I O MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro da UE, cuja execução se baseia no princípio do reconhecimento mútuo (art. 1.º da Lei 65/2003, de 23-08), princípio que, com o Tratado de Lisboa, encontra expressão jurídica no artigo 82.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). II - Como tem sublinhado a jurisprudência do TJUE, o princípio do reconhecimento mútuo assenta em noções de equivalência e de confiança mútua nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros; nesta base, o Estado de execução encontra-se obrigado a executar o MDE que preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado à autoridade judiciária de execução um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de qualquer dos motivos de não execução, que são os que constam dos artigos 3.º, 4.º e 4.º-A da Decisão-Quadro 2002/584/JAI alterada pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI, de 26.2.2009 (a que correspondem os arts. 11.º, 12.º e 12.º-A da Lei 65/2003, com a alteração da Lei 35/2015, de 04-05). III - As noções de “confiança mútua” e “equivalência” extraem-se de princípios e regras comuns com expressão nos instrumentos internacionais de protecção dos direitos fundamentais, em particular do direito à liberdade, incorporados nos sistemas processuais penais nacionais dos Estados-Membros, a que se encontram vinculados (art. 6.º do TUE, art. 67.º, n.º 1, do TFUE, arts 6.º e 52.º da CDFUE, art. 5.º da CEDH, arts. 18.º, n.º 2, e 27.º, n.º 3, da CRP e arts. 191.º, 193.º e 202.º do CPP). IV – No julgamento do processo de execução do MDE, na insuficiência da Lei 65/2003, aplicam-se, com as devidas adaptações, as disposições do CPP (arts. 20.º, 21.º e 34.º da Lei 65/2003), com as especialidades dos arts. 21.º (oposição da pessoa procurada) e 22.º (decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu), nomeadamente que o julgamento é da competência da secção criminal do tribunal da Relação (art. 15.º, n.º 2), funcionando com 3 juízes (art. 12.º, n.º 4, do CPP), e em particular, pelas normas do art. 340.º, sobre produção de prova, do art. 365.º, que respeita à deliberação, e do art. 374.º, relativa aos requisitos da sentença, especialmente no que se refere à fundamentação (n.º 2). V - A omissão da produção de prova indispensável à decisão sobre a procedência dos motivos de oposição e sobre a execução do MDE constitui, por conseguinte, uma nulidade abrangida pela previsão da parte final da al. d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, sujeita a arguição. VI – O anterior acórdão do STJ anulou o acórdão da Relação e determinou que fosse proferida nova decisão sobre os motivos de não execução a que se referem as als. b) e h), ponto i., do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/2003, em conformidade com o que vier a ser apurado. Estava em causa, por um lado, determinar a identificação, objecto e possíveis relações de processos pendentes em Portugal com o processo espanhol em que foi emitido o MDE, para efeitos de se apreciar e decidir do motivo de não execução previsto na al. b) deste preceito, e, por outro, saber se os factos (infracção) que constam do MDE foram cometidos, no todo ou em parte, em território nacional, para efeitos de se apreciar e decidir do motivo de não execução previsto na al. h.i) do mesmo preceito. VII - O tribunal recorrido no novo acórdão que proferiu apenas decidiu do motivo de não execução a que se refere a al. b) do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/2003, mas omitiu resposta quanto à questão, essencial ao conhecimento do segundo motivo de não execução (da al. h) ponto i do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/2003). Esta omissão constitui motivo de nulidade do acórdão, nos termos da primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. VIII - O acórdão recorrido embora assinado pelo juiz relator e por dois adjuntos – revelando constituição do tribunal em conformidade com o legalmente exigido (arts. 12.º, n.º 4, do CPP e 56.º, n.º 1, ex vi art. 74.º, n.º 1, da Lei 62/2013) – foi adoptado em conferência, na qual intervêm apenas o presidente da secção, que dirige a discussão, o relator e um juiz-adjunto, e se destina exclusivamente ao julgamento de recursos, nos casos em que estes não são julgados em audiência (arts. 418.º, 419.º e 421.º do CPP). IX - Havendo oposição à execução do MDE, o julgamento do processo de execução do MDE, em que o tribunal da Relação funciona como tribunal de 1.ª instância, tem lugar mediante audiência em tribunal constituído pelo juiz relator e dois juízes adjuntos, sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do CPP relativas ao julgamento. Por aplicação subsidiária dos arts. 61.º, n.º 1, als. a) e f), do CPP, a pessoa procurada tem o direito de estar presente em audiência, assistida por defensor, cuja presença é obrigatória (art. 21.º, n.ºs 4 e 5, da Lei 65/2003). X - Nos termos do artigo 119.º, al. c), do CPP, a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência, constitui nulidade insanável, que deve ser declarada em qualquer fase do procedimento. Esta nulidade torna inválido, não apenas o julgamento realizado, mas também os actos subsequentes, impõe-se, de harmonia com este preceito, declarar também a nulidade do acórdão recorrido.
ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, identificada nos autos, recorre para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31.10.2018, proferido na sequência da decisão do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30.5.2018 que, conhecendo de anterior recurso do acórdão do mesmo tribunal proferido neste processo, julgou verificado o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, e determinou o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 426.º, n.º 1, do CPP, relativamente às seguintes questões: “a) Determinar a identificação, estado e objecto dos processos pendentes em Portugal, em que a recorrente figure como arguida ou suspeita pela prática de factos relacionados com os factos que motivam a emissão do MDE; b) Determinar a conexão entre esses processos e o processo em que foi emitido o MDE, por confronto dos factos que constituem o objecto desses processos, com recurso, se necessário, a informações complementares da autoridade de emissão; c) Determinar se em processos pendentes em Portugal se incluem os factos por que a pessoa é procurada pela autoridade judiciária de emissão do MDE; d) Determinar se a entrega da pessoa procurada à autoridade judiciária de emissão, para efeitos de procedimento criminal, é susceptível de afectar negativamente os processos pendentes em Portugal, nomeadamente por ser necessária a presença da pessoa em território nacional à ordem desses processos, tendo em conta as medidas de coacção que possam ter sido aplicadas; e) Determinar se existe ou é previsível que venha a ser proferida decisão para transmissão dos processos pendentes em Portugal às autoridades do Reino de Espanha, em função da verificação da aplicação da lei penal espanhola aos factos praticados em Portugal, Devendo ser proferida nova decisão sobre os motivos de não execução a que se referem as alíneas b) e h), ponto i., do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, em conformidade com o que vier a ser apurado”. A decisão deste Tribunal foi motivada pelo facto de a recorrente, na oposição que deduziu à execução do mandado de detenção europeu (MDE), ter alegado que se encontrava pendente em Portugal procedimento criminal pelo facto que motivou a emissão do MDE (al. b. do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003) e que os factos a que se refere o MDE teriam sido cometidos, total ou parcialmente, em território nacional (al. h.i. do n.º 1 do mesmo preceito). 2. Pelo acórdão agora recorrido, que deu cumprimento ao decidido por este Tribunal, o tribunal da Relação decidiu: — “Julgar improcedente a oposição à execução do Mandado de Detenção Europeu; — Deferir a execução do MDE emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha no âmbito do processo do Juiz de Instrução 5 de ..., e em consequência ordenar a entrega da requerida AA - unicamente com vista ao apuramento e responsabilização dos factos descritos no mesmo MDE, e com a condição de em caso de condenação em pena privativa de liberdade, poder cumprir em Portugal a pena ou a medida de segurança que eventualmente lhe for aplicada”. 3. Da motivação que apresenta, em que expressa discordância com “considerações” do acórdão recorrido – “não podemos concordar com algumas considerações que foram feitas pelo Exmo. Sr. Desembargador”, diz-se na motivação –, extrai a recorrente as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1. Não foi dada a possibilidade de à Requerida serem ouvidas as testemunhas que apresentou na oposição, 2. Apesar de no acórdão dizer que se ouviram testemunhas, 3. Não sabendo, a requerida, que testemunhas, e como, e quando, foram prestados esses depoimentos, 4. O tribunal não pode indeferir um meio de prova, por o considerar desnecessário. 5. Violou assim direito constitucionalmente estabelecidos, principalmente o direito à defesa, 6. A falta desse requisito importa uma irregularidade sanável, nos termos do art° 123 do CPP. 7. O MDE não cumpre todos os requisitos legais, no nosso humilde entendimento, isto porque, o MDE é omisso. 8. Houve uma alteração posterior à emissão do MDE, 9. Na qual apenas e tão só a Mandataria da requerida foi notificada e, espanhol, 10. Informando de que iriam deduzir peça separada, 11. Não informando nem esclarecendo, em concreto. 12. O Tribunal a quo violou assim, claramente alínea e) do n.º 1 do art.º 3.º da Lei 65/2003, cujo incumprimento constitui nulidade, ex vi do art.º 283.º n.º 3 alínea b) do CPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 34.º da Lei 65/03. 13. No caso de o tribunal a quo ter tomado a decisão com base no pressuposto de que o conteúdo do MDE, estar-se-á perante uma ilegalidade, do pedido formulado, pelas autoridades espanholas, por não ter sido traduzido em parte, o que se impunha à luz do consagrado no artigo 3.º, n.º 1 alínea e), cuja não verificação importa a violação dos princípios basilares de direito penal e processual penal e constitucionais, como o direito ao contraditório, invocando então irregularidade, por violação daquele preceito. 14. Comecemos por ver o direito aplicável. Estabelece o artigo 3.º da Lei n.º 65/2003 sobre o conteúdo e forma do mandado de detenção europeu: 1 - (...) e) Descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar, e o grau de participação na infração da pessoa procurada. 15. Dúvidas não há de que o MDE, esta longe de primar pela clareza, no que concerne ao momento, lugar e ao grau de participação, isto porque, não faz qualquer referência nem indica a data da prática do indiciado crime, não situando o tempo do cometimento da infração, nem no lugar. 16. Ora, se em termos normais é de exigir mais precisão. 17. Face a esta reconhecida e incontornável insuficiência do mandado o Tribunal da Relação não encetou diligências no sentido de, com a maior brevidade possível, coligir a informação em falta. 18. O que nunca aconteceu, nem posteriormente. 19. Segundo a alínea g) do n.º 1 do art.º 12.º concede ao Estado da execução a faculdade de recusar a execução do MDE. 20. A decisão é, assim, deixada inteiramente ao critério do Estado da execução, que satisfará as suas vinculações europeias executando a pena aplicada a um seu nacional ou a pessoa que tenha residência nesse Estado, em lugar de dar execução ao mandado entregando a pessoa procurada ao Estado da emissão para execução da pena nesse Estado. 21. A competência para decidir se está verificada uma causa de recusa de execução pertence ao tribunal, uma vez que o regime do MDE está inteiramente jurisdicionalizado, não estando prevista qualquer intervenção ou competência prévia, condicionante ou acessória de qualquer outra entidade. 22. Por isso, no caso da al. g) do n.º 1 do art.º 12.º da Lei 65/2003, de 23-08, o Tribunal é o órgão do Estado competente para determinar a execução da pena em Portugal como condição de recusa facultativa de execução; a competência no regime do mandado cabe aos órgãos que forem competentes segundo a lei interna, e a lei sobre a execução do mandado fixou a natureza inteiramente jurisdicional do respectivo regime, sem a concorrência de competências de outras entidades do Estado. 23. A decisão de recusa facultativa da execução constitui faculdade do Estado da execução; o estabelecimento de critérios não releva da natureza dos compromissos, mas do espaço de livre decisão interna em função da reserva de soberania implicada na referida causa de recusa. 24. As causas de recusa facultativa de execução constantes do art.º 12.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 23-08, têm, quase todas, um fundamento ainda ligado, mais ou menos intensamente, à soberania penal: não incriminação fora do catálogo, competência material do Estado Português para procedimento pelos factos que estejam em causa, ou nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal da pessoa procurada especificamente, a al. g) do n.º 1 da referida disposição (retomando o art.º 4.°, § 6 da Decisão-Quadro) habilita as autoridades nacionais a recusarem a execução do mandado quando «a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa». 25. A norma contém, verdadeiramente, um contraponto facultativo ou um mecanismo para proteção de nacionais. 26. A faculdade de recusa de execução prevista na referida no art.º 12.º da Lei 65/2003, constitui, assim, uma espécie de "válvula de segurança", isto porque conforme foi mencionado anteriormente, a Requerida, não conhece nada em Espanha, não tem qualquer ligação, com o país vizinho. 27. Daí que se for cumprido o MDE provavelmente a requerida irá ficar detida até quando as autoridades do Reino de Espanha, assim o entenderem, porque não terá ninguém, a requerida qualquer proteção naquele país. 28. Constituem também outras causas de recusa os pressupostos, as previstas no artigo 12.º encontram-se preenchidos, devendo em consequência ser recusado o cumprimento do presente mandado de detenção. 29. Posto isto, e em jeito de conclusão, pensamos com o devido respeito, que o MDE não deverá ser cumprido por se encontrar, violado diverso princípios e normas constitucionais. 30. Encontram-se também violados diversos requisitos do MDE 31. E poderá o Estado Português recusar a entrega da requerida, 32. Recusando assim o cumprimento o MDE Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas., mui doutamente suprirão, Requer com a devida vénia que V. Exas., alterem a decisão proferida pelo tribunal da Relação do Porto, Alterando-a para o deferimento na oposição à execução do MDE Indeferindo a Execução do MDE emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha”. 4. Respondeu o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação, defendendo a improcedência do recurso e assim concluindo: “a) A decisão recorrida indica os crimes imputados à recorrente que motivaram a emissão do MDE e o pedido de entrega, estando, portanto, salvaguardada a regra da especialidade, como limite da ação penal e garantia da recorrente de que não será perseguida por crimes diversos daqueles (artigo 7º, da Lei n° 65/2003); b) Como decidiu o STJ, no acórdão de 30 de maio de 2018 - anteriormente proferido no âmbito do presente processo - não se verifica qualquer irregularidade ou nulidade por a omissão de pronúncia sobre a admissibilidade ou não da inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente com a oposição, nem esses meios de prova poderiam ser admitidos por não se mostrarem necessários à boa decisão da causa (artigo 340° do CPP ex vi artigo 34° da Lei n° 65/2003); c) O MDE em causa - emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha, no âmbito do Processo de Diligências Prévias, atualmente, com o n° 2068/17, pendente no Juízo de Instrução n° 5 de ... - obedece a todos os requisitos legais, está traduzido em português, contém todas as informações exigidas pelo artigo 3o, da Lei n° 65/03, de 23 de agosto, e a recorrente foi devidamente informada da sua existência e do seu conteúdo, não se verificando, por isso, qualquer vício que obste à sua imediata execução; d) Não existindo, como não existe, qualquer fundamento de recusa, quer obrigatória quer facultativa, deverá a recorrente AA ser entregue ao Estado emitente do presente mandado”. 5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir (artigo 25.º da Lei n.º 65/2003). II. Fundamentação 6. Detida e apresentada no Tribunal da Relação do Porto, foi a recorrente informada da existência do MDE e do seu conteúdo, tendo declarado que não consentia na sua entrega à autoridade de emissão, pelo que solicitou prazo para deduzir oposição, nos termos do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto. Como consta do acórdão recorrido, alegou na oposição, em síntese, que: — “tem nacionalidade portuguesa e reside em Portugal; tem 2 filhos, um deles é doente e a família depende da sua actividade profissional de contabilista certificada, que exerce em estabelecimento estável situado em território português, onde está inserida, e cujos serviços que foram contratados pelos co-investigados, limitando-se a verificar, classificar e lançar toda a documentação, para efeitos de entregas das obrigações fiscais, inerentes à actividade empresarial das empresas, quando estas o solicitavam e/ou ordenavam, tendo todas as facturas e têm correspondência com transferências bancárias, efectuadas de e para as empresas que constam do MDE, nunca tendo tido qualquer responsabilidade na actividade dessas empresas seja a nível de compras ou de vendas nem nunca teve qualquer responsabilidade na gestão das empresas; — não tem antecedentes criminais e sempre pautou a sua conduta no estrito cumprimento das normas e leis em vigor; não tem meios económicos para se ausentar do país, nem tem familiares ou amigos a residir fora do território nacional, e comprometeu-se a colaborar com as autoridades judiciárias, quer de Portugal, quer de Espanha, no apuramento dos factos de que está indiciada; — o artigo 32.º da Lei 144/99 exclui a extradição quando a pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa e/ou o crime tiver sido praticado em Portugal, e no caso não está em causa qualquer crime que permita sem mais a extradição de um cidadão português e residente em Portugal; os crimes imputados ainda se encontram em fase de investigação, não tendo ainda sido deduzida acusação, podendo a investigação ser efectuada consigo em Portugal; — os factos de que vem acusada – criação de empresas com o intuito de fraude fiscal - foram praticados em Portugal, pelo que nos termos da alínea i) do artigo 12.º da Lei 65/2003 o mandato poderá ser recusado se tiver por objecto infracção que segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portuguesas; sendo que o cumprimento da pena em Portugal, só pode ter vantagens para a sua reintegração na sociedade, ao invés de ser enviada para um país estranho, com o qual não tem qualquer afinidade – que implicará, forçosamente, a dissolução da família; — a omissão da prova indiciária, por insuficiência formal de oposição e de prova inviabiliza a execução do MDE; — e considerando o lugar dos factos, quanto à sua comparticipação, o “modus operandi”, o facto de existir em Portugal um processo onde tudo indica se estejam a investigar os mesmos factos, permite concluir que será aqui que deve ser investigada e julgada, sob pena de violação do princípio da dupla incriminação; Em função do que invoca: — o artº 18.º da Lei 144/99 e o artigo 6.º C Penal, para a recusa do pedido de extradição, considerando a idade, motivos familiares e falta de contacto com o Estado requerente, e o artº 32.º/1 e 2 alíneas a) e b) da Lei 144/99 por não permitir a extradição de quem se ache em Portugal há mais de 6, 7, 8, 10 anos, e interpretação contrária atenta conta a CRP, e o Estado português pode, assim, recusar a entrega, por violação dos artigos 8.º, 13.º/2, 15.º/1, 32.º e 203 da CRP e 40 .º C Penal”. 7. O acórdão recorrido encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição): 7.1. De facto “II. 1. Factos provados 1. O Mandado de Detenção Europeu que deu origem ao presente processo foi emitido em 13ABR2018 pelo Juiz de Instrução 5 de Elche visando a detenção e entrega, para efeitos de procedimento criminal, da cidadã portuguesa AA, nascida a ...66, em ..., [...] 2. Relativamente à infracção o Mandado de Detenção Europeu contém a indicação de que se refere a crimes de organização criminosa, fraude fiscal e branqueamento do produto do crime, previstos e punidos pelos artigos 570 bis e 570 quarto, 305 e 305 bis, 301, 302 e 303 do Código Penal Espanhol. 3. Aos mencionados ilícitos corresponde, segundo as referidas disposições legais, a pena de prisão com a duração máxima, respectivamente, de 8, 5 e 6 anos. 4. As circunstâncias relativas ao ilícito criminal são descritas no Mandado de Detenção Europeu (traduzido para português) do seguinte modo: “a organização criminosa investigada em Espanha, dedicada ao menos à comissão de crime de fraude fiscal pelo denominado método do “carrossel do IVA” e possível crime de branqueamento de capitais associado ao mesmo, está dirigido e liderado por BB e é nutrida de facturas falsas por valores milionários, por sociedades dirigidas por CC, empresas criadas à medida para este fim, enquanto são dedicadas igualmente, a uma intensa actividade relacionada com a compra e venda de veículos de alta gama no estrangeiro, cujo emaranhado tinha como funções constituir ou adquirir sociedades e abrir contas bancárias para receber os fundos obtidos em Espanha por esta organização, adquirir veículos na UE, facturar veículos, sem matricular, previamente em Portugal, a sociedades constituídas em Espanha, utilização das ditas sociedades com o fim de trasladar fundos para fora de Espanha, susceptíveis de estar relacionados com actividades de branqueamento. AA, com o passaporte português ... e NIE ..., nascida em ..., mais conhecida como “Marina” é secretária de CC em Portugal e encarregada de gerir e de aqui criar sociedades para CC e seus sócios. Em princípio o trabalho de Marina era o de secretária de CC em Portugal e gestora das diversas sociedades que dirigem em Portugal CC, já que ele não é titular da maioria delas. Sua função principal é a de constituir empresas para a organização em Portugal, a maioria delas na localidade de Ermesinde a ritmo constante para os fins criminosos da organização e para os negócios de importação de veículos com fraude fiscal procedentes da Alemanha de CC e seus sócios, como para a facturação falsa necessária para a fraude do IVA carrossel que comete a organização liderada por DD. Ademais AA é a encarregada de tramitar e enviar a Espanha as documentações dos veículos que “supostamente” passaram pelas sociedades portuguesas e controlar que os pagamentos dos ditos veículos se realizam aos países de importação desde Portugal. E mais, AA chegou a criar uma sociedade na cidade de Vigo para inverter o processo de importação e começar a realizar a fraude em Portugal, tal é o caso como as empresas criadas por ela como por seu filho ..., que servirá de exemplo “EE, Lda.”, FF Lda., GG Lda., HH, Lda., II Lda., esta última sociedade deve destacar-se, que realizou facturas falsas para a organização para justificar a fraude fiscal investigada por uns 51 milhões de euros”. 5. AA foi detida no dia 18ABR2018. 6. Tem nacionalidade portuguesa, nasceu em ...66, em ..., sendo titular do Cartão de Cidadão n.º .... 7. Vive na Rua .... 8. É contabilista e está inscrita na Ordem dos Contabilistas Certificados. 9. Tem família em Portugal. Não foram apreciados outros factos alegados no requerimento de oposição, por se considerar que não interessam à decisão sobre a execução do MDE, pelos motivos que adiante serão explicitados – razão pela qual se entende, da mesma forma, desnecessário, proceder à inquirição das testemunhas arroladas na oposição. Motivação. Os factos supra fixados resultaram da análise da prova documental carreada para os autos, das declarações da requerida e da prova testemunhal. Assim, no tocante à matéria de facto relacionada com a ordenada detenção atendeu-se ao teor do mandado de detenção europeu e ao mandado de detenção que o fundamentou (originais e traduzidos para a língua portuguesa). Quanto às circunstâncias em que se efectivou a detenção atendeu-se ao teor do auto de detenção. Os elementos relativos à identificação da requerida resultaram das suas declarações e do teor do Cartão de Cidadão pelo mesmo exibido aquando da sua audição. No concernente à sua actividade profissional atendeu-se à cópia da cédula profissional. Também quanto ao enquadramento familiar se considerou as declarações da requerida. Na sequência das diligências levadas a efeito em cumprimento do determinado pelo STJ no seu acórdão infra referenciado resultou provado: 1- A requerida não tem antecedentes criminais registados; 2- Não existe em Portugal instaurado nenhum processo criminal contra a requerida; 3- Foi cumprida a carta rogatória nº 161/18.2TELSB em relação à requerida pelo DCIAP foi devolvida á autoridade requerente em 22/5/2018 após cumprimento; A comprovação de tais factos resultou da junção e apresentação aos autos do CRC da requerida de fls 223, e resposta da Procuradoria-Geral da República ao pedido de informação solicitado”. 7.2. De direito “(…) o regime jurídico do MDE foi introduzido na ordem jurídica nacional, em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho da União Europeia, de 13 de Junho, através da Lei 65/2003, de 23.08. De harmonia com o que foi expressamente consignado pelo Conselho da União Europeia na citada Decisão Quadro, o objectivo fixado pela União “de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição”. Neste seguimento e ainda de acordo com o declarado na mesma Decisão Quadro, o MDE “constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de «pedra angular” da cooperação judiciária”, baseia-se “num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros” e incumbe-lhe “substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição”. Por conseguinte, o princípio do reconhecimento mútuo constitui princípio fundamental da cooperação judiciária na União Europeia e está subjacente à aprovação do regime jurídico do mandado de detenção europeu, cfr. artigo 1.º/2 da Lei 65/2003. O MDE constitui uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas de liberdade, cfr. artigo 1.º/1da Lei 65/2003. Assim, uma decisão proferida por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, que visa a captura e a entrega de uma pessoa, deve ser reconhecida e executada, de modo célere e eficaz, nos outros Estados-Membro, sem prejuízo da garantia de respeito dos direitos fundamentais da pessoa detida. Conforme declarou o Supremo Tribunal de Justiça, “o seu núcleo essencial reside em que, “desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União”. “O que significa que as autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado”. O MDE pode ser emitido, de acordo com o disposto no artigo 2.º/1da Lei 65/2003, relativamente a factos que sejam puníveis com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a doze meses, ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha uma duração não inferior a quatro meses, cfr. n.º 1 do artigo 2.º, sendo ainda exigível, por regra, que os factos que fundamentam a emissão do MDE constituam infracção punível segundo a lei, portuguesa, no caso, cfr. n.º 3 da mesma norma. A necessidade de verificação da dupla incriminação é excluída, no entanto, quando os factos imputados à pessoa visada, de acordo com a legislação do Estado de emissão, constituam infracções puníveis com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a três anos e integrem o catálogo de ilícitos, constante do n.º 2 do referido artigo 2.º da Lei 65/2003. II.2.2. Perante tal regime jurídico, tendo presentes os princípios que lhe estão subjacentes e o quadro de motivos que determinaram a sua implantação importa avaliar as concretas circunstâncias do caso. II.2.2.1. No presente processo encontra-se requerida a execução de Mandado de Detenção Europeu (MDE), emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha, no caso pelo Juiz de Instrução 5 de ..., França, com vista à detenção e entrega da cidadã de nacionalidade portuguesa, AA, para efeitos de procedimento criminal, relativamente a 3 crimes puníveis, segundo a legislação do Estado de emissão, com penas de prisão com a duração máxima de 8, 5 e 6 anos. Analisado o MDE não se suscitam dúvidas sobre a respectiva autenticidade, verifica-se que o mesmo cumpre todos os requisitos de conteúdo e de forma previstos nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 3.º da Lei 65/2003. Inexiste qualquer dúvida sobre a identidade da pessoa procurada e do MDE consta a qualificação jurídica dos tipos legais de crime e a descrição sumária das circunstâncias em que os factos terão sido praticados, bem como o grau de participação atribuído à requerida. Por outro lado, qualquer dos crimes que fundamentam o mandado está incluído no catálogo dos crimes previstos no n.º 2 do artigo 2.º, da citada lei – no caso das alíneas a), h) e i). Assim de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito legal, a entrega da pessoa visada será possível independentemente da verificação do requisito da dupla incriminação – seja, incriminação pelo Estado de emissão e pelo Estado de execução. Isto é, independentemente de os factos que justificam a emissão do mandado de detenção europeu constituírem infracção punível pela lei portuguesa, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação. Mas, o que é facto é que qualquer deles está, também, previsto no ordenamento jurídico nacional. Com efeito, a participação em organização criminosa, a fraude fiscal e o branqueamento, estão previstos, respectivamente, nos artigos 299.º C Penal, 103.º e 104.º do RGIT e 368.º-A C. Penal – todos eles puníveis com pena de prisão com a duração máxima não inferior a 5 anos. Inexiste, assim, quanto a este aspecto, obstáculo à entrega da requerida às autoridades do Estado de emissão. Além disso, qualquer dos crimes indicados no MDE é punível, face à lei vigente no Estado de emissão, com pena máxima superior a 3 anos, pelo que está observado o pressuposto atinente à pena máxima aplicável, isto é, a exigência legal de a pena prevista no regime legal do Estado emitente ser de máximo não inferior a 12 meses. Assim sendo, o mandado de detenção europeu é válido e legalmente admissível, nos termos do artigo 2.º/1 e 3 da Lei 65/2003. II.2.2.2. Importa, agora, apreciar os fundamentos da oposição deduzida pela requerida. De harmonia com o disposto no artigo 21.º/2 da Lei 65/2003, a oposição pode basear-se em erro na identidade do detido ou em existência de causa de recusa de execução do mandado de execução. No caso presente, a oposição à execução do MDE suscita, segundo ordem lógica do conhecimento, a apreciação das seguintes matérias: - saber se não preenchidos os pressupostos do ordenamento jurídico português para o cumprimento do MDE, pois que, - o artigo 32.º da Lei 144/99 exclui a extradição quando a pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa, achar-se em Portugal há mais de 10 anos e/ou o crime tiver sido praticado em Portugal; - nos termos da alínea i) do artigo 12.º da Lei 65/2003 o mandado poderá ser recusado se tiver por objecto infracção que segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portuguesas; - atenta a idade, a existência de motivos familiares e a falta de contacto com o Estado de emissão, o artigo 18.º da Lei 144/99 e o artigo 6.º C. Penal, justifica, a recusa do pedido de extradição; - o cumprimento da pena em Portugal, só pode ter vantagens para a sua reintegração na sociedade, ao invés de ser enviada para um país estranho, com o qual não tem qualquer afinidade – que implicará, forçosamente, a dissolução da família; - a omissão da prova indiciária, por insuficiência formal de oposição e de prova inviabiliza a execução do MDE; - considerando o lugar dos factos, quanto à sua comparticipação, o “modus operandi”, o facto de existir em Portugal um processo onde tudo indica se estejam a investigar os mesmos factos, permite concluir que será aqui que deve ser investigada e julgada, sob pena de violação do princípio da dupla incriminação; - o Estado português pode, assim, recusar a entrega, por violação dos artigos 8.º, 13.º/2, 15.º/1, 32.º e 203.º da CRP e 40 .º C Penal. II.2.2.2.1. A oposição labora em vários equívocos. Com efeito desde logo ao invocar a Lei 144/99 de 31AGO, que estabelece o regime jurídico da cooperação judiciária internacional e no caso concreto, a matéria atinente com o instituto da extradição Isto quando ao caso, não será aquele regime jurídico o aplicável, mas sim o do MDE, previsto e regulado na Lei 65/2003. E, como se sabe, o MDE foi criado para substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição. E, um dos traços característicos do regime do mandado de detenção europeu é o de permitir a entrega de nacionais a um outro Estado Membro da UE. E, assim carece de pertinência e relevância para a o caso concreto – em que estamos perante um MDE para entrega de um cidadão português que se encontra em Portugal para efeitos de procedimento criminal, às instância judiciárias de Espanha – o regime jurídico que a requerida invoca, consagrado na Lei 144/99, se bem que o faça, a dado passo, em simultâneo com o regime do MDE – este sim, a regular os termos do caso concreto. E, assim, carece de relevo, para a decisão a proferir, a aludida invocação da norma contida no artigo 32.º da Lei 144/99, a sustentar, a alegação de não poder ser alvo de extradição, o nacional português, que em Portugal esteja há mas de 10 anos e/ou se o crime tiver sido praticado em Portugal, bem como o facto de atendendo à idade e à existência de motivos familiares e a falta de contacto com o Estado de emissão, ao abrigo do artigo 18.º da Lei 144/99 se justificar a recusa do pedido, “de extradição”. Por outro lado, o facto de a requerida ser cidadã portuguesa e de em Portugal se encontrar inserida, familiar, social e profissionalmente, não integra o motivo de recusa do artigo 12.º/1 alínea g) da Lei 65/2003, pois que o MDE não foi emitido para cumprimento de pena ou de medida de segurança - única hipótese a equacionar, já que se trata de recusa facultativa. Por outro lado, surge absolutamente como prematura e extemporânea, a invocação do argumente de que o cumprimento da pena em Portugal, só pode ter vantagens para a sua reintegração na sociedade, ao invés de ser enviada para um país estranho, com o qual não tem qualquer afinidade – que implicará, forçosamente, a dissolução da família. Isto porquanto, como vimos, o pedido de entrega tem em vista não o cumprimento de uma qualquer pena, mas antes, tem em vista, tão só, o procedimento criminal numa fase vestibular do processo. II.2.2.2.2. Quanto ao mais. Defende a requerida que o Estado português pode, assim, recusar a entrega, por violação dos artigos 8.º, 13.º/2, 15.º/1, 32.º e 203.º da CRP e 40.º C. Penal, sem mais. Relativamente a tal matéria a alegação apresenta-se genérica, sem reporte a qualquer específico facto atinente à execução do MDE que está na origem destes autos. Ora, como é sabido, não pode a requerida limitar-se a proclamar, muito menos, a sugerir ou aventar hipóteses de violações normativas, da lei ou da CRP. Tem obrigatoriamente, até pelo princípio da lealdade, probidade e honestidade, a que está vinculado, de fazer a crítica da situação concreta e de aduzir os motivos, concretos e especificados, da solução propugnada, de densificar a base jurídica em que se apoia e o caminho que deve ser seguido. Não basta alvitrar a violação das normas constitucionais ou legais, necessário é afirmar e tentar demonstrar a real pertinência das normas cuja violação invoca, ao caso concreto. A esta regra básica, não obedeceu, seguramente, a requerida, que nem sequer situa quais os segmentos concretos das normas – todas elas complexas e de grande amplitude normativa - que defende serem violadas, se for deferido o pedido de entrega. E não tem, então, o tribunal, que iniciar qualquer manobra exploratória, destinada a suprir as apontadas omissões de alegação, descobrindo hipotéticas razões de discordância não enunciadas. De todo o modo, o regime jurídico instituído pela citada lei, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho da União Europeia, não envolve qualquer ofensa da CEDH e da CRP, mormente das normas convocadas no requerimento de oposição, sendo aliás expressamente acautelado pela CRP, no artigo 33.º/5, relativamente ao estatuído quanto a cidadãos portugueses, localizados no território nacional. Ademais, inexiste qualquer elemento nos presentes autos que possa suportar a alegação de que a eventual execução do MDE, no caso concreto, e em cumprimento da regulamentação jurídica interna da indicada Decisão-Quadro, seria susceptível de afrontar princípios e direitos fundamentais, tutelados pela CEDH e pela CRP. Regime jurídico que, nos termos do artigo 40.º entrou em vigor a 1JAN2004, aplicando-se aos pedidos recebidos depois desta data com origem em Estados membros que tenham optado pela aplicação imediata da dita Decisão Quadro. Da mesma forma não se vê qual a pertinência, nesta fase e enquadramento do processo, para a invocação da norma contida no artigo 40.º C Penal relativa aos fins das penas. Assim, também se revela infundada a oposição quanto a esta matéria, apenas há que apreciar o ínsito nas alíneas b) e h) ponto i, do nº1 do artigo 12º da Lei nº 65/2003 em conformidade com o alegado e ora demonstrado. Resulta destes normativos que: “1- A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando: (…) b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu; (…) h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que: i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses;” Ora sendo estas as causas do reenvio e tendo-se apurado apenas que: “2- Não existe em Portugal instaurado nenhum processo criminal contra a requerida; 3- Foi cumprida a carta rogatória nº 161/18.2TELSB em relação à requerida pelo DCIAP foi devolvida à autoridade requerente em 22/5/2018 após cumprimento” não se demonstra nenhuma das causas elencadas que pudessem obstar ao cumprimento do MDE, pois não existem factos praticados em Portugal ou fora dele a ser investigados pelas autoridades portuguesas, desconhecendo-se o conteúdo da carta rogatória aqui cumprida a pedido das autoridades estrangeiras, relativo a investigação a decorrer perante essas autoridades, não havendo processos paralelos a decorrer em diferentes estados (in casu no de emissão do mandado e o de cumprimento), afigurando-se-nos relevante neste âmbito o que se escreve no ac STJ de 15/3/2006 “ III - Nos termos do art. 12.°, n.º 1, al. b), do diploma em análise, a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando estiver pendente em Portugal procedimento contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado. E, em conformidade com o disposto na al. h)-i), a execução pode ser recusada quando o mandado tiver por objecto infracção que segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves. IV - A recusa facultativa regulada no art. 12.º tem de assentar em motivos ponderosos, ligados fundamentalmente às razões que subjazem, por um lado, ao interesse do Estado que solicita a entrega do cidadão de outro país para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, e, por outro, ao interesse do Estado a quem o pedido é dirigido em consentir ou não na entrega de um nacional seu. V - No caso dos autos, dada a circunstância de a maior parte dos factos ter ocorrido em Espanha, envolvendo um outro arguido, e de o processo em curso nos tribunais portugueses se encontrar numa fase incipiente, conhecendo-se neste momento apenas o teor da queixa apresentada por uma das ofendidas, enquanto o processo em Espanha se encontra em fase adiantada, já com acusação deduzida, é de considerar que inexistem razões ponderosas para que o Estado português recuse a execução do mandado de detenção emitido pela autoridade judiciária espanhola. VI - Nos termos do art. 12.°, n.º 1, al. g), da Lei 65/2003, de 23-08, constitui causa de recusa facultativa de execução de mandado de detenção europeu a circunstância de a pessoa procurada se encontrar em território nacional e ter nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa. VII - A circunstância de se tratar de um mandado para efeitos de procedimento criminal, e não para cumprimento de pena ou de medida de segurança, afasta por si só a possibilidade de recusa facultativa no âmbito do art. 12.°.” in http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado, nota 3 ao artº 12º. Assim tendo em atenção o teor do acórdão desta Relação e do STJ e os dados apurados, não há motivo para recusar o cumprimento, nos termos e moldes em que o foi decidido no primitivo acórdão da Relação”. Nesta conformidade, foi a oposição julgada improcedente e ordenada a entrega da recorrente ao Estado de emissão. 8. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso deste Tribunal quanto a vícios da decisão recorrida – que devem resultar directamente do texto da decisão, por si só ou em conjugação com as regras da experiência – e a nulidades não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995). 9. Como no anterior acórdão, importa, antes de mais, convocar o essencial do regime processual de execução do mandado de detenção europeu decorrente da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (a que pertencem as disposições seguidamente citadas sem indicação do diploma legal), que transpõe a Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13.6.2002, para a ordem jurídica interna, e da legislação subsidiariamente aplicável. 9.1. Resulta directamente do texto da lei (artigo 1.º), e tem sido repetidamente afirmado, que o mandado de detenção europeu (MDE) é uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro da União Europeia (UE), com vista à detenção e entrega, por outro Estado-Membro, de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas da liberdade. Como é sabido, regime do mandado de detenção europeu – que se baseia no princípio do reconhecimento mútuo, actualmente com expressão normativa no artigo 82.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), fundado “num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros”, a que está sujeita a execução do MDE (artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003) – “aboliu” o processo formal de extradição entre os Estados-Membros da União, o qual foi “substituído” por um “novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal”, que permitiu “suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos procedimentos de extradição” instituídos pelos instrumentos de cooperação então em vigor (considerandos 5, 6, 7, 8 e 11 e artigo 31.º da Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13.6.2002). O princípio do reconhecimento mútuo não encontra definição no direito nacional, devendo o seu sentido, conteúdo e extensão ser obtidos por recurso à legislação da União Europeia e à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre validade e interpretação dos actos normativos adoptados pelas instituições (artigo 267.º, alínea b), do TFUE), com respeito pelo princípio de interpretação conforme aos Tratados e à legislação secundária aprovada com base nos Tratados (assim, nomeadamente, os acórdãos de 16.6.2005, caso Pupino, Proc. C-105/03; de 17.7.2008 caso Kozlowski, Proc. C-66/08; e de 5.9.2012, caso Silva Jorge, Proc. C-42/11). De acordo com este princípio, uma decisão proferida por uma autoridade judiciária competente (autoridade de emissão) produz efeitos no território do Estado em que deva ser executada (Estado de execução), como se de uma decisão de uma autoridade judiciária deste Estado se tratasse. Como tem sido sublinhado na jurisprudência do TJUE (nomeadamente nos acórdãos citados), o princípio do reconhecimento mútuo, assenta em noções de equivalência e de confiança mútua nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros da UE; nesta base, o Estado de execução encontra-se obrigado a executar o MDE que preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado à autoridade judiciária de execução um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de qualquer dos motivos de não execução, que são apenas os que constam dos artigos 3.º, 4.º e 4.º-A da Decisão-Quadro 2002/584/JAI alterada pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI, de 26.2.2009 (a que correspondem os artigos 11.º, 12.º e 12.º-A da Lei n.º 65/2003, com a alteração da Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio). 9.2. As noções de “confiança mútua” e “equivalência”, em que se funda o princípio do reconhecimento mútuo, extraem-se de princípios e regras comuns com expressão nos instrumentos jurídicos de protecção dos direitos fundamentais incorporados nos sistemas processuais penais nacionais dos Estados-Membros da União Europeia, a que se encontram vinculados. O que significa que a “confiança” é uma confiança na qualidade dos sistemas de justiça, sem interferência de outros órgãos estaduais – o princípio do reconhecimento mútuo implicou o afastamento de órgãos de natureza política e administrativa dos processos de cooperação, eliminando-se, assim, a fase administrativa dos processos de cooperação clássica, previstos na Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, nomeadamente quanto à extradição, e o estabelecimento da regra de comunicação directa entre as autoridades judiciárias de emissão e de execução. E que a equivalência se expressa e assegura em normas de direito interno de conteúdo substancialmente idêntico, quer em resultado da ratificação de instrumentos de direito convencional que moldam processualmente, em termos similares, os regimes de protecção e garantia de direitos fundamentais no processo penal, quer por via da aproximação das legislações nacionais em consequência da transposição de instrumentos de direito derivado da União – decisões-quadro e directivas – que visam este resultado – cfr. artigo 31.º do Tratado da União Europeia, na redacção do Tratado de Amesterdão, e artigos 82.º, n.º 1, e 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), adoptado pelo Tratado de Lisboa. A disposição fundamental encontra-se no artigo 6.º do Tratado da União Europeia (redacção do Tratado de Lisboa): “1. A União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (…) que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados. Os direitos, as liberdades e os princípios consagrados na Carta devem ser interpretados de acordo com as disposições gerais constantes do Título VII da Carta que regem a sua interpretação e aplicação e tendo na devida conta as anotações a que a Carta faz referência, que indicam as fontes dessas disposições. (…) 3. Do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros”. O artigo 6.º da Carta (direito à liberdade de segurança) – que deve ser respeitada pelos Estados-Membros quando apliquem o direito da União (artigo 51.º) – estabelece que “Todas as pessoas têm direito à liberdade e à segurança”. Estes direitos correspondem aos direitos garantidos pelo artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, cujo sentido e âmbito são iguais, de acordo com o artigo 52.º, n.º 3, da Carta. O artigo 5.º, n.º 1, al. f), da Convenção (que inspira o artigo 27.º, n.º 3, al. c), da Constituição), prevê a possibilidade de detenção, enquanto restrição (privação) do direito de liberdade, para efeitos de extradição (de execução de um MDE, no âmbito da UE) para procedimento criminal, sendo que esta restrição se encontra sujeita ao princípio da proporcionalidade, como expressamente se consagra no artigo 52.º, n.º 1, da Carta (igualmente no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). O que significa que a detenção da pessoa para efeitos de procedimento criminal, em execução de um MDE, devendo obedecer a este regime, que vincula a autoridade judiciária de emissão e a autoridade judiciária de execução, só deverá ocorrer nas situações em que constitua uma medida necessária, adequada e proporcional, de acordo com critérios de legalidade estrita – como sucede com o regime da prisão preventiva no CPP (artigos 191.º, 193.º e 202.º) –, se não for possível obter o mesmo resultado por meios menos gravosos. Daí que se exija que o MDE contenha a indicação da decisão que ordenou a emissão de mandado de detenção interno, sem o qual não é possível a emissão do MDE (o que, refere o acórdão recorrido, foi observado, assegurando-se, pois, a sua validade). Por sua vez, o artigo 48.º da Carta, que corresponde aos n.ºs 2 e 3 da Convenção, garante o direito ao contraditório, enquanto componente do processo equitativo. 9.3. Este regime produz particular impacte na emissão e execução do MDE. A União Europeia constitui um espaço de liberdade, segurança e justiça, alicerçado e moldado pelo sistema de protecção e garantia dos direitos fundamentos decorrente da Convenção e da Carta, conforme se consagra no artigo 67.º, n.º 1, do TFUE. Na sua actual e tendencial completude, em resultado da adopção de sucessivos instrumentos jurídicos e com vista a assegurar o respeito pelo princípio da proporcionalidade na emissão do MDE, o regime do MDE obriga a considerar estes instrumentos no seu conjunto, em particular a Decisão-Quadro 2009/829/JAI, de 23.11.2009 (JOUE L 294 de 11.11.2009), relativa à aplicação, entre os Estados-Membros da União Europeia, do princípio do reconhecimento mútuo às decisões sobre medidas de controlo, em alternativa à prisão preventiva – isto é, a medidas de coacção não privativas da liberdade, na terminologia do nosso sistema processual penal –, transposta para o direito interno pela Lei n.º 36/2015, de 4 de Maio. Lê-se no preâmbulo desta decisão-quadro: “(4) As medidas previstas na presente decisão-quadro também visam reforçar o direito à liberdade e à presunção de inocência na União Europeia e assegurar a cooperação entre os Estados-Membros nos casos em que uma pessoa é sujeita a obrigações ou a medidas de controlo enquanto aguarda a decisão de um tribunal. Assim, a presente decisão-quadro tem por objectivo a promoção, quando adequado, do uso de medidas não privativas de liberdade em alternativa à prisão preventiva, mesmo quando, segundo a lei do Estado-Membro em questão, não possa ser imposta ab initio a prisão preventiva. (5) No que diz respeito à detenção de pessoas sujeitas a processo penal, existe o risco de tratamento desigual entre residentes e não residentes no Estado onde se realiza o julgamento: o não residente corre o risco de ser sujeito a prisão preventiva enquanto aguarda o julgamento, mesmo quando, em condições análogas, tal não seria o caso do residente. Num espaço europeu comum de justiça sem fronteiras internas, é necessário tomar medidas para garantir que uma pessoa sujeita a processo penal e não residente no Estado onde se realiza o julgamento não seja tratada de maneira diferente de um residente sujeito a processo penal”. Neste contexto, assume ainda especial relevância a observância das exigências decorrentes dos princípios do contraditório e da obrigação de fundamentação das decisões, enquanto componentes do processo equitativo (artigos 6.º, n.º 1, da CEDH e 47.º da Carta), que se impõem à autoridade de emissão e à autoridade de execução do MDE; no primeiro caso para justificação da privação da liberdade, e, no segundo, para decisão sobre os motivos de não execução, em caso de oposição. 9.4. A obrigação de respeito pelo regime de protecção dos direitos fundamentais anteriormente descrito tem expressão directa no regime de execução do MDE. Como também se sublinhou no anterior acórdão deste Tribunal proferido nestes autos, nomeadamente quanto ao julgamento contraditório, e que agora se reafirma. Ouvida pelo juiz relator, a pessoa procurada pode consentir voluntariamente na sua entrega à autoridade de emissão, o que tem como consequência a renúncia ao processo de execução do MDE (artigo 20.º), ou opor-se à entrega com fundamento em erro sobre a sua identidade ou na existência de causa de recusa de execução do MDE (artigo 21.º, n.º 2), caso em que o processo deve prosseguir. À disciplina do processo de execução do MDE aplica-se o disposto no Código de Processo Penal (CPP), com as especialidades dos artigos 21.º – oposição da pessoa procurada, em que se garante o direito de defesa, com produção de prova e contraditório – e 22.º – decisão fundamentada sobre a execução do mandado de detenção europeu. É o que resulta do artigo 34.º, segundo o qual «é aplicável, subsidiariamente, ao processo de execução do mandado de detenção europeu o Código de Processo Penal». Na insuficiência da Lei n.º 65/2003, ao julgamento do processo de execução do MDE, que é da competência da secção criminal do tribunal da Relação (artigo 15.º, n.º 2), funcionando com três juízes (artigo 12.º, n.º 4, do CPP), são, assim, aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do CPP relativas ao julgamento (Livro VII), tendo em conta o objecto e a finalidade do processo, nomeadamente no que diz respeito ao conhecimento das questões que sejam suscitadas na oposição, relativas aos motivos de recusa de execução. Relevam em particular, neste domínio, as normas do artigo 340.º, sobre produção de prova, do artigo 365.º, que respeita à deliberação, e do artigo 374.º, relativa aos requisitos da sentença, especialmente no que se refere à fundamentação (n.º 2). No caso de ser deduzida oposição à execução, deve o tribunal apreciar os factos que constituem os fundamentos da oposição, os quais integram, nesta fase, o objecto do processo e da prova, podendo a pessoa procurada apresentar “meios de prova” (artigo 18.º, n.º 4) que pretenda ver produzidos, de acordo com as regras do CPP. Finda a produção da prova, nomeadamente a ordenada pelo tribunal, será concedida a palavra ao Ministério Público e ao defensor da pessoa procurada para alegações orais (n.º 5 do artigo 21.º), assim se assegurando a observância do contraditório que a execução do MDE exige. A omissão da produção de prova indispensável à decisão sobre a procedência dos motivos de oposição e sobre a execução do MDE constitui, por conseguinte, uma nulidade abrangida pela previsão da parte final da al. d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, sujeita a arguição (assim, quanto à não observância do disposto no artigo 340.º, Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, Católica, 4.ª ed., p. 322 e 881, e Oliveira Mendes, Código de Processo Penal anotado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2.ª ed., p. 1049). Proferida decisão, que pode ser pode uma decisão oral reproduzida em acta da audiência de julgamento (artigo 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003 e 99.º, n.º 2, do CPP), pode ser interposto recurso, também por declaração na acta (artigo 24.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003). Tendo a pessoa procurada nacionalidade do Estado de execução, deve ser considerada a condição de entrega (que constitui uma “garantia” para a pessoa procurada) a que se refere a alínea b) do artigo 13.º da Lei n.º 65/2003 (com a alteração da Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio), segundo a qual, quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que esta, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão (no que deverá ser observado o regime da Decisão-Quadro n.º 2008/909/JAI – cfr. artigo 15.º, sobre transferência das pessoas condenadas –, que, para além de outras, substitui a Convenção Europeia Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, de 21.3.1983, transposta para o direito interno pela Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro – cfr. artigo 26.º). 9.5. Dispõe o artigo 12.º da Lei n.º 65/2003 que a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando (...): “b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu; (...) h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que: i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses”. Nos termos do artigo 22.º, o tribunal profere decisão fundamentada sobre a execução do mandado de detenção europeu no prazo de cinco dias a contar da data em que ocorrer a audição da pessoa procurada (n.º 1); se as informações comunicadas pelo Estado membro de emissão forem insuficientes para que se possa decidir da entrega, são solicitadas com urgência as informações necessárias, podendo ser fixado prazo para a sua recepção, para que possam ser cumpridos os prazos estabelecidos no artigo 26.º (n.º 2). 10. Como inicialmente se referiu (supra, 1), a decisão de reenvio do processo para novo julgamento (do processo), nos termos do disposto no artigo 426.º, n.º 1, do CPP, quanto às questões nela identificadas, foi motivada pelo facto de a recorrente, na oposição que deduziu à execução do MDE, ter alegado, por um lado, que se encontrava pendente em Portugal procedimento criminal pelo facto que motivou a emissão do MDE e, por outro, que os factos a que se refere o MDE foram cometidos, pelo menos parcialmente, em território português, o que seria susceptível de integrar dois motivos de não execução – os previstos nas alíneas b) e h.i) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, respectivamente –, expressamente invocados na oposição. 11. Como resulta dos autos e do texto do acórdão recorrido, “na sequência das diligências levadas a efeito em cumprimento do determinado pelo STJ no seu acórdão infra referenciado resultou provado: 1- A requerida não tem antecedentes criminais registados; 2- Não existe em Portugal instaurado nenhum processo criminal contra a requerida; 3- Foi cumprida a carta rogatória nº 161/18.2TELSB em relação á requerida pelo DCIAP foi devolvida à autoridade requerente em 22/5/2018 após cumprimento; A comprovação de tais factos resultou da junção e apresentação aos autos do CRC da requerida de fls. 223, e resposta da Procuradoria-Geral da Republica ao pedido de informação solicitado”. Consta ainda do acórdão recorrido que a requerida “foi notificada das informações advindas [da Procuradoria-Geral da República] e para identificar inquéritos ou processos contra si relativos ou conexos com o objecto do MDE” e que “em 9/10/2018 a requerida enviou email alegando enviar requerimento em anexo, e informada de imediato pela mesma via da ausência de envio de qualquer anexo, não foi obtida resposta”, o que sugere conter a ideia de respeito pelo contraditório, sem realização de audiência e sem observância do disposto no n.º 5 do artigo 21.º da Lei n.º 65/2003. Assumindo que “apenas há que apreciar o ínsito nas alíneas b) e h) ponto i, do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003 em conformidade com o alegado e ora demonstrado”, e “tendo-se apurado apenas que (…) não existe em Portugal instaurado nenhum processo criminal contra a requerida” e que “foi cumprida a carta rogatória nº 161/18.2TELSB em relação à requerida pelo DCIAP foi devolvida à autoridade requerente em 22/5/2018 após cumprimento”, concluiu-se no acórdão recorrido que “não se demonstra nenhuma das causas elencadas que pudessem obstar ao cumprimento do MDE, pois não existem factos praticados em Portugal ou fora dele a ser investigados pelas autoridades portuguesas”. 12. Depois de identificar as questões que, no pressuposto da alegação da pendência dos processos n.º 160/18.4TELSB e 161/18.2TELSB, deviam ser esclarecidas, dada a insuficiência da matéria de facto para a decisão, o anterior acórdão de 30.5.2018 termina dizendo: “Devendo ser proferida nova decisão sobre os motivos de não execução a que se referem as alíneas b) e h), ponto i., do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, em conformidade com o que vier a ser apurado”. Em síntese, estava em causa, por um lado, determinar a identificação, objecto e possíveis relações de processos pendentes em Portugal com o processo espanhol em que foi emitido o MDE, para efeitos de se apreciar e decidir do motivo de não execução previsto na alínea b) deste preceito, e, por outro, saber se os factos (infracção) que constam do MDE foram cometidos, no todo ou em parte, em território nacional, para efeitos de se apreciar e decidir do motivo de não execução previsto na alínea h.i) do mesmo preceito. 13. Os mencionados motivos de recusa são independentes um do outro, não podendo fundir-se na sua conformação. Impunha-se, assim, por um lado, saber se há ou não processos pendentes em Portugal por facto que motiva a emissão do MDE e, por outro, se o MDE tem por objecto infracção que, segundo a lei portuguesa, tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território português. Devendo, na sequência disso, ser decidido se, a verificar-se qualquer destes motivos de não execução – que são motivos facultativos cujo funcionamento deve ser casuisticamente avaliado –, a pessoa procurada deve ou não ser entregue à autoridade judiciária espanhola de emissão do MDE. Ora, o tribunal recorrido apenas decidiu que “não existem factos praticados em Portugal ou fora dele a ser investigados pelas autoridades portuguesas”, declarando que “não há motivo para recusar o cumprimento, nos termos e moldes em que o foi decidido no primitivo acórdão da Relação”, mas omitiu resposta quanto à questão, essencial ao conhecimento do segundo motivo de não execução (da alínea h.i do n.º 1 do artigo 12.º da Lei 65/2003), de saber se os factos que estão a ser investigados em Espanha no âmbito do processo em que foi decidida a emissão do MDE, foram cometidos, no todo ou em parte, em território nacional. Esta omissão constitui motivo de nulidade do acórdão, nos termos da primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. 14. Para além disso, verifica-se do texto da decisão que, embora assinado pelo juiz relator e por dois adjuntos – revelando constituição do tribunal em conformidade com o legalmente exigido (artigos 12.º, n.º 4, do CPP e 56.º, n.º 1, ex vi artigo 74.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) –, o acórdão foi adoptado em conferência, na qual intervêm apenas o presidente da secção, que dirige a discussão, o relator e um juiz-adjunto, e se destina exclusivamente ao julgamento de recursos, nos casos em que estes não são julgados em audiência (artigos 418.º, 419.º e 421.º do CPP). Como resulta dos autos, a apreciação e decisão em conferência ocorre na sequência do despacho do Senhor Desembargador relator de fls. 243, em que, por erro manifesto, se assume que se trata de um recurso, que este foi interposto em tempo, por quem tem legitimidade e com o modo e momento de subida adequado e que lhe foi atribuído o efeito devido, aí se consignando que este seria apreciado em conferência, após vistos do presidente da secção e do juiz adjunto. 15. Como anteriormente se esclareceu (supra, 9.4), à disciplina do processo de execução do MDE aplica-se o disposto no Código de Processo Penal (CPP), com as especialidades dos artigos 21.º e 22.º da Lei n.º 65/2003, tendo em conta o objecto e a finalidade do processo, em particular no que diz respeito ao conhecimento das questões que sejam suscitadas na oposição, relativas aos motivos de recusa de execução. Em síntese, havendo oposição à execução do MDE, o julgamento do processo de execução do MDE, em que o tribunal da Relação funciona como tribunal de 1.ª instância, tem lugar mediante audiência em tribunal constituído pelo juiz relator e dois juízes adjuntos (artigo 56.º, n.º 1, ex vi artigo 74.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do CPP relativas ao julgamento. Por aplicação subsidiária dos artigos 61.º, n.º 1, alíneas a) e f), do CPP, a pessoa procurada tem o direito de estar presente em audiência, assistida por defensor, cuja presença é obrigatória (artigo 21.º, n.ºs 4 e 5, da Lei n.º 65/2003). Nos termos do artigo 119.º, alínea c), do CPP, a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência, constitui nulidade insanável, que deve ser declarada em qualquer fase do procedimento. Dispõe o artigo 122.º, n.º 1, do CPP (efeitos da declaração de nulidade) que as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar. Porque esta nulidade torna inválido, não apenas o julgamento realizado, mas também os actos subsequentes, impõe-se, de harmonia com este preceito, declarar também a nulidade do acórdão recorrido. A verificação e declaração desta nulidade prejudicam o conhecimento das questões suscitadas em recurso. III. Decisão 16. Pelo exposto, em conhecimento oficioso da nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c), do Código de Processo Penal, acordam os juízes da secção criminal em: a) Declarar a nulidade do julgamento; e, em consequência, b) Declarar a nulidade do acórdão recorrido, devendo o tribunal a quo: c) Proceder a novo julgamento, com a composição exigida artigos 12.º, n.º 4, do CPP e 56.º, n.º 1, ex vi artigo 74.º, n.º 1, da Lei n.º 62/3013, de 26 de Agosto, para conhecer dos motivos de recusa de execução do MDE a que se referem as alíneas b) e h.i) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, expressamente invocados na oposição, com a produção dos meios de prova necessários, apresentados ou ordenados nos termos do artigo 340.º do CPP, incluindo, se for caso disso, as informações suplementares a que se refere o artigo 22.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, d) Proferindo, a final, novo acórdão, que, em conformidade com o que vier a ser apurado, conheça dos motivos de recusa invocados, pronunciando-se sobre e execução do MDE e sobre a entrega da pessoa procurada, bem como, sendo caso disso, sobre as condições desta. Sem custas, por não serem devidas. Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Dezembro de 2018. Lopes da Mota (Relator)