I. O prazo (quanto à sua duração) para interposição de recurso subordinado é o que resulta do regime previsto no art.º 638.º, n.ºs 1 e 7 do CPC, sendo independente do prazo (quanto à sua duração) para interposição do recurso principal. II. Não é admissível a revista, na parte em que tem por objeto o inconformismo do recorrente quanto à avaliação que a primeira instância, sem manifestação de discordância por parte da Relação, fez de meios de prova sujeitos a livre apreciação pelo tribunal (depoimentos de testemunhas e declarações de parte não confessórias, conjugados com croquis policial e documentos particulares), pretendendo o recorrente que o STJ se substitua às instâncias e emita o seu próprio juízo probatório, quando do teor das alegações não se evidencia qualquer “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (n.º 3 do art.º 674.º do CPC). III. O art.º 505.º do Código Civil deve ser objeto de uma interpretação atualista, admitindo-se que, atendendo às circunstâncias concretas do sinistro, a responsabilidade pelo risco inerente à circulação do veículo lesante fundamente, em maior ou menor proporção, a indemnização do lesado, ainda que este tenha contribuído, com culpa, para a ocorrência do acidente. IV. Não deve ser totalmente excluída a responsabilidade pelo risco inerente à circulação do automóvel lesante, em virtude da culpa do lesado, quando este é um motociclista que, surpreendido pela presença, após uma curva, de um automóvel que, vindo em sentido contrário, ocupava parte da hemifaixa de rodagem em que circulava o motociclo, a fim de ultrapassar uma fila de automóveis estacionados que ocupavam parcialmente a parte direita da hemifaixa de rodagem por onde o automóvel transitava, atento o seu sentido de marcha, deixando livres 2,15 m da hemifaixa esquerda, atento o sentido de marcha do automóvel (ou seja, ficavam livres 2,15m da hemifaixa por onde circulava o motociclo), procurou evitar a colisão guinando o motociclo para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, com o fito de tentar alcançar um espaço livre de acesso à garagem de um edifício (um hospital), ocupando a hemifaixa destinada à circulação em sentido contrário, assim causando o embate com o automóvel, que por sua vez guinara para o lado direito, atento o seu sentido de marcha (do automóvel).
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA intentou ação declarativa de condenação na forma comum contra Liberty Seguros, S.A. O A. alegou, em essência, os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu em virtude de acidente de viação ocorrido no dia ...de julho de 2017, em que foram intervenientes o motociclo com a matrícula ..-GC-.., conduzido por si e a si pertencente, e o veículo automóvel com a matrícula ..-..-LZ, pertencente a BB e na ocasião conduzido por CC, cuja ocorrência imputa à conduta culposa deste último, mais alegando que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros por este veículo LZ estava transferida para a R., mediante contrato de seguro. O A. concluiu pedindo a condenação da R.: a) A pagar-lhe a quantia de € 263 448,75, a título de danos patrimoniais futuros e dano biológico; b) A pagar-lhe a quantia de € 25 000,00, a título de danos de natureza não patrimonial; c) A pagar-lhe a quantia de € 3 145,48, a título de outros danos patrimoniais; d) A pagar-lhe os juros moratórios, calculados à taxa legal anual de 4% sobre o montante global a indemnizar, contados da data da citação até integral e efetivo pagamento. 2. A R. apresentou contestação, impugnando a dinâmica do acidente descrita pelo A. e imputando a este culpa exclusiva pela ocorrência do sinistro. Mais impugnou, por desconhecimento, os danos alegados na petição inicial. Concluiu pela sua absolvição dos pedidos. 3. Os autos prosseguiram os seus termos e, concluída a audiência final, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção intentada pelo autor AA e, em consequência, condeno a ré Liberty Seguros, SA, a pagar-lhe: - a quantia de € 22.750,00 (vinte e dois mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; e - a quantia de € 53.629,66 (cinquenta e três mil, seiscentos e vinte e nove euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar da data citação e até integral pagamento; - absolvendo-a do restante pedido; As custas serão suportadas por autor e ré, na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC)”. 4. Tendo a R. interposto recurso de apelação e, subordinadamente, também o A., veio a ser proferido acórdão que culminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, acorda-se no seguinte: - em não admitir o recurso subordinado interposto pelo autor; - em julgar procedente o recurso interposto pela ré e, revogando a sentença recorrida, absolver a ré do pedido. Custas da acção, do recurso da ré e do recurso subordinado a cargo do autor”. 5. O A. interpôs recurso de revista desse acórdão, tendo apresentado alegação em que formulou as seguintes conclusões: A – O recurso subordinado não é um recurso autónomo, embora tenha regras próprias, é sempre dependente do recurso principal, como se extrai do disposto pelo n.º 3 do art.º 633º do Cód. Proc. Civil. B – Dispondo o recorrente no recurso principal do prazo de 40 (quarenta) dias para recorrer, por ter impugnado a decisão de facto com recurso a reapreciação de prova gravada, dispõe o recorrido de igual prazo para responder às alegações do recurso e, simultaneamente, interpor o recurso subordinado, ainda que nesse recurso subordinado não esteja em causa a reapreciação de prova gravada, pois o prazo para a sua interposição só se inicia com a notificação da apresentação do recurso principal (artigo 633º n.º 2 do C.P.C.). C – O créscimo do prazo de recurso a que alude o n.º 7 do artigo 638º do C.P.C., apenas se refere ao prazo de interposição do recurso principal e não ao prazo de interposição do recurso subordinado. D – Com efeito, o prazo para a interposição do recurso subordinado, com respectivas alegações e conclusões, tem de ser igual ao prazo de resposta às alegações do recorrente principal, ou seja, se o prazo de recurso é de 40 dias, por incidir sobre a reapreciação da matéria de facto, é igualmente de 40 dias o prazo para o recorrido apresentar as suas contra-alegações e interpor o recurso subordinado, tendo em conta os princípios da igualdade das partes e de economia processual, contando-se a partir da data da notificação da interposição do recurso à parte contrária. E – Este entendimento é o que resulta da vontade do legislador expressa no preâmbulo do Cód. Proc. Civil, o qual tem por finalidade a concentração em momentos processuais únicos dos atos processuais de interposição de recurso e apresentação de alegações e dos despachos de admissão e expedição do recurso, sendo o mais consentâneo com a aplicação concertada do regime legal decorrente dos artigos 130º, 633º e 638º do Cód. Proc. Civil. F - Seria absolutamente desprovido de senso obrigar o recorrido a apresentar duas peças processuais, em dois momentos processuais distintos, podendo até levar a apreciações contraditórias entre si se não fossem apreciadas em conjunto pela sua globalidade. O que violaria, igualmente, o espírito da Lei e o carácter dependente (ao recurso principal) do recurso subordinado. G – E mesmo que assim se não entendesse, a verdade é que nas conclusões de recurso formuladas pelo Autor foi expressamente referido que: “G - Da conjugação do teor das declarações prestadas pelo Autor relativamente às circunstâncias em que ocorreu o acidente com o posicionamento dos veículos retratado no croquis do auto de ocorrência da PSP, em que se denota uma posição ligeiramente oblíqua do LZ a encaminhar-se para a direita da via de rodagem (encontrando-se a roda dianteira da direita a 2,5m e a roda traseira direita a 2,8m da berma do seu lado direito), libertando então parte da hemifaixa mais à direita, atento o sentido em que circulava o motociclo GC, é possível concluir que o condutor do veículo matrícula ..-..-LZ desviou igualmente a trajectória deste para a direita, atento o seu sentido de marcha, vindo a ocorrer o embate entre a parte frontal direita do referido veículo com a frente do motociclo conduzido pelo autor.” H – Ou seja, é manifesto que a apreciação do mérito do recurso subordinado interposto pelo Autor visa igualmente a reapreciação da prova gravada, no que se refere ao depoimento prestado em audiência de julgamento pelo Autor relativamente às circunstâncias do acidente, pelo que sempre seria de admitir o recurso ou convidar o recorrente a identificar o excerto da gravação que pretendia ver reapreciado. I - Tendo a decisão de não conhecimento do recurso subordinado, com fundamento em extemporaneidade, sido proferida em acórdão da Secção do Tribunal da Relação e não em decisão singular do Juiz Relator, do decidido não cabe reclamação para a conferência da Relação mas sim recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo o Recurso de Revista o meio processual de reação contra o decidido no acórdão. J - Sem prescindir, e dado que o acórdão recorrido conheceu ainda do mérito do recurso principal, no sentido da sua procedência e pela consequente revogação da sentença proferida na 1ª instância, cabe igualmente recurso de revista do acórdão proferido. Dito isto, e quanto à bondade do acórdão relativamente ao decidido no recurso principal, salvo o devido respeito pelo entendimento contrário, o desacerto do decido peca por injusto e irrazoável porquanto: K – Face à dinâmica do sinistro, quando o Autor avistou o veículo ..-..-LZ e tomou a decisão de guinar o motociclo para a esquerda na desesperada tentativa de alcançar a rampa de acesso ao hospital, fê-lo porque não só se apercebeu de que aquele não estava a imobilizar a macha como não tinha espaço livre e disponível para passar prosseguindo para sua hemi-faixa. L - Da matéria de facto julgada por provada em ambas as instâncias resulta que o veículo automóvel ..-..-LZ seguro pela Ré invadiu a faixa de rodagem do Autor em, pelo menos, 1,20m. M – No entanto, as medidas obtidas ao local do acidente e constantes do auto da ocorrência elaborado pela PSP foram obtidas após o sinistro e quando os dois veículos já se encontravam imobilizados na via, por isso, atestam apenas a posição final dos veículos após o embate relativamente à via de rodagem e não têm a virtude nem a capacidade de demonstrar a posição inicial, isto é, o ponto ou a medida de ocupação da faixa de rodagem em que cada um circulava no momento em que se avistaram imediatamente antes ao embate. N – Da conjugação do teor das declarações prestadas pelo Autor relativamente às circunstâncias em que ocorreu o acidente com o posicionamento dos veículos retratado no croquis do auto de ocorrência da PSP, em que se denota uma posição ligeiramente oblíqua do ..-..-LZ a encaminhar-se para a direita da via de rodagem (encontrando-se a roda dianteira da direita a 2,5m e a roda traseira direita a 2,8m da berma do seu lado direito), libertando então parte da hemifaixa mais à esquerda em que circulava o motociclo GC, é possível concluir que o condutor do ..-..-LZ desviou igualmente a trajectória deste para a direita, atento o seu sentido de marcha, vindo a ocorrer o embate entre a parte frontal direita do referido veículo com a frente do motociclo conduzido pelo autor. O - Ou seja, o automóvel LZ estaria a circular ainda mais à esquerda (atento o seu sentido de marcha), ocupando uma área ainda maior da faixa de rodagem destinada ao sentido da circulação em que seguia o motociclo GC, relativamente àquela cujas medidas da via foram obtidas após a sua imobilização, e a partir das quais é possível determinar o posicionamento de LZ nos cinco metros anteriores ao do ponto do embate, isto é, recuando esta distância e tendo por base o distanciamento de cada um dos eixos relativamente à berma da sua faixa de rodagem teremos uma projeção dessa circulação a 4,18m da berma da direita, atento o seu sentido de marcha. P – Ora, tendo presente que a largura total da via é de 6,70m, destinando-se 3,35m para cada hemifaixa de rodagem, tal significa que o LZ ao circular a 4,18m da berma, acrescendo ainda a área da sua largura que é de 1, 75m (sem incluir a abertura dos dois espelhos retrovisores, o que faria acrescer mais cerca de 30cm), teremos então uma invasão total de 5,93m, consequentemente, da largura da via de 6,70m, ao Autor apenas restariam 0,77m livres para tentar a sua passagem, sem esquecer que a largura do motociclo é de 0,870m. Q - É, pois, seguro e coerente afirmar-se que quando o condutor do motociclo realizou a curva para a direita para entrar na continuidade da sua faixa de rodagem e se deparou com o ..-..-LZ, nesse momento a hemifaixa do motociclo estava mesma com a circulação do LZ em contramão, a dirigir-se ao seu encontro, sem deter a marcha e, nesse seguimento, em ato reflexo da defesa, o Autor reagiu instintivamente para evitar o embate, procurando refúgio na única zona que se lhe apresentava livre e que se situava à esquerda da sua faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha, por estar ocupada a sua faixa de rodagem, sem espaço livre entre o automóvel LZ e os veículos estacionados na berma da direita. R - É esta manobra do ..-..-LZ, a circulação em contramão, por ter invadido a faixa de rodagem em que seguia o GC, que provoca a reação defensiva do Autor e consequência o embate. S – Que o veículo LZ seguia a sua marcha a ocupar a hemifaixa de rodagem da direita e que o acidente ocorreu dentro da faixa de rodagem do GC junto à linha delimitadora das duas faixas da via de rodagem. T - Torna-se evidente que a culpa pela verificação do sinistro se deveu exclusivamente ao condutor do veículo ..-..-LZ, por não ter regulado a velocidade do veículo de modo a deter a marcha do logo que avistou o motociclo conduzido pelo Autor, dado que circulava a invadir a faixa da via de rodagem destinado ao trânsito que circula em sentido contrário àquele em que seguia, tendo ainda presente a circunstância de não estar em condições de poder avistar o surgimento de veículos que poderiam surgir do entroncamento à esquerda que se destina ao prolongamento dessa via, o que obrigava a uma condução com redobrado cuidado de prudência e diligência para evitar a possibilidade de sinistro. U - Lançando mão das regras de experiência comum, logo se conclui pela exclusiva atribuição da responsabilidade pela verificação do sinistro ao condutor do veículo ..-..-LZ. Isto porque não era exigível ao condutor do motociclo GC que, saindo de uma curva, em cumprimento dos limites máximos de velocidade, deparando-se de imediato com o veículo LZ a invadir a sua faixa de rodagem, sem deter essa marcha, não tivesse tomado outra reação que não fosse a de guinar o motociclo que conduzia para a esquerda, por forma a alcançar o único espaço livre e que não tinha veículos aparcados, a rampa da garagem do edifício do Hospital da CUF, com o intuito de evitar o embate. W [transcreve-se como no original, em que a alínea “W” antecede a alínea “V”] - Não podia ser exigido ao condutor do motociclo GC, pois não lhe era esperada nem exigível a adopção de outro tipo de conduta atentas as circunstâncias dadas como provadas em que ocorreu o sinistro. V - Os sinistros rodoviários ocorrem em frações de milésimos de segundo, período de tempo em que os intervenientes pensam e agem por reflexo, segundo o que lhes parece mais certo e adequado às circunstâncias no momento para evitar o sinistro. Agiu, por isso, o condutor do motociclo GC de forma adequada a tentar evitar um embate que, infelizmente, veio a ocorrer e do qual só resultaram danos físicos (e psicológicos) para si, única e exclusivamente pelo facto do ..-..-LZnão ter parado a marcha logo que avistou o motociclo conduzido pelo Autor. X – Para além de ser especialmente maior o dever de cuidado e diligência do condutor dum veículo automóvel pelo risco potencialmente maior de causar danos a terceiros, relativamente ao dever de cuidado e diligência do condutor dum motociclo cujo risco maior é o de causar danos ao próprio condutor. Motivo pelo qual se impunha ao condutor do veículo automóvel LZ um maior dever de cuidado. Z [transcreve-se o original, em que não há alínea “Y”] - Impondo-se, nesta medida, a modificação acórdão recorrido no que à atribuição de culpas concerne, determinando-se como sendo o único e exclusivo responsável pela verificação do sinistro o condutor do automóvel ..-..-LZ. Sem prescindir, AA - Encontra-se erradamente julgada a matéria de facto contida nos pontos 11, 12 e 14 do relatório das decisões recorridas, quando julgaram provado que: “11. Encontravam-se veículos estacionados na referida rua, do lado direito da mesma, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula ..-..-LZ, em toda a extensão dessa mesma rua (com excepção do acesso para a garagem do edifício do Hospital da CUF), ocupando cerca de 1,80m da respectiva hemifaixa de rodagem. 12. O condutor do veículo de matrícula ..-..-LZ para seguir a sua marcha, passando pela esquerda dos aludidos veículos, transpôs a linha delimitadora das duas hemifaixas em, pelo menos, 1,20m. 14. Entre a parte esquerda do veículo de matrícula ..-..-LZ e a berma esquerda da Rua ..., atento o sentido de marcha deste, havia disponíveis, cerca de 2,15m, para passarem veículos em sentido contrário.” E quanto ao facto que julgou não provado que: “a) O veículo de matrícula ..-..-LZ circulava de forma a obstruir completamente a hemifaixa de rodagem esquerda atento o seu sentido de marcha.” AB - Com efeito, ao contrário do decidido, deve alterar-se a decisão proferida quanto a estes factos, passando tão só a constar como PROVADO QUE: “11. Encontravam-se veículos estacionados na referida rua, do lado direito da mesma, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula 38- 76-LZ, em toda a extensão dessa mesma rua (com excepção do acesso para a garagem do edifício do Hospital da CUF), ocupando cerca de 2,00m da respetiva hemifaixa de rodagem.“ “12. No momento do embate, o condutor do veículo de matrícula ..- ..-LZ havia transposto a linha delimitadora das duas hemifaixas em, pelo menos, 1,20m.” T “14. No momento do embate, entre a parte esquerda do veículo de matrícula ..-..-LZ e a berma esquerda da Rua ..., atento o sentido de marcha deste, havia disponíveis, cerca de 2,15m, para passarem veículos em sentido contrário.” AC – Deve ainda deverá ser aditado um novo facto PROVADO com o seguinte teor: Após o acidente, o veículo conduzido pelo segurado da Recorrente ficou imobilizado com a roda dianteira direita a 2,5m da berma direita, atento o seu sentido de marcha, e a roda traseira direita a 2,8m da referida berma. AD - De igual modo, tendo por partida as medições da via, dos veículos intervenientes e as demais medições supra legadas para a demonstração da área invadida pelo ..-..-LZ relativamente à hemifaixa da esquerda, atento o seu sentido de marcha, impõe-se alterar a decisão de facto julgando como PROVADO o facto não provado sob a alínea a), assentando que: “O veículo de matrícula ..-..-LZ circulava de forma a obstruir completamente a hemifaixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha;”. O recorrente terminou pedindo que o “presente recurso” fosse recebido por tempestivo e legalmente admissível, julgando-se o recurso procedente e, por via disso, o acórdão recorrido fosse alterado em conformidade. 7. A R. contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões: 1. Das conclusões de recurso, que delimitam o seu âmbito e objeto, resulta que o ora recorrente faz uma série de alegações de direito acerca da decisão proferida pelo tribunal a quo, de não admissão do recurso subordinado que (intempestivamente) interpôs da sentença proferida em primeira instância sem, no entanto, daí retirar qualquer consequência, ou formular a esse respeito qualquer pedido. 2. É absolutamente ininteligível, quer do corpo do recurso, quer das respetivas conclusões e pedido, o que pretende o recorrente com a alegação que faz. 3. Em face do exposto, e da absoluta falta de pedido formulado pelo ora recorrente, a este respeito, com consequente incumprimento do artigo 639.º do CPC deverá ser liminarmente rejeitada a apreciação da questão introdutória a que se referem as conclusões A a J e AA a AD do recurso. Sem prescindir: 4. A decisão de indeferimento do recurso subordinado do recorrente foi proferida nos termos do disposto no artigo 641.º, n.º 2, al. a) do C.P.C., conforme consta do mesmo douto aresto. 5. O artigo 641.º, n.º 6, do CPC determina que o meio processual próprio para colocar em crise a decisão do tribunal recorrido de não admissão de um recurso é a reclamação prevista no artigo 643.º do CPC. 6. Esta reclamação é decidida, conforme resulta do n.º 2, pelo relator, singularmente, muito embora, a decisão que assim seja proferida seja “suscetível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º”. 7. Do despacho de 1.ª instância que não admita o recurso ou ilegitimamente o retenha, pode o interessado reclamar para o tribunal superior, nos termos do artigo 643.º do CPC e, decidida esta reclamação, pelo Tribunal superior, pode o interessado, impugnar a referida decisão em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 652.º do CPC, sendo certo que, deste conhecimento em conferência, não caberá revista. 8. No caso concreto, a decisão, como se disse, proferida pelo próprio tribunal de recurso e o meio próprio para a sua impugnação teria sido o da reclamação para a conferência, conformidade com o disposto no n.º 3 12 do artigo 652.º do CPC, pretensão que o recorrente, simplesmente, não exerceu e cujo prazo já se encontra, há muito, ultrapassado. 9. Em face do exposto, também pelos motivos elencados, deverá ser liminarmente rejeitada a apreciação da questão introdutória a que se referem as conclusões A a J e AA a AD do recurso. Ainda sem prescindir: 10. Impõe-se reafirmar que deverão ser extirpadas das alegações do recorrente e, bem assim, desatendidas, nesta sede, todas as menções a alterações de matéria de facto que pretende ver atendidas por este alto tribunal, como as constantes dos pontos AA a AD da síntese conclusiva, uma vez que o STJ apenas conhece do direito, cabendo-lhe aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, estando-lhe vedado, por regra, apreciar a matéria de facto fixada pelas instâncias recorridas. 11. O recurso interposto pelo recorrente não merece provimento. 12. O douto acórdão em crise constituiu um todo coerente e lógico, e fez uma correta subsunção da factualidade apurada aos preceitos legais aplicáveis. 13. Tal decisão, pelo seu inegável acerto, deverá, pois, ser mantida in totum. A recorrida terminou pedindo que o recurso fosse rejeitado ou, se assim se não entendesse, fosse negado provimento ao recurso. 8. Foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. As questões suscitadas pelo recorrente e que constituem o objeto deste recurso são as seguintes: (in)tempestividade do recurso subordinado que o A./recorrente interpusera da sentença proferida nestes autos; alteração da matéria de facto; culpa dos intervenientes na ocorrência do sinistro e responsabilização respetiva pelos danos sofridos pelo A.. A recorrida suscita ainda a questão da inadmissibilidade da revista no que concerne à rejeição do recurso subordinado. Este eventual obstáculo (parcial) à revista será apreciado, por facilidade, juntamente com a primeira questão. 2. Primeira questão (tempestividade do recurso subordinado) 2.1. O factualismo a levar em consideração é o seguinte: a. Na sentença, a 1.ª instância imputou a ocorrência do sinistro a culpa de ambos os condutores dos dois veículos que colidiram, na proporção de 65% por parte do A. e 35% por parte do condutor do veículo seguro na R.. b. A R. apelou da sentença, impugnando a decisão de facto, com reapreciação da prova gravada, imputando ao A. a totalidade da responsabilidade pela ocorrência do sinistro. c. O A. foi notificado da interposição da apelação da R. em 01.7.2022. d. Em 28.9.2022, na mesma peça processual, o A. contra-alegou e interpôs recurso subordinado da sentença, formulando, quanto ao recurso subordinado, as seguintes conclusões: “A) A sentença recorrida enferma de erro relativamente aos itens 3, 11, 12 e 14 dos FACTOS PROVADOS, para além da decisão proferida padecer também de erro, e desta feita, profundo, ostensivo e grave no julgamento do mérito da causa e se encontrar em manifesta contradição com os seus fundamentos. B) Erro de julgamento que influiu na aplicação do direito tal qual decidido pelo Tribunal ad quo, pois, se corretamente qualificados e julgados os factos provados e os que se deveriam ter determinado por provados, impunha-se, como se impõe, uma alteração radical da sentença proferida, concluindo-se pela condenação da Recorrente com fundamento na culpa única e exclusiva do condutor do veículo automóvel por si seguro. C) O ponto 3 da matéria dada como provada padece de ostensivo erro de escrita ou de calculo que deverá ser rectificado, passando a ter a seguinte redação: “3. A largura total da referida rua é de 6,70m, tendo cada hemifaixa de rodagem a largura de 3,35m.” D) O ponto 11 da matéria de facto dada como provada padece de erro de julgamento, pelo que deverá passar a ter a seguinte redação (facto resultante da análise do teor do croqui integrado no auto de ocorrência da PSP, aliado às mais elementares regras de experiência comum e de factos notórios, como o são os sites das marcas dos veículos automóveis): “11. Encontravam-se veículos estacionados na referida rua, do lado direito da mesma, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula ..-..-LZ, em toda a extensão dessa mesma rua (com excepção do acesso para a garagem do edifício do Hospital da CUF), ocupando cerca de 2,10m da respectiva hemifaixa de rodagem.“ E) O ponto 12 da matéria de facto dada como provada padece de erro de julgamento e falta de rigor, pelo que deverá ser modificada passando a conter a seguinte redação (facto resultante da análise do teor do croqui integrado no auto de ocorrência da PSP): “12. No momento do embate, o condutor do veículo de matrícula ..-..-LZ havia transposto a linha delimitadora das duas hemifaixas em, pelo menos, 1,20m.” F) O ponto 14 da matéria de facto dada como provada padece de erro de julgamento e falta de rigor pelo que também deverá ser modificado, passando a conter a seguinte redação (facto resultante da análise do teor do croqui integrado no auto de ocorrência da PSP): “14. No momento do embate, entre a parte esquerda do veículo de matrícula ..- ..-LZ e a berma esquerda da Rua ..., atento o sentido de marcha deste, havia disponíveis, cerca de 2,15m, para passarem veículos em sentido contrário”. G) Existe um documento no processo que não foi objecto de qualquer impugnação por qualquer das partes e que o Tribunal recorrido dele se socorre para estribar um conjunto de outros factos que considera assentes por provados, sendo que existem informações constantes do referido documento que não se encontram plasmadas nos factos assentes e que são importantes e determinantes para aferir da culpa pela verificação do sinistro ocorrido e, consequentemente, para a boa decisão da causa. H) Constam do croqui do auto de ocorrência da PSP em causa as medições colhidas após o embate dos veículos intervenientes no sinistro dos presentes autos, sendo que o mesmo demonstra o sentido da trajectória enviesada em relação ao sentido da via, adoptada pelo segurado da Recorrente no momento anterior ao sinistro. I) Pelo que deverá ser consignado um novo facto provado com o seguinte teor (facto resultante da análise do teor do croqui integrado no auto de ocorrência da PSP): “Após o acidente, o veículo conduzido pelo segurado da Recorrente ficou imobilizado com a roda dianteira direita a 2,5m da berma direita, atento o seu sentido de marcha, e a roda traseira direita a 2,8m da referida berma.” J) A realidade que importa aferir para avaliar a culpa do sinistro em causa é se o Recorrido quando decidiu a manobra de guinar o seu motociclo para a esquerda, no propósito de alcançar a rampa de acesso ao hospital, se dispunha ou não de espaço suficiente para poder prosseguir a sua marcha na sua hemi-faixa e cruzar-se em segurança com o veículo segurado pela Recorrente. K) O Veículo segurado pela Recorrente circulava em sentido contrário ao do Recorrido, invadindo a sua hemi-faixa de rodagem, o que fazia para efectuar uma manobra de ultrapassagem de veículos estacionados em contravenção do outro lado da via, invasão esta que foi realizada para além do estritamente necessário, atento o sentido da trajectória enviesada em que se imobilizou. L) A opção do recorrido guinar para a esquerda e procurar alcançar a rampa de acesso ao hospital que se encontrava na faixa contrária da via, foi a opção natural, previsível e consequencial decorrente da conduta rodoviária infractora em que seguia o condutor do veiculo segurado pela Recorrente. M) Assim, se analisarmos a questão na perspectiva de uma realidade estática, com as medições após o sinistro, teremos 2,15m disponíveis para que o Recorrido se cruzasse com o veículo conduzido pelo segurado da Recorrente dentro da sua hemi-faixa de rodagem, o que nunca se mostraria suficiente para que se pudesse realizar o cruzamento entre os dois veículos em segurança. N) E não é suficiente porquanto o veículo do Recorrido tem uma largura de 0,825 m, donde decorre que apenas restam para cada lado das extremidades do guiador do veículo do Recorrido apenas 66cm. O) Atendendo ao art.º artigo 18, nº 3 do Código da Estrada, desta regra resulta uma analogia que não podemos deixar de ter em consideração no caso concreto, que é a de que conceder uma distância de apenas 66cm a um motociclo para se cruzar com um veiculo em sentido contrário, que invade a sua hemi-faixa de rodagem, não será nunca uma distancia lateral suficientemente segura para evitar um acidente. P) Donde resulta que, caso esse acidente ocorresse nessa sequência, na hemi-faixa por onde seguia o Recorrido, a culpa seria inevitavelmente da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo segurado pela Recorrente. Q) Se fizermos o exercício de analisar a realidade existente no momento do avistamento pelo Recorrido do veículo conduzido pelo segurado da Recorrente e da sua decisão do Recorrido de guinar para a esquerda o seu motociclo, chegamos à conclusão de que nem sequer era fisicamente possível o cruzamento entre os dois veículos dentro da hemi-faixa em que seguia o recorrido, sem que houvesse o acidente. R) A trajectória do veículo segurado da Recorrente decalcada da sua posição fixada na via após o embate, conforme o croqui da PSP, era enviesada, de cujo grau decorre que a escassos 5 metros antes do local do embate, não só o veículo do segurado da Recorrente se encontrava a invadir totalmente a hemi-faixa de rodagem por onde seguia o Recorrido, como a sua roda traseira esquerda se encontrava a escassos 77cm da linha limite da zona de estacionamento, situada do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha. S) Como resulta do ponto 16 dos factos provados, “Do lado direito da rua, atento o sentido de marcha do autor, no local destinado ao estacionamento de automóveis, encontravam-se igualmente estacionados veículos em toda a sua extensão”, pelo que restavam ao Recorrido os referidos e escassos 77cm para passar com o seu motociclo, sendo que o mesmo tem a largura de 0,825m; T) Donde se conclui que a escassos 5 metros de distância do local do embate, atendendo à trajectória do veículo do segurado da Recorrente, o Recorrido não tinha como passar se prosseguisse a sua marcha dentro da sua hemi-faixa de rodagem. U) A única alternativa que restava ao Recorrido foi a que tomou, guinar à esquerda e tentar alcançar a rampa de acesso ao hospital, em verdadeiro estado de necessidade, no sentido de tentar salvaguardar a sua integridade física e a sua vida, pelo que não há, pois, qualquer censura ou reparo a apontar ao Recorrido na produção do sinistro em causa, pelo que o sinistro em causa ocorreu por culpa integral e exclusiva do condutor do veículo segurado pela Recorrente. V) Acresce que, tendo em conta a descrição factual apurada, não poderia ainda o Tribunal recorrido deixar de atender também às seguintes circunstâncias: à data do sinistro o Recorrido contar apenas com 19 anos de idade (facto provado n.º 1 conjugado com o n.º 58); o condutor do veículo automóvel LZ à data do sinistro contar com 58 anos de idade (vide documentos n.º 4 e 5 juntos com a p.i.) e não possuir título válido que o habilitasse à condução (vide auto da ocorrência da PSP junta na p.i. como Doc. 5 que atesta que a carta de condução estava caducada); ser especialmente maior o dever de cuidado e diligência do condutor dum veículo automóvel pelo risco potencialmente maior de causar danos a terceiros, relativamente ao dever de cuidado e diligência do condutor dum motociclo cujo risco maior é o de causar danos ao próprio condutor; assim como o estipulado no art.º 18º, n.º 3 e 38º, n.º 1, ambos do Cód. da Estrada, violados pelo condutor do segurado da Recorrente. W) Resultou não provado que o motociclo GC circulava a velocidade superior a 50km, pelo que, a contrario, conclui-se que o Recorrido circularia dentro dos limites máximos legais. X) A sentença recorrida não imputa qualquer infração rodoviária ao recorrido, que não cometeu, sendo que a única que lhe poderia ser imputada, invasão da hemi-faixa contrária ao seu sentido de marcha, face ao seu estado de necessidade, decorrente de impossibilidade de passagem em segurança dentro da sua hemi-faixa de rodagem em que circulava, o que punha em risco a sua integridade física e a própria vida, exclui qualquer ilicitude da sua atuação. Y) Finalmente, há uma contradição entre a motivação da sentença e a própria decisão, pois, por um lado, o Tribunal “a quo” entende que: “…afigura-se-nos não existir dúvidas que o embate se ficou a dever, de forma adequada, ao facto do condutor do veículo de matrícula ..-..-LZ ter efectuado a manobra de “ultrapassagem” dos veículos estacionados na hemifaixa de rodagem por onde circulava, invadindo a faixa de rodagem esquerda de forma relevante, em cerca de 1,20m, considerando o seu sentido de marcha, em local próximo da aludida curva de onde provinha o autor e sem sinalizar devidamente a manobra, nomeadamente, através de sinal sonoro, por forma a avisar possíveis veículos que circulassem em sentido contrário e que se encontrassem ainda a descrever a aludida curva, e, por outro, não imputa qualquer violação concreta e específica de uma qualquer norma do Código da Estrada ao Recorrido, concluindo, porém, que há concurso de culpas, de 65% de culpa ao Recorrido e de 35% de culpa ao segurado da Recorrente. Z) O Recorrido encontra-se mutilado para o resto da sua vida em virtude de um acidente que não tem qualquer culpa e para o qual nada contribuiu. AA) A culpa de um sinistro deve ser aferida pelos cuidados exigíveis a um homem médio - medianamente prudente, diligente e capaz - colocado na posição do agente., BB) Porém, nenhum homem médio, colocado na posição do Recorrido, perante as circunstâncias que se lhe depararam teria agido de forma melhor do que aquela que o Recorrido agiu, acção esta que não padece de qualquer censura, falta de atenção, imprudência ou de omissão do dever de cuidado. CC) Deverá, por todo o exposto, proceder-se a revogação parcial da sentença proferida, substituindo-a por outra que declare que a culpa pela verificação do sinistro em causa se deveu exclusivamente ao condutor do veículo segurado pela Recorrente, condenando por via disso a Recorrente na obrigação de reparar o Recorrido os danos liquidados na sentença, com todas as demais e legais consequências, como é da mais elementar JUSTIÇA. Termos em que, e nos demais de direito com o douto suprimento de Vas. Exas.: a) Deve o presente recurso principal improceder; b) Julgando o recurso subordinado totalmente procedente e, por via disso, alterar-se a douta sentença recorrida em conformidade, com o que se fará inteira J U S T I Ç A.” e. A R. contra-alegou quanto ao recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões: “1.ª – O recurso interposto pelo apelante subordinado mostra-se claramente extemporâneo, motivo pelo qual deverá ser indeferido (Cfr. artigo 641º n.º 2 al. a) do C.P.C.). Sem prescindir, 2.ª – Em consonância com o disposto na 1.ª parte da alínea a) do n.º 2 do art. 640.º do P.C.P., impõe-se a rejeição do recurso na parte em que o recorrente reclama a modificação da factualidade provada. Ainda sem prescindir, 3.ª – O recurso interposto pelo recorrente subordinado não merece provimento. 4.ª – A douta sentença errou, de facto, mas nos termos e pelos fundamentos defendidos no recurso principal da Ré, cujos argumentos e conclusões aqui se dão por reproduzidos, sentido em que deve ser alterada. NESTES TERMOS, Rejeitando o recurso subordinado interposto pelo autor, ou, quando assim não se entenda, negando provimento ao mesmo e alterando-se a douta sentença recorrida nos termos peticionados no recurso principal da Ré, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA JUSTIÇA !” f. A 1.ª instância admitiu ambos os recursos, nos seguintes termos: “Req. de recurso independente e respectivas alegações de 28/06/2022 (Ref. ...52 – fls. 90) e Req. de Resposta e contra-alegações e de recurso subordinado de 28/09/2022 (Ref. ...46 – fls. 99): Admito os recursos que são de apelação com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (arts. 633.º; 638.º, n.º 7 644.º, n.º 1, al. a); 645.º, n.º 1, al. a) e 647.º, n.º 1 do CPC). Notifique e após subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto onde se fará Justiça.” g. Chegados os autos à Relação, o Exmo. Relator proferiu o seguinte despacho: “Recursos próprios e no efeito devido, nada obstando ao seu conhecimento. * Aos vistos. Após, inscreva em tabela.” h. No acórdão proferido pela Relação, sub judice, exarou-se o seguinte, acerca da (in)admissibilidade do recurso subordinado interposto pelo A.: “Como decorre da conjugação das previsões dos arts. 633º nº2 e 638º nºs 1 e 7 do CPC, o prazo de interposição do recurso subordinado conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária, sendo de 30 ou 15 dias conforme os casos e podendo acrescer ao respectivo prazo mais 10 dias se tal recurso tiver por objecto a reapreciação de prova gravada. Diferentemente do que sucede para as alegações de resposta a recurso principal, em que nos nºs 5 e 7 do art. 638º do CPC se prevê para tal resposta um prazo igual ao de interposição daquele recurso, o recurso subordinado, como decorre daqueles preceitos, está sujeito a um regime de prazos próprio, pois dele decorre, nomeadamente, que o recurso subordinado pode ser interposto em prazo superior ao do recurso principal (caso o recurso subordinado tenha por objecto a reapreciação de prova gravada e o principal não) ou tenha que ser interposto em prazo inferior àquele (caso o recurso principal tenha por objecto a reapreciação de prova gravada e o recurso subordinado não tenha tal objecto, quer porque só verse sobre matéria de direito quer porque verse matéria de direito e de facto e quanto a esta não esteja em causa a reapreciação de prova gravada). Como refere António Santos Abrantes Geraldes1 , referindo-se ao acréscimo de prazo de recurso previsto no nº7 do art. 638º do CPC, “o recorrente só poderá beneficiar deste prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efetivamente a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art. 640º, nº2, al. a), independentemente da verificação dos demais requisitos legais da impugnação ou sequer da apreciação do respectivo mérito” (sublinhado nosso). Por sua vez, sobre tal acréscimo de prazo no recurso subordinado, vide José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, volume 3º, Almedina, 3ª edição, 2022, págs. 59 e 60, onde dizem que ao respectivo prazo “acrescerão eventualmente os 10 dias do art. 638-7”, referindo depois, a págs. 85, que o acréscimo previsto em tal preceito ocorre “[q]uando o recorrente impugne a decisão tomada sobre a matéria de facto com base em depoimentos gravados”. Como se vê do recurso subordinado interposto pelo autor, nele são defendidas alterações aos nºs 3, 11, 12 e 14 dos factos provados da sentença recorrida e ainda o acrescento de um novo ponto a tais factos, sendo que em relação a qualquer destes pontos não se invoca, quer na motivação quer nas conclusões, a reapreciação de qualquer depoimento gravado, mas antes, e só, a análise de documentos juntos aos autos (para os nºs 3, 12 e 14 dos factos provados, o “croquis” constante do auto de ocorrência elaborado pela PSP junto aos autos; para o nº11 dos factos provados, aquele mesmo “croquis” “aliado às mais elementares regras da experiência comum e de factos notórios, como o são os sites das marcas dos veículos automóveis”, como se refere sob a conclusão D). Assim, porque não baseando a impugnação de matéria de facto nele visada em reapreciação de prova gravada, o recurso subordinado em apreço deveria ter sido interposto pelo autor no prazo de 30 dias a contar da sua notificação da interposição do recurso da ré (arts. 633º nº2 e 638º nº1 do CPC). Decorre dos dados dos autos que o autor foi notificado da interposição do recurso da ré pelo mandatário desta, através do sistema Citius, em 28/6/2022, como previsto nos arts. 221º nº1 e 255º do CPC. Assim, tal notificação, como naquele art. 255º também se prevê, presume-se operada em 1/7/2022 (terceiro dia posterior ao envio da notificação, que correspondeu a dia útil), tendo por isso começado a correr aquele prazo em 2/7/2022. Tendo o recurso subordinado dado entrada nos autos em 28/9/2022, na mesma peça em que o autor apresentou as suas contra-alegações ao recurso da Ré, conclui-se que o mesmo foi interposto muito após aquele prazo de 30 dias e dos 3 dias úteis subsequentes ao mesmo previstos no art. 139º nº5 do CPC, pois tal prazo, com aqueles 3 dias, terminava no dia 21/9/2022. Como tal, porque extemporâneo, não se admite tal recurso (arts. 641º nº2 a) e nº5 do CPC)”. 2.2. O Direito 2.2.1. Quanto à questão prévia da inadmissibilidade da revista no que concerne à rejeição do recurso subordinado A primeira instância admitiu a apelação principal e a apelação subordinada. Tal decisão não vincula o tribunal superior (art.º 641.º n.º 5 do CPC). O relator poderá rejeitar o recurso (artigos 652.º n.º 1 al. b) e 655.º n.º 1 do CPC) e dessa decisão caberá reclamação para a conferência (art.º 652.º n.º 3 do CPC). Do acórdão da conferência caberá recurso nos termos gerais (art.º 652.º n.º 5 alínea b) do CPC). Tem-se entendido que o acórdão da Relação que rejeita a apelação, com base na sua putativa extemporaneidade ou na falta de cumprimento de determinados requisitos legais (v.g. falta de conclusões) é suscetível de revista, desde que estejam reunidos os pressupostos gerais de recurso (art.º 629.º n.º 1 do CPC). Com efeito, a rejeição da apelação configurará, neste caso, uma decisão final, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 671.º n.º 1 do CPC (neste sentido, cfr. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª edição, 2022, páginas 410 e 411; STJ, 29.10.2019, processo n.º 738/03.0..., consultável, tal como os acórdãos adiante referidos, em www.dgsi.pt). No caso destes autos, não chegou a haver decisão singular de rejeição do recurso subordinado. Mas, tendo a rejeição sido decidida em acórdão proferido pela Relação, dele caberá recurso de revista, verificados que sejam os restantes pressupostos do recurso. Assim, atendendo a que o valor da causa excede a alçada da Relação (€ 30 000,00 – art.º 44.º da LOSJ) e que não se verifica o obstáculo da dupla conforme (art.º 671.º n.º 3 do CPC), a revista é admissível (também) quanto à rejeição da apelação subordinada, decidida pela Relação. 2.2. Quanto à tempestividade da apelação subordinada Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas poderá recorrer na parte que lhe é desfavorável, podendo-o fazer de forma independente ou subordinada (art.º 633.º n.º 1 do CPC). Na modalidade do recurso subordinado, a parte que decidira aceitar o veredito final, conformando-se com a parcial improcedência na ação, ao ser notificada da interposição de recurso pela parte contrária, tem a oportunidade de, por sua vez, reagir contra a decisão na parte em que ficou vencida, nos termos e condições previstas no art.º 633.º do CPC. Sobre os prazos de recurso, rege o art.º 638.º do CPC. Se se tratar de decisão final proferida em processo não urgente, o prazo de interposição do recurso será de 30 dias (art.º 638.º n.º 1 do CPC). Em prazo idêntico ao da interposição, o recorrido poderá responder à alegação do recorrente (art.º 638.º n.º 5). Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias (art.º 638.º, n.º 7). No recurso independente, o prazo de interposição do recurso conta-se a partir da notificação da decisão alvo do recurso (n.º 1 do art.º 638.º do CPC). No recurso subordinado, o prazo da sua interposição conta-se a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária (n.º 2 do art.º 638.º do CPC). No que diz respeito a prazos, a única regra particular prevista pelo legislador atinente ao recurso subordinado reporta-se, pois, ao dies a quo da sua contagem: contrariamente ao regime geral e por razões que não carecem de explicação, o prazo de interposição do recurso subordinado não se conta a partir da data da notificação da decisão recorrida, mas sim da notificação da interposição do recurso pela parte contrária. Daqui decorre que se a decisão recorrida for decisão final, proferida em processo não urgente, e o recorrente subordinado não pretender a reapreciação de prova gravada, o recurso subordinado deverá ser interposto no prazo de 30 dias a contar da notificação da interposição do recurso pela parte contrária. Se o recorrente subordinado pretender impugnar a decisão de facto, com reapreciação de prova gravada, beneficiará do acréscimo de 10 dias previsto no n.º 7 do art.º 638.º do CPC. Para tal será irrelevante que a parte contrária não tenha impugnado a decisão de facto com reapreciação da prova gravada. Poderá, pois, ocorrer que o recorrente subordinado esteja vinculado ao prazo de 30 dias para contra-alegar no recurso principal (se o recurso principal estiver sujeito ao prazo de 30 dias), mas possa recorrer subordinadamente no prazo de 40 dias (caso pretenda a reapreciação de prova gravada). Da mesma forma, pode ocorrer que o recorrente principal tenha beneficiado do prazo de 40 dias para recorrer, pois na sua impugnação da decisão pretendeu a reapreciação de prova gravada, e o recorrente subordinado fique limitado ao prazo regra de 30 dias para a interposição do recurso subordinado, se não pretender a reapreciação de prova gravada. Isto, sem prejuízo de contar com o prazo de 40 dias para contra-alegar no recurso principal (no mencionado caso de o recurso principal poder ser interposto no prazo de 40 dias). Por sua vez, o recorrente principal poderá contra-alegar no recurso subordinado, em prazo igual ao da interposição do recurso subordinado. Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que esta interpretação da lei é a única que se harmoniza com a letra das normas pertinentes, acima indicadas, e a que melhor garante a igualdade entre as partes. Discorda-se, pois, do acórdão citado pelo recorrente, que (à luz ainda do C.P.C. anterior, mas tendo em consideração a redação introduzida pela reforma de 2007 – Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24.8 – nos artigos 682.º e 685.º, idêntica à dos artigos 633.º e 638.º do atual CPC) ajuizou que razões de economia processual e de respeito pela igualdade entre as partes levavam a que o prazo de interposição do recurso subordinado fosse igual ao prazo de resposta às alegações do recorrente principal (acórdão proferido pela Relação de Lisboa, em 18.4.2013, processo n.º 5394/09.0...). No que concerne à igualdade entre as partes, o já acima exposto demonstra, cremos, de forma bastante, que a autonomização do prazo de interposição do recurso subordinado (no que diz respeito à duração desse prazo) face ao prazo do recurso principal, com aplicação do regime geral previsto no art.º 638.º, é o único que permite aplicar a cada um dos recorrentes o regime que, nos termos da lei, se harmoniza com o objeto específico do recurso de cada um, sem benefício de uma das partes em detrimento da outra: prazo de 40 dias para a parte que pretenda a reapreciação de prova gravada; prazo de 30 dias para quem não pretenda a reapreciação de prova gravada (no pressuposto que não se está perante decisões interlocutórias nem proferidas em processos urgentes, caso em que o prazo de recurso é de 15 dias, eventualmente acrescido de 10 dias – art.º 638.º n.º 1 do CPC). Tal dimensão da igualdade entre as partes, emergente da normal aplicação da lei, não pode ser derrogada por razões de economia processual (isto é, determinantes de obrigatória apresentação conjunta do recurso subordinado com a contra-alegação no recurso principal), que a lei, in casu, não prevê. Note-se que, mesmo à luz do princípio geral da gestão processual, em que se insere a adequação formal (artigos 6.º n.º 1 e 547.º do CPC), o dever de agilização e simplificação processual esbarra na garantia do processo equitativo (cfr. artigos 6.º n.º 1 e 547.º do CPC, 20.º n.º 4 da CRP). De resto, a questão não parece suscitar controvérsia, na medida em que não encontrámos jurisprudência publicada que, além do acórdão mencionado pelo recorrente, aborde o tema. Dir-se-á, tão só, que no acórdão da Relação de Lisboa proferido em 12.01.2023 (processo 27196/17.0...), se discutiu se o prazo de interposição do recurso subordinado seria, ou não, o de 15 dias (atendendo ao seu objeto), dando-se de barato que na dilucidação dessa questão em nada interferia o prazo de interposição do recurso principal. Também a doutrina não parece descortinar razões para se afastar daquele que parece ser o figurino legal que acima traçámos. Com efeito, António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Vol. I, 3.ª edição, 2022, pág. 819, exaram, simplesmente, que “Da conjugação do disposto no art. 638.º, n.º 5, e no art. 633.º, n.º 2, resulta que a parte que não tenha recorrido e seja confrontada com recurso interposto pela contraparte dispõe, a partir da respetiva notificação, de condições para tomar duas atitudes: responder à alegação (em prazo igual ao do recorrente) e recorrer subordinadamente (no prazo aplicável à luz do art. 638.º).” (negrito nosso). Também José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, em Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Vol. 3.º, 3.ª edição, 2022, pág. 819, não associam o prazo (sua duração) de interposição do recurso subordinado ao prazo de interposição do recurso principal. Sobre a temática do prazo de recurso subordinado afirmam, tão-só, o seguinte: “Em princípio, porque em regra se trata de impugnação da decisão final, o prazo para interposição do recurso, de apelação ou de revista, é de 30 dias (art. 638-1), ainda que o recurso subordinado tenha eventualmente por objeto uma decisão interlocutória que só possa ser impugnada com a decisão final (art. 644-3). Mas não está excluído que possa ser de 15 dias (art. 638-1). Acrescerão eventualmente os 10 dias do art. 638-7.” Também António Abrantes Geraldes, em Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª edição, 2022, pág. 114, não procede à mencionada associação entre o prazo de recurso do processo principal e o prazo do recurso subordinado, discorrendo, sobre o tema da duração do prazo de interposição do recurso subordinado, apenas isto: “Nestes casos, se houver interposição de recurso pela contraparte, é concedida à outra a faculdade de apresentar recurso subordinado relativamente à parte da decisão em que ficou vencida, podendo exercer esse direito dentro do prazo geral contado a partir da notificação do requerimento de interposição de recurso principal e das correspondentes alegações.” (negrito nosso). Revertamos ao caso objeto da presente revista. O A. foi notificado da interposição de apelação por parte da R., em 01.7.2022. Na sua apelação subordinada, o A. impugnou a decisão de facto alicerçado, tão-só, em elementos documentais e presunções naturais – isto é, não peticionou a reapreciação de prova gravada. Contrariamente ao exarado nas conclusões G) e H) da revista (que não, diga-se, no corpo das alegações da revista), na sua apelação o recorrente subordinado não peticionou a reapreciação de prova gravada, para sustentar a alteração da decisão de facto. Assim, tal como se ajuizou no acórdão recorrido, o A. teria de interpor a apelação subordinada até ao dia 16.9.2022 (sexta-feira), podendo ainda recorrer aos três dias suplementares previstos no art.º 139.º n.º 5 do CPC, isto é, até 21.9.2022. A apelação subordinada foi apresentada (juntamente com a contra-alegação do recurso principal) em 28.9.2022 – pelo que era extemporânea. Nesta parte, pois, a revista é improcedente. 3. Segunda questão (alteração da matéria de facto) 3.1. As instâncias (com retificação introduzida pela Relação quanto à indicação da largura total da rua onde decorreu o sinistro – n.º 3 dos factos provados) deram como provada a seguinte Matéria de facto 1. No dia 03.07.2017, pelas 18:35h, na Rua ..., União das freguesias de ..., ... e ..., no ..., ocorreu um embate em que foram intervenientes o motociclo da marca “Suzuki”, modelo DRZ, com a matrícula ..-GC-.., pertencente e conduzido pelo autor e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo Mondeo e de matrícula ..-..-LZ, pertencente a BB e conduzido por CC. 2. No local do embate, a Rua ... tem duas faixas de rodagem destinando-se uma para cada sentido de marcha do trânsito rodoviário, delimitadas pela pintura no pavimento através de linha branca descontinua. 3. A largura total da referida rua é de 6,70m, tendo cada hemifaixa de rodagem a largura de 3,35m. 4. Esta via, que se prolonga no sentido Oeste/Este, até convergir o seu sentido para a orientação Sul/Norte, tem o piso em empedrado, passando a asfalto após essa mudança de orientação. 5. Esta mudança da orientação da via é definida pelo atravessamento duma passagem pedonal (alongamento do passeio), que os veículos têm de cruzar para de imediato descrever uma curva à direita, atento o sentido Oeste/Este. 6. Atento o referido sentido Oeste/Este, à direita da referida Rua ..., existe um espaço próprio para estacionamento de veículos, situada fora da faixa de rodagem. 7. Nas supra mencionadas circunstâncias de tempo e lugar, o autor conduzia o motociclo de matrícula ..-GC-.. pela Rua ..., no sentido Sul/Norte, pela hemi faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha. 8. O motociclo de matrícula ..-GC-.. circulava a velocidade não concretamente apurada. 9. Ao efectuar a curva para a direita e entrar na via alcatroada, o autor deparou-se com o veículo automóvel de marca “Ford”, modelo “Mondeo”, com matricula ..-..-LZ, que seguia a sua marcha pela Rua ..., no sentido Este/Oeste. 10. A ocupar parcialmente a hemi-faixa de rodagem da direita, atento o sentido de marcha do autor. 11. Encontravam-se veículos estacionados na referida rua, do lado direito da mesma, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula ..-..-LZ, em toda a extensão dessa mesma rua (com excepção do acesso para a garagem do edifício do Hospital da CUF), ocupando cerca de 1,80m da respectiva hemifaixa de rodagem. 12. O condutor do veículo de matrícula ..-..-LZ para seguir a sua marcha, passando pela esquerda dos aludidos veículos, transpôs a linha delimitadora das duas hemifaixas em, pelo menos, 1,20m. 13. Antes de iniciar tal manobra, o motociclo conduzido pelo autor ainda não era visível ao condutor do veículo de matrícula ..-..-LZ. 14. Entre a parte esquerda do veículo de matrícula ..-..-LZ e a berma esquerda da ..., atento o sentido de marcha deste, havia disponíveis, cerca de 2,15 m, para passarem veículos em sentido contrário. 15. O veículo de matrícula ..-..-LZ seguia a velocidade não concretamente apurada. 16. Do lado direito da rua, atento o sentido de marcha do autor, no local destinado ao estacionamento de automóveis, encontravam-se igualmente estacionados veículos em toda a sua extensão. 17. O autor, ao ver surgir o veículo de matrícula ..-..-LZ, desviou a trajetória da marcha do GC para a sua esquerda, no intuito de tentar alcançar o espaço livre de acesso para a garagem do edifício do Hospital da CUF. 18. Porém, o condutor do veículo matrícula ..-..-LZ desviou igualmente a trajectória deste para a direita, atento o seu sentido de marcha, vindo a ocorrer o embate entre a parte frontal direita do referido veículo com a frente do motociclo conduzido pelo autor. 19. O embate ocorreu na hemifaixa esquerda da rua, atento o sentido de marcha do autor. 20. Em consequência do embate, o autor sofreu fractura exposta dos ossos da perna esquerda “Grau II Gustillo” e ferida no joelho esquerdo. 21. Na sequência foi assistido no local, pelo INEM, tendo sido transportado ao Hospital ..., onde ficou internado para correcção cirúrgica da fractura. 22. Durante o referido internamento, o autor foi sujeito a diversos tratamentos que tiveram de ser sempre realizados em bloco operatório e com recurso a anestesias. 23. O autor foi, assim, submetido em 03.07.2017 a intervenção cirúrgica para aplicação de fixador externo após redução da fractura, fasciotomia AL e PL. 24. Em 14.07.2017, o autor foi novamente sujeito a intervenção cirúrgica para aplicação de penso em ferida entre 10% - 30% da área corporal. 25. E em 19.07.2017, 27.07.2017 e 3.08.2017 foi sujeito a intervenções cirúrgicas para desbridamento do local de fractura exposta. 26. Em 10.08.2017, o autor foi sujeito a nova intervenção cirúrgica para extração de fixador externo e realização de encavilhamento endomedular da tíbia esquerda, com vareta aparafusada. 27. O autor teve ainda de ficar em sala de isolamento durante duas semanas devido a infecção no segmento facturado. 28. E esteve em risco de amputação da perna esquerda, tendo necessitado de múltiplos esquemas de antibioterapia e uso da câmara hiperbárica. 29. O autor recebeu alta hospitalar em 16.08.2017. 30. No período de internamento hospitalar, compreendido entre 03.07.2017 e 16.08.2017, o autor, por força da imobilização da perna com o fixador externo e do posterior encavilhamento com vareta aparafusada na perna esquerda, permaneceu acamado, impossibilitado de assegurar a realização a sua higiene diária ou de quaisquer outras tarefas sem apoio de terceiros. 31. Após a alta hospitalar, o autor passou a ser seguido pelos serviços da consulta externa de ortopedia daquele hospital, comparecendo a consultas regulares entre 16.08.2017 e 26.09.2018. 32. O autor teve de passar a frequentar sessões de recuperação fisiátrica para recuperar a mobilidade da perna esquerda, durante um período de três meses. 33. Após a alta hospitalar, o autor manteve a sua mobilidade reduzida, pelo menos até Fevereiro de 2018, continuando a recorrer ao uso de “canadianas” para se poder deslocar. 34. E continuou a depender da ajuda de terceiros para a realização de algumas tarefas quotidianas, nomeadamente para tomar banho, para vestir ou calçar e até para o transportar nas suas deslocações à fisioterapia ou para a universidade, para aí poder assistir às aulas. 35. Em consequência do embate, o autor sofreu dores muito fortes, que persistiram com especial acentuação durante o primeiro mês e que o inibiam de realizar qualquer tipo de movimentos, forçando-o a permanecer prostrado e sedado na cama do hospital. 36. Como queixas das lesões sofridas, o autor apresenta dificuldade nos esforços de marcha, bem como na permanência em pé mais de 10-15 minutos, por despertar sintomatologia e edema e por sentir que a perna esquerda “prende”, claudicando; dificuldade marcada na deslocação em planos inclinados e escadas; não consegue correr, ajoelhar-se ou agachar-se. 37. Tem dores recorrentes no membro inferior esquerdo, a nível do joelho e distalmente, acordando com dores mais intensas, sendo que as dores agravam-se com os esforços, bem como com as mudanças de tempo, e maior sensibilidade dolorosa à pressão nos locais das lesões e cicatrizes, em particular no joelho. 38. O autor apresenta ainda edema recorrente do membro inferior esquerdo até ao nível superior da perna, de agravamento ao longo do dia. 39. Apresenta ainda dificuldade nas relações sexuais devido à dor e por se sentir constrangido com o aspecto do membro inferior esquerdo. 40. O autor não pode ter contacto da canela com superfícies rígidas, pois sempre que tal ocorre resulta a fissuração com perda de sangue e de difícil cicatrização, o que o obriga a cuidados redobrados e de protecção da parte inferior da perna para evitar contactos. 41. Incomoda-o o facto das pessoas que com ele se cruzam quando veste calções ficarem a olhar para a perna. 42. Além disso, o autor passou a ter medo de andar de moto, o que para si era uma paixão, pois é constantemente sobressaltado pelos momentos que vivenciou imediatamente antes do embate. 43. Tem recorrentes pesadelos que lhe trazem à memória os momentos anteriores e posteriores ao embate. 44. Tendo sentido receio pela sua vida nos momentos antes do embate. 45. O autor nos dias subsequentes ao embate teve ainda que viver com a angústia da possibilidade de poder ou não sofrer a amputação da perna esquerda. 46. Em consequência, após o embate, o autor apresentava constantes mudanças de humor, não conseguindo conversar sobre o sucedido, tornando-se agressivo. 47. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor cessou a actividade desportiva, o que fazia regularmente antes do acidente. 48. O autor era praticante de ..., tendo sido atleta federado na Federação Portuguesa de ... e participado em inúmeras competições regionais e nacionais. 49. E deixou de participar nos jogos de futebol indoor, o que fazia regularmente com o seu grupo de amigos à sexta-feira. 50. Em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor ficou a padecer de atrofia muscular da coxa de 2,5 cm medida a 15 cm da interlinha articular do joelho (49,5 cm, tendo 52 cm à direita); múltiplas cicatrizes lineares, do tipo cirúrgico, em ambas as faces laterais da perna e no joelho, a maior delas com 8 por 0,5 cm, nacaradas, visíveis a 3 m; complexo cictricial distrófico, com 13 por 6 cm, na metade superior da perna, com alterações hipo e hiperpigmentares, com deformidade da perna, perda de tecidos subjacentes e palpando se, através da pele, fina de aspecto friável, tumefacção de consistência dura; reacção de defesa marcada à palpação do complexo cicatricial, bem como ao bordo inferior da rótula e à face externa do joelho; reacção dolorosa à flexão do joelho para além dos 90º (sem bloqueio articular) e nos movimentos da tibiotársica e articulações do pé (onde apresenta rigidez incipiente); joelho com edema discreto; e edema do membro no terço médio da perna e níveis inferiores. 51. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor ficou a padecer de perturbação de ansiedade fóbica, caracterizada por incapacidade de conduzir ou de se deixar conduzir em veículos de duas rodas. 52. O supra descrito causou e causa ao autor profunda mágoa e desgosto, perturbação psicológica e dificuldades no relacionamento interpessoal, tendo-se tornado uma pessoa mais reservada e menos activa. 53. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo autor é fixável em 3.04.2018. 54. Em consequência do embate e das lesões sofridas, o autor sofreu um período de défice temporário total de 44 dias e um período de défice temporário parcial de 230 dias. 55. E sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético permanente de grau 3. 56. Bem como repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 5 e repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 2. 57. O autor ficou ainda a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psiquica de 12 pontos, com repercussão nas actividades da vida diária. 58. O autor nasceu no dia 22.05.1998. 59. À data do embate, o autor era estudante universitário a frequentar no IPAM – ..., o primeiro ano do curso de «...». 60. Em consequência do embate, o motociclo do autor sofreu danos na direcção, suspensão, roda dianteira e quadro, que demandam a substituição de várias peças e componentes. 61. A sua reparação que ascenderia a cerca de € 4.000,00 foi considerada técnica e economicamente inviável. 62. Razão pela qual o autor vendeu o salvado a DD, para peças, pelo valor de € 950,00. 63. O motociclo do autor tinha o valor comercial de, pelo menos, € 3.600,00. 64. Em consequência do embate, o vestuário, calçado e o relógio que o autor usava e cujo valor ascendia a, pelo menos, € 250,00 ficaram danificados e inutilizados. 65. Ainda em consequência do embate, o autor despendeu com o pagamento de taxas moderadoras para os tratamentos realizados o valor de € 27,60. 66. O autor despendeu o valor de € 64,00 com a obtenção da certidão do auto da ocorrência elaborado pela PSP. 67. O proprietário do veículo LZ, à data do acidente, mantinha transferida a responsabilidade pelo risco de danos causados a terceiros com a circulação do mesmo para a ora Ré, por via de um contrato de seguro válido, titulado pela apólice nº ...00. As instâncias enunciaram ainda os seguintes Factos não provados a) o veículo de matrícula ..-..-LZ circulava de forma a obstruir completamente a hemifaixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha; b) o veículo de matrícula ..-..-LZ circulava a velocidade não superior a 20 Km/hora; c) o motociclo conduzido pelo autor circulava a velocidade superior a 50 Km/hora e encostado ao eixo da via; d) o veículo de matrícula ..-..-LZ circulava o mais possível encostado à sua direita; e) o veículo de matrícula ..-..-LZ era avistável ao autor, antes deste descrever a curva; f) o valor comercial do motociclo do autor ascendia a € 1.900,00. 3.2. O Direito O recorrente pretende que se alterem os factos dados como provados pelas instâncias sob os n.ºs 11, 12 e 14 (cfr. conclusão AB), se adite um facto novo aos factos dados como provados (cfr. conclusão AC) e se dê como provado um facto que as instâncias haviam julgado não provado (cfr. conclusão AD). Com efeito, tendo sido dado como provado, sob o n.º 11, que “Encontravam-se veículos estacionados na referida rua, do lado direito da mesma, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula ..-..-LZ, em toda a extensão dessa mesma rua (com excepção do acesso para a garagem do edifício do Hospital da CUF), ocupando cerca de 1,80m da respectiva hemifaixa de rodagem”, o recorrente entende que se deve dar como provado o seguinte: “Encontravam-se veículos estacionados na referida rua, do lado direito da mesma, atento o sentido de marcha do veículo de matrícula 38 76-LZ, em toda a extensão dessa mesma rua (com excepção do acesso para a garagem do edifício do Hospital da CUF), ocupando cerca de 2,00m da respetiva hemifaixa de rodagem” E, tendo sido dado como provado, sob o n.º 12, que “O condutor do veículo de matrícula ..-..-LZ para seguir a sua marcha, passando pela esquerda dos aludidos veículos, transpôs a linha delimitadora das duas hemifaixas em, pelo menos, 1,20m”, o recorrente entende que deve dar-se como provado o seguinte: “No momento do embate, o condutor do veículo de matrícula .. ..-LZ havia transposto a linha delimitadora das duas hemifaixas em, pelo menos, 1,20m” E, tendo sido dado como provado, sob o n.º 14, que “Entre a parte esquerda do veículo de matrícula ..-..-LZ e a berma esquerda da Rua ..., atento o sentido de marcha deste, havia disponíveis, cerca de 2,15 m, para passarem veículos em sentido contrário”, o requerente defende que se dê como provado o seguinte: “No momento do embate, entre a parte esquerda do veículo de matrícula ..-..-LZ e a berma esquerda da Rua ..., atento o sentido de marcha deste, havia disponíveis, cerca de 2,15m, para passarem veículos em sentido contrário.” Por outro lado, o recorrente defende que se adite um facto novo aos factos provados, com a seguinte redação: “Após o acidente, o veículo conduzido pelo segurado da Recorrente ficou imobilizado com a roda dianteira direita a 2,5m da berma direita, atento o seu sentido de marcha, e a roda traseira direita a 2,8m da referida berma”. Por último, o recorrente defende que se deve dar como provado o facto dado como não provado sob a alínea a), isto é, deve dar-se como provado o seguinte: “O veículo de matrícula ..-..-LZ circulava de forma a obstruir completamente a hemifaixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha”. Vejamos. A pretensão do recorrente, de alteração da matéria de facto, constitui reiteração da impugnação da decisão de facto que formulou no recurso subordinado interposto perante a Relação. Ora, esse recurso foi rejeitado, e bem, conforme acima ajuizado por este STJ, pela Relação. Assim, a Relação não chegou a apreciar a dita impugnação da decisão de facto. Por esse motivo, a impugnação da matéria de facto formulada perante este STJ constitui uma questão nova, uma questão que, não tendo sido apreciada pelo tribunal a quo, não pode, como é jurisprudência assente, sê-lo pelo tribunal ad quem, a menos que esteja em causa matéria de conhecimento oficioso (cfr. artigos 627.º n.º 1, 635.º n.ºs 2 e 4, 608.º n.º 2 do CPC; na doutrina, António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª edição, 2022, páginas 139 a 142; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, Almedina, 3.ª edição, 2022, pág. 71; na jurisprudência, v.g., cfr. acórdãos do STJ, 18.3.2021, processo n.º 214/18.7T8RMZ.E1.S1; de 11.11.2020, processo n.º 4456/16.1T8VCT.G2.S1; de 08.10.2020, processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1; de 04.10.2018, processo n.º 588/12.3TBPVL.G2.S1; 16.6.2016, processo n.º 623/05.1TBSLV.E2.S12; de 9.01.2014, processo 1206/11.2TBCHV.S1). De todo o modo, dir-se-á que, em regra, o STJ não interfere na fixação da matéria de facto. Na Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.8) anuncia-se que “[f]ora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito” (art.º 46.º). Com efeito, estipula o n.º 3 do art.º 674.º do CPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Em consonância, no julgamento da revista o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado “[a]os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido” (n.º 1 do art.º 682.º do CPC) e, reitera-se no n.º 2 do art.º 682.º, “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”. À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.ºs 4 e 5 do CPC. Nos termos do disposto no n.º 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ. O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1, 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1 e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1). Efetivamente, nesses casos estará em causa exclusivamente uma questão de direito, isto é, a aplicação e interpretação de regras jurídicas que regem a prova. Ora, no caso destes autos a revista tem como objeto, na parte ora em análise, o inconformismo do recorrente quanto à avaliação que a primeira instância, sem manifestação de discordância por parte da Relação, fez de meios de prova sujeitos a livre apreciação pelo tribunal (depoimentos de testemunhas e declarações de parte não confessórias, conjugados com croquis policial e documentos particulares, nomeadamente fotografias do local do acidente). Esse inconformismo leva o recorrente a pretender que este STJ se substitua às instâncias e emita o seu próprio juízo probatório, quando do teor das alegações não se evidencia qualquer “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (n.º 3 do art.º 674.º do CPC). Com efeito, a sentença recorrida fundamentou a decisão de facto, quanto às circunstâncias do acidente, nos seguintes termos: “No atinente aos factos do acidente, foram determinantes, para além da participação de acidente de fls. 4 a 5v do anexo documental, os registos fotográficos juntos aos autos a fls. 1 a 2 do anexo documental, o relatório de averiguações efectuado a solicitação da ré constante de fls. 42 a 57 do anexo documental, as declarações de parte do autor; bem como os depoimentos das testemunhas EE, agente da PSP que tomou conta da ocorrência; FF, que seguia num motociclo atrás do conduzido pelo autor na altura do embate; GG, pai do autor que se deslocou ao local do sinistro pouco tempo depois do mesmo ocorrer; e HH, perito averiguador, os quais descreveram de forma coincidente as características do local, bem como o posicionamento dos veículos na via após o acidente, tudo em consonância com a referida prova documental. A testemunha EE, agente da PSP que elaborou a participação do acidente, pode confirmar o teor da mesma, tendo referido ainda que assinalou o local provável do embate de harmonia com os vestigios existentes na via e a posição em que os mesmos se encontravam na via. Note-se que o croquis elaborado por esta testemunha mostra-se em tudo consentâneo com o teor dos registos fotográficos que foram efectuados logo após o embate constantes do relatório de averiguações, nomeadamente a páginas 14 e 15 do referido relatório (cfr. fls. 48v e 49 do anexo documental). Dos referidos registos fotográficos pode-se concluir ainda e sem qualquer margem para dúvidas pela existência de veículos estacionados dos dois lados da via no momento do embate, sendo que os que se ecnontravam estacionados do lado direito atento o sentido de marcha do autor encontravam-se em local destinado para o efeito, e adjacente à via. Relativamente aos factos descritos nos pontos 11. a 14. do elenco dos factos provados, teve o tribunal em consideração o teor da participação de acidente que assinala que, quando se imobilizou, a traseira do veículo seguro na ré se encontrava a 2,80 m da berma. Assim e tendo em consideração que o aludido veículo tem de largura cerca de 1,75 m (cfr. o site “ford.pt”), temos por certo que o mesmo ocuparia, pelo menos, 1,20 m da hemifaixa contrária ao seu sentido de marcha, deixando disponíveis para transitar do seu lado esquerdo cerca de 2,15m da via (atendendo a que rua em questão tem de largura 6,70m e cada hemifaixa cerca de 3,35m). Veja-se ainda que do relatório de averiguações consta que o espaço médio ocupado pelos veículos estacionados do lado direito da via, atento o sentido de marcha do veículo seguro era de 1,80 m (cfr. página 12 do aludido relatório e fls. 47v do anexo documental), concluindo-se, pois, que o veículo seguro na ré circulava ainda a cerca de 1 m de distância daqueles veículos - e não encostado o mais possível à direita como defendeu a ré na contestação. No que concerne à dinâmica do acidente propriamente dita, o tribunal teve em especial consideração as declarações prestadas pelo autor, as quais na sua essência, mostraram-se plausíveis e igualmente consentâneas quer com a aluida prova documental, quer com as conclusões a que chegou o perito averiguador, a testemunha HH (cfr. página 10 dos respectivo relatório de averiguações e fls. 46 v do anexo documental). Note-se que muito embora, o autor ainda tivesse livre cerca de 2 m da sua hemifaixa, a verdade é que que o mesmo referiu que, quando saiu da curva, o veículo seguro se encontrava a apenas cerca de 5 metros, pelo que, havendo veículos estacionados do seu lado direito, a sua reacção foi desviar o motociclo para a esquerda para alcançar o acesso a uma garagem. Esta reacção admite-se efectivamente como muito provável visto que o autor estava a acabar de efecutar uma curva acentuada para a direita, sendo mais fácil e natural, nessas circunstâncias, ao autor guinar a direcção para a sua esquerda do que para a sua direita. Aliás, se assim não fosse o embate não se teria dado no lado direito do veículo seguro. Acresce que, analisado o croquis anexo à participação de acidente, facilmente concluimos também que o condutor do veículo seguro também teve a reacção de desviar o veículo que conduzia, desta feita, para a sua direita. Com efeito, resulta do aludido croquis que a frente do dito veículo se encontrava a apenas 2,5m da berma, enquanto a traseira, como vimos, encontrava-se a 2,80m. Posto isto, afigura-se-nos não poder concluir com segurança que o autor, antes do embate, já circulava junto ao eixo da via e ainda que o veículo seguro era avistável antes do mesmo ter realizado a curva. Por outro lado, não foram registados rastros de travagem no local que nos pudessem auxiliar a apurar a velocidade a que seguiam os veículos intervenientes no embate, sendo certo ainda que os vestigios resultantes dos mesmos também não nos auxiliaram nessa tarefa, dado o embate ter ocorrido na parte frontal mais à direita do veículo seguro na ré e quando os veículos já se encontravam inclinados para o mesmo lado, o que certamente diminuiu a violência do aludido embate. Não será despiciendo acrescentar que o depoimento da testemunha FF, no que à dinâmica do acidente concerne, não nos mereceu suficiente credibilidade, pois, o mesmo nem sequer foi congruente com o depoimento prestado pelo autor, tendo esta testemunha referido que logo que o autor acabou de fazer a curva e entrou no piso alcatroado foi embatido pelo veículo seguro, o que manifestamente não sucedeu, conforme se pode verificar da participação do acidente, bem como dos registos fotográficos acima assinalados (dos quais resulta que o embate ocorreu a cerca de 7 metros do início da baia de estacionamento)”. Não se vislumbra, face ao teor da dita fundamentação, que a Relação se tivesse deparado com uma situação em que, face aos elementos probatórios constantes dos autos e, ainda, às indeclináveis razões da lógica, se impusesse a sua intervenção, oficiosa, no sentido de alterar a decisão de facto, nos termos que a lei lhe permite e impõe, ao abrigo do art.º 662.º do CPC. E, assim sendo, também a este STJ não se oferece o uso dos excecionais poderes de intervenção, em matéria de facto, delimitados pelo disposto no art.º 682.º n.º 2, parte final, do CPC. Na revista, como se expôs supra, o recorrente pretende a alteração de alguns dos factos dados como provados, o aditamento de um facto à matéria de facto provada e a inversão do juízo probatório da sentença quanto a um facto que foi dado como não provado e que o recorrente considera que se deve dar como provado. Ora, para tal o recorrente invoca, no essencial, presunções retiradas do posicionamento dos veículos sinistrados após o acidente, de acordo com o croquis policial então elaborado, conjugadas com considerações acerca da dimensão das viaturas estacionadas, do automóvel LZ e do motociclo e da largura da via, de tudo o recorrente inferindo uma determinada “projeção” do que, no seu entender, seria a localização e o movimento do automóvel seguro na R. quando o A. se deu conta da presença daquele na via. Localização e movimento que, segundo o recorrente, seria diversa daqueloutra que, no essencial, está dada como provada no facto n.º 14 (“Entre a parte esquerda do veículo de matrícula ..-..-LZ e a berma esquerda da Rua ..., atento o sentido de marcha deste, havia disponíveis, cerca de 2,15 m, para passarem veículos em sentido contrário”) e imporia que se desse como provado o facto dado como não provado sob a alínea a) dos factos não provados (“o veículo de matrícula ..-..-LZ circulava de forma a obstruir completamente a hemifaixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha”). Ora, o acompanhamento, por este STJ, do raciocínio exposto pelo recorrente, pressuporia que este Alto Tribunal se imiscuísse no juízo apreciativo formulado pelo julgador da primeira instância nos termos do art.º 607.º n.º 5, primeira parte, do CPC, do qual resultou o juízo de prova e não prova dos factos questionados pelo recorrente. Juízo esse que, repete-se, não afronta nenhuma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art.º 674.º n.º 3 do CPC), nem encerra manifesta ofensa das leis da lógica. Nesta parte, pois, a revista também improcede. 4. Terceira questão (culpa dos intervenientes na ocorrência do sinistro e responsabilização respetiva pelos danos sofridos pelo A..) Há que delimitar o objeto desta parte da revista. Conforme decorre do relatado supra, o A. peticionou a responsabilização da R. pela totalidade dos danos emergentes para o A. do sinistro ocorrido, imputando ao condutor do veículo seguro na R. a culpa exclusiva pelo desencadear da colisão que deu origem a esses prejuízos. A 1.ª instância considerou que os factos provados configuravam uma contribuição culposa de ambos os condutores (o A. e o condutor do veículo seguro na R.) na ocorrência do sinistro, na proporção de 65% por parte do A. e de 35% por parte do condutor seguro na R.. Consequentemente, a 1.ª instância, após computar no total de € 218 227,60 o valor dos danos (patrimoniais e não patrimoniais) sofridos pelo A. em consequência do acidente, condenou a R. no pagamento de 35% do respetivo valor, isto é, € 76 379,66 (sendo € 22 750,00 a título de danos não patrimoniais e € 53 629,66 a título de danos patrimoniais), acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos desde a citação quanto aos danos patrimoniais e desde a sentença quanto aos danos não patrimoniais, até integral pagamento. A R. apelou da sentença, propugnando a sua total absolvição, por entender que o acidente era devido, em exclusivo, a culpa do A.. Não questionou o valor dos danos calculado pela 1.ª instância. O A. recorreu da sentença, subordinadamente. Isto é, tendo-se inicialmente conformado com o seu parcial decaimento, o A. decidiu impugnar a sentença após ter sido notificado da interposição do recurso por parte da R.. Contudo, a apelação subordinada do A. foi rejeitada. Assim, por força da proibição da reformatio in pejus (art.º 635.º n.º 5 do CPC), a controvérsia ficou reduzida aos seguintes limites: a R. seguradora em nada é responsabilizada ou, no máximo, será responsabilizada em 35% do valor dos danos liquidados pela primeira instância. Prosseguindo. Como se disse, a 1.ª instância considerou ter havido, na ocorrência do sinistro, concorrência de culpas, na proporção de 65% a cargo do A. e de 35% a cargo do condutor da viatura segura na R.. Para tal, na sentença expendeu-se o seguinte: “Posto isto, no caso em apreço, afigura-se-nos não existir dúvidas que o embate se ficou a dever, de forma adequada, ao facto do condutor do veículo de matrícula ..-..-LZ ter efectuado a manobra de “ultrapassagem” dos veículos estacionados na hemifaixa de rodagem por onde circulava, invadindo a faixa de rodagem esquerda de forma relevante, em cerca de 1,20 m, considerando o seu sentido de marcha, em local próximo da aludida curva de onde provinha o autor e sem sinalizar devidamente a manobra, nomeadamente, através de sinal sonoro, por forma a avisar possíveis veículos que circulassem em sentido contrário e que se encontrassem ainda a descrever a aludida curva. Com efeito, relativamente ao cruzamento entre veículos que circulem em sentidos opostos, determina o art.º 33º, nº 1 do CE que se não for possível o seu cruzamento por a faixa de rodagem estar parcialmente obstruída, deve ceder a passagem o condutor que tiver de utilizar a parte esquerda da faixa de rodagem para contornar o obstáculo, sendo que estando obstruídos ambos os lados (ou sendo a faixa de rodagem demasiado estreita) deve ceder a passagem o condutor do veículo que chegar depois ao troço (ou, se se tratar de via de forte inclinação, o condutor do veículo que desce). Deste modo, quando ao condutor se depare um obstáculo que se torne necessário contornar, deve actuar de harmonia com regras de elementar prudência - art.º 3º, nº 2, do CE - que por igual determinam que não inicie essa manobra sem a sinalizar com a devida antecedência e sem se certificar que pode efectuá-la sem perigo para os demais utentes da via, reduzindo, para tal evitar, a velocidade respectiva, e parando mesmo, se preciso, de modo a dar passagem a outro veículo que circule em sentido contrário. Tratando-se de local em que a estrada apresenta uma curva com reduzida ou insuficiente visibilidade, deve ainda o condutor que pretende empreender tal manobra accionar os respectivos sinais sonoros, atento o preceituado pelos art.ºs 21º, nº 2, b), parte final, e 23º, ambos do CE. Assim, no caso, podemos dirigir ao condutor do veículo de matrícula ..-..-LZ um juízo de censura, por haver omitido os deveres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária que no caso concreto se impunham e cuja observância lhes teria permitido evitar o embate (embate esse que se não previu, estava obrigado a prever – as referidas regras estradais impunham-lhe prever que da sua inobservância poderia resultar o embate com veículo a circular em sentido contrário) – tivesse ele ao menos sinalizado convenientemente a manobra de ultrapassagem ou adequado a velocidade de forma a parar o veículo antes do embate e poderia ter evitado a ocorrência do mesmo. Por outro lado, afigura-se-nos que, face à factualidade acima descrita, o autor também desrespeitou regras básicas da circulação automóvel e o dever de previdência imposto a todos os condutores pelas regras de circulação automóvel estabelecidas no Código da Estrada – além de adequar a velocidade do veículo às condições e características da via, deveria o autor ter manobrado a direcção do veículo por forma a mantê-lo em circulação em trajectória que não coincidisse com o ponto onde se encontrava o veículo de matrícula ..-..-LZ ou, pelo menos, deveria também ter feito cessar a marcha do veículo antes de atingir o local onde se encontrava o referido veículo automóvel. Podemos assim também dirigir ao autor um juízo de censura por haver omitido os deveres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária que no caso concreto se impunham – art.ºs 3º, 13º, 24º e 27º, do CE - e cuja observância lhe teria permitido evitar o embate. Embate esse que se não previu, estava obrigado a prever – tivesse ele aplicado o cuidado de um condutor normalmente cuidadoso e calculista teria moderado a velocidade, o que lhe teria permitido parar ou desviar o veículo para a direita de forma a que este não fosse embater no veículo de matrícula ..-..-LZ, com o que teria evitado a ocorrência do embate. Concomitantemente, entendo verificar-se culpas concorrentes dos condutores dos veículos intervenientes no embate, em virtude da violação de normas do Código da Estrada vigente à data do embate. Vide, a este propósito, o ac. RG de 15.02.2018, disponível in www.dgsi.pt. Verificada a contribuição causal do veículo seguro na ré, pode asseverar-se que o acidente foi causado pela actuação de ambos os veículos intervenientes no sinistro, com culpa dos respectivos condutores, pelo que se impõe agora efectuar a devida proporção. A lei presume iguais as culpas das pessoas responsáveis, mas apenas quando não há elementos para atribuir a respectiva repartição, cujo critério assenta na medida das “respectivas culpas e das consequências que delas advieram” e, por conseguinte, a necessidade de se determinar em que medida as culpas efectivas contribuíram para a gravidade, maior ou menor dos danos produzidos. Trata-se de uma tarefa difícil que não pode limitar-se a uma mera “geometria“, pressupondo uma valoração comparativa das condutas fácticas, na perspectiva da sua própria intensidade e o recurso a outros factores relevantes, não bastando, por si só, a natureza da norma violada e o espectro da sua tutela ou a pluralidade de infracções. Na situação concreta, evidencia-se, num juízo de ponderação, que a contribuição maior para o eclodir do acidente deveu-se à actuação do autor, ao desviar precipitadamente a trajectória do seu veículo para a esquerda, sendo mais intensa a violação dos seus deveres, pelo que se estima a repartição na proporção de 35% para o condutor do veículo seguro e 65% para o autor. Por fim, provou-se também a ocorrência de danos e o nexo de causalidade entre estes danos e aquele facto, nos termos previstos no art.º 563º do CC (cfr. pontos 20. e seguintes do elenco dos factos provados). Pelo exposto, concluímos estarem preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil extracontratual, relativamente ao condutor do veículo seguro, na referida proporção de 35%”. Por sua vez, a Relação expendeu, sobre esta matéria, o seguinte: “Face à configuração da estrada que se descreveu, ao sentido em que seguia cada um dos veículos e ao estacionamento de veículos do lado direito da hemifaixa de rodagem destinada ao automóvel, parece-nos ser de equacionar a indagação da culpa dos condutores nos termos que passamos a referir. O condutor do motociclo, porque tem que efectuar uma curva para a direita para aceder à zona da rua onde ia a circular em sentido contrário o automóvel, dificilmente teria visibilidade total ou pelo menos adequada para aquela zona antes de fazer tal curva, e, por isso, antes de a fazer, dificilmente se podia aperceber devidamente de como se estaria lá a processar o trânsito de veículos. Por seu lado, o condutor do automóvel passou a circular pela faixa de rodagem daquela rua em invasão da hemifaixa contrária mas não podia deixar de o fazer, pois, além de ser descontínua a linha que demarcava as hemifaixas, estando estacionados do seu lado carros que ocupavam a sua hemifaixa em cerca de 1,80 metros e tendo esta 3,35 metros sobravam lhe dela 1,55 metros, os quais eram manifestamente insuficientes, pois tinha que passar afastado dos carros estacionados para com eles não colidir e ainda tinha que contar com a largura do seu carro, que teria cerca de 1,75 metros (como se refere na motivação de facto da sentença recorrida por referência a informação obtida no site “ford.pt”). Além disso, ao condutor do automóvel, em contrário do considerado na sentença recorrida, não tem que ser exigida qualquer cedência de passagem: além de a cedência de passagem em caso de cruzamento de veículos em estrada parcialmente obstruída, prevista no art. 33º nº1 a) do C. Estrada, só ter lugar se não for possível o cruzamento entre dois veículos que transitam em sentidos opostos – e tal não ocorre no caso concreto, pois o automóvel e o motociclo, nomeadamente face à largura deste (para melhor compreensão vide as fotografias deste juntas com a contestação e também constantes a fls. 56 do anexo documental junto ao processo físico) e ao espaço disponível para passar dado como provado sob o nº14 dos factos provados, podiam perfeitamente, pelo menos no exercício de uma circulação cuidada, passar um pelo outro –, tal raciocínio de cedência de passagem, no caso, não faz sentido, pois, como resulta provado sob o nº13 dos factos provados, antes de o condutor do automóvel passar a circular nos termos referidos no parágrafo anterior, nem sequer lhe era visível o motociclo, pois este, com certeza, e como decorre do provado sob o nº9 dos factos provados, ainda não tinha feito a curva à direita que do seu lado precede a recta em que circulava o veículo automóvel. Assim, porque o condutor do motociclo, como se referiu, dificilmente teria visibilidade total ou pelo menos adequada para a zona onde circulava o automóvel antes de fazer a curva para a sua direita, não sabendo por isso o que lá se passava, devia, como exigido no art 24º nº1 do C. Estrada, ter regulado a velocidade do motociclo e/ou adequado o seu modo de circulação de modo a, quando entrou naquela zona depois de efectuar a curva e não obstante a ocupação parcial da sua hemifaixa pelo automóvel nos termos sobreditos, conseguir abrandar ou até parar de modo a evitar o embate ou manter com ele uma trajectória de modo a passar pelo espaço de 2,15 metros de largura de estrada que restavam de tal hemifaixa. Porém, nada disto fez tal condutor, que antes guinou o motociclo para a sua esquerda, assim se atravessando na linha de circulação do automóvel e originando com isso o embate, o qual veio inclusivamente a ocorrer dentro da hemifaixa destinada ao sentido de trânsito em que seguia o automóvel (nº19 dos factos provados). Como resulta da posição dos veículos no local logo após o acidente documentada pelas fotos constantes de fls. 48-verso do anexo documental (juntas pela ré com a contestação), é bem visível – sobretudo na foto que está ao meio e na foto que está em baixo, tiradas do lado em que seguia o motociclo – que sobrava ao condutor do motociclo, na sua hemifaixa, espaço bem suficiente (os 2,15 metros referidos no nº14 dos factos provados) para passar pelo automóvel sem com ele colidir. A manobra de salvamento encetada pelo autor (referida sob o nº17 dos factos provados), podemos dizê-lo, não faz sentido: este, a fazer alguma coisa, guinava para a sua direita, para poder passar por aquele espaço da sua hemifaixa que lhe restava, mas nunca para a sua esquerda, em invasão da linha de circulação do automóvel e mesmo da hemifaixa de rodagem deste. Assim, o embate, face à dinâmica do acidente dada como provada, só ocorre porque o condutor do motociclo faz aquele desvio para a esquerda quando avista o automóvel e assim se atravessa na linha de circulação deste. Bastava que o condutor do motociclo se mantivesse na sua hemifaixa e circulasse com cuidado para poder perfeitamente passar pelo automóvel. Deste modo, é de concluir que, ainda que tenha havido invasão da hemifaixa contrária pelo automóvel, tal invasão não é causal, ainda que em alguma proporção, do acidente, antes o sendo em exclusivo a conduta do autor que se veio de analisar” (os sublinhados constam no original transcrito). Concorda-se com a Relação, quando considera que não é possível formular um juízo de censura para com o condutor do automóvel contra o qual o A. colidiu. Nos termos do art.º 487.º do Código Civil, “[a] culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”. No âmbito da circulação automóvel, existem regras legais que auxiliam a concretização do critério de conduta exigível aos diversos intervenientes. Assim, nos termos do disposto no art.º 3.º n.º 2 do Código da Estrada (CE), “As pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis.” Nos termos do n.º 1 do art.º 13.º do CE, “A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes”. Porém, “Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção” (n.º 2 do art.º 13.º do CE). In casu, verificou-se que a hemifaixa de rodagem por onde circulava o automóvel seguro na R. encontrava-se parcialmente ocupada por uma fila de automóveis que nela estavam estacionados, ocupando cerca de 1,80m dessa hemifaixa, a contar do extremo direito, atento o sentido de marcha do automóvel (n.º 11 da matéria de facto). Daí que o condutor do automóvel, para seguir a sua marcha, passando pela esquerda dos aludidos veículos, transpôs a linha delimitadora das duas hemifaixas, linha essa descontínua, ocupando-a em, pelo menos, 1,20m (n.ºs 12 e 2 dos factos provados). Isto é, entre o veículo e a berma da hemifaixa do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, existiria um espaço livre de cerca de 2,15 m (n.ºs 3 e 14 dos factos provados). Aquando do início da realização dessa manobra o motociclo conduzido pelo A. não era visível para o condutor do automóvel (n.º 13 dos factos provados). Ignora-se a que velocidade circulava o automóvel (n.º 15 dos factos provados). Também se ignora (sendo certo que nada consta a esse respeito, nos factos provados e não provados), se o condutor do automóvel acionou algum sinal luminoso ou sonoro, antes de iniciar a manobra, ou durante a mesma. Isto é, o factualismo provado justifica a circulação do veículo em parte da hemifaixa do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, nada se tendo provado que fundamente um juízo de censura para com o seu condutor. Já quanto ao A., provou-se que ao efetuar uma curva para a direita, atento o seu sentido de marcha, deparou com o aludido automóvel, que ocupava parcialmente a hemifaixa da direita, atento o sentido de marcha do A. (n.ºs 9 e 10 dos factos provados). Pese embora o A. dispusesse de cerca de 2,15m livres para prosseguir a marcha pela sua hemifaixa de rodagem, o A. desviou a trajetória do seu motociclo para a esquerda, atento o seu sentido de marcha, no intuito de alcançar um espaço livre de acesso para a garagem do edifício do Hospital da CUF (n.ºs 14 e 17 dos factos provados). No entanto, o condutor do automóvel também desviou a trajetória do automóvel para a direita, atento o seu sentido de marcha, vindo a ocorrer a colisão entre a parte frontal direita do referido veículo com a frente do motociclo, já na hemifaixa esquerda da rua, atento o sentido de marcha do A. (n.ºs 18 e 19 dos factos provados). Face ao exposto, concorda-se tanto com a primeira instância, como com o acórdão recorrido, quando ambos imputam culpa ao A., pela ocorrência do sinistro. O A. atuou com imperícia, ao infletir a trajetória do motociclo que conduzia, atravessando-se à frente do automóvel que circulava em sentido contrário, quando tinha espaço livre para prosseguir a marcha pela sua hemifaixa de rodagem. Discorda-se, pelo já exposto, com a primeira instância, quando esta atribuiu ao condutor do veículo seguro na R. uma quota parte de culpa na ocorrência do acidente. Mas também se discorda da Relação quando, no acórdão recorrido, considera que o sinistro se deveu exclusivamente a culpa do A.. É que, a nosso ver, para o sinistro também contribuiu o risco representado pela circulação do automóvel seguro na R., nas circunstâncias que se provaram. Nesta ação o A. pediu que a R. fosse condenada a pagar-lhe diversas quantias, a título de indemnização por danos sofridos em consequência de um acidente de viação. A causa de pedir de tal pretensão (cfr. art.º 581.º n.º 4 do CPC) consiste num acidente de viação em que intervieram o motociclo pertencente ao A. e por si conduzido e um veículo “seguro na R.”. A expressão “veículo seguro na R.” significa que, nos termos do regime do seguro obrigatório da responsabilidade civil automóvel, o proprietário do aludido veículo havia celebrado com a ora R. um contrato de seguro, nos termos do qual a R. garantia, conforme disposto no art.º 4.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21.8., a responsabilidade civil “pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal”. Tal responsabilidade civil poderia advir para o tomador do seguro, proprietário do veículo, quer a título de culpa, isto é, de comportamento censurável por si adotado no exercício da condução (art.º 483.º do Código Civil - CC), quer com base no risco, isto é, facto danoso culposamente causado na condução por seu comissário (art.º 500.º do CC) ou danos provenientes dos riscos próprios do veículo (art.º 503.º n.º 1 do CC). Na petição inicial o A. invocou a culpa do condutor do automóvel, que conduziria sob a direção do proprietário do veículo seguro na R.. Não se provou a culpa imputada ao condutor do veículo seguro na R. Também não se provou que o condutor agisse sob a direção do proprietário do veículo, isto é, que fosse seu comissário, para os efeitos previstos no art.º 500.º do CC. Mas provou-se que o veículo pertencia a BB (n.º 1 dos factos provados), o qual, à data do acidente, mantinha transferida a responsabilidade pelo risco de danos causados a terceiros com a circulação do mesmo para a ora R., por via de um contrato de seguro (n.º 67 dos factos provados). A prova da titularidade do direito de propriedade sobre um automóvel faz presumir, salvo prova em contrário, a direção efetiva que constitui pressuposto da responsabilidade pelo risco consagrada no art.º 503.º n.º 1 do Código Civil (neste sentido, cfr., v.g., STJ, 29.01.2014, processo n.º 249/04.7TBOBR.L1.S1 e STJ, 17.12.2019, processo n.º 4014/08.4TBLRA.C2.S1). E a invocação de responsabilidade por culpa para sustentar um pedido indemnizatório emergente de acidente de viação não obsta à consideração da responsabilização com base no risco. Conforme se exarou no acórdão do STJ, de 31.3.2011 (processo 8220/09.6T2SNT.L1.S1, “nestas acções emergentes de acidente de viação, quando o autor formula o pedido de indemnização com base na culpa do lesante, implicitamente está a formulá-lo com base no risco, visto este estar englobado na causa de pedir invocada, por os factos ou razões de facto serem os mesmos com excepção dos referentes à existência de culpa.” Além de o factualismo a considerar se conter no quadro dos factos essenciais que constituem a causa de pedir alegados pelo A. na petição inicial (artigos 5.º n.º 1 e 552.º n.º 1 al. d) do CPC), também as normas legais a ter em consideração, máxime os artigos 503.º n.º 1, 505.º e 506.º do CC, se inserem no quadro jurídico invocado pelo A. para sustentar a sua pretensão, qual é a responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação. Pelo que, e sendo certo que “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” – “jus novit curia” – art.º 5.º n.º 3 do CPC – pode e deve este STJ ponderar a relevância que o fator “risco” poderá ter, à luz do nosso sistema jurídico, na resolução do presente litígio (cfr., também, acórdão do STJ, de 09.12.2010, processo n.º 1201/07.6TBVCD.P1.S1). Aliás, na revista o recorrente também considerou a relevância, no caso, da responsabilidade objetiva, ao proceder à seguinte transcrição de um acórdão do STJ (pág. 47 da alegação da revista): “Também o Acórdão do STJ de 5/6/2012 decidiu que: “I - As novas concepções comunitárias têm vindo a pôr em causa a jurisprudência e doutrina tradicionais em matéria de acidentes de viação, para as quais a imputação causal do acidente ao lesado exclui, por si só, a responsabilidade objectiva. II - Com efeito, o direito comunitário, apresentando-se como garante de uma maior protecção dos lesados (alargando o âmbito da responsabilidade pelo risco), veio – em várias directivas – consagrar a protecção dos interesses dos sinistrados, vítimas de acidentes de viação, numa sociedade como a nossa em que, o excesso de veículos (estacionados ou em circulação) criou desequilíbrios ambientais, limitou o espaço pietonal e aumentou potencialmente a sinistralidade. III - Embora a escolha do regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação de veículos seja, em princípio, da competência dos Estados membros, impõe-se uma interpretação actualista das regras relativas à responsabilidade pelo risco, na consideração do binómio risco dos veículos/fragilidade dos demais utentes das vias públicas. IV - As disposições das directivas comunitárias em matéria de responsabilidade civil e seguro automóvel obrigatório – nomeadamente da Directiva n.º 2005/14/CE de 11-05 devem estar presentes em sede de interpretação do direito nacional e nas soluções a dar na aplicação desse direito, razão pela qual não é compatível – com o direito comunitário – uma interpretação do art. 505.º do CC da qual resulte que a simples culpa ou mera contribuição do lesado para a consecução do dano exclua a responsabilidade pelo risco, prevista no art. 503.º do CC.”. No caso destes autos ocorreu uma colisão de veículos. Porém, não será de lhe aplicar o regime previsto no n.º 1 do art.º 506.º do CC, pois este regula a repartição das consequências danosas do sinistro em caso de ausência de culpa, ou de falta de prova de culpa, de ambos os condutores dos veículos intervenientes na colisão. No n.º 1 do art.º 506.º do CC regula-se a partilha de responsabilidades pelo risco. Na resolução da questão que ora nos ocupa há que ponderar o disposto no art.º 505.º do Código Civil. O art.º 505.º tem a seguinte redação: “Exclusão da responsabilidade Sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.” É sabido que, na linha da lição do Prof. Antunes Varela (cfr., v.g., Das Obrigações em geral, vol. I, 8.ª edição, Almedina, pp. 687 a 694), por muito tempo a jurisprudência (v.g., acórdãos do STJ, de 18.4.2006, processo 06A701; 06.11.2008, 08B3331) considerou que o art.º 505.º do CC excluía a responsabilidade objetiva do detentor do veículo quando o acidente fosse devido a facto da vítima, culposo ou não (para além das outras duas situações previstas no preceito – acidente imputável a terceiro ou resultante de causa de força maior, estranha ao funcionamento do veículo, de que aqui não cuidamos), não sendo admissível concurso do risco com a culpa ou, simplesmente, com a imputação causal do acidente ao lesado. Para essa tese, que se pode de qualificar de “clássica” ou “tradicional”, o art.º 505.º ocupa-se de uma simples questão de causalidade. A verificação de qualquer das situações apontadas no art.º 505.º “quebra o nexo de causalidade entre os riscos próprios do veículo e o dano. Qualquer dessas causas exclui assim a responsabilidade objectiva do detentor do veículo, porque o dano deixa de ser um efeito adequado do risco do veículo” (A. Varela, ob. cit. p. 687). “Para a exacta compreensão do preceito, importa considerar que não é um problema de culpa que está em causa no artigo 505.º, pois não se trata de saber se o lesado é responsável pelos danos provenientes de facto (ilícito) que haja praticado. Trata-se apenas de um problema de causalidade, que consiste em saber quando é que os danos verificados no acidente não devem ser juridicamente considerados como um efeito do risco próprio do veículo, mas sim como uma consequência do facto praticado pela vítima.” (A. Varela, ob. cit., p. 692). Ou, nas palavras lapidares do STJ: “Culpa e risco são valores tão distintos, tão inconciliáveis, que só por mero exercício de ficção poderia fazê-los concorrer e estabelecer proporções de ambos. No âmbito da responsabilidade objectiva, ou sem culpa, a culpa da vítima afasta a razão de ser e a lógica do risco. É o que claramente resulta do artigo 505.º do Código Civil.” (acórdão de 18.4.2006, supracitado). A exclusão da responsabilidade pelo risco nas situações referidas no art.º 505.º justificar-se-ia por uma questão de justiça: “sendo já bastante severa a responsabilidade lançada sobre o detentor do veículo, não se afigura razoável sobrecarregá-la ainda com os casos em que, não havendo culpa dele, o acidente é imputável a quem não adoptou as medidas de prudência exigidas pelo risco da circulação ou a quem deliberadamente o provocou” (A. Varela, ob. cit. p. 689). Seja como for, como se dá nota na jurisprudência que veio a sufragar uma interpretação atualista do art.º 505.º do CC, e para a qual se remete, desde cedo vozes se levantaram, na doutrina, contra esta inadmissibilidade de concorrência entre culpa e risco, no âmbito da sinistralidade rodoviária. Desde logo, Vaz Serra, mas também, posteriormente, Jorge Sinde Monteiro, Calvão da Silva, Brandão Proença, e o Juiz Desembargador Américo Marcelino. Na jurisprudência, o acórdão do STJ, de 04.10.2007, processo 07B1710, foi talvez o primeiro que se afastou do aludido paradigma clássico. Aí se aceitou “ponderar a justeza da crítica, que à corrente tradicional tem sido dirigida, de conglobar, na dimensão exoneratória da norma do art. 505º, tratando-as da mesma forma, situações as mais díspares, como sejam os comportamentos mecânicos dos lesados, ditados por um medo invencível ou por uma reacção instintiva, os eventos pessoais fortuitos (desmaios e quedas), os factos das crianças e dos (demais) inimputáveis, os comportamentos de precipitação ou distracção momentânea, o descuido provocado pelas más condições dos passeios, uniformizando, assim, “as ausências de conduta, as condutas não culposas, as pouco culposas e as muito culposas dos lesados por acidentes de viação”, “desvalorizando a inerência de pequenos descuidos à circulação rodoviária”, e conduzindo, muitas vezes, a resultados chocantes.” Aí também se refere, como contexto a considerar, o sucessivo alargamento da responsabilidade civil objetiva a diversos setores, onde se admite a responsabilização pelo risco conjugadamente com a culpa do lesado (responsabilidade civil do produtor ou fabricante de produtos defeituosos, responsabilidade civil decorrente da utilização de aeronaves, de embarcações de recreio, da produção e distribuição de energia elétrica, e, de há muito, nos acidentes de trabalho). Também aí se aponta o direito comunitário e a jurisprudência comunitária, em sede de sinistralidade rodoviária, dos quais emana a obrigação de se reconhecer às vítimas de acidentes de viação uma maior proteção. Assim, no aludido acórdão do STJ de 04.10.2007, cujo objeto era uma colisão entre um automóvel que circulava numa estrada com prioridade e uma criança de 10 anos de idade que seguia numa bicicleta e desrespeitara essa prioridade, entrando na aludida estrada e sendo embatida pela viatura, cuja condutora tinha apenas seis meses de experiência de condução (o que, considerou-se, potenciara a perigosidade inerente ao próprio veículo), reduziu-se, com recurso ainda à norma de repartição do dano prevista no art.º 570.º n.º 1 do CC, a indemnização devida à criança, em 60%. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), chamado a apreciar, em reenvio prejudicial, a compatibilidade do direito português sobre a responsabilidade civil rodoviária com o direito comunitário e com a jurisprudência comunitária, terá ficado um pouco aquém das expetativas expostas no aludido acórdão do STJ, de 04.10.2007 (Caso Ambrósio Lavrador e Ferreira Bonifácio, processo C-409/09, acórdão de 09.6.2011). Com efeito, no caso de uma criança que fora colhida mortalmente, sem culpa do condutor, por um automóvel, quando a criança seguia em contramão numa bicicleta, o STJ pediu ao TJUE que respondesse à seguinte questão: “O disposto no [a]rtigo 1.° da [Terceira Directiva] deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que o direito civil português, designadamente através dos artigos 503.°, n.° 1, 504.°, 505.° e 570.° do Código Civil, em caso de acidente de viação, como o verificado nas circunstâncias de tempo[,] modo e lugar do presente caso concreto[,] recuse ou limite o direito à indemnização ao menor, também ele vítima do acidente, pela simples razão de ao mesmo[…] ser atribuída parte ou mesmo a exclusividade na produção dos danos?» O TJUE, após ponderar que: “29. Como o Tribunal de Justiça já precisou, as referidas directivas [Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade («Primeira Directiva»); Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis («Segunda Directiva»), e Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis («Terceira Directiva»)] ficariam privadas desse efeito [“efeito útil”] se, apenas com fundamento na contribuição da vítima para a produção do dano, uma regulamentação nacional, definida com base em critérios gerais e abstractos, recusasse à vítima o direito de ser indemnizada pelo seguro automóvel obrigatório ou limitasse esse direito de modo desproporcionado (v., neste sentido, acórdão Candolin, já referido, n.° 29). Por conseguinte, só em circunstâncias excepcionais, com base numa apreciação individual, a extensão da indemnização da vítima poderá ser limitada (acórdão Candolin, já referido, n.° 30); “31. Há que salientar que, no litígio no processo principal, diferentemente das circunstâncias que deram origem aos acórdãos, já referidos, Candolin e Farrell, o direito à indemnização das vítimas do acidente é afectado não devido a uma limitação da cobertura da responsabilidade civil pelo seguro operado por disposições em matéria de seguro, mas devido a uma limitação da responsabilidade civil do condutor segurado, por força do regime de responsabilidade civil aplicável”; “32. A este respeito, resulta da decisão de reenvio que os artigos 503.° e 504.° do Código Civil português prevêem uma responsabilidade objectiva em caso de acidente de viação, mas que, em conformidade com o artigo 505.° deste código, a responsabilidade pelo risco prevista no artigo 503.°, n.° 1, do referido código é excluída quando o acidente for imputável à vítima. Além disso, quando um facto culposo da vítima tiver concorrido para a produção ou o agravamento dos danos, o artigo 570.° do Código Civil português prevê que, com base na gravidade desse facto, a referida pessoa pode ser total ou parcialmente privada de indemnização”; “33. Por outras palavras, a legislação nacional aplicável no âmbito do litígio no processo principal só afasta a responsabilidade pelo risco do condutor do veículo envolvido no acidente, num contexto como o do presente processo, quando a responsabilidade pelo acidente for exclusivamente imputável à vítima. Além disso, caso a vítima, por facto que lhe seja imputável, tenha concorrido para a produção do dano ou para o seu agravamento, a indemnização desta, nos termos dessa legislação, é afectada numa medida proporcional ao grau de gravidade desse facto”; [negrito nosso] “34. Contrariamente aos contextos jurídicos que deram origem aos acórdãos, já referidos, Candolin e Farrell, a mencionada legislação não tem assim por efeito, no caso de a vítima ter contribuído para o seu próprio dano, excluir automaticamente ou limitar de modo desproporcionado o seu direito, no caso concreto, o direito dos pais de um menor que faleceu, quando circulava numa bicicleta, em resultado de uma colisão com um veículo automóvel, de ser indemnizada pelo seguro obrigatório de responsabilidade civil do condutor do veículo envolvido no acidente. Não afecta assim a garantia, prevista pelo direito da União, de que a responsabilidade civil, determinada segundo o direito nacional aplicável, seja coberta por um seguro conforme com as três directivas acima mencionadas (v. acórdão Carvalho Ferreira Santos, já referido, n.os 43 e 44)”; [negrito nosso] Terminou por concluir (o TJUE) que “35. Em face das considerações precedentes, há que responder à questão submetida que a Primeira, Segunda e Terceira Directivas devem ser interpretadas no sentido de que não se opõem a disposições nacionais do domínio do direito da responsabilidade civil que permitem excluir ou limitar o direito da vítima de um acidente de exigir uma indemnização a título do seguro de responsabilidade civil do veículo automóvel envolvido no acidente, com base numa apreciação individual da contribuição exclusiva ou parcial dessa vítima para a produção do seu próprio dano.” Como resulta do seu teor, o decidido pelo TJUE teve “como pressuposto que a ordem jurídica portuguesa admite a concorrência entre a imputação do acidente ao lesado e o risco do condutor, cuja ponderação conjugada, para efeitos de concessão, limitação ou exclusão da indemnização, depende da apreciação em concreto das circunstâncias do caso” (cfr. acórdão do STJ, de 30.11.2022, processo n.º 1896/20.5T8FNC.L1.S1, citando Rui Mascarenhas Ataíde, «Concurso de imputações no âmbito dos acidentes de viação. Os riscos próprios do veículo e o facto do lesado, culposo ou meramente causal», in Revista de Direito Civil, 2021, n.º 2, págs. 335 e segs). No caso nacional que justificou o mencionado reenvio prejudicial para o TJUE, o STJ, por acórdão proferido em 05.6.2012 (processo 100/10.9YFLS – citado, como se referiu supra, pelo recorrente), acabou por imputar à bicicleta uma proporção de 40% e ao automóvel uma proporção de 60%, no eclodir do acidente e respetivos danos. Para tal, após se ajuizar que não era compatível com o direito comunitário uma interpretação do art.º 505.º do CC pela qual a simples culpa ou mera contribuição do lesado para a consecução do dano exclua a responsabilidade pelo risco, considerou-se que, relativamente a uma criança com seis anos de idade, que passeia numa bicicleta, não se pode falar em culpa, não havendo, como decorre dos artigos 488.º n.ºs 1 e 2 do CC, nexo de imputação culposa ao menor, atenta a sua idade. Por outro lado, nos autos não fora alegada a existência de culpa in vigilando, pelo que esta não poderia ser considerada. Finalmente, ajuizou-se que era aplicável ao caso a norma de repartição do risco prevista no art.º 506.º do CC e levou-se em consideração a perigosidade própria de um veículo que circula numa povoação e a perigosidade de uma bicicleta que era conduzida pela forma descuidada descrita no acórdão. Fazendo-se eco da possibilidade de responsabilização pelo risco em caso de acidente para o qual contribuiu decisivamente facto não culposo respeitante à vítima, veja-se o caso julgado pelo STJ, no acórdão proferido em 19.3.2019 (processo 5173/15.5T8BRG.G1.S1). Uma senhora, que acabara de sair de um autocarro e já estava em cima do passeio, desequilibrou-se no preciso momento em que o veículo retomava a sua marcha, caindo e sendo atropelada numa perna. O STJ entendeu que “[t]endo sido provado que o acidente foi causado pela conduta da A. lesada, sem que se possa invocar ter a mesma qualquer modo de a controlar, por se tratar de um acto involuntário (…) o juízo de adequação e proporcionalidade não deve excluir a responsabilidade do detentor efectivo do veículo pelos riscos próprios do mesmo; e portanto não é de excluir a responsabilidade da R. seguradora para quem tal responsabilidade fora transferida”. Considerou-se que “[o] risco de circulação do veículo, máxime sendo um veículo pesado, contribuiu sobremaneira para o dano”. De tudo resultou a não redução do valor indemnizatório a fixar a favor da vítima. Também se considerou ter havido responsabilidade concorrente pelo risco e por culpa do lesado, no caso de uma criança de 12 anos de idade, que acabara de sair de um autocarro de passageiros e tentara atravessar a estrada em corrida, passando pela frente do autocarro, e voltara atrás, sendo atropelada por automóvel que circulava a cerca de 40 km/hora. Ao abrigo do art.º 570.º do CC, reduziu-se a indemnização devida em 60% (STJ, acórdão de 28.3.2019, processo 954/13.7TBPMS.C1.S1). Também aplicando a referida interpretação atualista dos artigos 505.º e 570.º do CC, propugnando a concorrência entre risco do veículo lesante e culpa do lesado, o STJ, em acórdão proferido em 24.9.2020 (processo 9/14.7T8CPV.P2.S1), imputou, na eclosão do acidente e seus danos, 60% à culpa do lesado e 40% ao risco do veículo, num caso em que um peão idoso foi atropelado quando, circulando inicialmente por uma estreita berma da estrada, começou a caminhar pela estrada, junto à berma, de costas para um automóvel cujo condutor, momentaneamente encadeado pelo Sol, não o viu e não conseguiu evitar o atropelamento. Entendeu-se que a conduta do peão, embora censurável, “…configura-se como desatenção decorrente da quotidiana convivência com a fonte de perigo do que uma deliberada exposição a um risco grave, justificante da total exclusão da eventualmente concomitante responsabilidade pelo risco.” Sobre esta matéria, revemo-nos nas seguintes considerações, constantes no acórdão do STJ, de 01.6.2017, processo 1112/15.1T8VCT.G1.S1: “No nosso entendimento, o regime normativo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 505º e 570º do CC deve ser interpretado, em termos actualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre culpa do lesado e risco do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura – o que nos afasta do resultado que decorreria de uma estrita aplicação da denominada tese tradicional: ou seja, não pode, neste entendimento, excluir-se à partida que qualquer grau de culpa do lesado (nomeadamente do utente das vias públicas mais vulnerável) no despoletar do acidente, independentemente da gravidade do facto culposo e do grau da sua efectiva contribuição para o sinistro, deva, sem mais, excluir automaticamente a responsabilidade decorrente, no plano objectivo, dos riscos próprios da circulação do veículo, independentemente da intensidade destes e do grau em que contribuíram causalmente, na peculiaridade do caso concreto, para o resultado danoso. Esta conclusão é, em última análise, imposta pelo princípio fundamental da adequação e da proporcionalidade – que naturalmente tenderá a inviabilizar a total e sistemática desresponsabilização do detentor do veículo causador do acidente, nos casos em que foi muito intensa a contribuição para o resultado danoso de riscos agravados da circulação do veículo e diminuta a relevância da falta imputável ao lesado, cometida com culpa leve ou com escassa relevância causal para a produção ou agravamento das lesões por ele próprio sofridas.” Isto é, segundo esse acórdão do STJ, de 01.6.2017, os tribunais deverão formular um “juízo de adequação e proporcionalidade”, “perante as circunstâncias de cada caso concreto, pesando, por um lado, a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente; e, por outro, valorando a gravidade da culpa imputável a comportamento, activo ou omissivo, do próprio lesado e determinando a sua concreta contribuição causal para as lesões sofridas, de modo a alcançar um critério de concordância prática que, em determinadas situações, não conduzirá a um automático e necessário apagamento das consequências de um relevante risco da circulação do veículo, apenas pela circunstância de ter ocorrido alguma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente…”. E a verdade é que se tem sedimentado, no STJ, jurisprudência que tem vindo a admitir a relevância dos riscos próprios do veículo lesante, mesmo em casos em que, segundo o juízo formulado por este Alto Tribunal, o lesado agiu com culpa “mediana” (atropelamento de jovem mãe que atravessava imprudentemente a rua transportando nos braços uma criança de três anos – acórdão de 25.5.2021, processo 3883/18.4T8FAR.E1.S1), ou com culpa “que não é leve” (atropelamento de menor que atravessou a rua sem que a mãe exercesse com a devida diligência o seu dever de vigilância sobre o menor – acórdão de 30.11.2022, processo 1896/20.5T8FNC.L1.S1), considerando-se que só haverá exclusão (total) da responsabilidade pelo risco em caso de dolo ou culpa grave do lesado ou quando o facto, não culposo, do lesado, seja a causa exclusiva do acidente (cfr. acórdão de 05.5.2022, processo 5080/18.0MTS.P1.S1 e demais acórdãos aí citados). Estas decisões da jurisprudência têm tido aplicação a situações em que o lesado era um peão, ou conduzia um velocípede, ou seja, a casos de particular fragilidade da vítima face à circulação rodoviária. Mas, pensando agora no caso destes autos, não há impedimento a que a exposta interpretação atualista do art.º 505.º do Código Civil seja aplicada a lesados motociclistas, nomeadamente atendendo a que o respetivo meio de transporte sujeita o seu condutor a uma situação de manifesta inferioridade, no que concerne às suas consequências, em caso de colisão com automóveis ligeiros e/ou pesados. Por esse motivo, no acórdão proferido em 13.4.2021, no processo n.º 4883/17.7T8GMR.G1.S1, o STJ não viu obstáculo a que, no que concerne à colisão entre um automóvel ligeiro e um motociclo, se ponderasse a responsabilidade das partes à luz da referida jurisprudência “atualista” (embora, no caso, se tivesse concluído que, atendendo às circunstâncias concretas do acidente, o mesmo se devera exclusivamente a culpa do lesado – o motociclista). Quanto ao risco relevante, tanto se admite que o seja o representado pela mera circulação do veículo automóvel lesante, com a respetiva força cinética (cfr., v.g., acórdão do STJ de 09.3.2023, processo n.º 974/19.8T8AVR.P1.S1 e acórdão do STJ de 24.9.2020, processo n.º 9/14.7T8CBR.C1.S1), como se exige um risco agravado ou resultante de especiais circunstâncias, nos termos que aqui se transcrevem, exarados no acórdão do STJ de 31.5.2023, processo n.º 521/16.3T8VFR.P1.S1: “…é pressuposto da última das construções [interpretação atualista do art.º 505.º do CC] a existência de situações em que a própria circulação automóvel, mesmo com obediência e cumprimento das regras estradais, cria um risco especial de acidente (entroncamentos com estradas de intenso movimento, proximidade de curvas fechadas, manobras de entrada ou saída de parques ou propriedades de veículos de grandes dimensões, circulação destes veículos em estradas com largura inferior a 6 metros, ultrapassagens a veículos estacionados na via de circulação, etc.), uma vez que tais situações podem contribuir tanto ou mais para o acidente (e respectivos danos) que a falta de atenção ou o relativo excesso de velocidade ou outra infracção imputável ao lesado, nomeadamente se também condutor de veículo que intervém no acidente. Mesmo assim, esse risco especial não pode ser apenas e só o que resulta da colocação nessas circunstâncias físicas, geográficas e mecânicas de um veículo como máquina em circulação. Terá que ser um risco agravado, para além da força cinética do veículo, traduzido em funcionamento deficiente e/ou imprevidente da máquina (por ex., a falta repentina dos travões, o rebentamento de um pneu) ou em especificidades de perigo da circulação/utilização em concreto (por ex., um piso escorregadio ou oleoso, o súbito aparecimento de um obstáculo ou de um veículo na estrada”. Volvamos ao caso destes autos. Para o acidente contribuiu, manifestamente, conduta censurável do A., que, num movimento de imperícia, se atravessou perante o veículo automóvel seguro na R., que circulava em sentido contrário ao do motociclo que o A. conduzia, quando, apesar da presença do automóvel, havia espaço suficiente para o motociclo prosseguir a marcha pela “sua mão”. Mas a verdade é que para o acidente contribuiu a presença inesperada do automóvel seguro na R., cujo condutor se vira forçado a ocupar parte da hemifaixa de rodagem destinada ao trânsito que se fazia em sentido oposto, a fim de ultrapassar os veículos que se encontravam estacionados em fila, ocupando parte da hemifaixa de rodagem em que o automóvel transitava. Tudo isto numa área próxima de uma curva com pouca visibilidade. Se não estivessem estacionados veículos na hemifaixa de rodagem do automóvel, este não ocuparia parte da hemifaixa destinada ao trânsito contrário e o motociclo cruzar-se-ia com ele sem qualquer problema. Assim, as particulares circunstâncias que rodearam a circulação do veículo automóvel incrementaram a perigosidade inerente à sua normal utilização. No que diz respeito à conduta do A., então um jovem com 19 anos de idade (n.º 58 dos factos provados), os factos provados justificam a qualificação de “culpa mediana”. Tudo ponderado, e sendo certo que também o A. se fazia transportar num veículo motorizado que, pelas suas características, acarretava riscos para terceiros e para o próprio, afigura-se-nos que a redução da indemnização devida ao A. fica adequadamente estabelecida em 65%, imputando-se, por conseguinte, 35% ao risco criado pelo veículo seguro na R. e 65% à condução culposa do A.. Tal significa que se repristina o dispositivo emitido pela 1.ª instância, embora com alteração na fundamentação. III. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a revista parcialmente procedente e consequentemente: 1.º Revoga-se o acórdão recorrido; 2.º Repristina-se o dispositivo da sentença proferida pela primeira instância, com alteração na fundamentação. As custas na ação, na apelação principal e na revista, na componente de custas de parte, são a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º do CPC). As custas da apelação subordinada, na componente de custas de parte, são a cargo do A. Lx, 16.11.2023 Jorge Leal (Relator) Pedro de Lima Gonçalves Maria João Vaz Tomé