se verificaram ou não; 3ª – a prova pericial, como meio de prova que é, tem como pressuposto específico para a sua admissibilidade legal, que a perceção dessas realidades ou acontecimentos e/ou a apreciação dos mesmos reclamem conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, que não fazem parte da cultura geral ou da experiência comum e que, por isso, se deve presumir não serem acessíveis ao juiz, reclamando o recurso a peritos; e 4ª – a perícia, assim como os restantes meios de prova, apenas podem recair sobre a perceção e/ou a apreciação de factos essenciais (alegados pelas partes), complementares e/ou instrumentais. Desta feita, nos termos do art. 476º, n.º 1 do CPC, sempre que o juiz verifique que as questões de facto que as partes sugerem deverem constituir o objeto da perícia, não respeitam aos factos da causa (por não consubstanciarem factos essenciais que tenham sido alegados, ou por não consubstanciarem factos complementares ou instrumentais daqueles), tem de indeferir essas questões de facto por impertinentes; e sempre que verifique que essas questões de facto sugeridas, embora respeitem a factos da causa, não exigem conhecimentos especiais para a respetiva perceção e apreciação, terá de as indeferir por dilatórias Neste sentido, vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., vol. 2º, págs. 325 e 326, onde escrevem: “O juiz verificará se ela é impertinente, por não respeitar aos factos da causa, ou dilatória, por, respeitando embora aos factos da causa, o seu apuramento não requerer o meio de prova pericial, por não exigir os conhecimentos especiais que esta pressupõe (art. 388º do CC). Sendo a diligência impertinente ou dilatória, o juiz indefere-a e o despacho de indeferimento é recorrível, nos termos gerais”.. O pedido nas ações de investigação ou de reconhecimento da paternidade é a declaração da paternidade jurídica do réu relativamente ao filho, estabelecendo por decisão judicial a filiação que não foi estabelecida por perfilhação. Já a causa de pedir é o vínculo biológico de progenitura que pretensamente liga o réu ao filho, ou dito por outras palavras, essa causa de pedir é o facto naturalístico da procriação biológica do filho pelo réu a quem essa paternidade é imputadaGuilherme de Oliveira, “Estabelecimento da Filiação”, Petrony, 2018, pág. 211. No mesmo sentido, Acs. STJ. de 20/07/2003,Proc. 04A1974; 24/05/2012, Proc. 69/09.2TBMUR.P1.S1; RL. de 25/05/2017, Proc. 25735/15.0T8SNT.L1- 2ª, in base de dados da DGSI.. A prova dessa causa de pedir (a procriação biológica), conforme decorre do disposto nos arts. 1801º, 1871º, 349º e 351º do CC e é afirmado e reafirmado pela doutrina e pela jurisprudência pode ser feita por três vias possíveis, a saber: a) em primeiro lugar, por via de prova direta, através da realização “de exames de sangue (exames hematológicos) ou quaisquer outros métodos cientificamente comprovados”, nos termos do art. 1801º do CC, como seja recolha de material de ADN nas unhas, cabelos, pele, etc. do filho e do pretenso pai; b) em segundo lugar, por via indireta, através do recurso pelo autor a alguma das presunções legais de paternidade taxativamente enunciadas no art. 1871º do CC, em que o autor apenas tem de alegar e fazer prova dos factos base da presunção (art. 350º, n.º 1 do CC), para que uma vez feita essa prova se tenha estabelecida a paternidade biológica do réu a quem essa paternidade é imputada, contanto que este último não ilida essa presunção através da alegação e prova de factos que criem no espírito do julgador “dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado” (arts. 1878º, n.º 2 e 350º, n.º 2 do CC); e c) também por forma indireta, através do recurso a presunções naturais ou judiciais, alicerçadas em regras ou máximas da experiência, nos termos consentido pelo art. 351º do CC - é o que sucede na generalidade das causas em que não haja lugar à prova direta, através da realização de exames de sangue e em que não ocorra alguma das situações de facto que servem de substrato às aludidas presunções legais de paternidade Acs. STJ de 24/05/2012 e RL de 25/05/2017, antes já identificados.. Como é sabido, tradicionalmente não era possível fazer prova direta do facto biológica da procriação e daí que essa prova apenas fosse possível de ser realizada através do recurso a prova indirecta, fosse através de presunções legais, fosse através de presunções naturais ou judiciais. Essa circunstância, aliada ao facto do papel do homem na conceção ser um assunto mais obscuro e, por isso, mais difícil de ser provado que o parto, explica que o estabelecimento da paternidade fosse um assunto que tenha merecido (e continue a merecer) uma regulamentação mais extensa e, porventura, mais difícil que o estabelecimento da maternidade. Acontece que fruto da evolução científica, essa impossibilidade de se fazer prova direta da paternidade (e da maternidade) biológica, foi ultrapassada através dos denominados exames hematológicos e outros métodos cientificamente comprovados de estabelecimento da filiação, não admirando, por isso, que o art. 1801º do CC, tenha vindo expressamente estabelecer que “nas ações relativas à filiação são admitidas como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados” e que a doutrina e a jurisprudência tenham passado a chamar à atenção para o papel nuclear, isto é, fundamental ou essencial, desempenhado por estes meios de prova científicos nas ações de investigação da filiação, de que é exemplo o Ac. do STJ. de 16/04/1998 Ac. STJ. de 16/04/1998, BMJ. N.º 476, pág. 433., onde se afirma que “os tribunais devem procurar libertar-se, dentro das possibilidades legais, do «império» da prova testemunhal, devendo atribuir-se cada vez mais relevo às provas periciais, designadamente nas ações relativas à filiação, sobretudo quando, a competência e objetividade dos peritos, se associam meios técnicos progressivamente mais avançados, a conferir-lhes elevado grau de idoneidade e veracidade”. Este tem sido o sentido uniforme da doutrina e da jurisprudência nacionais, que não hesitam em atribuir um valor último e decisivo aos exames periciais nas ações de estabelecimento da filiação, não se coibindo em sobrelevar o valor dessa prova direta da filiação biológica alcançada através destes meios de prova em detrimento da prova indireta alcançada, designadamente, através da prova testemunhal, como acontece no Ac. STJ. de 20/07/2003, Proc. 04A1974, em que se propugna que “a causa de pedir nas ações de investigação de paternidade é constituído pelo ato gerador, já que se pretende atingir a verdade biológica. A paternidade biológica pode hoje provar-se por qualquer meio, nomeadamente científico, conforme dispõe expressamente o art. 1801º do CC. (…) note-se que as provas não têm que criar no espírito do julgador uma certeza para além de todas as dúvidas, mas tão só a possibilidade de existência do facto, tendo em consideração as regras da experiência (…). E nem se esgrima com a margem do erro científico, já que este é infinitamente menor face à prova testemunhal, mesmo sem considerar as contingências que esta encerra”. (…) Aqui chegados, os exames hematológicos, assim como os outros métodos cientificamente comprovados, permitem, no estado atual do conhecimento científico, fruto da evolução científica, a prova direta do facto naturalístico da procriação biológica, que constitui a causa de pedir nas ações de investigação da filiação, não admirando, por isso, que o art. 1801º do CC, tenha passado a admitir estes meios de prova – prova pericial – como meios de prova legalmente admissíveis neste tipo de ações e que a doutrina e a jurisprudência tenham atribuído aos mesmos um papel central, fundamental ou nuclear nas mesmas, que, na prática, secundarizam a prova indireta, seja por presunções judiciais, seja por presunções naturais ou judiciais de demonstração dessa filiação biológica e, bem assim que subalternem os outros meios de prova legalmente previstos, nomeadamente, a prova testemunhal, quando comparado com este meio de prova, que é pericial. (…) De seguida, o acórdão recorrido remete para a Lei n.º 45/2004, de 19/08, considerada lei especial em face do CPC, e que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses (artigo 1.º), determinando que essas perícias sejam realizadas obrigatoriamente nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal (artigo 2º, n.º 1), podendo ser realizadas excecionalmente por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo INML, perante a manifesta impossibilidade dos serviços daquele de as efetuarem (artigo 2º, n.º 2). Debruçando-se especificamente sobre a competência para realizar os exames e perícias no âmbito da genética, biologia e toxicologia forense, o acórdão recorrido cita o artigo 23º, n.º 1 daquela Lei, o qual determina que estes exames são obrigatoriamente solicitados à delegação do instituto da área territorial do tribunal ou da autoridade policial que os requer. De acordo com este regime legal especial que regulamenta as perícias médico-legais, estas têm de ser requisitadas à delegação do Instituto de Medicina Legal da área territorial do tribunal ou da autoridade policial que as requer. Sobre a questão dos impedimentos dos peritos, responde também o acórdão recorrido, fundamentando a sua posição com o artigo 470.º, n.º 1 do CPC, por comparação ao regime de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes, segundo os artigos 115.º a 117.º e 119.º a 126.º do CPC, desenvolvendo o tema de forma extensa e pormenorizada, concluindo o seguinte: « No caso, o exame pericial que foi realizado no âmbito da ação ordinária n.º ..., foi efetuado pelo INML, Delegação do Norte, pelos técnicos especialistas HH e II(cfr. fls. 114 a 118). Já a primeira perícia que foi realizada no âmbito dos presentes autos, foi efetuada pelo INML, Delegação do Centro, pelos especialistas superiores de medicina legal JJ e KK (cfr. fls. 178 a 182). A segunda perícia foi realizada pelo INML, Delegação do Sul, pelos especialistas superiores de medicina legal LLe EE (cfr. fls. 253 e 254). Por conseguinte, contrariamente ao pretendido pelo apelante, os peritos médicos que intervieram na realização da segunda perícia são distintos daqueles que intervieram nas perícias anteriores, não se encontrando nenhum deles impedido de intervir no exercício dessas funções de perito nos termos do disposto no art. 470º, n.º 1 ex vi art. 115º, n.º 1, al. c), ambos do CPC. Acresce que o despacho de fls. 227 agora sob sindicância não padece de nenhum erro de direito que o apelante lhe assaca, uma vez que conforme resulta do que se vem dizendo, o regime de impedimentos e de suspeições dos juízes que é aplicável aos peritos, com as necessárias adaptações (art. 470º, n.º 1 do CPC), não determina que, realizada perícia médico-legal pelo INML, fiquem impedidos de realizar a segunda perícia todos os peritos do INML, mas apenas aqueles que intervieram na realização das perícias anteriores, pelo que, como bem se decidiu nesse despacho, tal facto não impedia que a segunda perícia fosse realizada pela Delegação do Porto do INML, contanto que essa segunda perícia fosse realizada “por outros peritos”, que não intervieram nas anteriores, como foi o caso, em que, inclusivamente, a primeira perícia foi realizada por Delegação do INML distinta daquela que realizou a perícia na ação ordinária n.º ... e a segunda perícia foi realizada por Delegação do INML distinta daquelas que realizaram as duas perícias anteriores (a realizada no âmbito daquela ação ordinária e a primeira perícia realizada no âmbito dos presentes autos).» Sendo assim, fica claro que o tribunal recorrido não está viciado, em relação a qualquer uma destas questões, de nulidade por omissão de pronúncia, tendo decidido todas as questões que foram suscitadas pelo apelante. III – Ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade do acórdão recorrido em relação ao valor probatório dos exames periciais que excluem a paternidade Invoca ainda o recorrente que o acórdão recorrido, à semelhança da sentença, padece de ambiguidade ou obscuridade e ininteligibilidade, na medida em que, por um lado, aceita que o réu é excluído da paternidade, tal como consta do exame pericial junto aos autos, e, por outro lado, admite que os peritos esclareceram que a exclusão da paternidade não é absoluta devido a um fenómeno a que chamaram de “ocorrência de mutações”. Contudo, compulsada a matéria de facto acerca dos exames periciais e do depoimento dos peritos em audiência de julgamento: «13 - Resulta do Relatório Pericial de Investigação de Parentesco Biológico de fls. 182 e v.º, que “De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA Bastos Oliveira.” 14 - Resulta do Relatório Pericial de Investigação de Parentesco Biológico de fls. 253 a 254v.º, que “De acordo com os resultados obtidos, CC é excluído da paternidade de BB, filho de AA. A identificação de haplótipos distintos do cromossoma Y em CC e BB, exclui a possibilidade de pertencerem à mesma linhagem paterna, ou seja CC é excluído da paternidade que lhe é atribuída no haplótipo do cromossoma Y.”. 15- Dada a ocorrência de um fenómeno raro que pode acontecer na transmissão do património genético de pai para o filho, os exames hematológicos podem dar um resultado de exclusão de paternidade biológica do primeiro em relação ao segundo, não obstante aquele ser efetivamente pai biológico deste. 16- Apesar do referido em 15), a quantidade de perfis genéticos que foram analisados aquando da realização das periciais identificadas em 11A), 13) e 14) e o número de perfis genéticos em que ocorre incompatibilidade genética entre Autor e Réu, a possibilidade deste ser pai biológico do Autor é praticamente nula». (realce nosso) Desta matéria de facto, bem como da apreciação da fundamentação do acórdão recorrido, baseada nos depoimentos dos peritos, resulta que, não obstante a possibilidade, em abstrato, de ocorrência de mutação genética suscetível de provocar que um resultado de exclusão da paternidade não tenha valor absoluto e que o indivíduo excluído seja afinal o progenitor biológico, essa hipótese é “quase nula” no caso vertente em que foi utilizado um número elevado de marcadores genéticos. Vejamos a fundamentação do acórdão recorrido: «Em relação aos limites da teoria mendelsiana quanto à exclusão da paternidade, os esclarecimentos prestados a fls. 180 a 190 e os esclarecimentos prestados em audiência final por EE, confirmam essa limitação da dita teoria genética, corroborando, assim, que uma exclusão da paternidade dada pelo exame hematológico se pode ficar a dever a um fenómeno raro - uma mutação genética ocorrida na transmissão de genes entre pai e filho no momento da conceção -, de modo que o exame hematológico pode excluir essa paternidade biológico, quando a mesma se afirma efetivamente. No entanto, relembrando-o ao apelante, quer nos esclarecimentos prestados a fls. 189 a 190, quer nos esclarecimentos que EE prestou em audiência final, os mesmos excluíram essa possibilidade no caso presente, dada a quantidade de perfis genéticos analisados e a quantidade de incompatibilidades verificadas. Assim, lê-se a fls. 189 verso: “Só a ocorrência de mutações poderia explicar cada uma das inconsistências referidas no ponto anterior, no caso de este pretenso pai ser o pai biológico. Uma vez que cada um dos marcadores genéticos que são utilizados nestes apresenta uma baixa taxa de mutação genética (sendo por isso fenómenos raros), a possibilidade de ocorrerem onze mutações em simultâneo (em 23 marcadores estudados) é praticamente nula. Em face do exposto, os resultados obtidos permitem excluir CC da paternidade de BB, filho de AA”. No mesmo sentido pronunciou-se EE nos esclarecimentos que prestou em audiência final, em que referiu que se entre o apelante e o apelado apenas ocorressem duas incompatibilidades genéticas, não podia excluir a paternidade; que de acordo com as regras internacionais, para que se pudesse excluir a paternidade era necessário existirem mais de duas incompatibilidades genéticas; acontece que no caso, foram analisados 24 marcadores genéticos, dos quais onze deram incompatibilidade genética, o que exclui a paternidade do apelado em relação ao apelante, concluindo não ter dúvidas nenhumas em excluir a paternidade do apelado em relação ao apelante. Com relevo, aponta-se ainda os esclarecimentos prestados pelo perito LL em audiência final, esclarecimentos estes que ouvidos pela sua colega, a perita EE, foram por esta confirmados. Com efeito, MM referiu que o cromossoma Y é herdado pela linha paterna, ou seja, o cromossoma Y do apelante tinha de ser herdado pelo apelante da sua linha paterna. Ora, como o cromossoma Y do apelante é incompatível com o cromossoma Y do apelado (pretenso pai), daqui deriva que este não pode ser pai biológico daquele, sequer seu avô, etc., ou seja, todas as relações de parentesco da linha paterna. Mais referiu que a circunstância de nos três exames periciais realizados terem sido recolhidos sangue ao apelante, à mãe deste e ao apelado (pretenso pai) dá maior grau de certeza aos exames efetuados, isto porque os peritos que realizaram os exames hematológicos têm três perfis genéticos (o do apelante, o da mãe deste e o do apelado – o pretenso pai) e explicou que os marcadores genéticos recolhidos nesses três exames hematológicos, “demonstram que o perfil genético da mãe é compatível com o do filho”, concluindo que, por isso, tal facto demonstra que a colheita do sangue que serviu de base à realização desses exames hematológicos foi “bem realizada” porque, de contrário, não daria essa compatibilidade genética entre mãe e filho, o que salvo o devido respeita, na nossa perspetiva, afasta a hipótese de “batota” que é suscitada na obra acima identificada e junta aos autos pelo apelante». O acórdão recorrido conclui, portanto, que: «(…)se é certo que assiste razão ao apelante quando sustenta que a prova produzida, impõe que se conclua que o resultado de exclusão de paternidade dados pelos exames hematológicos pode ter na sua base um fenómeno raro de mutação genética ocorrida na transmissão do património genético de pai para filho, já não lhe assiste razão quando pretende que essa circunstância está na base da exclusão da paternidade do apelado em relação ao apelante, antes pelo contrário, a prova produzida, impõe que se conclua que dado o número de perfis genéticos analisados nos exames hematológicos realizados e o número de perfis genéticos em que ocorre incompatibilidade genética entre o apelante e o apelado, a possibilidade deste ser pai biológico daquele é praticamente nula».(sublinhado nosso) Mesmo tendo em conta que o tribunal recorrido aceitou, com base nos pareceres proferidos pelos peritos em audiência de julgamento, que os exames científicos de exclusão da paternidade não têm valor absoluto, e que existe uma possibilidade, ainda que quase nula, de o pretenso progenitor excluído ser afinal o pai, em virtude da ocorrência de mutações genéticas, tal não impõe ao tribunal recorrido que estabeleça a paternidade em relação ao réu com base numa probabilidade que se dirá ser, a esta luz, muito remota. E este Supremo Tribunal, ainda que aceitasse a tese do recorrente, não tem poderes para alterar o valor probatório atribuído pelo tribunal recorrido a estas declarações, pois estamos no domínio de prova sujeita a livre apreciação, não podendo o Supremo Tribunal substituir-se ao tribunal recorrido, nem para valorar de outra forma este meio de prova, nem para ordenar a repetição de novos exames, que substituíssem aqueles que já foram realizados, uma vez que foi feita nos autos uma segunda perícia, em relação à qual não se provou qualquer irregularidade, vício ou quebra de imparcialidade. Tratando-se de prova pericial, é costume distinguir entre o juízo do tribunal sobre os factos que serviram de base à perícia e o juízo do tribunal sobre a validade científica das conclusões apresentadas. Neste último ponto, será, contudo, difícil, como afirma Guilherme de Oliveira (Estabelecimento da filiação, Petrony, 2019, p. 50), que o tribunal se afaste das conclusões científicas dos peritos, desde logo porque os juízes não têm uma competência técnica equivalente. Mas, como esclarece o autor citado «(…)não está excluído que o tribunal desvalorize os resultados desde que fundamente a divergência em termos técnicos – por exemplo, se o laboratório não usou o número de marcadores recomendado pelas boas práticas internacionais, que são objeto de imposição regulamentar em alguns países; ou se, com o auxílio de outro perito, o tribunal se convence de que o exame foi realizado com material biológico degradado, ou com material biológico suscetível de ter sido misturado com o de outra pessoa no momento da colheita, como pode acontecer na colheita em fetos». E assim tem de ser, por ser esta a função de um tribunal: garantir que os exames foram feitos em boas condições técnicas, por profissionais competentes e sem a violação dos direitos de nenhum dos intervenientes. Faz sentido, neste contexto, a afirmação de que “o juiz é o perito dos peritos”, que assume um papel decisivo na interpretação da prova genética, ficando pois “a instância judicial com uma responsabilidade acrescida na interpretação e valorização da prova” (cf. António Amorim e Cíntia Alves, «Genética: Uma introdução à sua aplicação na investigação de parentescos», in Helena Machado e Susana Silva, Testes de Paternidade, Ciência, ética e sociedade, Universidade do Minho, 2013, p. 14). Reconhece este Supremo que os tribunais devem assumir um papel decisivo na apreciação deste meio de prova, sem ceder à tendência de delegar a sua competência nos exames científicos ou genéticos. Caso contrário, se o resultado do exame fosse um imperativo para o tribunal, bastaria então que a entidade competente para proceder ao reconhecimento da paternidade contra a vontade do pretenso pai fosse uma entidade administrativa de natureza médico-legal. Contudo, o legislador não quis que assim fosse, assinalando, através da reserva judicial da matéria, a importância de haver um controlo, por um terceiro imparcial, da fiabilidade e da validade destes exames, a fim de proteger as garantias dos cidadãos, sobretudo, da criança cuja paternidade está omissa. Os tribunais têm assim o dever de apurar as condições em que o exame foi feito, a competência dos peritos, se foram utilizadas ou não as metodologias, modelos ou técnicas mais modernos, etc. Como afirma a jurisprudência, «A certeza e confiabilidade do exame pericial de ADN somente se obtém se for realizado dentro dos parâmetros e condições internacionalmente exigidos» (cf. acórdão da Relação de Lisboa, de 22-09-2015, proc. n.º 8928/11.6TBOER.L2-1). Contudo, entende-se ser normal, como também afirma Guilherme de Oliveira (Estabelecimento da Filiação, ob.cit., p. 50), que, «Nos casos típicos, em que nada se pode assinalar de anormal, é difícil que o tribunal se afaste das conclusões dos peritos, tal é a credibilidade dos laboratórios nacionais e o potencial técnico dos procedimentos, quer para a exclusão de um vínculo quer para a sua afirmação». É certo que os peritos em audiência de julgamento reconheceram que o resultado de um exame de exclusão da paternidade não é, em abstrato, absoluto, mas esclareceram que, no caso concreto, a hipótese de o réu ser de facto o progenitor biológico da criança, era, na expressão de um dos peritos, “quase nula”. Neste quadro, o tribunal recorrido, valorando, no exercício do princípio da livre apreciação da prova, o “risco de erro” do exame, entendeu, que ele era de tal modo baixo, que decidiu não reconhecer a paternidade do investigado em relação ao investigante. Entendeu, assim, o tribunal recorrido, de acordo com a premissa jurisprudencial de que a paternidade só deve declarar-se quando é altamente provável, que, em face do resultado do exame, a relação paterno-filial invocada pelo autor não reunia condições para merecer um juízo de probabilidade elevado. É esta a prática judicial nesta matéria, em que, não sendo possível apurar uma verdade, negativa ou positiva, 100% garantida, prevalecem juízos de probabilidade. Nas palavras de Guilherme de Oliveira (ob. cit., p. 227), «É preciso não exceder a margem de erro admissível; só deve declarar-se a paternidade do réu quando ela é altamente provável (…)». Também a jurisprudência tem afirmado que o exame hematológico constitui neste tipo de processos autêntica «prova rainha», com virtualidade de excluir a possibilidade de o réu ser o pai do menor, ou, pelo contrário, praticamente garantir que o seria (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15-06-2004. Proc. n.º 04A1974). Em relação aos exames científicos de paternidade, como se afirma no Acórdão citado, «As provas não têm que criar no espírito do julgador uma certeza para além de todas as dúvidas, mas tão só a probabilidade bastante da existência do facto, tendo em consideração as regras de experiência comum». Tendo o Tribunal da Relação decidido com base em juízos de probabilidade, decorrentes das afirmações dos peritos ouvidos em audiência de julgamento, que afirmaram que a margem de erro do exame era quase nula, não existe qualquer obscuridade, ininteligibilidade ou ambiguidade no acórdão recorrido. As decisões judiciais de paternidade baseiam-se sempre em juízos de probabilidade e é compreensível para o cidadão comum que não esteja ao alcance do tribunal estabelecer a paternidade num caso em que o exame exclui a paternidade do réu. A margem de erro do exame, segundo os peritos, é quase nula, e seria sempre, de qualquer forma, uma margem infinitamente menor do que a possibilidade de erro do julgador em face da prova testemunhal. Sendo assim, apesar de provada a coabitação entre a mãe do autor e o réu, durante o período legal de conceção, e de funcionar uma presunção de paternidade, ao abrigo do artigo 1871.º, n.º 1, alínea c), 2.ª parte e alínea e), decidiu o tribunal recorrido – de forma inteligível, clara e sem ambiguidades – que o resultado do exame pericial ilide essa presunção, devido à existência de dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado, nos termos do artigo 1871.º, n.º 2, do Código Civil. IV – Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia quanto à modificação e ampliação da matéria de facto requerida pelo apelante Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, compete somente a aplicação, em definitivo, do regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (artigo 682º, n.º 1, do CPC). Já a Relação tem o dever de modificar a decisão sobre a matéria de facto, sempre que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC. Assim, em caso de recurso com impugnação da decisão relativa à matéria de facto (nos termos do artigo 640º do CPC), em decorrência do que dispõe este nº 1 do artigo 662º do CPC, a Relação pode e deve formar e formular a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis. Ou seja, face a esta autonomia decisória, a Relação pode formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação de provas, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida. Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo 662º do CPC impõe o dever à Relação de: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. O Supremo pode censurar o mau uso que o Tribunal da Relação tenha eventualmente feito dos seus poderes sobre a modificação da matéria de facto, bem como verificar se foi violada ou feita aplicação errada da lei de processo (artigo 674º, n.º 1, b), do CPC). Tem entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que este tribunal pode exercer censura, direta ou indireta, sobre a forma como o Tribunal da Relação exerce os seus poderes quanto à matéria de facto, nomeadamente, averiguar se a Relação excedeu os limites impostos pelo artigo 662.º do CPC (cf. Acórdão da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, de 31-03-2009, proc. n.º 09A0507). Nos termos do citado acórdão, exerce censura indireta – ou tácita – quando verificando o não uso pela Relação dos poderes de alteração ou de anulação da decisão de facto, manda ampliá-la para que constitua base suficiente para a decisão de direito ou determina a eliminação de contradições impeditivas da solução jurídica. a) Exclusividade das relações sexuais Quanto à exclusividade das relações de sexo no período legal da conceção, entendeu o acórdão recorrido que podia escusar-se a julgar essa matéria com o argumento da inutilidade da indagação. A este propósito, invoca o recorrente que estamos perante uma nulidade por omissão de pronúncia. Pergunta-se, pois: Podia ou não o acórdão recorrido escusar-se a apreciar este segmento do pedido de modificação da matéria de facto, com o argumento, que utilizou, de que a restante matéria que adotou consumia também esta? O acórdão recorrido decidiu que não tinha que apreciar esta matéria, porque era “inútil a apreciação da sindicância”, considerando que, mesmo que “se viesse a concluir assistir razão ao apelante, impondo-se alteração da matéria de facto no sentido que por ela é pretendido e que, consequentemente, no período legal da conceção daquele, o apelado manteve relações de cópula completa com a sua mãe e que o apelado o tratou como filho (…) tal circunstância seria insuscetível de alterar a decisão de mérito proferida na sentença recorrida, fosse qual fosse a situação jurídica aplicável aos autos, isto perante os resultados dos exames hematológicos realizados”. Na medida em que o acórdão recorrido conclui que não se pode considerar provada a paternidade, independentemente da prova da exclusividade das relações sexuais entre a autora (mãe) e o réu (pretenso pai), uma vez que os exames hematológicos esclarecem que está excluída a paternidade do réu, tem de se entender que não era exigível ao Tribunal da Relação exercer sobre a questão da exclusividade do relacionamento sexual os seus poderes de modificação ou de ampliação da matéria de facto, pois estaria a praticar um ato inútil, nos termos do artigo 130.º do CPC.. Sendo assim, não pode este Supremo censurar o tribunal recorrido, por ter partido de um exame científico que excluiu a paternidade com uma margem de erro quase nula, para considerar que, mesmo sendo feita a prova da exclusividade das relações sexuais entre a mãe e o pretenso pai, sempre se estaria perante uma situação em que a paternidade do réu não poderia ficar estabelecida. A atribuição de um maior probatório a um parecer técnico-científico quando comparado com a prova testemunhal, ao abrigo dos juízos de ponderação que as instâncias podem usar na livre apreciação da prova, não é sindicável por este Supremo Tribunal. A prova da exclusividade das relações sexuais entre a mãe e o pretenso pai constituía o objeto dos processos de investigação da paternidade na época anterior à década de 90, em que ainda não havia exames genéticos suscetíveis de fazer a prova positiva da paternidade, e baseava-se na prova testemunhal. Nestes processos, o investigante podia optar por fazer a prova direta da paternidade, através da demonstração da exclusividade de relações sexuais entre a mãe e o pretenso pai durante o período legal de conceção. Era a doutrina do Assento n.º 4/83: «Na falta de uma presunção legal de paternidade, cabe ao autor em ação de investigação de paternidade, fazer a prova de que a mãe, no período legal da conceção, só com o investigado manteve relações sexuais». Perante este esforço do autor, o réu podia tentar contrariá-lo em dois aspetos: por impugnação, alegando que não tinha mantido relações sexuais com a mãe do filho; por exceção, tentando mostrar que tinha havido outro homem a manter relações sexuais com a mulher, durante o período legal da conceção do filho; neste segundo caso falava-se na exceptio plurium concumbentium (Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. V, 1995). Neste quadro, a apreciação da prova testemunhal era o elemento decisivo destes processos, com a insegurança da particular fragilidade associada a este meio de prova, até porque se tratava de uma área particularmente discriminatória para as mulheres e em que a prova que lhes era dirigida era uma prova “diabólica”, por envolver a demonstração de um facto negativo: que durante o período legal de conceção a mãe do investigante não tinha tido relações sexuais com mais ninguém para além do réu. A partir de meados da década de 90, desenvolveram-se muito os exames de sangue e as suas capacidades de afirmar, com quase 100% de probabilidade, a paternidade biológica. A tradicional exceção da coabitação concorrente (exceptio plurium) deixou de ser aceite como um meio de defesa do réu. Numa primeira fase, a jurisprudência passou a fazer uma interpretação restritiva do Assento de 1983 – desde que se pudesse recorrer à prova científica, a coabitação exclusiva perdeu interesse em favor da chamada “coabitação causal” demonstrada pelos exames genéticos. A criação pela Lei n.º 21/98 de uma nova presunção legal de paternidade, estabelecida na alínea e) do n.º 1 do artigo 1871.º do CC (relações sexuais entre ao pretenso pai e a mãe durante o período legal de conceção), acabou por derrogar o Assento n.º 4/83, eliminando também a concetualização da causa de pedir na exclusividade das relações sexuais, passando a dispensar-se, assim, o arcaico e artificioso julgamento da lide em função de uma valoração do comportamento da mãe do investigante. Assim, descreve, por exemplo, o Acórdão de 23 de fevereiro de 2012 (proc. n.º 994/06.2TBVFR.P1.S19), a situação vivida nos tribunais a este propósito antes dos exames genéticos: “A investigação da paternidade na sua vertente factual resultava de uma conclusão judicial. Não existia prova directa ou científica da procriação, pelo que a constatação da paternidade resultava duma conclusão judicial: porque um homem e uma mulher tinham tido relações sexuais no período legal da concepção, não se colocando a questão de, nesse período, ter a mãe tido relações de sexo com outro homem, então o julgador era forçado a concluir que o filho dessa mulher só poderia ser filho do homem em questão”. A prova da exclusividade das relações sexuais tinha um valor mais forte do que qualquer presunção, pois permitia demonstrar a causalidade da coabitação, sem suporte de exames de sangue. Contudo, esta exclusividade não era, em si mesmo, o verdadeiro facto constitutivo de que emergia a relação jurídica de filiação paterna, mas mero facto instrumental ou indiciário da procriação biológica. Estes factos indiciários da procriação biológica, como afirma Lopes do Rego («O ónus da prova nas acções de investigação da paternidade: prova directa e indirecta do vínculo de filiação», in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume I, Coimbra Editora, 2004, p. 783) eram em muitos casos «(…) demonstrados no processo através do uso, pelas partes, de factos instrumentais ou indiciários de segundo grau, tendentes nomeadamente à indireta demonstração da “exclusividade das relações”: o “bom comportamento” da mãe, o facto de esta ser considerada, no seu meio social, “mulher séria, honesta e bem comportada” – situando-se, aliás, tais “factos” no limite dos conceitos “valorativos” ou puras “conclusões”.» Contudo, estas considerações valorativas ou indagações dentro destes processos sempre foram preconceituosas e discriminatórias para as mulheres, implicando devassas da vida privada e alegações falsas de coabitações concorrentes, dependendo a declaração ou não da paternidade do réu apenas da convicção pessoal dos juízes em relação à prova testemunhal. Não está excluído, como entende Guilherme de Oliveira (Estabelecimento da Filiação, ob. cit., p. 214), que os tribunais continuem a seguir este método quando, por qualquer razão, não disponham de exames científicos. Mas, nestes autos foram feitos dois exames periciais (para além de um outro feito no processo de averiguação oficiosa, que também excluiu a paternidade), tendo as instâncias confiado no resultado dos exames e concluído que a coabitação entre a mãe do autor e o pretenso pai não foi causal em relação à procriação. Mesmo que se trate de um erro de julgamento, não tem este Supremo poderes para o corrigir, ordenando novo julgamento ou repetição da prova. Por outro lado, a verificação ou não do requisito da exclusividade das relações sexuais sempre seria matéria de exclusiva competência das instâncias, que não poderia ser reapreciada por este Supremo, nem alterada, em sede de outro recurso que o autor viesse a interpor contra outra decisão do Tribunal da Relação que, conhecendo da impugnação da matéria de facto, considerasse a ação improcedente. A confiança nos exames genéticos, que têm a virtualidade de fazer a prova direta e positiva da paternidade com uma probabilidade próxima de 100%, permite prescindir do raciocínio lógico-dedutivo do julgador a partir de outros factos, afastando a necessidade de recorrer a um método de decisão baseado na apreciação de prova testemunhal e em presunções legais, de facto ou de experiência. Em relação à ampliação da matéria de facto solicitada pelo apelante ao tribunal recorrido, quanto à questão da exclusividade das relações sexuais entre a mãe e o pretenso pai, também não se verifica, pelos mesmos motivos atrás apontados, qualquer nulidade por omissão de pronúncia. Na ótica do tribunal recorrido, tal constituiria um ato inútil para o efeito da apreciação global da prova, pois, quer o tribunal de 1.ª instância, quer o Tribunal da Relação, já assumiram a sua posição de validar o resultado probatório do exame. Esta posição dos tribunais é a típica nestes casos, atribuindo a jurisprudência um valor decisivo e último aos exames laboratoriais. O mesmo sucede, em sentido inverso, isto é, contra o réu, como esclarece Guilherme de Oliveira (ob. cit., p. 216), e entende a jurisprudência (cf. acórdãos da Relação de Lisboa, 11-02-2003, do Supremo Tribunal de Justiça, 8-04-2003 e 23-02-2012 e da Relação do Porto, 24-10-2011), onde, mesmo que não tenha sido possível provar uma coabitação ou demonstrar que ela ocorreu no período legal de conceção, o tribunal estabelece a paternidade em relação ao réu unicamente com base no resultado positivo do exame pericial, considerando que foi feita a prova direta do facto biológico da procriação. b) Semelhanças físicas entre o investigante e o investigado Relativamente às semelhanças físicas entre o autor e o réu, afirma o acórdão recorrido que o recorrente não alegou este facto. Contudo, tem razão o recorrente que invoca ter alegado isso mesmo nos artigos 25.º e 26.º da petição, nos quais, com efeito, consta o seguinte: «25 – Por outro lado, tanto o réu como a pretensa avó paterna de BB, desde que o momento em que o conheceram, sempre disseram, que este era “a cara do pai.”; 26 – E a verdade é que, se compararmos uma foto do réu com cerca de 4/5 anos e uma foto do menor BB com idade semelhante, não há dúvidas de que estes são bastante idênticos, para não dizer que são iguais (cfr. docs. n.ºs 4 e 5 juntos que aqui se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais)». Todavia, e conforme exposto no ponto anterior, esta prova, desvinculada de um exame genético que a corrobore, torna-se irrelevante para o objeto do processo, pelo que, também aqui, a ampliação da matéria de facto se revela constituir, em face da apreciação global da prova - sempre sujeita aos critérios da livre apreciação pelas instâncias - um ato inútil (artigo 130.º do CPC), que complicaria, sem necessidade, o processo. Tem sido entendimento dominante que o Tribunal da Relação só deve modificar a matéria de facto quando, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação de documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 1ª edição, 2013, p. 224). Ou seja, a modificação da matéria de facto ou a ampliação da mesma só podem ser ordenadas quando forem indispensáveis para a decisão da questão de direito objeto do processo. Como se afirma na jurisprudência na Supremo Tribunal de Justiça: «De harmonia com o princípio da limitação a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com indiscutível relevância para a decisão da causa, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (cfr. artigo 130º do CPC). Por conseguinte, se os factos cujo julgamento é impugnado não forem susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação da decisão proferida pela 1ª instância, no plano dos factos” (Ac. STJ de 14.3.2019, Proc. nº 8765/16.16.1T8LSB.L1.S2; cfr., ainda, o Ac. STJ de 17.5.2017, proc. nº 4111/13.4TBBRG.S1, e o Ac. STJ de 11.2.2015, proc. nº 422/2001.L1.S1). Ou seja: o direito à impugnação da decisão de facto no Tribunal da Relação assume, claramente, um carácter instrumental face à decisão sobre o fundo da causa. A modificação da decisão de facto, consentida pelo nº 1 do artigo 662º do CPC, só tem sentido se se mover no âmbito das questões jurídicas em disputa e das soluções plausíveis para elas. Um entendimento contrário será lesivo dos princípios da economia e da celeridade processuais. No mesmo sentido, “(…)a possibilidade de anulação do julgamento para ampliação da decisão da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para os casos em que se revele indispensável. Não basta que os factos tenham conexão com alguma das “soluções plausíveis de direito”. (….) a Relação deve ponderar o enquadramento jurídico em face do objecto do recurso ou de outros elementos a que oficiosamente puder atender, contando também com o que possa esperar-se de uma eventual intervenção do Supremo ao abrigo do disposto no art. 682.º, nº 3” (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, ob. cit., p. 241). O Tribunal da Relação só ordena a ampliação da matéria de facto quando a considere, pois, indispensável. E ela é indispensável quando se revele necessária ou imprescindível à decisão de direito que se vai tomar na Relação e àquela que pode vir a ser tomada, eventualmente, pelo Supremo. Pelo que, num contexto em que os exames disponíveis concluíram pela exclusão da paternidade, e, aos quais as instâncias atribuíram, no exercício do seu poder de livre apreciação da prova, um peso decisivo, não padece o acórdão recorrido de qualquer nulidade por omissão de pronúncia, pelo facto de não ter conhecido da impugnação da matéria de facto ou ordenado a ampliação da matéria de facto ao tribunal de 1.ª instância. V - Indecifrabilidade das conclusões extraídas pelos peritos dos exames periciais O recorrente alegou no seu recurso de apelação que os relatórios hematológicos realizados pelo Instituto de Medicina Legal (folhas 182 vs. e 253 a 254 vs.) estão redigidos de um modo absolutamente indecifrável e que, em consequência, não podiam ter sido utilizados como meios de prova. Invoca para ilustrar a sua tese um acórdão do Tribunal Central Administrativo, Sul, datado de 06-06-2019, onde a propósito de uma perícia médica (proferida por uma junta médica destinada a avaliar o grau de incapacidade de um cidadão) se entende que os pareceres médicos devem apresentar uma descrição clara, objetiva, pormenorizada e sistematizada das observações feitas com indicação das fontes de informação e definição dos conceitos usados. Por isso, o citado acórdão do TCA Sul sustentou que a fundamentação técnico-médica é insuficiente quando não passa de um conjunto de puras conclusões aritméticas, sem o mínimo de explanação da base técnico-médica de tais conclusões, sendo, pois, “uma fundamentação meramente aparente porque insuscetível de ser compreendida em geral e/ou medicamente, de ser objeto de uma heterofiscalização da sua correção e verdade epistemológicas, e de ser objeto de uma eventual discordância racional e objetiva”. Se bem que consideremos que o citado acórdão do TCA Sul defende, em geral, uma tese correta, por ser importante que os destinatários dos pareceres técnicos os possam compreender e reconstituir o itinerário cognitivo percorrido pelo perito, não podemos deixar de reconhecer que, no caso dos autos, os peritos foram ouvidos na audiência de julgamento e prestaram esses esclarecimentos ao tribunal e às partes. A prova pericial tem por objetivo a perceção ou a apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (art. 388.º do Código Civil). Neste contexto da prova pericial, estamos no domínio da livre apreciação da prova. Conforme resulta dos artigos 489.º do Código de Processo Civil (CPC) e 389.º do Código Civil, em direito processual civil, a perícia é livremente apreciada pelo tribunal, diversamente do processo penal, em que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído a livre apreciação do juiz, devendo este fundamentar a divergência, sempre que a sua convicção seja distinta do juízo contido no parecer dos peritos (artigo 163.º do Código de Processo Penal). Também assim tem entendido a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça (cf. acórdão deste Supremo Tribunal, de 30-10-2002, proc. n.º 02S1579): «Os juízos pessoais, periciais, mesmo no domínio dos documentos autênticos, estão sujeitos à livre apreciação do julgador». Em consequência, porque não estamos no domínio de prova vinculada – o único em que este Supremo tem poderes para intervir – não é possível alterar o valor que o tribunal recorrido deu ao exame que excluiu a paternidade do réu, agora recorrido. A prova pericial está sujeita, como qualquer outra, ao princípio da audiência contraditória, nos termos dos artigos 485 e 486.º do CPC, e é possível pedir segunda perícia (artigo 487.º do CPC), desde que a parte interessada alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, nos termos do n.º 1 do artigo 484.º do CPC. Foi o que sucedeu no caso sub judice, tendo sido realizada uma segunda perícia, por profissionais distintos dos que realizaram a primeira e utilizando um maior número de marcadores genéticos, que, contudo, apresentou o mesmo resultado da primeira: a exclusão da paternidade do réu. Os peritos foram ouvidos, ainda, em audiência de julgamento para esclarecer o tribunal acerca das dúvidas levantadas pelo recorrente. Sendo assim, foram observados os mecanismos legais para suprir a tecnicidade e a complexidade do relatório do exame pericial e permitir que os leigos também o possam compreender, bem como para suprir eventuais erros ou deficiências da primeira perícia. No quadro descrito – repetição do exame e audição dos peritos em audiência de julgamento – foram realizados os instrumentos necessários à procura da verdade material, não se verificando uma situação que excecionalmente competiria a este Supremo Tribunal sindicar. Concluindo: no caso dos autos, as questões levantadas em torno dos exames periciais que excluíram a paternidade do réu não se analisam no contexto da norma invocada pelo recorrente – o artigo 674.º, n.º 3, do CPC – uma vez que a prova pericial, em processo civil, é de livre apreciação do juiz, não podendo este Supremo alterar o valor probatório atribuído, pelo tribunal recorrido, a estes exames e aos esclarecimentos dos peritos em audiência de julgamento. VI – Realização de uma segunda perícia por entidade diferente da que realizou a primeira Entende o recorrente que os exames hematológicos são nulos por não terem sido realizados por uma entidade diferente da que realizou a primeira perícia, conforme requerido durante o processo, defendendo que não basta, para garantir a isenção da segunda perícia, que seja realizada por peritos distintos. Mas a lei, permitindo uma segunda perícia nos casos em que haja dúvidas em relação ao resultado do exame, não impõe que esta seja realizada por entidade diferente da que realizou a primeira, impondo apenas, como garantia de imparcialidade, que os peritos que realizam a segunda sejam pessoas distintas daquelas que efetuaram a primeira perícia. Vejamos: Nos termos do artigo 467º, n.º 1, do CPC, “A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizado por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte». No seu n.º 3 este preceito acrescenta que “As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta”. Deste modo, a perícia tem de ser realizada por estabelecimento, laboratório ou serviço oficial adequado, exceto no caso de impossibilidade ou de inconveniência. Essa “impossibilidade” pode ser natural (inexistência de estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado para realizar a perícia) ou jurídica (como acontece quando o Estado ou outra pessoa coletiva pública é parte da causa onde se impõe realizar a perícia). A “inconveniência” tem de alicerçar-se em factos concretos demonstrativos daquela, como a distância entre o tribunal e a entidade oficial, a existência de perito de renome, a possibilidade de obtenção mais célere de relatório pericial, etc. (cf. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2ª, Coimbra Editora, 2001, p. 491). Tratando-se de perícia médico-legal, como é o caso dos exames hematológicos ou mediante recurso a outros métodos cientificamente comprovados aptos a fazer prova direta da filiação biológica, em que são reclamados conhecimentos científicos especiais na área médica e da genética, esses exames têm de ser realizados pelos serviços médico-legais, nos termos previstos no diploma que as regulamenta. Este diploma regulamentar é a Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses (artigo 1º), que determina que essas perícias são realizadas obrigatoriamente nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal (artigo 2º, n.º 1), podendo ser realizadas excecionalmente por entidades terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo INML, perante a manifesta impossibilidade dos serviços daquele de as efetuarem (artigo 2º, n.º 2). O artigo 21º, n.º 4 desse diploma estabelece que “dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto, deverá ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares, ficando as perícias colegiais previstas no CPC reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada”. Debruçando-se especificamente sobre a competência para realizar os exames e perícias no âmbito da genética, biologia e toxicologia forense, o artigo 23º, n.º 1, da Lei 45/2004 determina que estes são obrigatoriamente solicitados à delegação do instituto da área territorial do tribunal ou da autoridade policial que os requer. Deste modo, conforme resulta da conjugação do disposto nos enunciados artigos 467º, n.ºs 1 e 2, do CPC, com o regime jurídico da Lei n.º 45/2004, impõe-se concluir que em sede de perícias médico-legais, esta lei se apresenta especial em relação ao regime geral enunciado no Código de Processo Civil e como tal é o respetivo regime especial o aplicável às perícias médico-legais. De acordo com este regime legal especial que regulamenta as perícias médico-legais, estas não só têm de ser requisitadas à delegação do Instituto de Medicina Legal da área territorial do tribunal ou da autoridade policial que as requer, por ser quem tem competência material para as realizar, como, quer se trate de primeira perícia, quer de segunda, são em regra, efetuadas por um único perito-médico do quadro do Instituto de Medicina Legal ou por este contratado nos termos da Lei n.º 45/2004 (artigo 27º, n.º 1) ou, eventualmente, por docentes ou investigadores do ensino superior no âmbito dos protocolos celebrados para o efeito pelo Instituto com instituições de ensino públicas ou privadas (artigo 27º, n.º 2, da Lei 45/2004). As perícias médico-legais, em matéria cível, só são colegiais, quando o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada (artigo 21º, n.º 4, da Lei 45/2004), mas, neste caso, continuam a ser efetuadas por peritos do quadro do Instituto ou por ele contratados ou docente ou investigador do ensino superior nos termos atrás referidos (cf. acórdãos da Relação de ..., de 26/03/2015, Proc. 11/13.6TBCBT-A.G1; Relação do Porto, de 04/02/2010, Proc. 201/06.8TBMCD.P1; Relação de Lisboa, de 17/03/2016, Proc. 4713/15.4T8FNC-A.L1-2). Com vista a dignificar a função de perito, a lei exige garantias de imparcialidade deste, estabelecendo expressamente o n.º 1 do artigo 470º do CPC que é aplicável aos peritos “o regime de impedimentos e suspeições que vigora para os juízes, com as necessárias adaptações”. O regime de impedimentos e suspeições dos juízes consta dos artigos 115º a 117º e 119º a 126º do CPC. Está em causa o fundamento do impedimento previsto no artigo 115º, n.º1, al. c), do CPC, em que se estabelece que “nenhum juiz pode exercer as suas funções, em jurisdição contenciosa ou voluntária, quando tenha intervindo na causa como mandatário ou perito ou quando haja que decidir questão sobre que tenha dado parecer ou se tenha pronunciado, ainda que oralmente”. Desta feita, tal como acontece com os juízes, por via da remissão do n.º 1 do artigo 470º, nenhuma pessoa pode intervir como perito numa causa em que já tenha intervindo como mandatário ou perito ou quando tenha de emitir parecer pericial sobre questão a respeito da qual tenha já emitido parecer anterior ou se tenha pronunciado, ainda que oralmente. Note-se que contrariamente àquela que é a posição do recorrente, com este regime legal visa-se dignificar as funções de perito e garantir a independência e imparcialidade da pessoa que é convocada a exercer essas funções, estando em causa a independência e imparcialidade da própria pessoa que é convocada a desempenhar as funções de perito e não do organismo público para o qual essa pessoa desempenha as suas funções e no âmbito das quais é convocada a exercer as funções de perito. Sendo assim, tal como decidiu o acórdão recorrido, pensamos que a circunstância de determinados peritos do INML terem realizado o exame pericial de investigação de parentesco biológico do recorrido em relação ao recorrente, no âmbito dos autos de ação ordinária n.º ... e, bem assim terem realizado essa perícia, no âmbito dos presentes autos (a primeira perícia nele realizada), não determina que todos os peritos daquele Instituto fiquem impedidos de realizar a segunda perícia. Impedidos estarão apenas aqueles que exerceram as funções de perito nos exames periciais realizados anteriormente. Em relação aos restantes peritos do IML, que não intervieram nas perícias anteriores, nenhuma quebra de independência e de imparcialidade se verifica. No caso, como esclarece o acórdão recorrido, o exame pericial que foi realizado no âmbito da ação ordinária n.º ..., foi efetuado pelo INML, Delegação do Norte, pelos técnicos especialistas HH e II(cfr. fls. 114 a 118). Já a primeira perícia, que foi realizada no âmbito dos presentes autos, foi efetuada pelo INML, Delegação do Centro, pelos especialistas superiores de medicina legal JJ e KK (cfr. fls. 178 a 182). A segunda perícia foi realizada pelo INML, Delegação do Sul, pelos especialistas superiores de medicina legal LL e EE (cfr. fls. 253 e 254). Por conseguinte, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, os peritos médicos que intervieram na realização da segunda perícia são distintos daqueles que intervieram nas perícias anteriores, não se encontrando nenhum deles impedido de intervir no exercício dessas funções de perito nos termos do disposto no artigo 470º, n.º 1 ex vi art. 115º, n.º 1, al. c), ambos do CPC. Em consequência, não incorreu o acórdão recorrido em qualquer erro de direito, uma vez que o regime de impedimentos e de suspeições dos juízes que é aplicável aos peritos, com as necessárias adaptações (artigo 470º, n.º 1, do CPC), não determina que, realizada perícia médico-legal pelo INML, fiquem impedidos de realizar a segunda perícia todos os peritos do INML, mas apenas aqueles que intervieram na realização das perícias anteriores, pelo que tal facto não impedia que a segunda perícia fosse realizada pela Delegação do Porto do INML. De acordo com a lei, basta, para garantir a imparcialidade dos peritos, que essa segunda perícia seja realizada “por outros peritos”, que não tenham participado nas perícias anteriores, como foi o caso. Acresce que a primeira perícia foi realizada por Delegação do INML distinta daquela que realizou a perícia na ação ordinária n.º ... e a segunda perícia feita nestes autos foi realizada por Delegação do INML distinta daquelas que realizaram as duas perícias anteriores (no âmbito da ação ordinária n.º ... e a primeira perícia realizada no âmbito dos presentes autos). Resulta, pois, que os exames periciais foram feitos, observando-se as garantias de imparcialidade legalmente exigidas, e não padecem de qualquer nulidade, suscetível de tornar exigível a sua repetição. VII – Do estabelecimento da paternidade Entende o recorrente que este Supremo Tribunal deve considerar a paternidade estabelecida por dispor de factualidade suficiente para assim concluir, conforme alegado nas conclusões 25.ª e 26.ª. Baseia-se o recorrente na invocada exclusividade das relações de sexo no período legal da conceção, remetendo para a prova testemunhal constante dos autos, concluindo que se deduz do assento n.º 4/83, a contrario sensu, que a fidelidade da mãe do autor ao réu está provada no presente processo. Prossegue, afirmando que ninguém questionou ao longo do processo a fidelidade da mãe ao pretenso pai no período legal da conceção, nenhuma alegação do réu na sua contestação foi feita a este respeito, nem posteriormente foi suscitada qualquer dúvida quanto a essa fidelidade, nem nenhuma testemunha depôs no sentido de essa fidelidade ser posta em causa, pelo que este Supremo teria de considerar provada no processo a fidelidade da mãe ao pretenso pai no período legal da conceção e daí tirar a conclusão quanto ao estabelecimento da paternidade por prova direta. Mas não tem razão. Em primeiro lugar, as instâncias consideraram este facto como não provado. Em segundo lugar, as competências deste Supremo Tribunal, como foi já salientado, são muito restritas quanto à matéria de facto, podendo apenas alterar a factualidade provada e não provada quando o tribunal recorrido não respeitou as regras da prova vinculada (artigo 674.º, n.º 3, do CPC), mas não quando se trata de factos apenas suportados pela prova testemunhal, cuja avaliação e ponderação pertence apenas às instâncias. Com efeito, está vedado ao Supremo desempenhar esta função, substituindo-se à Relação, na medida em que tal envolveria a reapreciação de meios de prova da exclusiva competência das instâncias. Todavia, excecionalmente, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça: i) Pode corrigir qualquer "erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa" se houver ofensa pelo tribunal recorrido de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova (prova tarifada ou legal), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682º, nº 2, e 674º, nº 3, do Código de Processo Civil; ii) Intervém na decisão sobre a matéria de facto, quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do nº 3 do artigo 682º do Código de Processo Civil; iii) Tem intervenção na decisão sobre a matéria de facto se considerar que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos do referido nº 3 do artigo 682º do Código de Processo Civil. Em síntese: - Às instâncias compete apurar a factualidade relevante; - Com carácter residual, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça destina-se a averiguar da observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes. Na jurisprudência sempre se levantou a questão de saber até onde pode o tribunal de revista corrigir a decisão dos tribunais de instância sobre a existência do vínculo da filiação. As dúvidas surgem, sobretudo, nos casos em que não é viável a prova direta do facto biológico da procriação, como no caso dos autos, e em que a demonstração judicial da existência do vínculo se faz por presunções, em cuja formulação a lei recorre a conceitos jurídicos (“posse de estado”, “comunhão duradoura de vida em condições análogas às dos cônjuges”, “concubinato duradouro”). O fenómeno da procriação é um facto, mas a convicção acerca desse facto só pode em regra alegar-se, na ordem decisória, com base em juízos de experiência (ilações ou presunções) ou até em conceitos jurídicos. A este propósito, o assento de 25 de julho de 1978 (BMJ n.º 279, p. 79) proferiu a seguinte doutrina: «A averiguação da filiação biológica constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias». Este assento significa que não há recurso de revista contra a decisão proferida sobre os factos que interessam à ação. O recurso de revista, na medida em que incide apenas sobre questões de direito, pode incidir apenas sobre a questão de saber se os conceitos jurídicos de que o artigo 1871.º, n.º 1, do Código Civil se serve, para definir as diversas situações típicas de facto que funcionam como base das presunções legais de paternidade, estão ou não devidamente preenchidos. Relativamente aos factos base das presunções legais de paternidade, fixadas no artigo 1871.º, n.º 1, do Código Civil, ficou provado: a) Que o pretenso pai e mãe mantiveram relações de sexo no período legal da conceção (facto provado n.º 4) b) Que o réu visitou o investigante no hospital e em casa da mãe após o nascimento do menor (facto provado n.º 9) Apreciando: Relativamente à circunstância de o réu ter visitado o autor no hospital aquando do seu nascimento e depois em casa da mãe, não se pode considerar ter havido posse de estado, pois este conceito para estar preenchido exige, como tem sido entendimento da doutrina e da jurisprudência, a existência cumulativa dos seguintes requisitos: a) reputação como filho pelo pretenso pai; b) tratamento como filho pelo pretenso pai; c) reputação como filho pelo público. O primeiro elemento consiste na convicção íntima que o pai tem que determinada pessoa é seu filho; o segundo, em o pretenso pai dispensar a essa pessoa os cuidados e proteção que os pais costumam manifestar em relação aos filhos; o terceiro, em o público revelar a sua convicção de que o investigante é filho do investigado. Mas a existência destes requisitos não pode ter por referência um momento temporal pontual e isolado. O preenchimento do conceito de posse de estado exige uma certa durabilidade ou estabilidade, ou, pelo menos, um mínimo de permanência no tempo, que não se pode considerar, no quadro factual dos autos, como verificado. O tratamento como filho, aqui, surge circunscrito ao momento do nascimento, tendo sido de imediato revogado após a realização de um exame genético que o réu mandou vir da internet, e que, embora não reunisse condições para fazer prova da ausência de vínculo biológico por falta de condições técnicas para tal, teve a virtualidade de modificar a atitude do réu e portanto de impedir a formação de posse de estado cujos factos-base tinham tido início no momento do nascimento.. No caso vertente, como consideraram as instâncias, ficaram demonstrados os factos-base de duas presunções: 1 – Quando, durante o período legal da conceção do filho tenha existido (…) concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai – conceito jurídico que não exige coabitação nem que o relacionamento sexual seja de longa duração (artigo 1871.º, n.º 1, al. al. c)); 2 – Quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal da conceção (artigo 1871.º, n.º 1, al. e)). As presunções legais estabelecidas na lei não têm caráter taxativo e são verdadeiras presunções legais, com valor probatório especialmente fixado na lei. Nos termos gerais do direito civil, as presunções legais podem ser ilididas “mediante prova em contrário” (artigo 350.º, n.º 2). No caso particular da investigação de paternidade, o legislador português desviou-se desta regra geral e admitiu que o réu possa ilidir a presunção legal de paternidade com alegações de que resultem dúvidas sérias acerca da paternidade; não se exige do réu a prova de que não é o pai. Estas presunções legais são, portanto, híbridas, na medida em que para serem ilididas não exigem a prova do contrário, mas somente a existência de dúvidas sérias no espírito do julgador sobre a paternidade do investigado. As “dúvidas sérias” resultam de circunstâncias que enfraquecem uma grande probabilidade de o réu ser o pai. Neste sentido, o estabelecimento judicial da paternidade através da presunção é compatível com uma dúvida acerca da paternidade, mas não é compatível com uma “dúvida séria”, que eleva o risco de erro judiciário para além do razoável. Ora, no caso vertente, os dois exames feitos no IML, nestes autos, deram um resultado negativo, ou seja, excluíram a paternidade. A valoração do resultado destes exames pelas instâncias é matéria de livre apreciação da prova não sindicável por este Supremo Tribunal, como vimos, e considerar que um exame, que exclui a paternidade, coloca dúvidas sérias sobre essa paternidade, não viola qualquer princípio ou norma de direito substantivo, ou qualquer critério probatório que competisse a este Supremo sindicar. No caso vertente, ficou provado que o pretenso pai e mãe mantiveram relações de sexo no período legal da conceção. Mas as instâncias incluíram entre os factos não provados a exclusividade dessas relações sexuais e atribuíram ao exame pericial, que excluiu a paternidade do réu, um peso decisivo para fundamentar a improcedência da ação. Pelo que, neste quadro probatório vindo das instâncias, o Supremo Tribunal de Justiça, por falta de poderes para tal, não pode considerar estabelecida a paternidade em relação ao réu, agora recorrido. Acresce que, também não se verificam os requisitos para que o Supremo exerça oficiosamente a sua competência para ordenar ao tribunal recorrido a ampliação da matéria de facto, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, do CPC, designadamente, quando aprecia a suficiência ou (in)suficiência da matéria de facto provada ou não provada, em ordem a constituir base para a decisão de direito. Não estamos, pois, perante uma das situações excecionais em que o Supremo pode sindicar o julgamento no plano dos factos, determinando a remessa dos autos à Relação para se proceder à ampliação da matéria de facto. A faculdade para ordenar a ampliação da matéria de facto contida no artigo 682.º, n.º 3, do CPC apenas pode ser exercida quando as instâncias selecionem imperfeitamente a matéria de facto, amputando-a, assim, de elementos que consideram dispensáveis mas que se verifica serem indispensáveis para o Supremo Tribunal de Justiça definir o direito (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-01-2003, proc. n.º 02B4021). O Supremo só pode, portanto, ordenar a ampliação da matéria de facto se tal medida for necessária para constituir base suficiente para a decisão de direito, ou se ocorrerem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito (artigo 682.º, n.º 3, do CPC). Este Supremo Tribunal de Justiça, na decisão de ordenar ao tribunal recorrido a ampliação da matéria de facto, está, portanto, limitado por um critério de necessidade ou de indispensabilidade dessa ampliação para suprir omissões ou corrigir contradições, só podendo fazê-lo se a matéria de facto for insuficiente para a decisão, isto é, se os factos que o recorrente pretende demonstrar forem indispensáveis para a resolução da questão objeto do processo. Como já se enunciava no acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de março de 1989 (proc. n.º 077289), «A faculdade que permite ao Supremo Tribunal de Justiça mandar ampliar a matéria de facto, não é ou não constitui uma medida a ser aplicada discricionariamente pois tem limites a vincular a respectiva concretização: para além dos factos a averiguar deverem ter sido articulados, importa verificar se eles são susceptíveis de impedir, uma vez provados a decisão jurídica tomada nas instâncias». Como afirma Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, p. 349), «Quando entender que a correta decisão da causa está prejudicada pela omissão de factos tidos por relevantes ou pela constatação de que a decisão da matéria de facto fixada pela Relação está eivada de contradições (art. 682.º, n.º 3), o STJ assume-se verdadeiramente como tribunal de cassação, o que, para além da detecção das referidas irregularidades, implica a definição do direito aplicável ao caso (art. 683.º, n.º 1)». Sendo assim, não se decreta a ampliação da matéria de facto, por falta de verificação dos pressupostos legais. Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação de recurso do recorrente. III – Decisão Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, independentemente do apoio judiciário de que beneficie. Supremo Tribunal de Justiça, 2 de junho de 2020 Maria Clara Sottomayor (Relatora) Nos termos do artigo 15.º-A do DL 20/2020, de 1 de maio, declaro que votam em conformidade os Juízes Conselheiros Alexandre Reis (1.º Adjunto) e Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto).

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