Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional I – A Causa 1. A. (a ora Reclamante) intentou, em representação do seu filho B., no Juízo de Família e Menores de Guimarães, uma ação de investigação da paternidade, que ali correu os seus termos com o número 3278/16.4T8GMR, contra C., invocando, em síntese, que este é o pai biológico do menor. 1.1. O processo culminou, em primeira instância, na prolação de sentença que julgou a ação improcedente, considerando que “[…] a mãe do menor B., no período legal de conceção deste, não manteve relações sexuais exclusivas com C.. Daqui resulta que o autor não logrou demonstrar a sua tese, o que conduz à improcedência da ação”. 1.1.1. Desta decisão recorreu a Autora para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 21/11/2019, negou provimento ao recurso, em suma, porquanto “[…] não tendo o autor feito prova da paternidade biológica do réu em relação à sua pessoa, é de considerar que existem “dúvidas sérias” sobre a paternidade do réu em relação ao autor quando foram realizados três exames hematológicos ao sangue recolhido ao autor, à mãe deste e ao réu, com um número crescente de perfis genéticos analisados nessas sucessivas periciais, e os peritos concluem, nesses três exames, pela exclusão da paternidade […]”. Dos fundamentos desta decisão consta, designadamente, que “[…] não tendo o apelante feito prova direta da paternidade biológica do apelado em relação à sua pessoa, restava-lhe, com vista a obter a procedência da presente ação, fazer prova dos factos base das presunções legais que elegeu como causa de pedir na presente ação – a posse de estado do apelado em relação à sua pessoa e a ocorrência de relações sexuais entre aquele e a mãe do apelante durante o período legal de conceção deste. Acontece que ainda que o apelante tivesse feito prova dos factos base daquelas presunções legais – matéria essa cujo julgamento de não provado aquele impugnou, mas que nos abstivemos de reapreciar perante os fundamentos jurídicos que acima já explanamos e que vamos passar a enunciar –, essas presunções legais, nos termos do n.º 2 do art. 1871.º do CC, consideram-se ilididas quando existam dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado”. 1.1.2. A Autora interpôs recurso desta última decisão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que, por acórdão de 02/06/2020, negou provimento ao recurso. 1.1.3. A Recorrente arguiu a nulidade do acórdão de 02/06/2020. No respetivo requerimento, invocou a inconstitucionalidade da “[…] interpretação dada ao artigo 1871.º, n.º 1, alínea e), e n.º 2, [do Código Civil, na interpretação segundo a qual] a presunção de paternidade se deve considerar ilidida quando, não obstante se não provar que a mãe manteve relações de sexo no período legal da conceção com mais nenhum homem, seja escassa a possibilidade de ser esse o pai da criança, em virtude do resultado de exames hematológicos que lhe atribuam uma hipótese de paternidade remota […]”. 1.1.4. Por acórdão de 14/07/2020, foi a arguição de nulidade desatendida, considerando-se, designadamente, que a questão de inconstitucionalidade “[…] não foi suscitada no momento processualmente adequado […]” e carece de normatividade, pois “[…] remete para as idiossincrasias do caso concreto e para especificidades da ponderação da prova, não se revestindo da natureza geral e abstrata exigida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, nem sendo possível destacar dela um sentido normativo suscetível de ser aplicado a um número indeterminado de casos […]”. 1.2. A Recorrente pretendeu, então, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tendo em vista um juízo de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 1871.º, n.º 1, alínea e), e n.º 2, do Código Civil, interpretados no sentido de que “[…] a presunção de paternidade se deve considerar ilidida quando, não obstante se não provar que a mãe [não] manteve relações de sexo no período legal com mais nenhum homem, seja médico-legalmente remota a possibilidade de ser esse o pai da criança, em virtude do resultado de exames hematológicos […]”. 1.2.1. O requerimento de interposição de recurso foi objeto de um despacho de não admissão – que constitui a decisão reclamada – com fundamento em: (a) falta de dimensão normativa da questão com que se pretende moldar o objeto do recurso; e (b) não ter sido observada a condição de recorribilidade prevista no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, não sendo atendível, para o efeito, a suscitação da questão em incidente pós-decisório. 1.2.2. A Recorrente reclamou desta decisão para o Tribunal Constitucional, invocando o seguinte: “[…] 4 – Não parece aceitável nenhuma dessas razões de recusa, porquanto: a) Quanto a pretensa falta de suscitação prévia da questão da constitucionalidade, tendo a constitucionalidade sido suscitada, como se reconhece em requerimento dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, ficou cumprida integralmente a exigência posta pelo artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC (cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em Secção, das decisões dos Tribunais (...) que apliquem norma a cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”. De resto, e sem qualquer ironia, não pode deixar de considerar-se uma decisão surpresa aquela que, como a recorrida, recusou a prova da paternidade, apesar de apenas uma pessoa, no período legal da conceção, ter tido relações de sexo com a mãe do investigante, e isto porque, como se disse, a mãe do investigante não é a Virgem Maria. b) Quanto a pretensa falta de suscitação de uma interpretação ou dimensão normativa geral e abstrata, não apenas o Acórdão que sobre a questão se pronunciou já não era capaz de a formular em termos suficientemente inteligíveis, como a explicação agora dada, com alusão a paternidades híbridas, e referência ao valor de exames hematológicos que tanto são qualificados como absolutamente decisivos, como são tidos como meios de prova de apreciação livre, não podem ser admissíveis, visto que, bem pelo contrário, a questão suscitada tem evidentes características de generalidade e abstração que ultrapassam o caso concreto. 5 – No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional já fora esclarecido que a questão fora suscitada no decurso do processo, e desatendida por um dos citados acórdãos, com o argumento de que “o teor da alegada questão de constitucionalidade não está concebido em termos que vinculem o juiz a decidi-la por falta de normatividade, pois remete para as idiossincrasias do caso concreto e para especificidades da ponderação da prova, não se revestindo de natureza geral e abstrata (...) nem sendo possível destacar dela um sentido normativo suscetível de ser aplicado a um número indeterminado de casos”. Nesse mesmo requerimento, sem sensibilizar pelos vistos Ex.ma Relatora, pretendeu chamar-se a atenção pelo facto de a questão suscitada não vestir o “catálogo” apontado, pois nada tem que ver com pressupostos que se prendam ao caso concreto, e a decisão recorrida que ofende os direitos da recorrente pode e deve ser revertida em nome da necessidade de um julgamento válido para todos os casos de investigações de paternidade. Repete-se que é suficientemente geral e abstrata a questão suscitada pois no caso concreto provou-se a exclusividade de relações de sexo no período legal da conceção, mas a paternidade ainda assim excluída apenas por médico – legalmente ser pouco provável que o investigado seja o pai do investigante. 6 – Na verdade, o Acórdão do STJ aceitou que o “resultado de exclusão da paternidade não tem valor absoluto”, mas sustentou que isso não significa que se aceite provada a paternidade, quando essa hipótese for “quase nula”. Os peritos médicos, no caso, “reconheceram que o resultado de um exame de exclusão de paternidade não é em abstrato absoluto, mas esclareceram que no caso concreto, a hipótese de o réu ser de facto o progenitor biológico da criança era, na expressão de um dos peritos, «quase nula»”. Daí que o Acórdão recorrido firme a doutrina inconcebível de que “não se pode considerar provada a paternidade, independentemente da prova da exclusividade das relações sexuais entre a autora (mãe) e o réu (pretenso pai), uma vez que os exames hematológicos esclarecem que está excitada a paternidade do réu”, com o sentido de que essa possibilidade é “quase nula”. 7 – Na verdade, o Acórdão recorrido considera que, de facto, não está excluída de todo a paternidade, uma vez que não é possível excluí-la em absoluto, mas ainda assim aderiu à tese das instâncias, entendendo que não pode censurar o tribunal recorrido por excluir a paternidade, uma vez que esta é de excluir, embora com uma margem de erro “quase nula”, “para considerar que, mesmo sendo feita a prova da exclusividade das relações sexuais entre a mãe e o pretenso pai, sempre se estaria perante uma situação em que a paternidade do réu não poderia ficar estabelecida”, pois “a atribuição de um maior valor probatório a um parecer técnico jurídico quando comparado com a prova testemunhal, ao abrigo dos juízos de ponderação que as instâncias podem usar na livre apreciação da prova não é sindicável por este Supremo Tribunal”. Ora, não pode considerar-se por um lado correta a decisão que exclui a paternidade e ao mesmo tempo considerar-se que a paternidade pode ser excluída, apesar de, embora numa hipótese remota, ela pudesse ser atribuída. Insiste-se, ad nauseam, a recorrente não é a Virgem Maria: teve um filho, e esse filho foi gerado pela recorrente conjuntamente com um homem. Não se conhece nem ninguém lhe apontou qualquer outro relacionamento sexual para além do que teve com o réu. Daí que, remota ou não, a possibilidade de o réu ser o pai do filho da recorrente, não pode deixar de ser-lhe atribuída a paternidade, porque foi o único homem com quem se relacionou sexualmente no período legal da conceção. 8 – Ora, o artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa prescreve que “a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da, personalidade, da capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Por sua vez, o artigo 36.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa estabelece o princípio de que “os filhos nascidos fora do casamento não podem por esse motivo ser objeto de qualquer discriminação”. E foi nessa linha que o Código Civil, no artigo 1871.º, n.º 1, al. e), estabeleceu o princípio de que a paternidade se presume quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal da conceção. As dúvidas a que se refere o citado acórdão só podem ser as que resultem da possibilidade de existir qualquer “concorrência” de hipóteses de paternidade, não podem resultar de qualquer exame hematológico, conclua ele o que concluir. Não é, por isso, possível excluir a paternidade de quem teve relações sexuais com a mãe no período legal da conceção, a não ser que, através de um juízo fundado na “exceptio plurium”, se demonstre que no mesmo período legal da conceção a mãe teve relações com outro ou outros homens. A interpretação dada à referida norma do Código Civil, considerando ilidida a presunção não obstante se não provar, nem ter sido alegado, que a mãe do menor manteve relações de sexo com outro homem no período legal da conceção, viola, pois, a indicada norma constitucional que garante a todos os cidadãos à identidade pessoal. 9 – Assim sendo, o despacho sobre reclamação é francamente mal fundado e não pode manter-se, porquanto deve ter-se por indiscutível que: a) É legalmente impossível excluir a paternidade em termos absolutos, e, em consequência, b) É inconstitucional a interpretação dada ao artigo 1871.º, n.º 1, al. e), e n.º 2, no sentido de que a presunção de paternidade se deve considerar ilidida quando, não obstante se não provar que a mãe manteve relações de sexo no período legal da conceção com mais nenhum homem, seja médico-legalmente remota a possibilidade de ser esse o pai da criança, em virtude do resultado de exames hematológicos. Assim sendo, a presente reclamação deve ser atendida, revogar-se o despacho sob censura, e o recurso ser recebido para que se faça justiça. Termos em que, respeitosamente, se requer, que, cabendo a decisão da presente reclamação à conferência a que se refere o n.º 3 do art. 78.º-A da LTC, que funciona no Tribunal Constitucional, sejam os autos remetidos a este referido Tribunal, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, e 77.º, n.º 1, da LTC. […]” (sublinhados acrescentados). 1.2.3. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, com os fundamentos seguintes: “[…] 8. Um dos requisitos de admissibilidade do recurso na modalidade invocada consiste na suscitação adequada, durante o processo, da questão de constitucionalidade (artigo 72.º, n.º 2, da LTC. 9. No caso dos autos, o momento processualmente adequado para essa suscitação era o das alegações no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça. 10. Ora, vendo essa peça processual, nela não se vislumbra que a questão de constitucionalidade tivesse sido colocada para ser apreciada na Relação de Guimarães. 11. Daí – e muito bem – que no acórdão de 14 de julho de 2020, que indeferiu a reclamação na qual se arguia a nulidade do acórdão e se levantava uma questão de constitucionalidade (vd. pontos 5 e 6), se ter dito: “Relativamente à pretensa questão de constitucionalidade formulada pelo reclamante, importa dizer que a mesma não foi suscitada no momento processualmente adequado, na medida em que tendo sido esta interpretação aplicada também no acórdão recorrido, o reclamante devia tê-la colocado logo nas alegações de revista, o que não fez não sendo a arguição de nulidades o momento adequado para tal”. 12. Efetivamente a recorrente só estaria dispensada de cumprir aquele ónus naquele momento processual se o Supremo Tribunal de Justiça tivesse adotado qualquer interpretação anómala, imprevisível ou surpreendente, o que não se verificou, nem a reclamante demonstra que tal tivesse ocorrido. 13. Tanto bastaria para indeferir a reclamação. 14. Por outro lado, também nos parece, como se entendeu ora reclamada, que a questão de constitucionalidade, tal como enunciada, não se reveste de natureza normativa envolvendo “a apreciação de questões de facto que nem o Supremo Tribunal de Justiça, nem o Tribunal Constitucional, têm competência para conhecer”. […]” Cumpre apreciar e decidir a reclamação. II – Fundamentação 2. Há que determinar se a Reclamante A. interpôs um recurso de constitucionalidade apto a ser recebido, tendo presente que pretendeu (pretende) recorrer dos acórdãos do STJ de 02/06/2020 e de 14/07/2020 (o ora Reclamante afirma pretender recorrer “dessas decisões”), sendo que o primeiro julgou improcedente o recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação e o segundo desatendeu uma arguição de nulidade do primeiro, recurso esse (para o Tribunal Constitucional) que foi objeto de um despacho de não admissão (que constitui a decisão reclamada), por não ter por objeto uma questão de inconstitucionalidade normativa e por não ter sido observado o ónus previsto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC. 2.1. Tendo presente que a Reclamante pretendeu interpor um recurso nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, importa notar que corresponde a um traço definidor do nosso sistema de controlo da constitucionalidade o respetivo caráter normativo. Com efeito, ao contrário de outros sistemas que consagram a possibilidade de um controlo jurisdicional diretamente dirigido às decisões dos restantes tribunais, no sistema português a fiscalização incide – e só incide – sobre normas, estando excluída a apreciação pelo Tribunal Constitucional de recursos que questionem, mesmo que o façam numa perspetiva de conformidade a regras e princípios constitucionais, os concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros Tribunais. É assim que este Tribunal julga, na fase final de controlo concentrado que lhe está cometida, a desconformidade ou não desconformidade, face à Constituição, de normas jurídicas aplicadas no tribunal a quo. O objeto normativo – com o recorte referido – constitui, pois, a condição primordial do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Não se trata, porém, da única condição. Com efeito, neste tipo de recursos, exige-se ainda (e exige-se cumulativamente): (i) a prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa (com o específico sentido atrás apontado), “durante o processo” e “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC); e, enfim, (ii) a aplicação, na decisão recorrida, como ratio decidendi, da norma tida por inconstitucional pelo recorrente, na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no requerimento de recurso, pois “[…] só assim um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão” (Acórdão n.º 372/2015). 2.2. À luz das considerações antecedentes, importa atentar nas condições de recorribilidade no caso dos autos. 2.2.1. A decisão reclamada concluiu que o Recorrente, ora Reclamante, não moldou o recurso por referência a uma questão de inconstitucionalidade normativa. Efetivamente, assim acontece. É por demais evidente que do enunciado do Recorrente transcrito no item “1.2.”, supra, não consta qualquer questão de inconstitucionalidade normativa – trata-se de uma questão de juízo probatório, só formalmente referida a uma norma, que poderia, eventualmente, ser objeto de um recurso ordinário de mérito, se a ele houvesse lugar, mas em caso algum de um recurso incidental com caráter normativo. Ademais, para além de o Tribunal Constitucional não poder substituir-se ao Recorrente na construção de um recurso normativo, tal tarefa sempre se revelaria, in casu, impossível, visto que a verificação do concreto juízo probatório implicaria, como justamente se assinala na decisão reclamada, “a apreciação de questões de facto que nem o Supremo Tribunal de Justiça nem o Tribunal Constitucional têm competência para conhecer”. A demonstrar a falta de normatividade está, desde logo, o teor do requerimento de interposição do recurso, do qual resulta, claramente, a pretensão de sindicar o juízo probatório, construída mesmo sobre pressupostos contrários à matéria fixada no processo (por exemplo, ao afirmar-se que o réu foi a única pessoa com quem a autora manteve relações sexuais no período legal, quando a exclusividade não resultou provada – matéria que, obviamente, não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar). Não se trata, em suma, de um objeto idóneo do pretendido recurso de fiscalização concreta, por manifesta falta de normatividade, pelo que é válido o primeiro fundamento da decisão reclamada para não admitir o recurso (em si mesmo suficiente para concluir pelo indeferimento da reclamação). 2.2.2. Entendeu-se na decisão reclamada que a Recorrente não observou o ónus previsto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC. O argumento invocado pela Recorrente, ora Reclamante, a este respeito, não tem qualquer apoio legal. Afirma a Reclamante que “tendo a constitucionalidade sido suscitada, como se reconhece em requerimento dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, ficou cumprida integralmente a exigência posta pelo artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC (cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em Secção, das decisões dos Tribunais (...) que apliquem norma a cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”. Esquece a reclamante que a previsão do artigo 72.º, n.º 2, da LTC não se limita a estabelecer a legitimidade daqueles que hajam “suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida”, mas sim daqueles que o tenham feito “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”. Tal requisito “[…] só se considera dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade. Este requisito visa dar oportunidade a que o tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de constitucionalidade que posteriormente venha a ser colocada ao Tribunal Constitucional. Deve-se considerar que não era exigível que o Recorrente tivesse cumprido este ónus, apenas quando a aplicação da norma cuja constitucionalidade é impugnada tenha sido de todo surpreendente, não sendo possível à parte Recorrente ter previsto a sua utilização como ratio decidendi” (Acórdão n.º 44/2012). Assim, como o Tribunal tem, repetidamente, afirmado, em jurisprudência há muito consolidada, os incidentes pós-decisórios não são o momento processualmente adequado para suscitar questões de inconstitucionalidade relativamente a normas aplicadas na decisão que os precede (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n.os 394/2005, 533/2007, 55/2008, 542/2015, 278/2017 e 130/2017). No caso, não há justificação para a dispensar a Recorrente de observar o ónus previsto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, pois a apreciação do caso e a aplicação das normas pelo STJ nada tem de surpreendente, face ao decidido pelo Tribunal da Relação. Vale o exposto por dizer que, também pela validade do segundo fundamento em que assentou a decisão reclamada, deve a mesma ser confirmada. 2.3. Resultando confirmados os fundamentos da decisão reclamada, resta afirmar a inviabilidade do recurso, com a consequente improcedência da reclamação. III – Decisão 3. Em face do exposto, decide-se confirmar a decisão reclamada, mantendo, consequentemente a decisão não admissão do recurso de constitucionalidade pretendido interpor pela Reclamante A., em representação do seu filho B.. 3.1. Custas a cargo da Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Unidades de Conta (artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, ponderados os critérios constantes do artigo 9.º, n.º 1, do mesmo diploma). Lisboa, 10 de novembro de 2020 – José Teles Pereira – João Pedro Caupers