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Acórdão STJ de 2007-04-18

07P1432

TribunalSupremo Tribunal de Justiça
Processo07P1432
Nº ConvencionalJSTJ000
RelatorSoreto de Barros
DescritoresMandado de Detenção Europeu, Princípio do Reconhecimento Mútuo, Aplicação da Lei Penal no Espaço
Nº do DocumentoSJ200704180014323
Data do Acordão2007-04-18
VotaçãoUnanimidade
Privacidade1
Meio ProcessualMANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU.
DecisãoNegado Provimento.

Sumário

I - Resultando da leitura da decisão recorrida que o pedido de cooperação internacional indica claramente as circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento [dia 20-01-2007, cerca das 3 ou 4 horas da manhã], o lugar [Cortizo Pozo del Cano, ao quilómetro três da estrada de Olivença a San Jorge de Alor, Comarca de Olivenza, Badajoz, Espanha] e a actuação do cidadão cuja entrega é solicitada [consubstanciada, em síntese, na prática, por JC, de entrada, não consentida, na habitação de JM, acompanhado de três homens com várias pistolas, ameaçando-o e agredindo-o na cabeça, revolvendo-lhe a casa e apoderando-se de diversos objectos de valor e documentação, amordaçando-o e obrigando-o a acompanhá-los, e levando dois carros que pertenciam a JM], e expressamente informa que a entrega tem como objectivo o procedimento criminal por factos susceptíveis de integrarem a prática, por aquele, de crimes de roubo, este cometido com violência e uso de armas, e de sequestro, puníveis pela lei do Estado emitente, respectivamente, com pena privativa de liberdade até 5 anos e até 10 anos, nos termos dos arts. 242.º, n.ºs 1 e 2, 147.º e 164.º do Código Penal Espanhol, verifica-se que os factos imputados - cujos contornos circunstanciais se encontram suficientemente recortados no pedido de entrega - constituem, de acordo com a citada legislação do Estado membro de emissão, crime do catálogo do art. 2.º, n.º 2, als. q) e s), da Lei 65/03, de 23-08, dispensando, portanto, o controlo da dupla incriminação do facto (sem embargo de estarem igualmente previstos e serem punidos segundo o disposto nos arts. 158.º, n.º 1, 154.º e 155.º, n.º 1, al. a), do CP Português). II - Tendo presente que: - o arguido encontra-se indiciado, por despacho de 22-01-2007 do senhor juiz do TIC de Lisboa, por um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1, e um crime de coacção grave, p. e p. pelos arts. 154.º e 155.º, n.º 1, al. a), todos do CP; - da economia da decisão agora sob recurso resulta que o Tribunal da Relação, ciente do objecto daquele processo que corre termos nos serviços do MP junto do tribunal de L, ponderou que a entrega do cidadão nacional JC às justiças de Espanha era devida para procedimento pelo crime de roubo, consumado nesse país (crime que, como ali se refere, não faz parte do objecto daquele processo), assim definindo o âmbito de intervenção das autoridades judiciárias de Espanha, com salvaguarda da competência dos tribunais portugueses para conhecimento dos indiciados crimes de sequestro e de coacção grave (é o que se extrai do segmento em que, conclusivamente, se afirma que «não pode, por isso, deixar de ser cumprido o mandado e ordenar-se a subsequente entrega do arguido, ainda que temporariamente e a título devolutivo, quer para prosseguimento do procedimento criminal que contra ele pende em Portugal, quer para cumprimento, no nosso país, da pena em que eventualmente venha a ser condenado em Espanha, nos termos do art. 13.º, alínea c), daquela mesma Lei»); improcede a alegação do recorrente de que os factos que dão objecto ao pedido de entrega são os mesmos que se encontram em investigação no processo n.º do MP do Tribunal Criminal de L, e que, por isso, sempre estaria vedado o deferimento da sua entrega às autoridades espanholas, e de que, tendo parte dos factos sido cometidos em território nacional - onde foi detido – também por este facto deveria ser recusada a execução do MDE. III - O art. 5.º do CP prescreve que «salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional (…) quando constituírem os crimes previstos nos artigos 221.º, 262.º a 271.º, 308.º a 321.º, e 325.º a 345.º», ou «quando constituírem os crimes previstos nos artigos 159.º, 160.º, 169.º, 172.º, 173.º, 176.º, 236.º a 238.º, no n.º 1 do artigo 239.º e no artigo 242.º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado» (al. b) do n.º 1). IV - Dado que o crime de roubo se encontra previsto no art. 210.º do CP, não fazendo parte do elenco dos crimes incluídos naquela disposição e, ademais, as autoridades estrangeiras do local da prática do crime pretendem exercer o correspondente criminal, sendo ainda certo que, apesar de o agente ter sido encontrado em Portugal e ser cidadão português, é possível a sua «extradição» (leia-se: entrega judicial), por via de instrumento legislativo da Assembleia da República (a citada Lei 65/03) aprovado em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06, improcede a alegação do arguido de que, em relação ao crime objecto do mandado, mesmo que se tenha como cometido em Espanha, sempre o tribunal português teria competência para dele conhecer, nos termos do art. 5.º do CP. * * Sumário elaborado pelo Relator.


Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA", identificado nos autos, recorre do acórdão de 20.0307, do Tribunal da Relação de Lisboa (proc. n.º 2705/07), que, julgando improcedente a sua oposição, decidiu, em síntese, "deferir a execução dos Mandados de Detenção Europeu emitidos pelo Juzgado de Instruccion de Olivenza", referentes ao cidadão português AA e ordenar a sua entrega às autoridades espanholas, com a condição de ser devolvido para cumprimento, em Portugal, da pena a que, eventualmente, seja condenado." 1.1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões: 1. De acordo com o nº 3 do artº 16 da Lei 65/03, o Mandado de Detenção Europeu em apreço, deveria ter sido indeferido Iiminarmente por falta de elementos concretos de prova, que fundamentem a indiciação. Não contém o mesmo elementos sobre o modo, tempo e lugar, em que os factos ocorreram para o Tribunal Português poder ponderar sobre o respectivo conteúdo e medida de coacção; 2. Os factos constantes deste pedido são os mesmos factos que se encontram em investigação no processo nº 13/07.1.JB.LSB, a correr pela 1ª Secção do M. Público do Tribunal Criminal de Loures; 3. Após a apreciação dos indícios e depois de terem ouvido o ofendido, BB e testemunhas, os arguidos foram devolvidos à liberdade, sujeitos a apresentações bi-semanais. Foi, aliás, no âmbito dessas apresentações, que o arguido cumpre escrupulosamente, que entretanto foi preso; 4. Apesar de não corresponderem à verdade, os factos por que está indiciado neste M.D.E, mesmo a serem verdade, sempre a execução do mesmo deveria ser recusada e o processo em Espanha arquivado pelos seguintes factos: a) Está pendente em Portugal o procedimento penal contra o arguido pelos mesmos factos que motivaram este M.D.E, artº 12º - 1 - b) da Lei 65/03; b) A terem sido cometidos actos delituosos por parte do arguido, o que nega, tendo parte sido cometido em Território Nacional, aliás foi aqui que foi efectuada a sua detenção, deve por este facto também ser recusada a execução do M.D.E, nos termos da aliena i) do nº 1 do artº 12 da Lei já referida. 5. Do douto Acórdão do Tribunal da Relação, proferido em 20 de Março de 2007, resulta que, o procedimento criminal a correr e Portugal contra o recorrente, é apenas em parte coincidente com o facto que motivou a emissão do MDE, por se considerar que o crime de roubo foi inteiramente cometido em Espanha; 6. A dar-se como indiciado o crime de roubo, mesmo que cometido em Espanha, sempre o Tribunal Português teria competência para conhecer desse crime, nos termos do artº do artº 5º do C.P.. Contudo, o próprio ofendido afirma não saber quando o roubo aconteceu, o que quer dizer que a ter sido cometido, tanto poderia ser parte em Espanha como parte em território Português; 7. O próprio ofendido, declarou, por escrito, em 22 de Março de 2007, que o recorrente não está implicado nem no sequestro nem no roubo de que foi vítima, reforçando a existência de uma amizade com o mesmo; 8. O recorrente é português e tem a sua vida aqui formada; 9. Além disso, o recorrente sofre de claustrofobia, pelo que dificilmente poderá ser transportado para Espanha num carro celular, sem grave risco para a sua débil saúde, ao que acresce a sua já avançada idade; 10. Devendo pelo exposto ser o arguido devolvido à liberdade, após recusa de execução do M.D.E., violador dos princípios ínsitos na C.R.P.. Normas violadas: Artº 12 nº 1-b), i) e g); Artº16° nº 3 Todos da lei 65/03 e Artº 5° do C.P .. (fim de transcrição) 1.2 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo . (fls.133) 1.3 Respondeu o Ministério Público nos termos de fls. 157 a 162, concluindo que 'se deve negar provimento ao recurso, confirmando-se o douto acórdão recorrido'. 2. Realizada a conferência, cumpre decidir . 2.1 Antes de entrar na apreciação do caso, é útil ter presente algumas considerações jurisprudenciais sobre o regime jurídico do mandado de detenção europeu: I - A primeira concretização no domínio penal do reconhecimento mútuo no âmbito do espaço de segurança e justiça foi a Decisão-Quadro de 13-06-2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados membros. II - A exposição de motivos da Decisão-Quadro estabelece as finalidades que o documento tem em vista alcançar: - a abolição do processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas, embora ausentes, cuja sentença já tenha transitado em julgado – considerando 1; - (…) a supressão da extradição entre os Estados membros e a substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias, sendo que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos (…) procedimentos de extradição; as relações de cooperação clássicas que (…) prevaleceram entre Estados membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça – considerando 5; - o mandado de detenção europeu previsto na Decisão-Quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de «pedra angular» da cooperação judiciária – considerando 6; - o mandado de detenção europeu deverá substituir, nas relações entre os Estados membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição – considerando 11. III - Os fundamentos e as finalidades, expressamente assumidos ao longo da extensa exposição de motivos da Decisão-Quadro, constituem elementos essenciais de interpretação do próprio instrumento normativo da União, bem como das pertinentes disposições do diploma interno de transposição, a Lei 65/2003, de 23-08. IV - O mandado de detenção europeu constitui, com a sua regulamentação jurídica, o instrumento operativo que, em aplicação do princípio do reconhecimento mútuo em matéria penal, substitui nas relações entre os Estados membros «todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição». V - É, pois, no círculo de delimitação material das finalidades do novo e específico instrumento de cooperação no espaço da União que há-de ser interpretado o respectivo regime e cada uma das particularidades que apresente; o critério nuclear será o que resulta da intenção assumida de substituição, nesse espaço, do regime de extradição. VI - As referências fundamentais do regime e que moldam os conteúdos material e operativo resumem-se a dois pressupostos base: o afastamento, como regra, do princípio da dupla incriminação, substituído por um elenco alargado em catálogo de infracções penais, e a abolição da regra, típica da extradição, da não entrega ou extradição de nacionais. VII - Moldadas na finalidade do instrumento específico de cooperação e nos pressupostos essenciais que lhe estão subjacentes (mútuo reconhecimento; substituição da extradição), as normas aplicáveis a cada situação têm de ser interpretadas no contexto dos referidos âmbito e finalidades, e ainda na conjugação entre as exigências decorrentes do reconhecimento mútuo e os deveres assumidos e a permanência de alguns espaços de soberania estadual em matéria penal. VIII - Na construção de um espaço comum de liberdade, segurança e justiça tem de haver, necessariamente, um território comum de valores que federem sociedades, e princípios livremente partilhados que constituam âncoras de liberdade e de segurança. Por isso, a confiança que têm de partilhar na aceitação dos valores e dos sistemas materiais e procedimentais que os garantam. IX - Nesta medida, uma comunidade de segurança, liberdade e justiça supõe a existência de valores e bens jurídicos comuns que devem ser tutelados pelo direito penal, aceitando os seus membros que a incriminação de comportamentos que afectem tais valores é inerente à partilha de valores comuns, independentemente dos nomina próprios de cada sistema. A incriminação está, assim, intrínseca nos princípios que federam as comunidades e os Estados que se agrupam e integram em comunidade, dispensando, materialmente, a verificação da dupla incriminação; uma tal exigência estaria em contradição com a aceitação de valores essenciais comuns. X - Esta é a função da “lista” dos campos materiais de incriminação do art. 2.º da Lei 65/2003, de 23-08 – reconhecimento de um consenso sobre o próprio “princípio da incriminação”. XI - Pressuposto do afastamento do controlo sobre a dupla incriminação é a verificação sobre se, em termos materiais e segundo os princípios da confiança e do reconhecimento mútuo, os factos que justificam a emissão do mandado e a qualificação que lhes respeitar nos termos definidos pela autoridade da emissão ainda integram os círculos materiais que se definem na lista comum, ou manifestamente deles se afastam. XII - Estas considerações permitem determinar, na intenção subjacente à criação do instrumento de cooperação e no modelo instituído, o tipo de controlo que caberá à autoridade judiciária do Estado da execução. Este controlo terá de ser «genérico, ou seja, verificar se o facto ou factos que dão origem ao mandado fazem parte da lista, referindo-se a um “domínio de criminalidade” aí previsto; depois, um controlo jurídico, que se analisa num controlo da incriminação do facto ou factos no Estado de emissão. Nesta segunda fase do controlo, a autoridade judiciária fica subordinada à definição dos factos pelo direito do Estado de emissão, isto é, tem de se ater aos elementos constitutivos do tipo legal de crime tal como eles estão previstos na lei do Estado de emissão e não aos elementos constitutivos do tipo legal de crime tal como eles estão previstos na lei do seu Estado». XIII - Deste modo, se os factos que determinam a emissão do mandado, tal como constam e com a qualificação jurídica e a integração típica que as autoridades da emissão assumiram, não puderem integrar-se, numa razoável e comum dimensão material, no elenco de um dos “domínios de criminalidade” fixados na Decisão-Quadro, o Estado da execução poderá efectuar, nas condições que considere adequadas, a verificação (facultativa) da dupla incriminação; a limitação do alcance das soberanias só poderá valer para os valores e princípios comuns, que livremente se aceitaram, podendo o Estado da execução, em situações de desfasamento entre os factos e a qualificação e o círculo e as finalidades da construção dos domínios de criminalidade da “lista”, afastar-se das referências formais e genéricas do mandado, que não tenham suporte material. XIV - Mas, para tanto, o afastamento dos factos do elenco de um dos domínios de criminalidade da “lista” e das qualificações, materiais e não nominais, que lhe estão subjacentes, tem de ser patente e resultar, directa e imediatamente, das próprias formulações e do enquadramento formal, sistemático e material da lei do Estado da emissão. (…) XVIII - A Lei 65/2003, de 23-08, estabelece como causa de recusa facultativa de execução, entre outras, a circunstância de a conduta - fora das infracções da “lista” – não ser punida pela lei portuguesa. Não define, no entanto, no que respeita a algumas das causas (designadamente a da al. a) do n.º 1 do art. 12.º), os fundamentos e os critérios para o exercício da faculdade, que é faculdade do Estado Português, como estado da execução, como resulta da expressão da lei - a execução «pode» ser recusada'. (Ac. STJ de 04.01.06, proc. n.º 4706/06) 2.2 Posto isto - que traduz jurisprudência estabilizada deste Tribunal - há que retornar aos autos . A primeira questão suscitada pelo recorrente tem a ver com a alegada 'falta de elementos concretos de prova (sobre o modo, tempo e lugar em que os factos ocorreram), para o Tribunal Português poder ponderar sobre o respectivo conteúdo e medida de coacção', o que deveria ter determinado o 'indeferimento liminar do pedido' . 2.2.1 O art.º 3.º da Lei n.º 65/03, de 23 de Agosto, prescreve que 'o mandado de detenção europeu contém as seguintes informações, apresentadas em conformidade com o formulário em anexo: (…) c) Indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva nos casos previstos nos artigos 1.º e 2.º; d) Natureza e qualificação jurídica da infracção, tendo, nomeadamente, em conta o disposto no artigo 2.º; e) Descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infracção da pessoa procurada; f) Pena proferida, caso se trate de uma sentença transitada em julgado, ou a medida da pena prevista pela lei do Estado membro de emissão para essa infracção; g) Na medida do possível, as outras consequências da infracção . 2.2.2 A decisão sob recurso, depois de deixar consignado que, (…) "No que concerne aos presentes mandados a executar contra o detido AA, não se suscitam dúvidas sobre a sua proveniência e respectiva autenticidade, observando os mesmos o disposto no art. 3.º, n.º 1, da citada Lei, já que a inserção da indicação da pessoa a deter no SIS produz os mesmos efeitos de um mandado de detenção europeu, desde que acompanhada das informações exigidas por aquela norma, nos termos do disposto no art. 4.°, n.ºs 2 a 4." (…), passou a analisar a substância do pedido formulado. Fê-lo, nos seguintes termos: (…) "Segundo o conteúdo dos mandados, é o AA procurado para efeitos de procedimento criminal por factos susceptíveis de integrarem a prática, por aquele, de crimes de roubo, cometido com violência e uso de armas, e de sequestro, puníveis pela lei do Estado membro emitente, respectivamente, com pena privativa de liberdade até cinco anos e até dez anos, nos termos dos artigos 242.1 e 2, 147 e 164, do Código Penal Espanhol, crimes que se consubstanciarão na prática, pelo AA, dos seguintes factos: - No dia 20/0112007, cerca das 3 ou 4 horas da manhã, quando o cidadão espanhol D. BB se encontrava dormindo no seu domicílio - ..., situado ao quilómetro três da estrada de Olivença a San Jorge de Alor (comarca de Olivenza, Badajoz, Espanha), entraram quatro homens com várias pistolas ameaçando-o para que bebesse de uma garrafa. - Ao negar-se a fazê-lo, agrediram-no na cabeça com uma pistola, causando-lhe uma ferida. - Ao ser agredido, acedeu a beber, enquanto dois dos homens começaram a revolver a casa e a meter diversos objectos de valor em sacos de plástico que levaram (documentação, ordens de pagamento, relógios, computador portátil, câmara fotográfica digital, vários telemóveis, e cartões bancários). - Posteriormente, obrigaram-no a vestir-se, colocaram-lhe uma mordaça na boca e introduziram-no num automóvel que estava estacionado fora de casa, perdendo a consciência durante a viagem. - Levaram também dois carros que lhe pertenciam. - Quando chegaram à zona de Lisboa, Portugal, dois dos homens desapareceram, entrando o BB e os outros dois numa casa. Ordenaram-lhe que tomasse um banho e esperasse. - Posteriormente, a Polícia portuguesa, tendo notícias de que o cidadão espanhol havia desaparecido e poderia estar privado da liberdade contra a sua vontade, em contacto com a Guarda Civil espanhola, localizou BB, AA e CC (nascido em Satu Maré no dia 25 de Maio de 1983, titular do passaporte romeno nr. ..., o qual utiliza habitualmente a identidade falsa ..) numa cervejaria de Moscavide (Portugal), procedendo à detenção do cidadão português e deste último como autores dos factos anteriormente referidos cerca da 1.00 hora da manhã - hora espanhola - do dia 21/01/2007. - Praticadas as diligências pertinentes pela Polícia portuguesa, BB regressou, conduzindo o seu veículo, ao seu domicílio em Espanha, na madrugada do dia 21/01/07. " Ora, da leitura deste excerto, resulta que o pedido de cooperação internacional indica claramente as 'circunstâncias em que a infracção foi cometida, incluindo o momento (dia 20.01.07, cerca das 3 ou 4 horas da manhã), o lugar (..., ao quilómetro três da estrada de Olivença a San Jorge de Alor, Comarca de Olivenza, Badajoz, Espanha) e a actuação do cidadão cuja entrega é solicitada (consubstanciada, em síntese, na prática, por AA, de entrada, não consentida, na habitação de D. BB, acompanhado de três homens com várias pistolas, ameaçando-o e agredindo-o na cabeça, revolvendo-lhe a casa e apoderando-se de diversos objectos de valor e documentação, amordaçando-o e obrigando-o a acompanhá-los, e levando dois carros que pertenciam a BB) . E o pedido expressamente informa que a entrega tem como objectivo 'o procedimento criminal por factos susceptíveis de integrarem a prática, por aquele, de crimes de roubo, cometido com violência e uso de armas, e de sequestro, puníveis pela lei do Estado emitente, respectivamente, com pena privativa de liberdade até cinco anos e até dez anos, nos termos dos artigos 242.1 e 2, 147 e 164, do Código Penal Espanhol' . Em suma: os factos imputados - cujos contornos circunstanciais se encontram suficientemente recortados no pedido de entrega - constituem, de acordo com a citada legislação do Estado membro de emissão, crime do catálogo do art.º 2.º, n.º 2., als. q) e s), da Lei n.º 65/03, dispensando, portanto, o controlo da dupla incriminação do facto (sem embargo de estarem igualmente previstos e serem punidos segundo o disposto nos art.ºs 158.º, n.º 1., 154.º e 155.º, n.º 1., al. a), do Código Penal Português) . É certo que o recorrente pretende deslocar o ponto da questão para a sindicação, pelo tribunal português, da suficiência da indiciação e da justeza da medida de coacção pertinente. Trata-se, porém, de matéria que, de acordo com o que acima se deixou exposto, escapa à competência dos tribunais do Estado requerido . Neste sentido, a título de exemplo, pode ver-se o acórdão de 17.01.07, proc. n.º 4828/06: (…) 'face ao espírito de cooperação desejável entre os Estados da União Europeia, não pode o recorrente opor-se ao mandado demonstrando que não praticou os factos . A não ser assim, a breve trecho transformar-se-ia o MDE num processo de investigação dos factos, retardando a entrega, e, a ser permitido o elenco de provas arrolado, lançar-se-ia sobre o STJ o ónus de apreciar a matéria de facto produzida na Relação, desvirtuando a sua função de tribunal de revista. Essa defesa - que não configura fundamento de oposição ao mandado - há-de o procurado apresentá-la às autoridades judiciárias espanholas', e, já antes, o acórdão de 19.07.06, proc. n.º 2697/06, também desta Secção: (…) 'a execução de um mandado de detenção europeu não se confunde com o julgamento de mérito da questão de facto e de direito que lhe subjaz, julgamento esse a ter lugar, se for o caso, perante a jurisdição e sob responsabilidade do Estado emissor, restando neste âmbito, ao Estado da execução, indagar da respectiva regularidade formal e dar-lhe execução', ou, ainda, o acórdão de 05.04.06, proc. n.º 1197/06: (…) 'os Estados membros confiam que os sistemas jurídicos e respectivos processos garantem a qualidade suficiente às decisões, tomadas por autoridades competentes, que dão lugar à execução nos seus territórios . A tarefa das autoridades judiciárias do Estado da execução incide sobre os requisitos do próprio mandado, sem espaço para sindicar a bondade das decisões proferidas pela autoridade competente do Estado membro emissor, dada a garantia de que estas poderão aí ser válida e eficazmente contestadas' . Improcede, pois, a primeira conclusão do recurso . 2.2.3 O recorrente defende que os factos que dão objecto ao pedido de entrega 'são os mesmos que se encontram em investigação no processo nº 13/07, do Ministério Público do Tribunal Criminal de Loures' (art.º 12.º, n.º 1., al. a), da Lei 65/03), e que, por isso, 'mesmo a serem verdade', sempre estaria vedado o deferimento da sua entrega às autoridades espanholas, uma vez que, com base neles, está pendente procedimento criminal' ; e, 'tendo parte (dos factos) sido cometido em Território Nacional - onde foi detido - deve, por este facto, também ser recusada a execução do MDE, nos termos da alínea i) do n.º 1 do art.º 12 da Lei já referida' . Acrescenta que, 'a dar-se como indiciado o crime de roubo, mesmo que cometido em Espanha, sempre o Tribunal Português teria competência para conhecer desse crime, nos termos do art.º 5.º do C.P.' . 2.2.4 A decisão sob recurso abordou estas questões, posto que elas haviam sido invocadas como fundamento da 'oposição' levantada pelo arguido à execução do mandado. Assim, o Tribunal da Relação de Lisboa explicitou o seguinte raciocínio (fls. 114 a 116): (…) 'Em relação aos fundamentos de oposição a que alude o art. 21, n.º 2, da citada Lei 65/03, não se suscitam dúvidas quanto à identidade do detido AA, que corresponde à pessoa procurada e identificada nos mandados de detenção a executar. No que concerne à existência de outros fundamentos de recusa, constata-se que não se verifica nenhum dos fundamentos de recusa obrigatória, previstos no art. 11.º, estando em causa, exclusivamente, a eventual verificação dos fundamentos de recusa facultativa previstos no art.12.º, nº 1, als. b), e h), invocados pelo recusante. Prevê-se ali a recusa facultativa de execução do mandado de detenção europeu se: - "estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu" - (aI. b); - "o mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que... segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses" - (aI. h). No caso, como tivemos oportunidade de referir, está pendente em Portugal procedimento criminal contra o detido por crimes de sequestro e de coacção grave, pelos factos cometidos em território português, contra o ofendido BB, na madrugada do dia 20/01/2007, o qual, segundo os respectivos autos, foi transportado à força desde a fronteira de Badajoz e até Lisboa, onde foi mantido contra a sua vontade, até à detenção dos arguidos, a 21/01/2007. Importa, pois, determinar se o procedimento criminal que corre em Portugal é pelo mesmo "facto" que motivou a emissão dos mencionados mandados de detenção europeu ou se têm estes por objecto a mesma infracção que é investigada no processo 13/01. Diremos que só parcialmente assim é. Na verdade, os presentes mandados de detenção respeitam não só a um crime de sequestro contra o mencionado ofendido BB - cuja acção criminosa se iniciou a 20/01/07 na residência deste sita em Olivença, Espanha e se prolongou pelo território português até cessar em Moscavide, Portugal, com a detenção dos arguido CC e AA - mas também a um crime de roubo cometido com violência e uso de armas, previsto e punível pela lei portuguesa (art. 210.º, n.ºs 1 e 2 aIs. a) e b), do CP) com pena de prisão até 15 anos e pela lei espanhola (art. 242.1 e 2, e 147, do Código Penal de 1995), com pena de 2 a 5 anos de prisão. Verifica-se, quanto a ambos os ilícitos, a dupla incriminação, para além de se tratar de crimes do catálogo, previstos no art. 2.º n.º 2, al. q) e s), da Lei 65/03, o que dispensaria aquele requisito da dupla incriminação. Se, quanto ao mencionado crime de sequestro, os tribunais portugueses têm competência para proceder criminalmente e julgar o arguido AA, pelos factos ocorridos em território nacional, porquanto parte da respectiva acção criminosa decorreu em Portugal, cessando a respectiva execução em território português, o mesmo não acontece relativamente ao crime de roubo, que se consumou em Espanha - aí tendo decorrido toda a respectiva acção criminosa - e os respectivos factos não são objecto de investigação no identificado processo 13/07.1 do tribunal de Loures. Ou seja, sendo o crime de sequestro um crime de execução permanente, cuja consumação só cessa com a restauração da liberdade do sequestrado, a respectiva acção prolonga-se no tempo, podendo iniciar-se num Estado e continuar no outro, como aconteceu no presente caso. Qualquer desses Estados é competente para promover o respectivo procedimento, verificando-se, quanto a tal ilícito, efectivamente, a invocada causa de recusa facultativa, prevista nas alíneas b) e h)-i), do artº 12.º da Lei 65/05, de 23/08, que poderia levar à recusa de execução do mandado. Todavia, no que concerne ao crime de roubo, pelo qual vem igualmente solicitada a detenção e entrega do arguido AA às autoridades espanholas, para efeitos do respectivo procedimento criminal, não se verificam aquelas causas de recusa ou qualquer outra das previstas na citada lei. Não pode, por isso, deixar de ser cumprido o mandado e ordenar-se a subsequente entrega do arguido, ainda que temporariamente e a título devolutivo, quer para prosseguimento do procedimento criminal que contra ele pende em Portugal quer para cumprimento, no nosso país, da pena em que eventualmente venha a ser condenado em Espanha, nos termos do arte 13.º, alínea c), daquela mesma Lei. Assim, obedecendo os mandados de detenção emitidos por Espanha a todos os requisitos legais e não ocorrendo fundamento de recusa, seja obrigatória seja facultativa, nos termos supra explanados, deve o detido AA ser entregue ao Estado emitente, para que o mesmo seja sujeito ao correspondente procedimento criminal'. 2.2.5 Como já se deixou escrito, o arguido AA encontra-se indiciado, por despacho de 22.01.07, do senhor juiz do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (agora, proc. n.º 13/07, do Tribunal de Loures), por 'um crime de sequestro, p. e p. pelo art.º 158.º, n.º 1. e um crime de coacção grave, p. e p. pelos art.ºs 154.º e 155.º, n.º 1., al. a), do Código Penal'. E, da economia da decisão (agora, sob recurso) resulta que o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo presente o objecto daquele processo que corre termos nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Loures, ponderou que a entrega do cidadão nacional AA às justiças de Espanha era devida para procedimento pelo crime de roubo, consumado nesse país (crime que, como ali se refere, não faz parte do objecto daquele processo), assim definindo o âmbito de intervenção das autoridades judiciárias de Espanha, com salvaguarda da competência dos Tribunais Portugueses para conhecimento dos indiciados crimes de sequestro e de coacção grave. É o que se extrai do segmento em que, conclusivamente, se afirma que 'não pode, por isso, deixar de ser cumprido o mandado e ordenar-se a subsequente entrega do arguido, ainda que temporariamente e a título devolutivo, quer para prosseguimento do procedimento criminal que contra ele pende em Portugal (1) quer para cumprimento, no nosso país, da pena em eventualmente venha a ser condenado em Espanha, nos termos do art.º 13.º, alínea c), daquela mesma Lei'. (fls.115) O recorrente defende, no entanto, que, em relação a este crime de roubo, mesmo que se tenha como cometido em Espanha, 'sempre o Tribunal Português teria competência para conhecer desse crime, nos termos do art.º 5º do Código Penal'. O invocado art.º 5.º (2) prescreve - para o que, agora, importa - que 'salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei portuguesa é ainda aplicável a factos cometidos fora do território nacional (…) quando constituírem os crimes previstos nos artigos 221.º, 262.º a 271.º, 308º. a 321.º e 325.º a 345.º', ou 'quando constituírem os crimes previstos nos artigos 159.º, 160.º, 169.º, 172.º, 173.º, 176.º, 236º a 238.º, no n.º 1 do artigo 239.º e no artigo 242º, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado' (al. b), n.º 1.). Ora, o crime de roubo encontra-se previsto no art.º 210.º, do Código Penal, não fazendo parte do elenco dos crimes incluídos naquela disposição e, a demais, as autoridades estrangeiras do local da prática do crime pretendem exercer o correspondente procedimento criminal (instrução processual e eventual julgamento), sendo ainda certo que, apesar do agente ter sido encontrado em Portugal e ser cidadão português, é possível a sua 'extradição' (leia-se: entrega judicial), por via de instrumento legislativo da Assembleia da República (a citada Lei n. 65/03), aprovado 'em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de Junho'. E, embora sem relevo para a decisão, não pode deixar de se consignar que, segundo o texto do acórdão da Relação, a medida da moldura da pena estabelecida na legislação de Espanha é sensivelmente inferior à que é prevista na lei Portuguesa. Improcedem, assim, as restantes conclusões do recurso (3). 3. Nos termos sumariamente expostos, decide-se negar provimento ao recurso do arguido AA. Custas pelo recorrente, com quatro UCs. de taxa de justiça. Lisboa, 18 de Abril de 2007 Soreto de Barros (relator) Armindo Monteiro Santos Cabral -------------------------------------------------------------------- (1) A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando (…) sendo os factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu do conhecimento do Ministério Público, não tiver sido instaurado ou tiver sido arquivado o respectivo processo'. (al. c), do n.º 1., do art.º 12.º) (2) Complementar do que consagra o princípio geral da territorialidade (art.º 4.º) . (3) O recorrente vem alegar, ainda, que 'sofre de claustrofobia, pelo que dificilmente poderá ser transportado para Espanha num carro celular, sem grave risco para a sua débil saúde, ao que acresce a sua já avançada idade'. Trata-se, como é patente, de matéria alheia à ponderação desta fase do processo (mas, a verificar-se tal circunstância, deverá, antes, ser reportada às autoridades encarregadas da intendência da entrega).

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