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Acórdão TR Lisboa de 2011-06-07

1/2001.L3-7

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo1/2001.L3-7
RelatorDina Monteiro
DescritoresInvestigação de Paternidade, Relatório Pericial, Presunção de Paternidade
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2011-06-07
VotaçãoMaioria com * Dec Vot e * Vot Venc
Meio ProcessualAPELAÇÃO
DecisãoProcedente

Sumário

I. Os resultados de uma prova pericial não são incontestáveis. Bem pelo contrário, é desde logo o artigo 389.º do Código Civil que afirma que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal. II. A expressão “pode ter sido”, apresentada como conclusão do relatório pericial efectuado à letra e assinatura do pretenso progenitor, situa-se acima do meio da Tabela elaborada por aquela mesma instituição pericial, mais concretamente, no escalão n.º 5, tendo quatro pontos acima, em termos de maior certeza, e seis pontos abaixo, em termos de menor certeza pelo que, podemos afirmar com um grau de certeza aceitável, que a assinatura foi efectivamente realizada pelo punho do falecido B. III. O facto de o Apelante não poder fundar a declaração de reconhecimento de paternidade do demandado progenitor no facto de o mesmo ser o seu pai biológico, facto já dado como provado na acção, por ter caducado o direito de acção do requerente com base em tal facto, não o impede de utilizar essa realidade como prova circunstancial, constituindo mais um elemento a atender para o estabelecimento dessa paternidade V. As expressões "... para te dar uma encomenda para ti e o nosso filho...” e ainda "... saúde e felicidade para meu filho...", constantes de um escrito dirigido à mãe de uma criança, traduzem, para qualquer pessoa e sem qualquer margem para dúvidas, o sentimento de paternidade assumido pelo progenitor em relação à criança, facto por si determinante para permitir a presunção estabelecida pelo artigo 1871.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil. V. Esta presunção deve considerar-se como não passível de contestação para efeitos do n.º 2 deste mesmo artigo 1871.º, quanto é certo que se encontra estabelecido e provado que este é o pai biológico do Apelante.


Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I. RELATÓRIO A… intentou acção de investigação de paternidade contra B…, entretanto falecido e aqui habilitado pelos ora Apelados, C…, D…, E… e F…, pedindo o seu reconhecimento judicial como filho do mencionado B…. No essencial alegou que nasceu no dia ... de ... de 1951, na freguesia de …, em … e foi registado como sendo filho de G… e de pai incógnito. A sua mãe nasceu em ... de ... de 1929, na freguesia de S. …, concelho de …. O falecido B… nasceu no dia ... de ... de 1921 e casou com E…, em 29 de Maio de 1976. Entre a mãe do autor e o falecido B… não existe qualquer relação de parentesco ou afinidade. Alegou ainda que a sua mãe manteve um relacionamento sexual com o falecido B…, com carácter de exclusividade, durante cerca de 13/14 anos consecutivos e, nomeadamente, nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento do autor, sendo que deste relacionamento nasceu o ora A. Apenas no início do mês de Julho te 2000, teve conhecimento do documento escrito - carta, escrita e assinada pelo falecido B…, datada de 24 de Novembro de 1960, endereçada e dirigida à sua mãe, na qual se refere ao investigante, nos seguintes termos: «nosso filho»; «meu filho», afirmando, inequivocamente a sua paternidade. O autor, até àquela data, nunca tinha sido informado ou tomado conhecimento, por qualquer meio, da existência da referida carta, nomeadamente nunca foi informado por sua mãe da sua existência e do seu teor. Na sua contestação, no essencial, o falecido B… impugnou a totalidade dos factos e pugnou pela improcedência da acção. Foi determinado e realizado exame de investigação de paternidade pelo Instituto de Medicina Legal. Após realização de Audiência de Discussão e Julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por ter considerado que quando a acção foi proposta havia já caducado o direito do A., nos termos do disposto no artigo 1817.º do Código Civil. Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, ali veio a ser proferido acórdão que julgou, revogando a anterior decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, a acção procedente e, nessa conformidade, reconheceu o A. como filho do falecido B. Desta decisão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, revogando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, considerou que o direito de acção do A. com fundamento no escrito do pai, não tinha caducado, considerando, no entanto, que o direito de acção do A. com base em outras causas de pedir tinha já caducado. Considerando que o pedido formulado pelo A. quanto à perícia ao escrito não tinha sido efectuada, prova essa essencial para a resposta a dar ao quesito 32.º da Base Instrutória, ordenou a sua realização. O Tribunal da Relação de Lisboa determinou, assim, em conformidade com o superiormente ordenado, a anulação do julgamento realizado pelo Tribunal de 1.ª Instância, na parte relativa à resposta ao quesito 32.º da Base Instrutória. Determinada a realização de exame à letra do escrito em causa, realizado pelo Departamento de Zoologia e Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Realizado Julgamento nos termos determinados, veio o Tribunal de 1.ª Instância a responder ao quesito 32.º como “Não Provado”, assim indeferindo o pedido do A. Inconformado com o assim decidido, o A. interpôs novo recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões: 1. A procriação e subsequente filiação biológica são inquestionáveis. 2. A filiação biológica é uma evidência para o Tribunal e nem o Réu questiona essa conclusão (e agora os habilitados). 3. O Autor provou e sem margem para qualquer dúvida, que o Réu, B…, é seu pai. 4. O Autor (apelante) impugna a resposta que foi dada ao quesito 32° da base instrutória, considerando-o incorrectamente julgado. 5. Nos termos da alínea b), do n° 1 do artigo 690°A- do C.P.C., impunham uma resposta positiva ao quesito 32° da base instrutória, os seguintes concretos meios probatórios: Prova pericial realizada pelo Departamento de Zoologia e Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (fls. 586 e seguintes) e as dificuldades e limitações que foram manifestadas relativamente aos seus requisitos fundamentais —«este exame apresenta consideráveis limitações pelo facto de não de dispor de abundantes elementos genuínos de comparação, de B…, nem, tão pouco, de elementos genuínos de comparação contemporâneos da escrita da assinatura contestada.» - na esteira aliás do que já havia manifestado anteriormente o Laboratório de Polícia Científica - vid. fls. 109 e seguintes e ainda fls. 192 e seguintes dos autos. Vid. ainda a, este propósito, ofícios de fis. 77 e 90 dos autos. No entanto, ainda assim foi possível concluir-se que "pode ter sido produzida pelo seu punho". Documental: Documentos autênticos juntos aos autos, onde o Tribunal pode fazer a comparação da letra e assinatura do Réu, a saber: a) Assento de nascimento de 10 de Maio de 1973, da Conservatória do Registo Civil de …; b) Assento de perfilhação de 1-0 de Maio de 1973, da Conservatória do Registo Civil de …; c) Assento de perfilhação n° 11, de 1960, da Conservatória do Registo Civil de …; d) Escritura de Compra e Venda, lavrada em 3 de Dezembro de 1964, no Cartório Notarial de … de fls. 30 a fls. … do L° … e incorporada para arquivo no Arquivo Distrital de …; e) Convenção-antenupcial lavrada no Cartório Notarial de …em 10 de Maio de 1976, de fls. 3 a fls. 4 do a N° …; f) Assento de casamento n° …, do ano de 1976, da Conservatória do Registo Civil de …. 3) Aliás, nos termos da alínea b), do n° 1 do artigo 690°-A do C.P.C. a resposta dada pelb Tribunal "a quo" ao quesito 32° da base instrutória, está em absoluta contradição com a matéria de facto o que o Tribunal deu como provada: - o Autor nasceu em 1951; (alínea a) da matéria de facto provada); - o escrito ser do ano de 1960 e endereçado e dirigido à mãe do Autor, que sabia ler e escrever; o relacionamento sexual exclusivamente com o Réu abranger todo esse período nele se incluindo o do período legal de concepção; (nomeadamente as alíneas I); m); u); v); x); y);w); z); a-1); b-1); c-1) da matéria de facto provada); - à data do escrito já ter falecido os outros 2 filhos da mãe do Autor; (alínea h) da matéria de facto provada); - que em Julho de 2000 o escrito se encontrava na residência da mãe do Autor; (alínea d-1); f-1) da matéria de facto provada); - que o Autor, através da sua mandatária, contactou o réu para tentar a perfilhação voluntária e que a esposa deste disse àquela que o Réu estava hospitalizado, mas que quando regressasse a casa lhe colocaria a questão (alíneas g-1); h-1); da matéria de facto provada). E, ainda, que: o-1) — O exame hematológico efectuado pelo IMLL (fls. 223 e 226) concluiu que a probabilidade de paternidade do Réu relativa ao Autor «é de 99,998», o que corresponde a paternidade "Praticamente Provada"». 6. No entanto, o Réu, na sua contestação, negou tudo o que se dizia na petição: a paternidade, o namoro com a mãe do Autor, a autenticidade da carta apresentada. Negou dolosamente, como se provou claramente das respostas aos quesitos (factos provados); negou aquilo que necessariamente não podia desconhecer, com o fim de impedir a descoberta da verdade, alterando a verdade dos factos e omitindo factos relevantes para a decisão. 7. Não havendo dúvidas sobre a paternidade investigada, sempre tinha que se presumir que nenhuma dúvida existia (há) sobre a autenticidade da carta e do seu Autor, dando-se resposta positiva ao quesito 32° da base instrutória, ou seja, julgando provado o ponto 32° da base instrutória. 8. Efectivamente, a resposta ao quesito 32° deve assentar no conjunto da prova. 9. Assim, entende o Autor (apelante) que a resposta ao quesito 32° deve ser positiva, ou seja, provado que o "("A letra e assinatura constante do documento de fls. 110 foi aposta pelo punho do R. B…?). 10. Alterando-se a matéria de facto impugnada em conformidade com as conclusões atrás enunciadas, deverá então a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra, julgando-se procedente a acção, por provada e em consequência reconhecendo-se que o Autor, A…, registado apenas como filho de G… é filho do Réu, B…, condenando-se os habilitados, E…, C…, D… e F… no pedido formulado pelo Autor. SEM PRESCINDIR: 11. Caso essa Relação entenda não proceder à alteração ou modificação da decisão da matéria de facto em conformidade com o atrás exposto, o que por dever de patrocínio se admite, então importa saber se, após a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do prazo do artigo 1817°, n° 1 do Código Civil — Acórdão do TC 23/2006, de 16.1 — as acções de investigação de paternidade deixaram de estar sujeitas a qualquer prazo. 12. O Tribunal Constitucional decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n° 1 do artigo 1817° do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873° do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26°, n° 1, 36°, n° 1 e 18°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa. 13. O que implicou a remoção da norma do ordenamento jurídico, não podendo ser aplicada pelos Tribunais — artigo 204° da C.R. 14. Nos termos dos artigos 281°, n° 1, alínea a), e 282° n° 1 da Lei Fundamental, a consequência, in casu, é que a acção de investigação de paternidade deixou de estar sujeita a qualquer prazo de caducidade. 15. A declaração, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, da inconstitucionalidade de uma norma tem efeitos ex tunc, tudo se passando como se a norma nunca tivesse vigorado. 16. Não está em causa a repristinação da norma, porque a norma declarada inconstitucional não tinha revogado o artigo 130° do Código Civil de 1867, na redacção introduzida pelo D.L. n° 2 de 25 de Dezembro de 1910. 17. TERMOS EM QUE deverá julgar-se procedente a acção, por provada e em consequência reconhecer-se que o Autor, A…, registado apenas como filho de G… é filho do Réu, B…, condenando-se os habilitados, E…, C…, D… e F…, no pedido formulado pelo Autor, por assim ser de INTEIRA JUSTIÇA. Os Apelados contra alegaram sustentando a manutenção da decisão proferida. Cumpre apreciar e decidir. II. FACTOS PROVADOS 1. O A. nasceu no dia ... de ... de 1951, na freguesia de …, em … - alínea A) dos Factos Assentes; 2. O A. foi registado como sendo filho de G… e de pai incógnito — alínea B) dos F.A.; 3. A mãe do A. nasceu em ... de ... de 1929, na freguesia de S. …, concelho de … — alínea C) dos F.A.; 4. O R. nasceu no dia ... de ... de 1921 — alínea D) dos F.A.; 5. O R. casou em 29 de Maio de 1976 casou com E… — alínea E) dos F.A.; 6. Entre a mãe do A. e o R. não existe qualquer relação de parentesco ou afinidade — alínea F) dos F.A.; 7. Entre a mãe do A. e o R. existiu trato sexual — alínea G) dos F.A.; 8. G… teve outros dois filhos, que nasceram, respectivamente, em ... de ... de 1953 — AJ… e em ... de ... de 1954 AL…, que, entretanto, faleceram, respectivamente, em 26 de Junho e 1953 e 7 de Fevereiro de 1955, senda omissa a inscrição da paternidade em relação a ambos — alínea H) dos F.A.; 9. Datada de 24/11/60 encontra-se junta aos autos uma carta — que aqui se dá por integralmente reproduzida — endereçada e dirigida à "G…" na qual o seu signatário diz "... para te dar uma encomenda para ti e o nosso filho... e ainda "... saúde e felicidade para meu filho..." — alínea I) dos F.A.; 10. A mulher do R. informou o A. que aquele se encontrava hospitalizado no Hospital S. …em … — alínea J) dos F.A.; 11. A filha mais velha do R. — C…, nascida no dia ... de ... de 1949 e a filha mais nova — D…, foram ambas perfilhadas pelo R. — alínea K) dos F.A.; 12. Com cerca de 19 anos de idade a mãe do A. veio residir para … onde morou no …, na residência dos avós maternos, com os seus pais e irmãs - resposta ao ponto 1 da B.I.; 13. A mãe do A. conheceu então o R. — resposta ao ponto 2 da B.I.; 14. A mãe do A. e o R. iniciaram uma relação de namoro — resposta ao ponto 6 da B.I.; 15. A mãe do A. tinha cerca de 20 anos — resposta ao ponto 7 da B.I.; 16. A mãe do A., na companhia dos pais e irmãs, mudou de residência do …, em …, para o Largo dos …, também em … — resposta ao ponto 8 da B.I.; 17. Na altura, o R. residia na Estrada dos … na companhia dos pais — resposta ao ponto 9 da B.I.; 18. O R. e a mãe do A. encontravam-se no Largo dos …s, em ... — resposta ao ponto 10 da B.I.; 19. E encontravam-se também no Miradouro dos …, também em …— resposta ao ponto 12 da B.I.; 20. O namoro, passeios e encontros do R. com a mãe do A. eram do conhecimento da generalidade das pessoas que residiam no Largo dos … — resposta ao ponto 13 da B.I.; 21. O R. foi o primeiro namorado da mãe do A., em … —resposta ao ponto 14 da B.I.; 22. A mãe do A., durante o tempo que namorou com o R., era uma rapariga séria e honesta — resposta ao ponto 15 da B.I.; 23. Sabia ler e escrever — resposta ao ponto 17 da B.I.; 24. A mãe do A. tinha cerca de 20 anos — resposta ao ponto 20 da B.I.; 25. A mãe do A. e o R. mantiveram um relacionamento sexual, durante cerca de 10 anos, consecutivos — resposta ao ponto 21 da B.I.; 26. ...e com carácter de exclusividade — resposta ao ponto 22 da B.1., 27. ...nomeadamente, entre 3 de Setembro de 1950 e 31 de Dezembro de 1950 (primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do A.) a sua mãe manteve relações sexuais com o R. — resposta ao ponto 23 da B.I.; 28. ...e somente com este — resposta ao ponto 24 da B.I.; 29. A mãe do A. não teve relações sexuais com qualquer outro homem, durante os 10 anos mencionados na resposta ao quesito 21 — resposta ao ponto 25 da B.I.; 30. Das relações sexuais havidas e mantidas entre a mãe do A. e o R. resultou a gravidez daquela — resposta ao ponto 26 da B.I.; 31. ... e dessa gravidez nasceu o A. — resposta ao ponto 27 da B.I.; 32. A carta mencionada na alínea I) dos factos assentes foi endereçada à mãe do A. — resposta ao ponto 33 da B.I.; 33. A mulher do A., em Julho de 2000, deslocou-se a casa da mãe do A., na Rua …, n.° 2, e verificou que ela estava indisposta e que necessitava de urgência médica — resposta ao ponto 37 da B.I.; 34. Pediu-lhe, então, o cartão de utente dos serviços de saúde para obter consulta médica — resposta ao ponto 38 da B.1.; 35. A mulher do A. ao procurar o cartão de utente da sogra deparou-se com a carta do autos referida em I) - resposta ao ponto 39 da B.I.; 36. O A., através da sua mandatária, contactou o R. para tentar a perfilhação voluntária — resposta aos pontos 45 e 46 da BI; 37. A mulher do R. disse à mandatária do A. que o marido estava hospitalizado, mas que quando regressasse a casa lhe colocaria a questão —resposta aos pontos 47 e 48 da B.I., 38. A mãe do A. tem uma irmã gémea de nome O…— resposta ao ponto 52 da B.I.; 39. Algum tempo após a sua vinda para …, a mãe do A. e a sua irmã O… apareciam em casa dos pais do R. — resposta aos pontos 53 e 54 da B.I.; 40. O R. e a mãe do A., envolveram-se sexualmente — resposta ao ponto 58 da B.I.; 41. Em data posterior ao nascimento do A., a sua mãe envolveu-se sexualmente com outros homens — resposta ao ponto 69 da B.I.; 42. o que é do conhecimento das pessoas que a conheciam — resposta ao ponto 70 da B.I. III. FUNDAMENTAÇÃO A questão que está em discussão no presente recurso prende-se essencialmente com a resposta dada ao quesito 32.º da Base Instrutória, cuja reapreciação é pedida a este Tribunal, resposta essa que pode alterar a decisão de fundo, no que se reporta ao Direito aplicável. Trata-se de analisar a prova carreada para os autos e que fundou a resposta em causa, e que o Tribunal de 1.ª Instância cingiu à conclusão final apresentada pela perícia realizada pelo Departamento de Zoologia e Antropologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, entendendo o Apelante que tal resposta deve ser analisada juntamente com o relatório que antecede aquela conclusão, bem como com os demais elementos constantes do processo, que se encontram provados e sem qualquer impugnação, neste recurso. Para o enquadramento da questão entende-se que, antes de mais, devemos ter presente o valor da prova pericial, no caso, o princípio de que os resultados deste tipo de prova não são incontestáveis. Bem pelo contrário, é desde logo o artigo 389.º do Código Civil que afirma que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal. Para além deste aspecto há ainda que ter presente que a resposta ao quesito em causa tem de ser interpretada não só com base no resultado final da prova pericial em si mesma, mas também, com base nos factos constantes do relatório que o antecede, bem como “… no conjunto da prova” constante do processo, conforme foi desde logo assinalado pelo Supremo Tribunal de Justiça na decisão que ordenou a realização desta mesma perícia, tanto mais que o quesito em causa não surge isolado, mas sim, na dinâmica dos factos que envolvem a discussão da causa. No que ao caso importa, será tida em consideração a redacção do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 1873.º do mesmo diploma, na redacção imposta pela Decreto-Lei 14/2009, de 01 de Abril), que permite, nos termos do n. 3, alínea c) desse mesmo artigo, que a acção de investigação de paternidade possa ser proposta nos três anos seguintes ao conhecimento do facto superveniente que confirme tal paternidade, uma vez que, neste caso, a verificação do prazo de caducidade do n.º 1 daquele preceito foi já declarada, com força obrigatória geral, pelo Supremo Tribunal de Justiça. Se é incontestável que o ora A. é filho do falecido B…, matéria essa sobejamente provada e que não se encontra em discussão, é objecto do presente recurso e, como tal, necessário de ser apurado, se o escrito junto aos autos foi ou não efectuado pelo punho do indigitado pai, o falecido B…, enquanto fundamento do direito de acção do A. para instaurar a presente acção uma vez que, o seu direito de acção com base noutras causas de pedir (nomeadamente com base na prova biológica), já caducou, conforme acima já se deixou assinalado. Compreende-se a posição da Exma. Mandatária do A. na alegada dificuldade em explicar este paradigma ao seu cliente: sendo facto provado que o mesmo é filho do falecido B… como pode estar ainda em discussão o reconhecimento de tal facto por parte do Tribunal? Trata-se, porém, de questões jurídicas e que, nessa medida, apenas em termos técnicos podem, na maioria dos casos, como este, ser objecto de explicação. Em relação ao senso comum sobre a justiça, patente em todos os cidadãos e com base no qual o A. reclama uma compreensão, cumpre apenas referir que os Tribunais, através dos seus Magistrados Judiciais, aplicam a lei vigente e, nessa conformidade, proferem as decisões respectivas, passíveis ou não de recurso para reapreciação, conforme as situações. No que ao caso dos autos importa estamos perante uma decisão recorrível e, como tal, será objecto de reapreciação. Para se decidir a questão apresentada, impõe-se a transcrição do quesito em causa e respectiva fundamentação que a acompanhou, após a realização da prova pericial ordenada, o que se faz para permitir uma para uma melhor análise da situação. Assim, tenha-se presente a redacção do mencionado quesito 32.º da Base Instrutória: “O Réu escreveu e assinou a carta identificada em I) (Ponto 9 dos Factos Provados)?” Resposta: “Não provado”. Fundamentação: “A convicção do Tribunal ao produzir a resposta negativa supra transcrita fundou-se — na ausência da produção de qualquer prova testemunhal (veja-se que as partes prescindiram da inquirição de testemunhas relativamente à matéria factual constante em tal quesito) ou de outra prova documental relevante — no teor do relatório de exame de escrita junto a fls. 586 a 594 dos autos e no próprio documento referido em tal número da base instrutória, cujo original está junto a fls. 10 do presente processo. Com efeito, em tal relatório afirma-se que foram usados dois tipos de tinta na produção da escrita aposta no supra referenciado documento. Um, na produção da escrita das palavras "e nosso filho", na linha 2 e "para meu filho'', nas linhas 6 e 7 do verso do documento, e outro na produção da restante escrita. Assim, ali se concluiu que a escrita das palavras referidas foi produzida num momento gráfico diferente daquele em que ocorreu a restante escrita aposta em tal documento constituindo, assim, um acréscimo ao texto inicialmente produzido, não olvidando que são tais palavras que conferem relevo (substancial e processual) ao escrito em causa. Por outro lado, no sobredito relatório, considerou-se que a escrita da assinatura contestada de B… — no referido documento — pode ter sido produzida pelo seu punho, sendo que, tal juízo está abaixo (em termos de segurança e de grau de probabilidade) de outras expressões utilizadas em tais tipos de exame, como sejam, "probabilidade próxima da certeza científica", "muitíssimo provável", "muito provável" ou mesmo "provável" (conf. fls. 591 do aludido relatório). Tudo isto, conjugado com as regras da experiência comum e da lógica, levou a que o Tribunal tivesse respondido negativamente ao que era perguntado no n° 32 da base instrutória. (…)” Salvo o devido respeito, não se concorda com a conclusão a que o Tribunal de 1.ª Instância chegou, com base nos elementos em análise. Com efeito, como podemos observar da leitura do relatório pericial, os senhores peritos tiveram muitas dificuldades em encontrar a resposta a este quesito, desde logo, pelo tempo decorrido desde a data da elaboração do escrito em causa até à data da realização do exame solicitado, como podemos concluir do extracto do respectivo relatório que se passa a transcrever e em que se refere: “(…) 4 - Análise dos resultados 4.1 – Observação prévia do documento contestado A observação do documento contestado, utilizando equipamento específico adequado, a vários comprimentos de onda, do ultravioleta ao infravermelho, permitiu detectar que foram usados dois tipo te tinta na produção da escrita aposta no documento identificado como Cl. Um, na produção escrita das palavras "e nosso filho", na linha 2, e "para meu filho", nas linhas 6 e 7, do verso do documento, e outro na produção da restante escrita. Por tal facto, considera-se que a escrita das palavras referidas foi produzida num momento gráfico diferente daquele em que ocorreu a restante escrita aposta no documento contestado, constituindo, assim, um acréscimo ao texto inicialmente produzido. A ilustração destes factos encontra-se no Quadro n.° 1. 4.2 — Exame de veracidade de escrita da assinatura contestada de B Num exame de comparação de escrita, um dos requisitos fundamentais é que o perito possa dispor de elementos genuínos de comparação, em quantidade e em qualidade suficientes, a poder revelar-se a sua variação natural e, consequentemente, definir os hábitos gráficos e, se necessário, a evolução caligráfica do autor dessa mesma escrita. Além disso, a comparação de escrita deve fazer-se com escrita contemporânea. No presente caso, é contestada uma assinatura de B…, que se reporta ao ano de 1960. Como elementos genuínos de comparação, dispõe-se somente de cinco assinaturas de B.., datadas de 1966, 1975, 1991 e 2001. Assim, este exame apresenta consideráveis limitações pelo facto de não se dispor de abundantes elementos genuínos de comparação, de B…, nem, tão pouco, de elementos genuínos de comparação contemporâneos da escrita da assinatura contestada. Apesar de tais limitações, procedeu-se ao exame de veracidade de escrita, propriamente dito”. Do exposto resulta evidente que, apesar dos obstáculos ali referidos, o certo é que os senhores peritos concluíram que “(…) A observação da escrita da assinatura contestada de B…, no seu aspecto geral, por si só, não revela qualquer indício de falsificação grosseira. Em face disso, procedeu-se ao exame comparativo entre a escrita da assinatura contestada de B… e a das genuínas do mesmo, partindo dos elementos gerais para os de pormenor, no sentido de verificar se os hábitos gráficos de B… estão ou não presentes na escrita da assinatura contestada. Entende-se de especial interesse assinalar o seguinte: 1 — A observação da escrita das assinaturas genuínas e a da contestada revela, nos seus elementos gerais, algumas semelhanças, designadamente: . no grau de evolução; . na fluência e velocidade de escrita; . no grau de inclinação; . no espaçamento; . na dimensão relativa de escrita; . no grau de angulosidade e curvatura decorrente do tipo de escrita. Além disso, um exame comparativo, de pormenor, entre a escrita das assinaturas genuínas e a da contestada revela, igualmente, semelhanças. 2 — Na escrita das assinaturas genuínas e na da contestada, o desenho das letras ocorre com forma e génese semelhantes, designadamente: 2.1 — O desenho da letra M, em "..."; 2.2 — O desenho da letra n, em "..." e em "..."; 2.3 2.3 — O desenho da letra r, em "..."; 2.4 — O desenho da letra d, em "...". A ilustração destes factos encontra-se no Quadro n.° 2. Do exposto, consideradas todas as dificuldades que este exame apresenta, já referidas anteriormente, somos levados a concluir que as características exibidas por B…, na escrita das assinaturas genuínas, se encontram na da assinatura contestada, pelo que se considera que a escrita da assinatura contestada, de B…, pode ter sido (1) produzida pelo seu punho”. E porque assim o entenderam, apresentaram as seguintes conclusões no relatório em apreciação: “(…) 1 — Na produção da escrita aposta no documento contestado, identificado como C 1 , foram usadas duas tintas. Uma na escrita das palavras "nosso filho", na linha 2, e "para meu filho", nas linhas 6 e 7, no verso do documento contestado, e outra, na produção da restante escrita. 2 — Considera-se que a escrita da assinatura contestada de B…, aposta no documento identificado como C 1, pode ter sido (1) produzida pelo seu punho. (1) Ver lista de expressões de conclusão anexa ao relatório”. Face a estes dados, é lícito desde já apresentar duas conclusões: 1.º Da observação efectuada ao documento não se detecta qualquer “indício de falsificação grosseira”, o que nos permite afirmar que, independentemente do momento temporal considerado, o escrito foi produzido pelo punho da mesma pessoa. 2.º O exame revela que “pode ter sido produzida pelo punho” do falecido B…, a assinatura constante do documento em apreciação. Atentando no quadro representativo dos graus de probabilidades, apresentado pelo próprio Laboratório, podemos verificar que: “EXPRESSÕES DE CONCLUSÃO DE RELATÓRIO USADAS NO DEPARTAMENTO DE ZOOLOGIA E ANTROPOLOGIA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS Nos exames de identificação de escrita o grau de segurança de juízos formulados pelos peritos não é susceptível de tradução em termos matemáticos de probabilidade. Entende-se todavia útil o uso de algumas expressões que traduzam de uma forma graduada e sistematizada esse grau de segurança. Tais expressões usadas nos relatórios do Departamento de Zoologia e Antropologia são as seguintes: Probabilidade próxima da certeza científica Muitíssimo provável Muito provável Pode ter sido Não é possível formular conclusão Pode não ter sido Provável não Muito provável não Muitíssimo provável não Probabilidade próxima da certeza científica não”. A expressão “pode ter sido” situa-se, assim, acima do meio daquela Tabela, mais concretamente, no escalão n.º 4, tendo três pontos acima, em termos de maior certeza, e seis pontos abaixo, em termos de menor certeza pelo que, podemos afirmar com um grau de certeza aceitável, que a assinatura foi efectivamente realizada pelo punho do falecido B…. Acresce que, conforme acima já se deixou expresso, nestes autos não está em causa saber se o A. é ou não filho do falecido B…, matéria esta já há muito assente e incontestável, quer pela prova testemunha realizada, quer pela prova científica, em que apresentou um grau de probabilidade de o A. ser filho daquele na ordem dos 99,998%, correspondente a uma paternidade “Praticamente Provada”. Em causa está sim, saber se o escrito, em que essa paternidade é assumida, foi ou não da autoria do falecido B…. Ora, muito embora a prova a que acima se faz referência não possa ser tida como fundamento para declarar o reconhecimento desta paternidade, certo é que deve ser atendida, como prova circunstancial, para afirmar essa mesma realidade no que se reporta à interpretação de todos os dados constantes do processo. E a prova nesse sentido é de tal forma abundante que basta ter presente toda a materialidade dada como provada nestes autos e cuja autenticidade não está posta em causa. Acresce que, o próprio comportamento do falecido B…, patente no escrito em causa, demonstra que o mesmo sabia que era o pai do menor (antes mesmo da realização do exame de paternidade), ali analisando o seu próprio comportamento assumido perante a mãe do A., durante anos. Recorde-se que este relacionamento amoroso durou cerca de dez anos, com exclusividade de relacionamento sexual da mãe do ora A. para com o falecido B…, sendo do conhecimento da generalidade das pessoas do meio em que viviam, o que é compreensível no teor do escrito em apreciação. Se ao mesmo aliarmos o facto de o falecido B… ter tido, pelo menos, dois outros filhos que perfilhou (Ponto 11 dos Factos Provados), podemos compreender melhor a natureza emocional do falecido B… e o teor do escrito enviado à mãe do Apelante. Estes factos, aliados ao resultado do exame pericial, no contexto que se deixou expresso, permitem afirmar que a letra e assinatura constante do documento em análise foram realizados pelo punho do falecido B… e, nessa conformidade, fundar a alteração da resposta dada ao mencionado quesito 32.º da Base Instrutória, ali passando a constar “PROVADO”. Deve, assim, passar a constar como facto provado com o n.º 43 da sentença proferida, o seguinte: 43. O Réu escreveu e assinou a carta identificada em I) (Ponto 9 dos Factos Provados). Tenha-se em atenção que a carta em questão é datada de 24/11/60, sendo endereçada e dirigida à "G", mãe do ora Apelante (Ponto 32 dos Factos Provados), constando do respectivo texto as expressões "... para te dar uma encomenda para ti e o nosso filho...” e ainda "... saúde e felicidade para meu filho...". Estas expressões traduzem, para qualquer pessoa e sem qualquer margem para dúvidas, o sentimento de paternidade assumido pelo falecido B… em relação ao ora Apelante, facto por si determinante para permitir a presunção estabelecido pelo artigo 1871.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil. Esta presunção deve considerar-se como não passível de contestação para efeitos do n.º 2 deste mesmo artigo 1871.º, quanto é certo que, conforme foi já focado, este é o pai biológico do Apelante, prova esta que, embora circunstancial no que se reporta ao estabelecimento desta paternidade, é um elemento mais a tender na ponderação deste estabelecimento de paternidade. IV. DECISÃO Face ao exposto, julga-se procedente a Apelação e, em conformidade, declara-se que o A. A…, nascido a ... de ... de 1951, na freguesia da ..., em ..., é filho de G… e de B…, este nascido a ... de ... de 1921, na freguesia de …, concelho de …e e falecido a 04 de Julho de 2005, ordenando-se o respectivo averbamento ao registo de nascimento do A. no que respeita à paternidade e avoenga paterna. Custas pelos Apelados. Notifique e registe e envie certidão da presente decisão à respectiva Conservatória do Registo Civil de …, local em que o A. se encontra registado, para os efeitos aqui determinados. Lisboa, 7 de Junho de 2011 Dina Maria Monteiro Luís Espírito Santo (Vencido. Do teor do relatório pericial não resulta, com a necessária segurança, a afirmação positiva da matéria do quesito 32, da base instrutória. Não alteraria a decisão de facto, com as inerentes consequências). José Gouveia Barros

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