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Acórdão STJ de 2008-05-27

08B655

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo08B655
Nº ConvencionalJSTJ000
RelatorLázaro Faria
DescritoresTestamento Cerrado, Reforma
Nº do DocumentoSJ2008052706557
Data do Acordão2008-05-27
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualREVISTA
DecisãoNegada

Sumário

1 - Feito um testamento cerrado, cujo original não foi encontrado, mas dele havendo cópias fieis do seu teor, entregues aos filhos deste, após a morte do testador, por pessoa da confiança deste, e a seu pedido, e não se tendo provado que o desaparecimento do testamento foi causado por “rasgamento”, ou por qualquer meio de inutilização do mesmo, por acto do testador, é possível, por legal, a sua reforma. 2 – A revogação de um testamento, mesmo a material ou real, é um acto pessoal do testador; não pode ser feita por pessoa a seu pedido ou ainda que com procuração para o efeito.


Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. RELATÓRIO AA e BB, intentaram a presente acção, sob a forma ordinária, contra CC, DD e EE, pedindo a reforma do testamento cerrado escrito e assinado pelo falecido FF, do qual foi lavrado o respectivo instrumento de aprovação na data de 24/11/1993, a folhas três verso do livro três E, no Oitavo Cartório Notarial do Porto, a fim de o reconstituir. Alegam, em suma, que o referido testamento se encontra desaparecido. Em contestação os RR. vieram invocar que, após a data referida no testamento e muito antes da sua morte e até então, o “de cujus” manifestou o seu desejo de não beneficiar a sua filha AA, 1.ª A., verificando-se, assim, a sua revogação tácita do testamento, e que, em princípios de Outubro/03, tomaram conhecimento que o falecido FF, em vida, rasgou o original, por o referido testamento não traduzir já a sua vontade, disso sendo indício o facto de, em vida, ter intentado acção divórcio litigioso contra a 2.ª A. Pedem, a final, a improcedência da acção e, em consequência, que não se determine a reforma do testamento cerrado. O processo seguiu os seus legais termos. Procedeu-se a audiência de julgamento; e, proferindo-se sentença, a acção foi julgada improcedente. Desta decisão interpuseram recurso as A.A., de apelação, para o Tribunal da Relação. Este, conhecendo, veio a julgar procedente o recurso, ordenando a reforma do testamento cerrado, escrito e assinado pelo falecido FF, em 24/11/1993. Os R.R., deste acórdão interpuseram recurso de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça. Tendo alegado, apresentaram as seguintes conclusões: 1. O FF faleceu em 14.10.2004, no estado de casado com BB, tendo deixado como únicos herdeiros a sua referida mulher e quatro filhos, a saber: ela recorrida e os ora recorrentes. 2.A fls. 13 dos autos encontra-se uma cópia de um testamento cerrado de 24 de Novembro de 1993, subscrito com o nome do falecido FF. 3. Da referida cópia consta que, à data, o FF era «casado em segundas núpcias e pri1neiras dela sua mulher, em regime de comunhão de adquiridos, com BB, consigo residente, de quem tem uma filha, AA, menor de onze anos de idade. Para além desta sua filha, que consigo reside, tem ainda mais três filhos nascidos do seu primeiro casamento com GG, dissolvido por divórcio decretado por sentença judicial transitada em julgado em oito de Fevereiro de mil novecentos e setenta e nove, todos de maioridade, CC, DD e EE». 4. Aí também “consta”que «Todos os seus actuais bens foram adquiridos posteriormente a este divórcio, tendo abdicado de receber em partilha dos bens comuns o que pela sua meação lhe pertencia, permitindo assim, que, ao acrescerem em titularidade na esfera jurídica da sua primeira mulher, seus filhos do primeiro matri1nónio viessem a adquirir a expectativa de pela linha sucessória directa da mãe, viessem a herdar não só desta como a receber por tal herança os bens que ao pai pertenceriam por força da sua meação, não fosse aquela referida opção». 5. Mais se refere neste testamento que «Deste modo, desejando contribuir para esbater a desigualdade patrimonial que desse facto resultou em termos relativos entre os seus filhos, já que, não obstante o acima referido, seus filhos do primeiro matrimónio são, por força da lei, seus herdeiros legitimários, entende ser imperativo de elementar dever de justiça face à mesma legitimidade sucessória, reforçar os direitos da sua filha AA a quem, por isso, deixa a totalidade da sua quota disponível». 6. E que «todo o recheio da residência fique na posse de sua mulher, BB e de sua filha AA». 7. Contudo, ao contrário do que consta da referida cópia do testamento, não é verdade que o FF tenha abdicado de receber, em partilha dos bens comuns, o que pela sua meação lhe pertencia por virtude da dissolução do seu 1° casamento com GG. 8. Com efeito, ficou provado nestes autos que o falecido FF e a sua 1ª mulher, GG, em 30 de Junho de 1978, celebraram um contrato promessa de partilha dos seus bens em sede de processo de divórcio (cf. alínea P), da matéria de facto assente) e que, em 01 de Agosto de 1979, outorgaram uma escritura de partilha posteriormente ao seu divórcio ter sido decretado em 07 de Fevereiro de 1979, nos termos que constam de fls.90 a 97. 9. Resulta dessa escritura de partilha, que foram adjudicados ao falecido FF as verbas nºs 3, 5, 6 e 8, nela mencionadas, as quais respectivamente correspondem a um automóvel usado, de marca "citroen", com a matricula 05-85-59, com o valor de 30.000$00, a um barco de recreio, em madeira, denominado Quiteta, com quatro lugares e motor Mercury de trinta e cinco H.P., 3.500, com o valor de 10.000$00, a um laboratório de análises clínicas, instalado no 5° andar do prédio urbano sito na Rua .., 33, no Porto, e a um prédio urbano sito na Rua de ..., nºs 76 a 86, inscrito sob o artigo 2966, da freguesia de Lordelo do Ouro, no Porto. 10. Tendo por base os factos provados nos autos, inexiste qualquer dúvida de que o referido testamento de 24.11.1993 foi, posteriormente, rasgado e, por consequência, revogado pelo próprio FF. 11. Com efeito, está «provado que ocorreram desentendimentos entre o falecido JJ e as AA, a partir do momento em que o mesmo deixou de coabitar com a 2a A e até à sua morte». 12. Todas as testemunhas arroladas pelos ora recorrentes e algumas testemunhas arroladas pelas ora recorridas, mais em concreto, a testemunha HH (depoimento registado na fita magnética n.º 1, do Lado b, e do n."2301 do fim do lado B e na fita magnética n.02, do lado A, e do n.0000 a 2010), confirmaram, com certeza e sem margem para dúvidas, a existência de graves desentendimentos entre o falecido Dr. JJ e as recorridas, designadamente a partir do momento em que o mesmo deixou de coabitar com a 2a recorrida e até à sua morte. 13. A este respeito atente-se no depoimento, entre outros, das testemunhas HH (registado na fita magnética nº 1, do Lado B, e do n.02301 ao fim do lado B e na fita magnética nº.2, do lado A, e do n."OOOO a 2010), Helena ... (registado na fita magnética nº3, do lado A, e do n.0279 a 2454), Maria de ...(registado na fita magnética nº.3, do lado A, do n.02454 ao fim do lado A, e no lado B, do nº 0000 ao 2223), M... (registado na fita magnética n."4, lado A) e M...(registado na fita magnética nº4, lado B, terminando na fita magnética n."5, lado A). 14. Também está provado que «o 1. °R. sempre teve um relacionamento muito estreito com o seu pai» e que o FF transmitiu ser de sua vontade regularizar a divisão de bens na sequência da partilha do seu divórcio com a 2ª recorrida. 15. Várias testemunhas expressamente atestaram em sede de audiência de julgamento que o falecido JJ tinha a intenção de proceder à igualação dos seus filhos, para o que, inclusivamente, colocou em causa as doações que havia feito à 1ª recorrida. 16. Tal igualação só não foi possível fazer mais cedo, porque se aguardava o desfecho da acção de divórcio litigioso que o falecido Dr. JJ instaurara contra a 2ª recorrida. 17. Além de ter ficado provado que o falecido JJ tinha vontade de igualar todos os seus filhos, ficou também provado que o mesmo quis e colocou em causa as doações que havia realizado a favor da sua filha AA, ora 1ª recorrida. 18. Resultou da conjugação da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento - mais concretamente do depoimento da testemunha Maria d..., «que decorreu com muita segurança, certeza, correcção e seriedade, demonstrando uma postura de rectidão, bom como grande precisão, lógica e naturalidade na forma como depôs» ­com o teor dos documentos juntos aos autos, que o JJ rasgou o original do testamento em discussão nestes autos, procedendo à sua destruição. 19. Ficou, pois, inequivocamente provado que o falecido JJ, na sequência dos desentendimentos tidos com as recorridas a partir do momento em que o mesmo deixou de coabitar com a 2ª recorrida, e que se mantiveram até à sua morte, não só destruiu o original do referido testamento, como mencionou, perante terceiros, ter praticado tal acto, por tal documento ter deixado de fazer sentido. 20. Sobre tais desentendimentos, basta atentar, entre outros, nos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas HH , Helena .., Maria ... e Maria .... 21. Ou seja, o JJ, muitos anos antes do seu falecimento, já havia transmitido ser sua vontade regularizar a divisão de bens feita anteriormente e dar sem efeito o benefício manifestado a favor da sua filha AA - ora lª recorrida - numa altura em que esta era ainda muito nova. 22. Sobre este aspecto, consta da decisão da lª instância sobre a matéria da base instrutória o seguinte: «Determinante foi, de facto, o depoimento da testemunha Maria .., prima do Dr. JJ, que mencionou o receio que o seu primo, o Dr. JJ, tinha de ]morrer cedo, bem como a pretensão por si sempre manifestada de assegurar a educação da sua filha mais nova, e a quem aquele se queixou da atitude por parte desta em não ter sequer comparecido na sua festa de aniversário, bem como do resfriamento da relação entre eles, atestando que, em 5 de Maio de 2001, numa altura em que se deslocou a casa da mesma para, em família, participar no baptizado da neta da testemunha em causa, e onde permaneceu durante cerca de 2/3 dias, pelo Dr. JJ foi dito que tinha já rasgado o testamento, por considerar que o mesmo tinha deixado de fazer sentido, dado que os receios que tinha já não se verificavam, na medida em que tinha outros bens ...» 23. Depoimento este que foi complementado pelo depoimento da testemunha M... 24. Considerando, em conjugação, os depoimentos destas duas testemunhas - Maria ... e M... - com o depoimento das demais testemunhas a que acima já se fez referência, conclui-se, sem mais, que não há dúvidas quanto à revogação do testamento em causa pelo próprio JJ. 25. "A lei manda que se respeite e cumpra o que o testador quis efectivamente. A vontade do testador é soberana. Reconhece-se-Ihe a liberdade de fazer as suas disposições para depois da morte e têm de se acatar essas disposições religiosamente. Por isso se admitem todos os meios de prova, sejam eles quais forem, para descobrir, com verdade, qual foi a intenção do testador. Descoberta essa intenção, é ela que vale como sentido ou significado do testamento, que deverá entender-se e executar-se em perfeita conformidade com ela" – Dr. Galvão Telles, in O Direito, Ano 121, I V, 787. 26. Mas, no caso dos autos, a única vontade a apurar é a da revogação ou não do testamento em causa. 27. E como já acima se referiu, da matéria assente resulta de forma inequívoca que o testador destruiu tal testamento. 28. Pelos abundantes elementos apurados, é inevitável a formação de um juízo interpretativo, com um grau de probabilidade seguro, no sentido de se verificar uma vontade revogatória por parte do testador, pelo que, nos termos do artigo 217º n° 1 do Código Civil, urge concluir pela existência duma declaração de vontade de revogação do testamento em causa. 29. Não faz, pois, sentido - salvo melhor opinião - o entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação do Porto segundo o qual só se poderia considerar que o testamento tinha sido revogado (i) se o testador o tivesse feito por escritura pública ou pela elaboração de outro testamento ou (ii) se tal testamento tivesse aparecido dilacerado ou feito em pedaços, dentro ou fora do espólio do testador. 30. A interpretação que o Tribunal da Relação do Porto fez do artigo 2315° do Código Civil não é sustentável: esta norma, como é óbvio, não reduz a revogação real do testamento aos casos em que o mesmo aparece dilacerado ou feito em pedaços. 31. Com efeito, o testamento pode ser destruído e, por isso, revogado de variadíssimas maneiras. 32. E o que, efectivamente e sem margem para dúvidas, resulta da matéria assente é que o falecido JJ destruiu o testamento em apreço. 33. Considerando que o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e de aplicação dos artigos 2312º, 2313º e 2315º do Código Civil aos factos provados, uma vez que o Tribunal da Relação do Porto, socorrendo-se destas normas, interpretou-as no sentido de que não se podia considerar verificada a revogação do testamento, mesmo tendo ficado provado que o JJ efectivamente destruiu tal testamento muito antes de falecer. 34. Com efeito, e tal como já acima se referiu, sendo a dilaceração do documento o processo normal e válido da sua revogação, não é possível não considerar que o testamento em causa foi revogado (está provado que foi destruído pelo próprio testador) só porque não apareceu rasgado ou dilacerado. 35. O acórdão recorrido interpretou e aplicou erradamente a norma que constitui fundamento jurídico da decisão, fazendo uma aplicação contrária da mesma. 36. O acórdão recorrido violou, designadamente e entre outras, a norma do nº l do art.°2315° do Código Civil, ao interpretá-la no sentido de que é requisito essencial da revogação real e juridicamente válida do testamento cerrado que este apareça dilacerado ou feito em pedaços. 37. O acórdão recorrido violou, ainda, a norma do nº.2 do art. 2315º do Código Civil, porquanto não teve em conta que os ora recorrentes, tal como decidido em lª instância, ilidiram a presunção ali prevista. 38. Em suma, a decisão de que ora se recorre é contrária à lei. 39. De qualquer modo, ainda que se pudesse entender que, com base neste factos, existem algumas dúvidas quanto ao facto de o falecido JJ ter procedido à destruição do testamento em causa, o que se alega sem conceder e por mera cautela de patrocínio, o que é um facto é que as demais circunstâncias apuradas permitem concluir pela existência de tal revogação, ainda que tácita. 40. Com efeito, analisando novamente os factos provados, resulta das circunstâncias e factos ocorridos posteriormente à assinatura do testamento em causa, uma posição e vontade totalmente opostas do falecido JJ relativamente às disposições testamentárias feitas em Novembro de 1993. 41. O falecido JJ, em 19 de Maio de 2000, intentou contra a 2a recorrida, uma acção de divórcio litigioso, que correu termos sob o n° 268/2000 na 3a Secção do 2° Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, o que desde logo comprova uma tomada de posição totalmente oposta à sua declaração vontade testamentária, manifestada numa altura em que a sua filha – 1ª recorrida, era ainda muito nova e menor. 42. Acresce que, além de ter ficado provado que passaram a ocorrer desentendimentos entre o falecido JJ e as recorridas a partir do momento em que o mesmo deixou de coabitar com a 2ª recorrida e até à sua morte, também resultou provado que o falecido JJ «transmitiu ser de sua vontade regularizar divisão de bens na sequência da partilha do divórcio do mesmo com a 2ª A.» e que o mesmo «começou a equacionar o benefício manifestado a favor da sua filha AA, 1ª A.». 43. Se a todos estes factos acrescermos que aos ora recorrentes foi dado conhecimento que o seu pai declarou, em vida, ter rasgado o original do testamento, procedendo, assim, à sua destruição por tal testamento ter deixado de fazer sentido, acto de que deu conhecimento a terceiros - factos estes também todos provados - dúvidas não restam de que, efectivamente, o falecido JJ procedeu à revogação do testamento a que se reportam os presentes autos. 44. Razão pela qual, nunca se poderia ter ordenado a reforma de tal testamento cerrado, impondo-se, por isso, a revogação do acórdão recorrido, e, em consequência, confirmando-se a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, e absolveu os réus - ora recorrentes - do pedido. Foram apresentadas contra-alegações, concluindo pela manutenção da decisão sob recurso, que ordenou a reforma do testamento. Cumpre conhecer e decidir: 2. FUNDAMENTO: 2.1. DE FACTO Foram julgados provados os seguintes factos: 1- A Autora AA é a única filha do 2.º matrimónio de seu pai FF com BB. 2- Sendo certo que, os Réus são os únicos filhos do 1.º matrimónio daquele com GG, dissolvido por divórcio. 3- No dia 14 de Outubro de 2001, faleceu FF no estado de casado com BB, 4- tendo deixado como únicos herdeiros a sua referida mulher, ora A., e quatro filhos: a Autora AA e os Réus. 5- A fls. 13, consta uma cópia de um testamento cerrado elaborado no dia 24 de Novembro de 1993, nesta cidade do Porto, subscrito com o nome do falecido FF, do qual foi lavrado o respectivo instrumento de aprovação na data de 24/11/1993, a folhas três verso do livro três E, no Oitavo Cartório Notarial do Porto. 6- Desconhecendo qualquer informação acerca de onde possa estar o original, ou quem o terá na sua posse, a 2.ªA., enquanto cabeça de casal, solicitou à D. HH, através de carta registada com aviso de recepção, informação sobre quem estaria na posse do original do testamento cerrado cujas cópias foram entregues aos filhos do testador. 7- Em resposta à referida carta, a D. HH veio dizer que apenas lhe foram confiadas as cópias, e a obrigação de as entregar aos filhos do testador conforme seu desejo. 8- O falecido foi “ casado em segundas núpcias e primeiras dela, sua mulher, em regime de comunhão de adquiridos, com BB, consigo residente, de quem tem uma filha, AA, menor de onze anos de idade. Para além desta sua filha, que consigo reside, tem ainda mais três filhos nascidos do seu primeiro casamento com GG, dissolvido por divórcio decretado por sentença judicial transitada em julgado em oito de Fevereiro de mil novecentos e setenta e nove, todos de maioridade, CC, DD e EE.” 9 - Dizendo-se, de seguida, o seguinte: “Todos os seus actuais bens foram adquiridos posteriormente a este divórcio, tendo abdicado de receber em partilha dos bens comuns o que pela sua meação lhe pertencia, permitindo assim, que, ao acrescerem em titularidade na esfera jurídica da sua primeira mulher, seus filhos do primeiro matrimónio viessem a adquirir a expectativa de pela linha sucessória directa da mãe, viessem a herdar não sé desta como a receber por tal herança os bens que ao pai pertenceriam por força da sua meação, não fosse aquela referida opção.” 10 - Mais se acrescentando que: “Deste modo, desejando contribuir para esbater a desigualdade patrimonial que desse facto resultou em termos relativos entre os seus filhos, já que, não obstante o acima referido, seus filhos do primeiro matrimónio são, por força da lei, seus herdeiros legitimários, entende ser imperativo de elementar dever de justiça face à mesma legitimidade sucessória, reforçar os direitos da sua filha AA a quem, por isso, deixa a totalidade da sua quota disponível.” 11 - Igualmente aí se fazendo constar que “todo o recheio da residência fique na posse de sua mulher, BB e sua filha AA”. 12 - Corre termos no 4.º juízo cível – 2.ª secção desta Comarca do Porto, o processo de inventário com o n.º 2053/2002, por óbito de FF. 13 - De acordo com a certidão da Conservatória dos Registos Centrais junta a fls. 17, nada mais consta nos Registos Centrais, para além de um auto de aprovação de testamento cerrado lavrado a 24/11/93, a fls. 3v.º, do Lv.º 3-E, no 8.º CNP. 14- - O falecido FF, em 19 de Maio de 2000, intentou contra a 2ª A., uma acção de divórcio litigioso, a qual actualmente corre termos sob o nº 268/2000 na 3ª Secção do 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto. 15 - O falecido FF e a sua 1.ª mulher, GG, outorgaram em 30 de Junho de 1978 um contrato promessa de partilha dos seus bens em sede de processo de divórcio. 16 -...E, em 01 de Agosto de 1979, outorgaram uma escritura de partilha posteriormente ao seu divórcio ter sido decretado em 07 de Fevereiro de 1979, nos termos que constam de fls. 90 a 97. 17 - Foram adjudicados ao falecido as verbas nºs 3, 5, 6 e 8, nela mencionadas, as quais respectivamente correspondem, a um automóvel usado, de marca “Citroen”, com a matricula DS-00-00, com o valor de 30.000$00, a um barco de recreio, em madeira, denominado Quiteta, com quatro lugares e motor Mercury de trinta e cinco H.P., 3.500, com o valor de 10.000$00, a um laboratório de análises clínicas, instalado no 5º andar do prédio urbano sito na Rua .., 33, no Porto, e a um prédio urbano sito na Rua ..., nºs 76 a 86, inscrito sob o artigo 2966, da freguesia de Lordelo do Ouro, no Porto. 18 - O prédio urbano sito na Rua ..., 76 a 86, inscrito sob o artigo 2966, da freguesia de Lordelo do Ouro, no Porto, foi doado aos RR. por conta da quota disponível. 19 - Tal doação resultou do compromisso contratualmente assumido pelo falecido e pela sua 1.ª mulher GG, no contrato promessa de partilha aludido em 14. 20 - Nos termos do documento referido em 18 - , ficou estipulado que os rendimentos percebidos em função de tal imóvel eram afectos às necessidades alimentícias dos donatários - os quais eram menores - até 13 de Outubro de 1982, data da maioridade do filho mais novo. 21 - O falecido e a 2ª A. matrimoniaram-se em 12 de Setembro de 1979. 22 - Em 18 de Novembro de 1992, o falecido Dr. .. e 2.ª A. doaram por conta da quota disponível, a nua propriedade da fracção autónoma, designada pelas letras “AAX”, correspondente ao 6º andar direito frente, do prédio urbano sito na Rua .., 000 e Rua ..., nº 000, Freguesia de Nevogilde, Porto, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 40334, inscrito na matriz predial respectiva sob o artº 01134º. 23 - A HH, pessoa que tinha um convívio próximo com o falecido, e na qual este depositava a sua confiança, entregou ao 1.º R. um documento original e uma cópia para os irmãos, em que o FF tinha deixado escrita a sua vontade de ser cremado. 24 – Após o falecimento do FF, foi marcada uma reunião com a referida HH. 25 - Tendo a referida HH reunido com os quatro filhos de JJ, e explicado que este lhe tinha confiado cópias do testamento cerrado que havia escrito e assinado, sendo de sua vontade que esta as entregasse a cada um dos filhos, após a sua morte. 26 - O falecido JJ escreveu e assinou o testamento aludido em 5, expondo e descrevendo o seu pensamento e a sua vontade pela forma que dele consta. 27 – Alguns dos bens mobiliários comuns do casal já partilhados referidos na escritura aludida em 15, da matéria de facto assente, ficaram em poder das AA. 28 – O 1º R. sempre teve um relacionamento muito estreito com o seu pai. 29 – Tendo ocorrido desentendimentos entre o falecido JJ e as AA., a partir do momento em que o mesmo deixou de coabitar com a 2.ª Ré e até à sua morte. 30 - O falecido transmitiu ser de sua vontade regularizar a divisão de bens na sequência da partilha do divórcio do mesmo com a 2.ª A. 31 - O falecido JJ começou a equacionar o benefício manifestado a favor da sua filha AA, 1ª A. 32– Aos RR. foi dado conhecimento que o falecido JJ declarou, em vida, ter rasgado o original do documento referido em 5, procedendo, assim, à sua destruição. 33 – O JJ mencionou, perante terceiros, ter praticado tal acto, por o mesmo ter deixado de fazer sentido. 34 - Os RR. DD e EE estiveram, durante algum tempo, de relações cortadas com o pai. 35 – Em relação a uma das netas, eram colocados alguns entraves na convivência entre esta e o avô. 36 - O “de cujus” teve, até determinada altura, pela A. AA uma assumida e reconhecida predilecção, não só por ser a sua única filha, como por ser a mais nova, ao que acresce o especial orgulho no facto de esta pretender seguir medicina, à sua semelhança. 37 - Na Rua ..., 33.º, 5.º A, veio a funcionar um laboratório de anatomia patológica no contexto de uma sociedade comercial por quotas constituída entre o “de cujus” e a 2.ª A. 2.2 – De Direito – 2.2.1 - Âmbito do Recurso: Delimitado o objecto do recurso pelas “questões” suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações – art.s 690º, nº1 e 684º, nº3 – e não podendo o tribunal conhecer de outras, salvo se de conhecimento oficioso – art.s 713º, nº2, 660º, nº2 e 726º - e atendendo a que o S.T.J. só conhece “de matéria direito” – artº 26ºda L.O.F.T.J. - e não também “de matéria de facto”, com as excepções consignadas na lei, – art.s 721º e 729º, todos do C. P.C. - as “questões” suscitadas nas conclusões são as seguintes: a) - Referem, os recorrentes, que a única vontade a apurar é a da revogação, ou não, do testamento em causa; e que resulta de forma inequívoca que o testador rasgou, “destruiu”, em vida, o testamento cerrado; tal, a extrair nos termos do nº1 do art. 217º, nº1 do C. C. b) - O comportamento posterior – “factos ocorridos posteriormente à assinatura do testamento em causa”, “permitem concluir pela existência de revogação do testamento, ainda que tácita.” c) - Houve erro de interpretação e aplicação dos art.s 2312º, 2313º e 2315º, do C. Civil. 2.2.2 - Cumpre conhecer e decidir: Pela presente acção pede-se a reforma do testamento cerrado - escrito e assinado pelo falecido FF, do qual foi lavrado o respectivo instrumento de aprovação na data de 24/11/1993 - a fim de o reconstituir. “Quid juris”? Definindo-se “ testamento”- art° 2179°, nº 1 do C.Civil - como o “acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles”, resulta que se trata de um negócio jurídico unilateral, revogável, patrimonial, gratuito e “ mortis causa.” É um negócio singular, pessoal, formal e não receptício; fica perfeito e é eficaz, logo que a declaração seja emitida, sob a forma considerada pela lei como suficiente – art.s 2181º, 2182°e2204º e ss. do C. Civil. É revogável, sendo esta uma das suas características fundamentais, a par da unilateralidade e da eficácia “post mortem”. A sua revogabilidade é irrenunciável, tendo-se, até, por não escrita qualquer cláusula que contrarie aquela faculdade (art. 2311°, nºs 1 e 2). Nestas vertentes, escreve-se in “Lições de Direito das Sucessões” do Prof. Carvalho Fernandes que “convém assinalar que o testamento é, por essência, revogável (artº2311º e seg. do C. Civil) -pg.424. é um acto pessoal;…para ele se “exige uma coincidência entre a autoria moral e material …”, sendo excluída a intervenção de terceiros –pg 425. E se tal é assim para a sua feitura, o mesmo ocorre para a sua revogação. Em qualquer das modalidades de revogação dos testamentos permitidas por lei, sempre terá de intervir, pessoalmente, o testador: quer por sua declaração expressa (revogação expressa - art. 2312º); ou tácita (revogação tácita), através da feitura de um “testamento posterior pelo testador” (art. 2313º) – pg 506; e, nos termos do artº 2315º, quanto ao testamento cerrado, resultando ”de um comportamento concludente do testador” de acto material deste, dilacerando-o ou fazendo-o em pedaços, em suma, destruindo-o: é um dos casos da chamada revogação real-pg.507. “Contudo, este acto de destruição, para ter eficácia revogatória, há-de preencher certos requisitos. Assim, tem de provir do próprio testador e corresponder a uma vontade idónea de revogação” (2ªparte do nº1 do art. 2315º).“ Como é manifesto, qualquer das situações enumeradas…pressupõe que nesse sentido se faça a necessária prova…”, a fazer nos termos gerais - artº 342º do C: civil. Do exposto e de acordo com a lei, a revogação pode, pois, ser expressa, tácita e material ou real. Dispõem, sobre esta matéria, os art.s 2312º e ss. do C. Civil: - ART. 2312º - “Revogação expressa” – “A revogação expressa do testamento só pode fazer-se declarando o testador, noutro testamento ou em escritura pública, que revoga no todo ou em parte o testamento anterior.”. Desta norma resulta que só há duas formas de revogação expressa dos testamentos: - ou por outro testamento, no qual o testador declare expressamente revogar o testamento anterior em causa, no todo ou em parte; - ou por escritura pública, contendo-se nesta igual declaração. Não tendo qualquer destes actos sido praticado pelo falecido, JJ, não houve qualquer revogação expressa do testamento cerrado de que se pretende a reconstituição. - Art. 2313º, sobre a “revogação tácita” do testamento: “1. O testamento posterior que não revogue expressamente o anterior revogá-lo-á apenas na parte em que for com ele incompatível. 2. Se aparecerem dois testamentos da mesma data, sem que seja possível determinar qual foi o posterior, e implicarem contradição, haver-se-ão por não escritas em ambos as disposições contraditórias.” Como se vê, também a “revogação tácita” pressupõe sempre a feitura de um outro posterior testamento; e funda-se na incompatibilidade total ou parcial do seu teor ou conteúdo com o anterior. Incompatibilidade esta que fundamenta também o haver-se “por não escritas” as disposições contraditórias, se existentes em dois testamentos, sem se saber qual deles foi feito, primeiramente. Por isso, “a revogação tácita só pode ter lugar em instrumento posterior no qual se façam disposições incompatíveis com as anteriores, “ disposições” estas que só podem ter lugar em testamento do próprio autor da herança”( S.T.J., C.J./ STJ, 1998, 3º-83). Esta mesma exigência resulta do disposto no artº 2314º, aliás no seguimento da anterior norma. Por sua vez: - Art. 2315º, sobre inutilização do “testamento cerrado” – “revogação material ou real”, dispõe: 1. “Se o testamento cerrado aparecer dilacerado ou feito em pedaços, considerar-se-á revogado, excepto quando se prove que o facto foi praticado por pessoa diversa do testador ou que este não teve intenção de o revogar ou se encontrava privado do uso da razão. 2. Presume-se que o facto foi praticado por pessoa diversa do testador, se o testamento não se encontrava no espólio deste à data da sua morte. 3. A simples obliteração ou cancelamento do testamento, no todo ou em parte, ainda que com ressalva e assinatura, não é havida como revogação, desde que possa ler-se a primitiva disposição.” Quanto ao testamento cerrado, regula, pois, esta norma, para as situações nele previstas: - “Se o mesmo aparecer dilacerado ou em pedaços”; - “Se aparecer obliterado ou se verificar o seu cancelamento, no todo ou em parte,…” Sendo estas as normas legais que, uma vez interpretadas e aplicadas, dão solução ao objecto do presente litígio, e sendo a matéria de facto que lhes subjaz a alegar e provar pelos R.R., já que estando o testamento desaparecido, os factos invocados seriam impeditivos ou extintivos do direito invocado pelos A.A., nos termos do nº 2 do artº 342º do C. Civil, dúvidas não restam - face aos factos julgados provados - sobre a falta de fundamentação legal da posição defendida pelos recorrentes no presente recurso. Na verdade, dispondo-se no artº 2312º que a “revogação expressa” de um testamento só pode fazer-se “de certa forma” e/ou através “de certos meios”; no artº 2313º, de forma semelhante, para a “revogação tácita”, pois só pode ser feita através de outro testamento; e que, para o “testamento cerrado”, partindo do conceito de”inutilização do testamento”, se dispõe no artº 2315º, tendo como seu pressuposto a sua existência/apresentação, ainda que com os ali previstos defeitos, no caso, ocorre que nenhuma destas situações foi objecto de prova conseguida, pelos R. R., nos presentes autos. Ora, o testamento cerrado, pura e simplesmente, não foi encontrado. Desconhece-se se ainda existe e, neste caso, onde se encontra; bem como se não sabe se foi, porventura, rasgado ou destruído, total ou parcialmente; e se o foi, desconhece-se quem o destruiu. Por isso, pergunta-se: - Sabendo-se que o testamento não foi encontrado, será que este Supremo Tribunal poderá, com base nos factos provados, concluir que o testamento foi rasgado? - Em vida do testador? - E que foi rasgado por este? Afigura-se-nos que não. Na verdade, este Supremo Tribunal apenas de conhece de “matéria de direito”- artºs 26º L.O.F.T.J. e 729º nºs1 e 2do C.P.C.. Neste se dispõe:“1. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 2 do artigo 722.º”. Estando o conhecimento da “matéria de facto” reservado - pese embora o caso excepcional referido em que o Supremo também pode conhecer - aos tribunais de 1ª e 2ª instâncias (artº712º do C.P.C., entre outros), não pode este Tribunal decidir como se o testamento tivesse, na realidade, sido”rasgado”. Com efeito, dado que tal facto se não encontra directamente provado, para tal se concluir dos factos julgados provados, obrigaria à formulação de um “juízo de valor” sobre os mesmos e, por isso, implicaria conhecer de “matéria de facto”; o que está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça – vide, entre outros, por similitude, ac. do S.T.J.. de 15/02/05, in Proc. 04A4577.dgsi.Net-“É lícito à Relação tirar ilações da matéria de facto, desde que não altere os factos provados….Ao proceder desse modo não faz outra coisa que não seja julgamento de matéria de facto, pelo que está vedado ao Supremo…sindicar tal actuação, bem como a prova do referido facto”; e no ac. de 17/02/05, in proc. 04B4585.dgsi.Net –“ O Supremo tem de aceitar não só os factos tidos como assentes nas instâncias, como as ilações da matéria de facto”. Também o ac. de 09/12/2004 in proc. 04B4041- no sentido da limitação do S.T.J. para conhecer de matéria de facto e dos limitados poderes de sindicância sobre o tribunal recorrido neste âmbito; e ac. de 15/01/04 in proc. 03B3904, “ambos na dgsi.Net”- no mesmo sentido. Ora, provou-se nesta vertente que: a) - O falecido JJ, em 19 de Maio de 2000, intentou contra a 2ª A., uma acção de divórcio litigioso, a qual actualmente corre termos sob o nº 268/2000 na 3ª Secção do 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto. b) - Tendo ocorrido desentendimentos entre o falecido JJ e as AA., a partir do momento em que o mesmo deixou de coabitar com a 2.ª Ré e até à sua morte. c) - O falecido transmitiu ser de sua vontade regularizar a divisão de bens na sequência da partilha do divórcio do mesmo com a 2.ª A. d) - O falecido JJ começou a equacionar o benefício manifestado a favor da sua filha AA, 1ª A. e) – Aos RR. foi dado conhecimento que o falecido JJ declarou, em vida, ter rasgado o original do documento referido em 5, procedendo, assim, à sua destruição. f) – O JJ mencionou, perante terceiros, ter praticado tal acto, por o mesmo ter deixado de fazer sentido. Mas também se provou que: g) - O “de cujus” teve, até determinada altura, pela A. AA uma assumida e reconhecida predilecção, não só por ser a sua única filha, como por ser a mais nova, ao que acresce o especial orgulho no facto de esta pretender seguir medicina, à sua semelhança h) - A HH, pessoa que tinha um convívio próximo com o falecido, e na qual este depositava a sua confiança, entregou ao 1.º R. um documento original e uma cópia para os irmãos, em que o JJ tinha deixado escrita a sua vontade de ser cremado. i) – Após o falecimento do FF, foi marcada uma reunião com a referida HH. j) - Tendo a referida HH reunido com os quatro filhos de FF, e explicado que este lhe tinha confiado cópias do testamento cerrado que havia escrito e assinado, sendo de sua vontade que esta as entregasse a cada um dos filhos, após a sua morte. A concluir-se, destes factos, pelo “rasgamento do testamento” e sua total destruição de molde ao seu não aparecimento, sendo que esta conclusão teria de ser “inequívoca”, “obtida sem dúvidas”, tal, se agora feito, representaria criar um facto novo – o “rasgamento”; e atribuindo este ao testador, seria criar ainda outro – a “imputação da sua prática ao testador” - já que só aquele feito por este, com intenção revogatória, seria relevante para efeitos de revogação do testamento. E tal é vedado a este Tribunal, pelo atrás exposto. 2.2.3 - Mas mesmo que se entenda que o S.T.J. pode formular esses “juízos de valor” sobre tal matéria, cremos que os factos provados não permitiriam “concludentemente” que se pudesse afirmar, “sem sombra de dúvida” – como se esses factos expressamente estivessem provados – não só que o testamento foi rasgado, mas também que, intencionalmente, quem praticou tal acto foi o testador, visando a sua inutilização (artº 2315º do C. Civil). É que qualquer acto nesse sentido não pode ser praticado por terceiro, nem sequer a pedido do testador, nem mesmo dele tendo procuração; é acto estritamente pessoal – vide Cunha Gonçalves, in Tratado, IX, 595; vide Lições de Direito das Sucessões de Prof. Capelo de Sousa, 4ª ed.,pg 228. Naturalmente que, se o testamento tivesse aparecido, ainda que dilacerado ou em pedaços, e, se se tivesse provado que esses actos tinham sido obra querida do testador, no sentido da sua inutilização, e desde que o tivesse feito dotado do uso da razão, neste caso, o testamento considerar-se-ia revogado – artº 2315º,nº1 do C. Civil. Mas, como se disse, nesta vertente, nada resulta provado nos autos; sabe-se - como provado ficou - que o testamento está desaparecido. Aliás, como resulta das normas legais sobre testamentos, o legislador facilitou ao máximo ao testador a possibilidade de revogação dos testamentos, criando até uma norma de proibição de renúncia à faculdade de os revogar (artº 2311º do C.C.. Para a sua feitura exigiu certas formas, “o que- como escreve o Prof. Capelo de Sousa, ob. cit.- se compreende pela elevada ponderação de que deve rodear-se o testador, protegendo-o contra a sua própria precipitação”. É porque “ o testamento é um acto de última vontade, com o seu quê de sagrado”- como escreve Capelo de Sousa, in ob. cit., pg. 171- que o legislador é exigente quanto à sua feitura; mas, igualmente o é para a sua revogação; daí, as exigências formais dos artºs 2312º e 2313º do C. C. e a exigência da sua apresentação do art 2315º, ainda que com vícios; e exige que tal tenha sido resultado de um acto do próprio testador, intencional no sentido da sua revogação. Note-se que, da apreciação do teor das referidas normas, se conclui que o legislador impõe que, comprovadamente, seja o testador, e só este, sempre a revogar o testamento, em qualquer das suas modalidades; não pode haver dúvidas nesse acto. O rigor que o legislador coloca para a revogação expressa e tácita, exigindo a formalização, por documento (outro testamento ou escritura, nos termos atrás referidos), que só podem ser feitos, como se disse, pelo testador, impõem que igual rigor se coloque na exigência de prova “inequívoca” de que o testamento foi rasgado, e que o foi pelo testador, intencionalmente; o que, nos termos do art. 2315º, sobre “inutilização do testamento cerrado”, implica a sua própria apresentação “dilacerado ou em pedaços”. Neste entendimento, em casos como o dos autos, tal parece até mostrar - se incompatível com a prova “por indução”. Na verdade, porque “a última vontade do testador tem o seu quê de sagrado”, segundo Capelo de Sousa, e, por isso, deve ser por norma preservada, não se vê como dar-se como provado que o testador, com intenção revogatória, rasgou o testamento, sem que estes factos estejam, eles próprios, expressamente julgados provados. E se assim é, então, como no caso subjudice, só com a prova dos próprios factos – “rasgamento”- ocasionador da sua “inequívoca inutilização”, em vida, pelo testador, e com o fim de lhe pôr termo - mas, note-se o art º2315º prevê a sua apresentação, dilacerado ou em pedaços – é que a tese defendida pelos R.R. poderia apresentar suficiente e legal fundamento. Ora, porque não ficou provado que o testamento foi efectivamente destruído, nem, também, que o tenha sido pelo testador, com intenção de o destruir, irrelevantes se mostram, como assim entendeu o tribunal recorrido, os factos julgados provados, para os pretendidos efeitos. E, como atrás se referiu, citando-se a obra do Prof. Carvalho Fernandes, cabendo o ónus da prova destes factos aos R.R., nos termos do nº2 do artº 342º do C.Civil –“ a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” – não tendo de tais factos sido feita prova por estes, a acção não pode deixar de proceder. E tal independentemente dos seus futuros efeitos de que se não cura aqui de conhecer. Eis porque as “questões” suscitadas pelos recorrentes não encontram fundamentação legal. Bem decidiu, pois, o tribunal recorrido, não se verificando o invocado erro de interpretação e aplicação das invocadas normas. Face ao exposto, Acorda-se em negar revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 27 de Maio de 2008 Lázaro Faria (relator) Salvador da Costa Ferreira de Sousa

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