I. – RELATÓRIO. Sob promoção do Ministério Público, e por verificação, em superveniência, de um concurso de crimes, cometidos pelo arguido/condenado, AA, o Tribunal da Comarca …, Juízo Central Cível e Criminal, procedeu à realização da audiência – cfr- artigo 472º do Código de Processo Penal – para efectivação do cúmulo das penas impostas ao arguido nos processos: - Processo nº 223/12……, que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal … – Juiz …., no qual foram julgados factos ocorridos de … .05.2007 a … .12.2007, que substanciaram a prática de 1 (um) crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art. 205º nºs 1 e 4 al. b) do CP, foi o arguido condenado na pena de 4 anos e 4 meses de prisão, por decisão de 26.11.2018, e transitada em julgada em 02.12.2019; - Processo nº 684/10…, do Juízo Central Cível e Criminal …. – Juiz …. (fls. 131 e ss.): - por factos ocorridos entre … .12.2008 a … .10.2009, pela prática de: 1(um) crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art. 256º nºs 1 als. d) e e) e 3 do CP, condenado, por decisão de 11.09.2017, e transitada em julgado 07.06.2018, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão; - por factos ocorridos de … .07.2007 a … .10.2009, pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento agravado previsto e punido pelo artigo 256º, nºs 1, alíneas e) e f) e 3 do Código Penal, por decisão de 11.09.2017, e transitada em 07.06.2018, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão; - por factos ocorridos em … .12.2008, pela prática de 1 (um) crime de falsificação de documento agravado previsto e punido pelo artigo 256º, nºs 1, alíneas d) e e) e 3, por decisão de 11.09.2017, e transitada em 07.06.2018, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses; - por factos ocorridos de, data não apurada de 2009 a … .10.2009, pela prática de 1 (um) crime de abuso de confiança agravado previsto e punido pelo artigo 205º, nºs 1 e 4, alínea b) do Código Penal, por decisão de 11.09.2017, e transitada em 07.06.2018, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; - por factos ocorridos a … .07.2007, pela prática de 1 (um) crime de abuso de confiança agravado previsto e punido pelo artigo 205º, nºs 1 e 4, alínea a) do Código Penal, por decisão de 11.09.2017, e transitada em 07.06.2018, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão; - por factos ocorridos de data não apurada de 2009 a … .10.2009, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217º, nºs 1 e 2 e 218º, nºs 1 e 2, alínea a), ambos do Código Penal, por decisão de 11.09.2017, e transitada em 07.06.2018, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, Em cúmulo jurídico das penas impostas neste processo foi irrogada ao arguido/condenado a pena única de 6 (seis) e 6 (seis) meses; - Processo nº 96/07…., do Juízo Central Cível e Criminal … – Juiz …. (fls. 51 e ss.): - por factos ocorridos em data não apurada do ano de 2005, pela prática de (1) um crime de abuso de confiança agravada previsto e punido pelo artigo 205º, nºs 1 e 4, alínea a) do Código Penal, por decisão de 20.05.2015, e transitada em 27-06-2016, na pena de 1 ano e seis (6) meses de prisão; - por factos ocorridos de … de Maio a … de Setembro de 2006, pela prática de um crime de burla qualificada previsto e punido pelos artigos 217º, nºs 1 e 2 e 218, nº 1, alínea a), ambos do Código penal, por decisão de 20.05.2015, e transitada em 27-06-2016, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses; - por factos ocorridos entre a última semana de Agosto e a primeira semana de Setembro, pela prática, em autoria material., de 1 (um) crime de falsificação de documento previsto e punido pelos artigo 256º, nº 1, alínea a), por decisão de 20.05.2015, e transitada em 27-06-2016, na pena de 1(um) ano e 2 (dois) meses de prisão; E em cúmulo jurídico, na pena global de 6 (seis) anos de prisão. Na operação de cúmulo jurídico das penas impostas foi aplicada ao arguido a pena única de 13 (treze) anos de prisão. Nenhuma das penas foi declarada extinta. Em dissensão com o julgado, alça, o arguido, recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo dessumido a motivação no epítome conclusivo que a seguir queda transcrito (sic): §1.a). – QUADRO CONCLUSIVO. “A. Considerando a factualidade dada como provada no acórdão recorrido, que aqui se dá por reproduzida, bem como uma melhor ponderação da medida da culpa, impunha-se a fixação de penas parcelares mais baixas, relativamente aos crimes de abuso de confiança; B. O Recorrente, após um percurso errático e desajustado dos normativos impostos, entre 2006 e 2009, a partir da data destes últimos - 2009, e até ser detido em 2016, conduziu a sua vida de modo social e juridicamente adequados, como aliás fez desde o final da sua licenciatura – 1996 até 2006 -, mantendo um núcleo familiar próprio e uma atividade laboral estável e regular; C. A inversão no seu percurso de vida mantem-se em meio prisional, onde também cumpre as regras que lhe são impostas; D. O amadurecimento relevado pelo Recorrente a interiorização do desvalor de condutas anteriores, a estabilidade familiar e o afastamento da advocacia e do exercício de actividades jurídicas, revelam-se como factores de protecção o que se traduz num conjunto de cir-cunstâncias preventivas da prática de novas condutas ilícitas; E. A prática dos factos pelos quais foi condenado ocorreram entre 11 a 15 anos atrás, e os mesmos foram praticados exclusivamente no exercício da advocacia, actividade esta que já não exerce; F. A idade do Recorrente e o cumprimento da pena a que está sujeito, bem como a censura pública que já sofreu e as atuais condições económicas do país, hipotecaram irremediavelmente a sua vida profissional, não podendo ser deixado de ser valorado; G. Tendo em atenção os crimes praticados pelo Arguido, nomeadamente burla, falsificação e abuso de confiança, a similaridade do modus operandi, a linha ininterrupta em termos temporais – 2006 a 2009 - sem margem para dúvidas que se está perante uma única resolução criminosa, devendo ser aplicada uma única pena com base numa única culpa, não decidindo dessa forma violou o tribunal a quo o art. 30º e 77º do CP; H. Os factos provados constantes da decisão recorrida não permitem por si só retirar a conclusão de que as “condenações arredam um cenário do ato isolado, irrefletido e marginal na vida do Arguido, revelando ao invés o caminho da pluriocasionalidade que, livremente delineou e escolheu, não evidenciando sentido crítico nem qualquer remorso ou arrependimento; I. Embora a decisão recorrida procure esclarecer as razões que determinaram o concreto “quantum” da pena conjunta, a verdade é que a mesma omitiu pronúncia sobre factos que permitem avaliar a gravidade global do comportamento delituoso do agente, pois a lei manda que se considere e pondere em conjunto – e não unitariamente – os factos e a personalidade do agente (neste sentido cfr. Figueiredo Dias in as Consequências jurídicas do Crime, pág. 290 a 292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global praticado (cfr. Ac. STJ de 08.10.2008, proc. 2835/08.3ª secção); J. O acórdão recorrido enferma de nulidade resultante de insuficiente fundamentação nos termos do art. 379, n.º 1 al. a) do CPP; L. Atento o facto de o Arguido estar detido há mais de 4 anos, a sua idade, o facto do seu nome estar irremediavelmente ligado ao processo com esta tipologia de crimes e à ausência de contactos, já está afastado da possibilidade do exercício da … ou de qualquer actividade jurídica, estando por isso suficientemente acauteladas as exigências de prevenção geral e especial; M. Em obediência ao disposto no art.º 71.º, nºs. 1 e 2, do CP, impõem-se uma redução das penas parcelares aplicadas aos crimes de abuso de confiança, face a uma melhor ponderação da medida da sua culpa e à conduta posterior à prática dos crimes; N. Assim, a medida da pena, relativamente a cada um dos crimes de abuso de confiança não deverá ultrapassar os 2 anos; O. Deverá também que se ter em conta os princípios da proporcionalidade e adequação; P. Tendo em conta as penas parcelares sugeridas, resulta uma moldura entre 3 anos e seis meses de prisão e 18 anos e 10 meses de prisão; G. A determinação da pena única deverá situar-se próxima do primeiro terço da moldura aplicável, nunca excedendo os 6 anos e 3 meses de prisão; H. O Tribunal ao fixar as penas parcelares e a pena única, no quantum fixado, a quo violou, por erro de interpretação, o disposto no art.º 71.º, n.º 2, do CP. (…) deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, com todas as legais consequências.” §1.b). – RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (Junto da Comarca) (…) Assim, na determinação da pena única foram considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art.º 77.º, n.º 1 do Código Penal), sem prejuízo das regras gerais do art.º 71.º do mesmo Código. De facto, o Tribunal, na determinação da pena única, teve presente as finalidades de aplicação de uma pena, ou seja, a tutela de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Dispõe o n.º 2 do art.º 77.º que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. Nos presentes autos a pena única tem como limite mínimo 4 anos e 9 meses de prisão (pena parcelar mais elevada relativa aos crimes em concurso, qual seja a pena parcelar aplicada no processo referido em C) e como limite máximo 23 anos e 11 meses de prisão (somatório de todas as penas parcelares). Assim, partindo das penas parcelares concreta para cada um dos crimes cumulados e em apreço, e tendo em consideração a gravidade do conjunto dos factos praticados pelo condenado entendemos que a pena única em que foi condenado não merece qualquer reparo. Como muito bem se refere no douto acórdão “Os crimes foram todos perpetrados pelo condenado no âmbito e por causa da sua atividade profissional como …, com gravíssimo atropelo das regras deontológicas, através da qual obteve a confiança dos ofendidos, todos eles emigrantes nos …, nas ilhas ….. e no …. Aliás, a contratação dos serviços do condenado em duas situações (processo referido em A e episódio c) do processo referido em B) ficou a dever-se à propaganda deste (anúncio e rádio) naqueles países e território …. de forte emigração da comunidade …... Os factos – essencialmente praticados entre 2005 e 2009 – apresentam um denominador comum: profundo e intenso engano, por parte do condenado, dos seus clientes através de artimanhas bem orquestradas e de cuidada preparação (ademais, dois dos ofendidos eram pessoas de idade muito avançada - episódio b) do processo referido em B e episódio b) do processo referido em C), assim tendo obtido avultadas quantias de dinheiro através dos crimes, num total de € 486.696,86. (..…)” Assim, atendendo à gravidade e às circunstâncias atinentes à globalidade dos factos praticados, à natureza dos crimes praticados, à personalidade evidenciada nos mesmos, a pena única que lhe foi aplicada – treze anos de prisão (numa moldura abstrata que se situa entre os 4 anos e 9 meses a 23 anos e 11 meses de prisão) não merece qualquer reparo, pelo que deve, em nosso entendimento ser mantido. Pelo exposto, negando provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida, (..…)” §1.c). - PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. “Em breve pronúncia sobre o recurso movido pelo arguido AA ao douto acórdão cumulatório (art.º 472º do CPP e 78º e 77º do CP) de 26.6.2020 do Tribunal Colectivo Juiz …. do Juízo Central Cível e Criminal …, proferido no PCC n.º 223/12… - doravante, Acórdão Recorrido -, diz o Ministério Público o seguinte: I. Enquadramento do recurso. a. Nada obsta ao conhecimento do recurso, interposto com legitimidade, interesse e em tempo, da competência deste Supremo Tribunal de Justiça, com efeito – suspensivo – e regime de subida – imediata e nos próprios autos – adequadamente fixados e a julgar em conferência. b. Cuidando da cumulação superveniente de penas aplicadas ao arguido nos termos dos art.os 78º e 77º do CP, condenou-o o Acórdão Recorrido na pena conjunta de 13 anos de prisão, em unificação das seguintes penas parcelares: ─ Deste PCC n.º 223/12…, pena de 4 anos e 4 meses de prisão por um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.º 205º n.ºs 1 e 4 al. b) do CP; ─ Do PCC n.º 684/10…, do Juízo Central Cível e Criminal …. - Juiz …., penas de 2 anos e 10 meses de prisão, por um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.º 205º, n.ºs 1 e 4 al.ª b) da CP; 1 ano e 10 meses de prisão por um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.º 205º, n.ºs 1 e 4 al. a) da CP; 1 ano e 4 meses de prisão, por um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1 al.ª d) da CP; 1 ano e 4 meses de prisão por um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.º 217º, nºs 1 e 2 e 2018º, n.ºs 1 e 2 al.ª a), ambos de CP; 1 ano e 4 meses de prisão por um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art.º 256º., n.º 1 als. d) e e) e n.º 3 do CP); e 3 anos e 6 meses de prisão por um crime de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo art.º 256º, nºs 1 al.as e) e f) e 3 do CP. Penas estas aí cumuladas na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão. - Do PCC n.º 96/07…, do Juízo Central Cível e Criminal …. - Juiz …,penas de 1 ano e 6 meses de prisão, por um crime de abuso de confiança agravado, p. e p. pelo art.º 205º, nºs 1 e 4 al.ª a) do CP; 4 anos e 9 meses de prisão, por um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art.os 217º, nºs 1 e 2 e 218º nºs 1 e 2 al.ª a), do CP; e 1 ano e 2 meses de prisão, por um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1 al.ª a) do CP. Penas estas aí cumuladas na pena única de 6 anos de prisão. c. Inconformado, move o arguido o presente recurso, apontando ao Acórdão recorrido as se-guintes deficiências: - Excesso e desproporcionalidade das penas parcelares impostas pelos crimes de abuso de confiança - conclusões A. a F. da motivação -, impondo-se a redução da sua medida para não mais do que 2 anos de prisão por cada um - conclusões L. a O.; - Erro na qualificação jurídica no tocante aos crimes de burla, falsificação de documento e abuso de confiança, que obedeceram a uma «única resolução criminosa devendo ser aplicada uma única pena com base numa única culpa, não decidindo dessa forma violou o tribunal a quo o art. 30º e 77º do CP» - conclusão G; - Comissão da nulidade de falta de fundamentação prevista o art.º 379º n.º 1 al.ª a) do CPP, por ter omitido pronúncia «sobre factos que permitem avaliar a gravidade global do comportamento delituoso do agente» - conclusões H. a J.; - Excesso da pena única que, havendo de ser encontrada na moldura abstracta de 3 anos e 6 meses a 18 anos e 10 meses de prisão, não deve ultrapassar a medida de 6 anos e 3 meses de prisão - conclusões O., P. e Q. Indica violação, por erro de interpretação do art.º 71º n.º 2 do CP. A Senhora Procuradora da República respondeu doutamente ao recurso, pronunciando-se pela sua improcedência. II. Crítica do recurso. d. Também o Ministério Público neste STJ é pela improcedência do recurso. "G" no texto da peça de recurso, mas pensa-se que por manifesto lapso de escrita "H" no mesmo texto, mas pensa-se que por idêntico lapso. e. E assim, e desde logo, porquanto tudo o que respeita às penas parcelares sujeitas a cumulação superveniente se encontra definitivamente decidido pela força do caso julgado que recobre os acórdãos respectivos, por isso que nem podendo aqui ser reequacionada a sua medida nem qualquer questão relativa a qualificação jurídica, mormente, a da unidade ou pluralidade de infracções. f. Depois, porque, percorrido o douto Acórdão Recorrido, nele não se vê espaço para acusação da nulidade da falta de fundamentação dos art.os 374º n.º 2 e 379º n.º 1 al.ª a) do CPP, que, invocando como parâmetro o recomendado no Ac STJ de 9.4.2015 - Proc. n.º 1397/09.2PBGMR.S1, in www.dgsi.pt, que tudo ali se encontra satisfeito: ─ «I - A jurisprudência do STJ vem considerando que, tratando-se de uma verdadeira sentença a que, na sequência da audiência prevista no art. 472.º do CPP, procede à realização do cúmulo jurídico por crimes em concurso, de conhecimento superveniente, nos termos do art. 78.º, n.ºs 1 e 2, do CP, com a finalidade específica de determinar a pena conjunta, para além de ela ter de observar os requisitos gerais da sentença previstos no art. 374.º do CPP, deve da mesma ainda constar a indicação dos crimes objecto das várias condenações e das penas aplicadas, a caracterização dos mesmos crimes e todos os demais elementos que, relevando para demonstrar a existência de um concurso de crimes e a necessidade de imposição de determinada pena, interessem para permitir compreender a personalidade do arguido neles manifestada. II Em sede de fundamentação da pena conjunta, determinada nas referidas condições, impõe-se que seja feita uma descrição sumária dos factos (não uma narrativa pormenorizada e exaustiva), focada numa abordagem global dos mesmos factos por forma a tornar-se possível captar e avaliar as conexões de sentido porventura existentes entre eles e a personalidade do agente que, emergente dos crimes cometidos, permita compreender, por um lado, se a prática dos mencionados crimes resulta de uma tendência criminosa ou, antes, constitui o fruto de uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, e, por outro lado, proporcionar ensejo para avaliar da exigibilidade relativa de que é reclamadora a conduta global e bem assim justificar a necessidade da pena. III - Para além disto, é ainda necessário que os ditos elementos de facto, que ponderam em sede de determinação da medida da pena conjunta, sejam objecto de devida laboração por forma a possibilitar que, deles se extraindo as consequentes ilações que hão-de reflectir-se na pena do concurso, se conheçam as razões que presidiram à sua determinação […].». g. Depois, ainda, porque, intocada a medida das penas parcelares, a moldura do concurso de penas há-de oscilar, como no Acórdão Recorrido oscilou, entre os 4 anos e 9 meses e os 23 anos e 11 meses de prisão, por respeito ao art.º 77º n.º 2 do CP, e não entre os 3 anos e 6 meses a 18 anos e 10 meses pretendidos pelo arguido. Sendo – art. 77º do CP - «na medida da pena […] considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente: “Tendo – art.º 77º n.º 2 – «a pena aplicável […] como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes»; Sendo a pena do concurso determinada, tal como a das penas singulares, em função da culpa e da prevenção – art.º 40º e 71º do CP –, mas levando em linha de conta o critério, específico, da consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente do art.º 77.º, n.º 1, segundo segmento, do CP; Importando, nela, uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a sopesar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente, «tudo devendo passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique»; e Relevando na «avaliação da personalidade – unitária – do agente […], sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade», só primeira, que não a segunda, tendo «um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta»4, tudo assim sendo, tendo, importando e relevando, dizia-se, bem se justifica a pena de 13 anos de prisão imposta, caucionada, como o próprio Acórdão Recorrido anota, pela «elevada gravidade do conjunto dos factos praticados», pelo «forte grau de culpa» do arguido que denotam, pelas «particulares exigências de tutela dos bens jurídicos e de defesa do ordenamento jurídico» que suscitam e pelos traços de personalidade do arguido avessa aos ditames do direito que, no seu conjunto, evidenciam. E pena, ainda, contrabalançada pelo bom comportamento prisional do arguido, porem se peso apenas relativo na economia da sua responsabilidade e das exigências de prevenção especial, nem pouco mais ou menos contrabalançados pelo bom comportamento prisional dele. i. E, tudo, deste modo, razões por que, – repete-se –, o recurso haverá de improceder totalmente. Sendo que, mesmo não se podendo excluir em absoluto uma ligeira – ligeiríssima – redução da medida da pena conjunta – afinal, quantificar penas não é um exercício matemático –, sempre se entende estar fora de qualquer cogitação uma aproximação, sequer, aos 6 anos e 3 meses de prisão pretendidos.” §1.d). – QUESTÕES PARA A SOLUÇÃO DO PEDIDO. A pretensão recursiva chama para escrutínio/sindicância as sequentes questões: - Nulidade da decisão por omissão de pronúncia (“omitiu pronúncia sobre factos que permitem avaliar a gravidade global do comportamento delituoso do agente”); - Nulidade da decisão por insuficiente fundamentação (“enferma de nulidade resultante de insuficiente fundamentação nos termos do art. 379, n.º 1 al. a) do CPP”); - Alteração das penas parcelares irrogadas ao arguido (“obediência ao disposto no art.º 71.º, nºs. 1 e 2, do CP, impõem-se uma redução das penas parcelares aplicadas aos crimes de abuso de confiança”); - Errada qualificação efectuada pelo tribunal relativamente “aos crimes de burla, falsificação de documento e abuso de confiança, que obedeceram a uma «única resolução criminosa devendo ser aplicada uma única pena com base numa única culpa, não decidindo dessa forma violou o tribunal a quo o art. 30º e 77º do CP”; - Determinação judicial da pena global. §2. – NULIDADES DA DECISÃO. §2.(a). – Nulidade da Decisão por Omissão de Pronúncia. Acoima, o arguido, a decisão recorrida de omissão de pronúncia, porquanto (sic) “omitiu pronúncia sobre factos que permitem avaliar a gravidade global do comportamento delituoso do agente, pois a lei manda que se considere e pondere em conjunto.” Apesar de o arguido não indicar quais os factos (concretos) que deveriam ter sido tomados em conta para que a decisão não enfermasse do vício com que a alanceia, parece querer dizer o tribunal deixou de analisar factos que permitissem avaliar a «gravidade global do comportamento delituoso o agente.» A sentença, por constituir um veredicto jurisdicional (“dictamen”) sobre um caso (situação concreta – da vida – juridicamente relevante e interessante), deve esgotar a constelação de situações jurídicas susceptíveis de influenciar e determinar a decisão que fixará de forma definitiva a solução (jurídica) do caso. A existência de uma eventual omissão de fundamentação – para nos cingirmos ao caso apresentado pelo recorrente – de uma sentença constitui-se como um vício interno, ou endógeno, da decisão, que, podendo interferir na congruência lógica da decisão, na medida em que é susceptível de desvelar um deficit de argumentação performativa de um lógico razoamento com que se forma um juízo concertado e solidamente construído para uma decisão inteligível e compreensível para um destinatário comum, não tem a virtualidade de afectar a justiça intrínseca da sentença, mais concretamente da imposição de uma sanção penal. A imposição de uma sanção penal constitui-se e convalida-se com base numa factualidade inconcussa e lógico-racionalmente desvendada e explicitada no exame crítico da prova em que se haja fundado a aquisição da facticidade fundante; num correcto jurídico-penal dos factos adquiridos; e numa ajustada e ponderada aplicação dos preceitos regentes de uma determinação/individuali-zação judicial da sanção penal. Injungindo a lei, por determinação de comando constitucional – artigo 205º da Constituição da República Portuguesa – que as decisões dos tribunais sejam fundamentadas, importará re-cortar o conceito de fundamentação da sentença. Michele Taruffo, em “Hasta la Decisión Justa” inculca a ideia de uma coerência na «narrativa» que se adopta na descrição da facticidade adquirida para a formulação da opção de direito que há-de enquadrar a solução jurídica do caso. [Michele Taruffo, p. 519 a 535] A obtenção de uma «decisão justa» comporta a necessidade de narração coerente no sentido em que “numa primeira aproximação, e numa intuição bastante óbvia, uma narrativa incoerente não poderia ser considerada como uma boa narração, dado que seria difícil ou impossível determinar o seu significado, pelo menos segundo os normais critérios de interpretação de um texto, sobretudo se o texto se apresenta como descrição de factos que se consideram tenham ocorrido na realidade. [ibidem, 526] Fundamentar, ou motivar, uma decisão judicial significa segundo Perelman, «justificar a decisão tomada proporcionando uma argumentação convincente e indicando o bem fundado das opções que o juiz efectua». Já o termo «fundamentação», segundo Tomás-xavier Aliste santos, se refere «à origem certa de que parte o razoamento posterior, quer dizer, às premissas em que se funda, origina e cimenta o edifício argumentativa da motivação erigido sempre a posteriori. O mesmo sucede no caso da «explicação» ambos os conceitos se movem no contexto do descobrimento, no entanto fundar a decisão jurídica diferentemente de explicá-la não supõe fazer explicito o iter mental seguido até à mesma, mas sim em fazer expressas as premissas a partir das quais se desenrola a explicação posterior que conduz à resolução.» Já o conceito de «argumentação» engloba o conjunto de razões que o proponente (o juiz) dirige ao auditório (as partes) com o efeito de persuadir sobre a bondade e solidez das mesmas. A argumentação, como diz Nieto, seria a forma de expressar e defender o discursivo justificativo.» [Tomás-Xavier Aliste Santos, “La Motivación de las Resoluciones Judiciales”, Processo e Derecho, Marcial Pons, 2011, p. 240-241.] Fundamentar, ou mais simplesmente, apresentar uma fundamentação ordenada e dirigida a convencer/justificar a bondade da solução adoptada, significará apresentar as razões, em posterioridade, que possibilitaram e determinaram a adopção daquela concreta solução, em detrimento de uma (ou umas) outra. O tribunal ao impor a pena (global) que impôs fundou-se na conduta espelhada e descrita nos diversos processos em que o arguido foi condenado para daí retirar a conclusão de que, numa perspectiva (global) o arguido se comportou, e pautou a sua vida, por uma sucessiva e reiterada sucessão de atitudes que tiveram por objectivo, através de meios ínvios e falsos, obter para si proveitos monetários bastante significativos. Os factos narrados conlevam, ou permitem inferir, uma ideia de reiteração criminosa que marca e reverbera uma imagem negativa e social desafecta do arguido. O tribunal concluiu dos factos provados – e certamente do relatório social elaborado pelos serviços competentes – a caracterologia pessoal do agente, qual fosse a de que se tratava de uma pessoa proclive à prática de ilícitos criminais. Os factos narrados nas decisões que constituem o quadro enformador da decisão cumulatória permitem a conclusão, não incumbindo ao tribunal aportar uma justificação que não aquela que já se encontrava plasmada nos processos julgados. §2.(b). – Nulidade da Decisão por Insuficiência da Fundamentação. Investe contra a decisão por insuficiência de fundamentação para a solução/resolução adoptada, porquanto (sic), “os factos provados constantes da decisão recorrida não permitem por si só retirar a conclusão de que as “condenações arredam um cenário do ato isolado, irrefletido e marginal na vida do Arguido, revelando ao invés o caminho da pluriocasionalidade que, livremente delineou e escolheu, não evidenciando sentido crítico nem qualquer remorso ou arrependimento.” Dispensando-nos de repristinar o que se deixou dito relativamente à fundamentação, diremos que o tribunal, na fundamentação da pena imposta, e para justificação, inferiu, para o conceito legalmente adstrito, firmou uma ideia quanto à personalidade do agente que estima dirigida e vocacionada para a prática de ilícitos penalmente puníveis. Como já se deixou dito, no apartado antecedente, uma sentença elaborada para cumulação de penas, que foram impostas e cujos factos se encontram sedimentados e resguardados pelo caso julgado, não tem que aportar factos novos – nem pode, por tal lhe estar vedado pelo caso julgado que se formou relativamente às sentenças/decisões e aqui relativamente aos factos que das mesmas constam e que determinaram a imposição das penas a cumular. Poder-se-ia acoimar a sentença de não se encontrar suficientemente fundamentada, no plano da argumentação/explicação, por deficiente elaboração do raciocínio, escassa explicação dos motivos ou desconectada explicitação das razões que determinaram a assumpção de uma solução, no caso a opção de uma pena (global) do quantitativo imposto e não outra. Não pode, no entanto, acoimar a decisão de falta de factos para a decisão. Os factos estão definitivamente consolidados e o tribunal que procede á cumulação de penas não pode alterar esses factos. Numa sentença organizada e elaborada para a condensação de penas que foram irrogadas em diversos processos, a fundamentação apenas se deve cingir à justificação da personalidade do agente em face do que se encontra adquirido nas decisões levadas a apreciação. A argumentação para explicar/justificar a pena (global) pode apresentar fissuras de razoamento, mas não se pode imputar à falta ou insuficiência de factos. Pode o tribunal ter extraído uma conclusão, ou ter inferido de forma incorrecta a «narração» factual que se encontrava descrita nas decisões, mas essa(s) ilação(ões) não se podem taxar de insuficientes, mas de incorrecta ou desautorizadas à luz dos factos que se encontravam adquiridos. Os factos são os que se encontram adquiridos nas decisões (transitadas em julgado) a ilação, ou inferência, que deles o tribunal efectua é que poderá não ser correcta e arrimada. Ter ocorrido uma desviada interpretação da factualidade adquirida significa tão só que o tribunal operou uma operação silogística incorrecta e que uma das premissas (adquiridas) não permitia. Neste caso o que ocorreu – se ocorreu (é o que veremos mais adiante) – foi um desvio de razoamento, ou de um raciocínio arrimado a um parâmetro de ponderação real-factual que é fornecido pela experiência comum e formatada pelo vivenciar pessoal-social, que se deve incluir num erro de julgamento e não numa insuficiência da matéria de facto para a decisão. Não ocorre, em nosso juízo, o apontado vício. §3. – FUNDAMENTAÇÃO. §3.A). – DE FACTO. “I. Dos factos integradores dos cit. Crimes (Súmula da matéria de facto dada como provada nos cit. Acórdãos): Do processo referido em A: Nas datas a que se reportam os factos, o arguido exerceu a profissão de …, sendo portador da cédula profissional nº …., desde 18 de janeiro de 1996, data de inscrição na Ordem dos …, com domicílio profissional nesta cidade …... Os nove ofendidos BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ, irmãos e residentes nos …. (….) e nas ilhas …., herdaram prédios por morte dos seus pais, tendo recorrido aos serviços do condenado, como …, em data não concretamente apurada mas anterior a 5 de maio de 1998, conhecimento que tiveram através de um anúncio, de que este tinha um escritório em …. e que tratava de assuntos jurídicos, designadamente escrituras de partilhas, sem que houvesse necessidade de os interessados se deslocarem à cidade ….. Mais tarde, em inícios do ano de 2007, os ofendidos decidiram realizar a habilitação de herdeiros por morte da sua mãe e proceder à venda dos prédios da herança, na sequência do que voltaram a contratar o condenado para lhes tratar de toda a parte jurídica necessária ao registo dos prédios e realização dos contratos promessas e respetivas escrituras de compra e venda, com a colaboração de procuradores na ilha …, os quais arranjaram compradores. O condenado realizou os respetivos contratos promessa de compra e venda recebendo as quantias estipuladas a título de sinal, após o que diligenciou pela marcação das respetivas escrituras de compra e venda, as quais também outorgou em nome e em representação dos ofendidos, à exceção de um deles que foi representado por um procurador. As quantias monetárias provenientes das vendas, quer a título de sinal e princípio de pagamento, quer a título de preço, com reporte às escrituras realizadas entre … .05.2007 e … .12.2007, num total de € 97.500,00, foram sempre entregues pelos compradores ao arguido, que se disponibilizou para guardá-las no seu cofre, assegurando aos procuradores que assim ficariam mais seguras e que logo as devolveria aos ofendidos. O condenado recebeu dos compradores aqueles montantes que perfizeram aquela soma, fazendo-os seus e não os entregado aos ofendidos, não obstante ter sido por várias vezes contactado para o efeito, telefonicamente e por contacto pessoal, tendo expressamente recusado qualquer entrega e/ou apresentado contas pelos serviços prestados, agindo de forma livre, voluntária e consciente, e com o propósito concretizado de se apropriar, como se apropriou, da referida quantia monetária, apesar de saber que não lhe pertencia e que só se encontrava em seu poder porque serviu de intermediário na venda dos prédios, pertencentes aos ofendidos, e sabendo que causaria, como causou, uma diminuição patrimonial àqueles, assim obtendo uma vantagem patrimonial que lhe não era devida e que de outra forma não lograria alcançar, não a entregando voluntariamente nem depois de ter sido interpelado para esse efeito, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei. Do processo referido em B: a) Os assistentes LL e MM, casados entre si e residentes em …, ….., contrataram os serviços do condenado para lhes tratar de um assunto relacionado com a correção/retificação de uma escritura de compra e venda de um imóvel, para o que outorgaram uma procuração forense, tendo este proposto duas ações judiciais e recebido verbas a título de provisão. Não obstante, em janeiro de 2008 os assistentes outorgaram uma nova procuração na qual constituíam aquele seu bastante procurador, a quem concederam amplos e extensos poderes para, na qualidade de …, administrar os bens móveis e imóveis daqueles e para os representar em instituições públicas, bancárias, finanças, conservatórias e outras, para que este procedesse à necessária correção/retificação. Porém, sabendo o condenado que os assistentes eram proprietários de um outro prédio, decidiu, sem a autorização e à revelia dos mesmos, proceder à respetiva venda, utilizando para o efeito a referida procuração, o que fez, em execução desse propósito, sem o conhecimento e o consentimento daqueles, recebendo o preço de € 30.000,00, que fez seu e recusou-se a entregar àqueles, não obstante ter sido instado para o efeito. O condenado agiu de forma livre e com o propósito concretizado de usar a referida procuração para uma finalidade diversa daquela a que este documento se destinava, bem sabendo que atuava em desconformidade com as ordens e o mandato que lhe fora transmitido pelos assistentes, atuando com o único e exclusivo propósito de se apropriar, como se apropriou, da sobredita quantia monetária resultante da venda do referido imóvel, apesar de saber que aquela quantia não lhe era devida, bem sabendo que as suas condutas era proibidas por lei. b) O ofendido NN, nascido a … .10.1935, e a ofendida OO são casados um com o outro e são emigrantes nos ….. há mais de 30 anos. Os ofendidos não sabem ler ou escrever. Em março de 1998, o ofendido contactou com o arguido no escritório deste nos …, no sentido de intentar uma ação de despejo relativamente a um imóvel que havia dado de arrendamento sito em ….. O condenado disse ao ofendido que o despejo seria mais rápido com a elaboração de uma procuração, tendo este outorgado uma procuração no notário público em …. em … .03.1998. No local destinado à assinatura da ofendida foi aposta por pessoa não identificada, o nome de OO como se da assinatura desta se tratasse, sem que para tal estivesse autorizada. E nesse mesmo dia foi elaborada de forma não concretamente apurada, no mesmo notário público, sem a autorização, consentimento e presença dos ofendidos, uma outra procuração emitida em nome destes, pelo qual eram conferidos amplos e extensos poderes forenses ao condenado, na qualidade de …, para administrar os bens móveis e imóveis daqueles, para os representar quer em instituições públicas, bancárias, finanças, Conservatórias, etc., sendo que, no local destinado às assinaturas, foi aposta na procuração, por pessoa cuja identidade não se apurou, o nome de NN e de OO como se da assinatura destes se tratasse, sem que para tal estivesse autorizado. Tal procuração foi entregue ao arguido que a deteve em sua posse sem que desse conhecimento da sua existência e do seu conteúdo aos ofendidos. Em 2009 o condenado teve conhecimento de que os ofendidos eram proprietários de outro imóvel sito em …, tendo decidido utilizar a procuração anteriormente elaborada, sem o conhecimento dos ofendidos, para vender o imóvel com vista a receber o preço. Em execução de tal propósito, o condenado contactou um interessado, fazendo-o crer ser legítimo procurador e mandatado pelos ofendidos para negociar e vender o dito imóvel. Nesta sequência, o condenado fez crer ao comprador e ao Cartório Notarial onde marcou a escritura pública que a procuração era um documento autêntico e que a declaração nela aposta correspondia à verdadeira vontade dos ofendidos intervenientes em tal documento, tendo celebrado a escritura de compra e venda pelo preço de € 127.500,00, que recebeu e fez seu. O condenado agiu de forma livre e com o propósito concretizado de usar e deter documento que sabia ser falso pois que não correspondia à vontade dos ofendidos, mais sabendo que seria aceite no cartório notarial para efeitos de celebração da escritura de compra e venda do imóvel, atuando com a intenção de o induzir em erro, permitindo-lhe vendê-la a terceiros, contra a vontade dos seus legítimos proprietários, com o propósito concretizado de se vir a apropriar em seu exclusivo beneficio do valor monetário entregue pelo comprador, consciente de que dessa forma, causaria, como causou uma diminuição patrimonial aos ofendidos, assim obtendo uma vantagem patrimonial que lhe não era devida e que de outra forma não lograria alcançar, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei. c) Os ofendidos PP e QQ são casados entre si e residem em …., ….. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 14 de novembro de 2001, os ofendidos ouviram uma entrevista dada pelo condenado a uma rádio, tomando conhecimento de que este tinha um escritório em …. e que tratava de assuntos jurídicos, designadamente escrituras de partilhas, sem que houvesse necessidade de os interessados se deslocarem à cidade ……. Nesta sequência contactaram-no no escritório em …., contratando-o para lhes tratar de um assunto relacionado com a partilha de bens por óbito do pai do ofendido. O condenado recebeu dos ofendidos a quantia de 3.500 dólares a título de honorários e uma procuração outorgada propositadamente por estes, pela qual lhe concediam amplos e extensos poderes na qualidade de … para administrar os bens móveis e imóveis, para os representar em instituições públicas, bancárias, finanças, conservatórias, para que os representasse na escritura de partilhas. O condenado não realizou a escritura durante cerca de três anos, pelo que os ofendidos, descontentes, apresentaram uma queixa na Ordem dos … e em … .04.2005 revogaram a procuração, dando-lhe conhecimento por carta enviada para o escritório deste na cidade ..… e pelo mesmo recebida. Sem embargo, o condenado, conhecedor da revogação da procuração, decidiu, sem qualquer autorização e à revelia dos ofendidos, utilizar a referida procuração. Assim, no dia no dia … de julho de 2007, sem o conhecimento, consentimento e autorização dos ofendidos, o condenado compareceu no cartório notarial, arrogou ser o procurador e atuar em nome e em representação dos ofendidos, celebrando dessa forma uma escritura de partilhas e de compra e venda, pela qual vendeu a terceiros um prédio urbano sito em ..., pelo preço de € 32.421,86, dos quais recebeu € 6.484,37, correspondente à quota parte dos ofendidos, e fez seus e não entregou àqueles, não obstante ter sido posteriormente intimado a fazê-lo. O condenado agiu de forma livre e com o propósito concretizado de usar a referida procuração na escritura, bem sabendo que agia sem qualquer legitimidade ou poderes e contra a vontade dos ofendidos, com intenção de se apropriar, como se apropriou, da referida quantia, bem sabendo que não lhe pertencia e que não tinha qualquer direito, assim causando uma diminuição no património daqueles, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei. Do processo referido em C: a) No ano de 2005 a ofendida RR contactou o condenado quando este se encontrava no .., …, pretendendo contratar os seus serviços de … para em seu nome proceder à venda de um imóvel sito em …., de que era comproprietária, tendo para o efeito, em … .08.2005, outorgado uma procuração conferindo-lhe os necessários poderes. Em … .09.2005 o condenado outorgou a correspondente escritura de compra e venda, em nome e em representação da ofendida, tendo recebido o a quantia de € 12.700,00, correspondente a metade do preço, descontada a quantia de € 2.500,00 que já tinha recebido da compradora a título de sinal e da quantia de USD 7.000,00 respeitante a negócios entre os vendedores. O condenado deveria, assim, ter entregue à ofendida a quantia de € 15.200,00, o que não fez não obstante as insistências desta, pessoais e por intermédio de terceiros, nem apresentou contas pelos serviços prestados, tendo deixado de atender os telefonemas que esta fazia dos …., logrando assim apoderar-se da quantia, sabendo não ter a ela qualquer direito e que a sua conduta era proibida por Lei. b) A ofendida SS, nascida a … .12.1922, residiu nos …. e conheceu o condenado em janeiro de 2006. No dia … desse mês, a ofendida outorgou testamento público pelo qual deixava a quota disponível à sua sobrinha, no que foi assessorada pelo condenado na qualidade de … . Em … .08.2006, aproveitando um período de férias daquelas em …., o condenado convenceu a ofendida a transferir o dinheiro que estava depositado numa conta solidária para duas contas bancária somente em nome dela, uma delas à ordem ficando com € 12.755,00, e outra a prazo ficando com USD 410.000,00. Nesta sequência, o condenado convenceu a ofendida a passar procuração a favor da sobrinha, lavrada a … .09.2006, concedendo-lhe plenos poderes de gestão do seu património, incluindo a movimentação das contas bancárias. Nesse mesmo dia, o condenado convenceu a sobrinha a liquidar a conta a prazo e levantar toda a quantia, sob o pretexto de que era necessário para que o filho da ofendida não se apropriasse do dinheiro, tendo-a acompanhado, para o efeito, à sede do banco. Muito embora o condenado pretendesse levantar imediatamente todo o dinheiro, só foi possível proceder ao levantamento de € 40.000,00 em numerário, pois correspondia ao que havia em caixa na altura. Toda a remanescente quantia, no contravalor de € 279.992,64, foi sacada através de cheque que foi assinado pela sobrinha e emitido à ordem do condenado, a quem esta o entregou por nele ter plena confiança. Este depositou-o na sua própria conta em … .09.2006 e negou restituí-la quando confrontado para o efeito pela ofendida e um amigo desta. Contudo, três dias depois, acedeu devolver € 150.000,00, fazendo sua a quantia remanescente de € 170.012,49 que, apesar de instado a devolvê-la, nunca o fez. A ofendida e a sobrinha somente cederam em assinar a documentação e entregar tais quantias ao condenado em virtude do engano em que foram induzidas por este, convencidas de estarem apenas a fazer o necessário para formalizar a sua vontade. No decurso do aludido período de férias, o condenado conseguiu que a ofendida assinasse um papel em branco, a meio da folha, convencida de que estaria a formalizar a permissão de acesso da sua sobrinha à conta bancária, confiando naquele por ser … . Posteriormente, na posse desse documento, o condenado elaborou no seu computador pessoal, sem o consentimento daquela, uma declaração em que a mesma doava à sua sobrinha a quantia de € 279.992,64, datando-o de … .09.2006. O condenado agiu livre e consciente com o intuito concretizado de se apoderar das quantias pertencentes à ofendida, sabendo que atuava contra a vontade desta. Mais sabia não estar autorizado a inserir na folha de papel, colhida a assinatura da ofendida, o texto relativo a uma doação, pretendendo obter um benefício pecuniário que sabia não ter direito. II. Das condições pessoais do condenado e a sua situação económica e das condutas anteriores aos factos O condenado é o mais novo de dois filhos de um casal pertencente a um estrato sociocultural médio, cujo núcleo familiar era estruturado e harmonioso, com um funcionamento pautado pelos valores e normas sociais vigentes. Os pais já faleceram, não mantendo o condenado um relacionamento próximo com o irmão e outros familiares. Concluiu a licenciatura em Direito, na Faculdade de Direito ..…., aos vinte e nove anos de idade. Mantém uma relação de tipo conjugal equilibrada e gratificante desde 2000. O casal não tem filhos. A companheira trabalha num espaço comercial e visita o condenado regularmente no Estabelecimento Prisional Regional ..….. É … desde … .01.1996. Detém uma imagem social pouco favorável, associado ao tipo de comportamentos pelos quais se encontra pronunciado, sendo considerado um indivíduo ambicioso, algo rígido e nem sempre de fácil trato. Em contexto prisional desde julho de 2016 revelou alguma dificuldade de adaptação às normas de funcionamento e disciplina, contudo sem registo de infrações ou sanções disciplinares. Ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena, nomeadamente, aproximações a meio livre. O condenado não denota consciência crítica em relação ao seu comportamento criminal, mesmo presentemente [Atente-se no teor do escrito agora apresentado pelo condenado a fls. 198-199 e nas declarações que prestou na audiência de cúmulo jurídico, infra melhor explanadas.], pelo que, embora possa admitir alguma censurabilidade de natureza civil, não o reveste de ilicitude penal [Cit. relatório social a fls. 200 e ss.]. O plano individual de readaptação foi recentemente alterado, tendo sido até ao momento mantidos os objetivos ao nível do percurso e comportamento prisional (tem mantido um comportamento e relacionamento interpessoais genericamente equilibrados) e comportamento aditivo (não apresenta problemas neste domínio e apresentou resultados negativos aos testes de rastreio toxicológicos) [Documentação ora junta a fls. 209-211.] Em 26.11.2018, quando da leitura do acórdão no processo referido em A, foi determinada a retirada do condenado da sala de audiências, com o seguinte fundamento “Por diversas vezes foi o arguido advertido para não interromper o Tribunal na leitura do acórdão, mas este persistiu no comportamento. Mais foi advertido que se voltasse a interromper, o Tribunal teria de o retirar da sala de audiências, tendo o mesmo seguidamente e por várias vezes voltado a interromper. Nesta conformidade não existem condições objetivas para que o arguido permaneça na sala de audiências pelo que dela será retirado, sendo de seguida notificado do acórdão, devendo assinar a respetiva notificação (…)” [Ata de 26.11.2018/ refª …. do processo referido em A.] O condenado não apresentou declaração de IRS pelo menos desde 2009 a 20.05.2015 (data da prolação em primeira instância do acórdão referido em C), não obstante ser, nessa data, titular do direito de propriedade sobre sete veículos e dois imóveis. É subscritor de escritos apresentados no processo referido em C onde se refere desprimorosamente a um magistrado do Ministério Público, a um Advogado, a uma magistrada judicial e aos magistrados que integraram o Tribunal Coletivo [Factualidade provada no acórdão proferido no processo referido em C]. Para além dos crimes o ora em concurso, o condenado sofreu ainda as seguintes condenações anteriores por decisões transitadas em julgado [Conforme consta da factualidade provada nos acórdãos proferidos nos processos referidos em B e C]. (conforme consta da factualidade provada nos acórdãos proferidos nos processos referidos em B e C): em … .04.2000, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, em pena de multa; em … .09.2000, pela prática de um crime de condução perigosa na …..; em … …. .2005, pela prática de um crime de violação de segredo de justiça, em pena de multa; em … .03.2006, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de multa; em … .03.2006, pela prática de um crime de difamação, em pena de multa; em … .05.2006, pela prática de um crime de difamação agravada, em pena de multa; e em … .07.2007, pela prática de um crime de ameaça, em pena de multa. Relativamente à falta de consciência crítica em relação ao seu comportamento criminal, à data dos julgamentos dos cit. processos e mesmo presentemente, trazemos à colação as próprias declarações que o condenado, por sua iniciativa e espontaneamente, pretendeu prestar na audiência de cúmulo jurídico, pois muito embora tenha verbalizado estar “arrependido”, delas resulta, materialmente, precisamente o contrário: considera que a “culpa da minha parte” se deve, na sua ótica, ao procedimento relativamente à remessa das procurações do estrangeiro (procedimento que veio a alterar) e à ausência de elaboração de contratos de prestação de serviços de advocacia, e não à propriamente à prática dos factos subsumíveis aos tipos legais de crime…; mais entende que, no exercício da advocacia, injustamente, qualquer coisa que se faça é logo considerado crime e dá origem a queixas (isto é, n exercício da profissão de advogado a fronteira entre o lícito e o ilícito é muito ténue), e que, no caso, estamos perante “pequenos crimes” e “pequenas penas”, grande parte das quais podia, até mesmo, ser de multa [Olvidando a opção pelas penas de prisão nos precisos termos dos acórdãos condenatórios dos processos referidos em B e C] e, no âmbito do cúmulo jurídico, o disposto no art. 77º nº 3 do CP, condenações que, de resto, se lhe afiguram “que foi um exagero” (conforme sublinhou por várias vezes), até porque estava convencido de outro desfecho no processo referido em C, tendo de certo modo sido “induzido em erro” pelas opiniões que, à data, colheu de pessoas da sua confiança (Professor TT, Juiz de Direito UU e Professor VV). §3.(B). – DE DIREITO. §3.(B). i). – Revisão, para modificação, das Penas Parcelares e Errada Qualificação jurídico-penal dos “crimes de burla, falsificação de documento e abuso de confiança, que obedeceram a uma «única resolução criminosa devendo ser aplicada uma única pena com base numa única culpa, não decidindo dessa forma violou o tribunal a quo o art. 30º e 77º do CP”. A posição assumida pelo arguido quanto à modificação das penas parcelares estranha-se, mas, desde que posta em tela de discussão, não pode deixar de ser conhecida, sob pena de omissão de pronúncia quanto a este segmento do recurso. O arguido pretende, com esta alegação, que o tribunal que procedeu à cumulação de penas impostas em outros processos (com decisões transitadas em julgado) desfizesse o decidido nas sentenças transitadas e operasse um outro julgamento, em que apreciasse (revertendo) não só as penas mas inclusivamente a qualificação jurídico-penal pela actividade/conduta perpetrada. Para a pretensão que dirige ao Tribunal de recurso, linha o arguido/recorrente a sequente argumentação (i) “considerando a factualidade dada como provada no acórdão recorrido, que aqui se dá por reproduzida, bem como uma melhor ponderação da medida da culpa, impunha-se a fixação de penas parcelares mais baixas, relativamente aos crimes de abuso de confiança”; (ii) “em obediência ao disposto no art.º 71.º, nºs. 1 e 2, do CP, impõem-se uma redução das penas parcelares aplicadas aos crimes de abuso de confiança, face a uma melhor ponderação da medida da sua culpa e à conduta posterior à prática dos crimes”; (iii) “a medida da pena, relativamente a cada um dos crimes de abuso de confiança não deverá ultrapassar os 2 anos”; (iv) “deverá também que se ter em conta os princípios da proporcionalidade e adequação. Para não cometermos a falha processual cominada na lei como nulidade de omissão de pronúncia diremos somente que sobre as penas parcelares se encontra constituído um caso julgado material pleno, pelo que as mesmas apenas poderão servir como parcelas para o cômputo geral da soma a tomar em consideração no cômputo da pena global. As penas parcelares foram impostas em decisões que estão cobertas pelo caso julgado que não pode ser objecto de modificação. Isto é, o caso julgado que se desmantela com a superveniência de acumulação de penas firmadas nas decisões que apreciaram factos e crimes, que se veio a verificar encontrarem-se em concurso efectivo, não pode ter como efeito uma reapreciação total das condutas julgadas, nem as respectivas penas impostas, que se incluem na sua integralidade na operação de cumulação. Desfeiteamento do caso julgado reconduz-se tão só ao quantitativo concreto das penas a incluir na operação de cúmulo e não à reapreciação, a posteriori, e não á substancialidade das penas, isto é, á razão e motivo, factual e de direito, que as impuseram. Não se trata, no julgamento efectuado para a cumulação de penas impostas por crimes que, em posterioridade, se veio a verificar encontrarem-se em concurso efectivo, e na sequente sentença que, naturalmente, se deve seguir, de reapreciar a conduta individualizada e concreta que conduziu à imposição daquela pena concreta, mas tão só, partindo dos factos (imutáveis e invadeáveis) apreciados nas sentenças onde as penas foram impostas, proceder a uma nova apreciação dos casos, desta vez numa perspectiva geral e global e não particular e individualizada. As condutas, individualizadas e concretas, são imutáveis, devendo o tribunal que procede á cumulação das penas, retirar dessas condutas uma «imagem global» do agente de modo a que, com base nesta perspectiva geral, impor uma pena (também global/conjunta) para o conjunto das condutas que forma objecto de apreciação nas sentenças que se tomam em consideração na sentença do cúmulo de penas. As penas parcelares/individualizadas são assim insindicáveis no julgamento – e, naturalmente, na sentença – que opera o cúmulo jurídico das penas aplicadas nas sentenças (próprias e específicas) dos respectivos processos. “A essência da formulação da pena conjunta, nos termos do art. 78.º do Código Penal, é a ultrapassagem do trânsito em julgado por razões de justiça substancial. O tribunal que reformula o cúmulo não está sujeito a quaisquer limitações derivadas da pena anteriormente aplicada, e muito menos por critérios que tenham presidido à determinação daquela pena em termos que não colhem fundamento legal”. Como referimos no acórdão de 26 de Novembro de 2008, por nós relatado no processo n.º 3377/08: “Nesses casos, à medida que se vai tomando conhecimento posterior de factos coevos, impõe-se a realização de julgamentos parcelares, a imporem a realização de novos cúmulos, de forma a atingir-se uma panorâmica conjunta dos factos e da personalidade do agente, pois só assim se conseguirá cumprir os ditames específicos a observar na medida da pena do concurso. Em cada julgamento decide-se em função da realidade conhecida trazida a juízo, que pode não corresponder a toda a actividade do arguido, à dimensão real e amplitude plena de toda a actividade do arguido; em cada julgamento, decide-se sobre o facto global conhecido no momento, não sobre o facto global já então existente, composto por então ignoto componente. Sobrevindo o conhecimento da globalidade da conduta, da nova realidade mais ampla, completa, integral, impor-se-á a reformulação dos cúmulos entretanto feitos, necessariamente parciais, conjunturais, de forma a fazer corresponder a visão global, conjunta e integrada, final, a uma pena conjunta, de que beneficia o arguido, sendo descontado todo o tempo de prisão, mesmo que a pena tenha sido cumprida. Com efeito, de contrário teríamos penas autónomas que teriam de ser cumpridas sucessivamente”. Como consta do sumário: “Existindo anterior acórdão cumulatório, não há violação de caso julgado, quando, face a conhecimento superveniente de outro crime cometido pelo arguido, é renovada a instância, desfazendo-se o cúmulo anterior e elaborando-se outro de modo a actualizar a apreciação global da actividade integral do arguido. Com efeito, transitado em julgado o acórdão condenatório da nova pena parcelar, impõe-se a realização de novo cúmulo – nesse processo, por ser o da última condenação – englobando as penas parcelares aí aplicadas, bem como as integradas no anterior cúmulo jurídico, determinando a realização do novo acórdão a caducidade do precedente”. Nos acórdãos desta Secção, de 14 de Janeiro de 2009, proferidos no processo n.º 3974/08 e no processo n.º 3772/08, do mesmo Relator, afirma-se que “as regras dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal são aplicáveis, também, no caso de reformulação do cúmulo de penas”, seguindo de muito perto, neste particular, o supra citado acórdão de 30-01-2003, publicado in CJSTJ, 2003, tomo 1, pág. 177. No acórdão de 14 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 606/09-3.ª Secção, diz-se: “Não pode considerar-se que tenham transitado em julgado as decisões que apliquem, de modo necessariamente sic stantibus, penas únicas, enquanto não for proferida a decisão que englobe a última das condenações que integre um cúmulo de conhecimento superveniente. Por outro lado, não havendo definitividade das decisões anteriores, não podem existir expectativas legítimas do arguido. Enquanto não for proferida decisão que considere todas as penas aplicadas, não existem expectativas sobre a fixação da pena única”. (…) Acresce que como decorre da nova redacção do artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, podem integrar cúmulo jurídico penas já cumpridas, estas a descontar no cumprimento da pena aplicada, podendo, desfazer-se e reformular-se o cúmulo quantas vezes necessário for, retomando as penas parcelares a sua autonomia. O problema da força do caso julgado não se restringirá aos acórdãos de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente, e assim sendo não se vê como dar tratamento diverso ao trânsito em julgado das penas únicas resultantes de cúmulos jurídicos desde logo efectuados num mesmo acórdão face a uma pluralidade de crimes julgados ao mesmo tempo, na mesma audiência. Nestes casos de cúmulos por conhecimento superveniente haverá a necessidade de desfazer cúmulos anteriores, meramente intermédios, provisórios, não definitivos, com contornos e dimensão ditados pela conjuntura então presente em função do que foi carreado para o processo num determinado momento histórico, aquém da conformação final, o que se deve apenas ao desconhecimento, no momento de cada decisão, de outros factos cometidos pelo mesmo arguido, em período temporal coevo ao dos factos em apreciação. A decisão cumulatória tem de ser necessariamente revista e actualizada, de forma a corresponder, em cada ulterior momento, à emergência de novas condenações, a novos enquadramentos e nova conformação global do ilícito total, e a novas necessidades derivadas de conhecimento de outras novas condenações relativas a outros factos coevos dos que integraram o cúmulo anterior, pela prática de factos a que o sistema de justiça deu respostas tardias, por vezes não de todo justificáveis, pelas quais não pode o condenado, obviamente, ser responsabilizado, e por via delas, muito menos, prejudicado. O poder jurisdicional não se esgota pelo facto de em determinado momento processual, eleito pelo sistema de justiça, à margem, por força de contingências várias, de um necessário e desejável conhecimento total da actividade actual do arguido, não ser conhecida toda a realidade criminosa desenvolvida por aquele e que em princípio demandaria uma resposta sancionatória única, de síntese, final, certamente de dimensão diversa da que é definida face a uma, ao tempo - a cada cirúrgico tempo de intervenção - conhecida “realidade menor”, porque desactualizada, não reflectindo a realidade maior, mais abrangente já então existente. Assim se demandará se proceda de revisão em revisão, de nova solução em nova solução, exigidas pelas novas realidades, até se alcançar a solução final de síntese, conjunta, global, fazendo o pleno da cognição final, sancionadora de toda a actividade criminosa do condenado, finalmente conhecida na sua globalidade. Os cúmulos intermédios assumem-se como finais, só podem assumir-se como tal, se encarados no contexto histórico da fase de conhecimento que o tribunal tem em cada momento da actividade delituosa do arguido, que pode não coincidir com a verdade real de anteriores condenações ainda não conhecidas ou posteriores, relativas a factos coevos aos que foram sendo julgados. Porque também nesta sede, não valendo de pleno a presunção de conformação com o real, a verdade registral pode não corresponder à verdade real, actual. Tais cúmulos são realizados por superveniência do conhecimento, posterior cognição de outras novas condenações, em alguns casos por antigos crimes, desde que não interceptados por uma condenação transitada. A alteração das circunstâncias, a modificação da situação, do condicionalismo fáctico em que assentou a decisão anterior, com o surgimento de novas condenações, determina a necessária revisão da anterior decisão, cujo caso julgado está sujeito à cláusula rebus sic stantibus, conferindo a estas decisões necessariamente provisórias/intermédias/intercalares, a qualificação de uma espécie de decisões de trato sucessivo, de definição passo a passo, até à configuração definitiva, global e final.” [Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Março de 2018, proferido no processo nº 180/13.5GCVCT.G2.S1, pelo Conselheiro Raúl Borges] §3.(B).ii). – Determinação Judicial da Pena (Global). Sobra para apreciação (total) da pretensão recursiva, a questão da pena global (conjunta). Para o recorrente, alteradas as penas parcelares para as medidas propostas, resultaria “uma moldura entre 3 anos e seis meses de prisão e 18 anos e 10 meses de prisão”, pelo que a “determinação da pena única deverá situar-se próxima do primeiro terço da moldura aplicável, nunca excedendo os 6 anos e 3 meses de prisão.” Descartada a possibilidade de alterar as penas parcelares, o ponto de partida para a apreciação deste segmento da pretensão recursiva, arranca das penas que foram chamadas ao conclave cumulatório, saber a pena mínima de 4 anos e 9 meses e a soma de todas as penas que ascende a 23 e 11 meses. O tribunal justificou a pena global com a sequente argumentação (sic). “O condenado tem presentemente 55 anos. Os crimes foram todos perpetrados pelo condenado no âmbito e por causa da sua atividade profissional como …, com gravíssimo atropelo das regras deontológicas, através da qual obteve a confiança dos ofendidos, todos eles emigrantes nos …., nas ilhas … e no ….. Aliás, a contratação dos serviços do condenado em duas situações (processo referido em A e episódio c) do processo referido em B) ficou a dever-se à propaganda deste (anúncio e rádio) naqueles países e território …. de forte emigração da comunidade ….. Os factos – essencialmente praticados entre 2005 e 2009 – apresentam um denominador comum: profundo e intenso engano, por parte do condenado, dos seus clientes através de artimanhas bem orquestradas e de cuidada preparação (ademais, dois dos ofendidos eram pessoas de idade muito avançada - episódio b) do processo referido em B e episódio b) do processo referido em C), assim tendo obtido avultadas quantias de dinheiro através dos crimes, num total de € 486.696,86 [Sendo assim incompreensíveis as suas queixas, verbalizadas na audiência de cúmulo jurídico, de que é muito difícil viver da … sem as milionárias avenças como muitos seus Colegas têm.] Importa ter em consideração a elevada gravidade do conjunto dos factos praticados, alinhada num forte grau de culpa especialmente no que respeita aos crimes de burla e de abuso de confiança, inscritos na mesma área (patrimonial), mas já no domínio do chamado «colarinho branco». Do universo dos factos decorrem particulares exigências de tutela dos bens jurídicos e de defesa do ordenamento jurídico. Conforme salientámos no processo referido em A, muito embora o condenado “tenha tido um percurso de vida regular no contexto sociocultural de classe média e esteja familiarmente integrado, estas circunstâncias de vida já se verificavam à data da prática dos factos, não tendo consistido amarra suficiente para se abster da prática do crime. Aliás, a integração familiar, profissional e social que à data se verificava não surpreende – sendo antes normal – no domínio deste tipo de criminalidade, tendo sido precisamente a integração profissional que permitiu e criou condições para a prática do ilícito criminal (…)”. Por seu turno, como se ajuizou no acórdão proferido no processo referido em C, o condenado “evidencia uma personalidade rebelde face a elementares regras de convivência social”, diagnóstico este decorrente não só dos escritos apresentados nos autos, mas também “das ameaças dirigidas logo em 2007 a um dos ofendidos que se queixava da atuação dele (…)”, em linha com um percurso de vida pautado por condenações anteriores (entre 2000 e 2006). O comportamento assumido pelo mesmo na data da leitura do acórdão de 26.11.2018, e que motivou a sua retirada da sala de audiências, constitui um claro exemplo a este respeito. Conforme também salientámos no processo referido em A, as condenações “arredam o cenário do ato isolado, irrefletido e marginal na vida do arguido, revelando ao invés o caminho da pluriocasionalidade que, livremente, delineou e escolheu”, não evidenciando sentido crítico nem qualquer remorso ou arrependimento. A favor do condenado milita o seu comportamento prisional desde há cerca de quatro anos. Assim sendo, e sem perder de vista a desejável recuperação e absoluta reintegração social, consideramos necessário, justo, adequado e proporcional a aplicação, em cúmulo jurídico, de uma pena única de 13 anos de prisão [Pena única esta que não ultrapassa a metade da moldura abstrata aplicável (14 anos e 4 meses), acolhendo-se, nesta parte, e pelos fundamentos aduzidos, as alegações finais do condenado na audiência de cúmulo jurídico.] (resulta totalmente arredada, consequentemente, a proposição da uma pena única até cinco anos de prisão suspensa na sua execução, tal como o condenado pugnou nos autos).” As finalidades das penas vêm inscritas nº 1 do artigo 40º do Código Penal e visam (i) a protecção de bens jurídicos; (ii) a reintegração do agente na sociedade. Dir-se-á que com a pena o sistema pretende negar a negação consumada pelo agente de um preceito social válido. (“A praxis de responsabilizar segundo a medida do merecido pode definir-se e legitimar-se num sistema de imputação ética e jurídica que opere debaixo da ideia de liberdade como expressão de respeito ante o autor que se haja servido da sua capacidade para configurar o mundo arbitrariamente de um modo concreto (isto é, de forna contrária ao dever) e não de outro (isto é, conforme ao dever.” – (Michael Pawlik, “Confirmación de la Norma y Equilibrio en la Identidad. Sobre la Legitimación de la Pena Estatal, Editorial Atelier, Barcelona, 2019, p. 57) A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto”, (Claus Roxin, “La Teooria del Delito en la Discussión actual”, Editorial Grijley, 2007, p.71.) actuando a culpabilidade como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por política criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” (Claus Roxin, op. loc. cit. ps. 52-53. No mesmo eito pode colher-se lição em Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, 2002, p. 117, quando assevera que “A gravidade da culpabilidade determina o limite máximo da pena, mas não obriga – como na concepção de Kant – à aplicação da pena adequada á culpabilidade. Por debaixo desse limite é possível observar exigências preventivas que, inclusive, podem determinar uma redução da pena adequada á culpabilidade. Dito de outra maneira: a retribuição da culpabilidade, que provém das teorias absolutas, só determina o limite máximo da pena aplicável ao autor, sem excluir a possibilidade de dar cabida às necessidades preventivas, proveniente das teorias relativas, até ao limite fixado pela culpabilidade.”) Na perspectiva funcionalista de Günther Jakobs, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. (Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, Ediciones Universidad Salamanca, 1999, p. 121) “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Para uma abordagem mais aprofundada sobre a acepção «social de culpabilidade» veja-se Bernd Schünemann, págs. 98 a 114, “La Culpabilidad: Estado de la Questión”; in “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann; Wolfang Frish e Michael Köhler; Cuardernos Civitas, 2016.) A pena foi assumida no Estado liberal com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos – “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” (Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.) Dessumido desta função preventiva faz o autor derivar uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens, e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta, sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” (Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.) “Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade). Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” (Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.) Hassemer afirma que «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.” O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. (Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.) Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. (Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327) A ordem jurídico-penal viger, estabelece no art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva da reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar. Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. (Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”) Ponderando nos critérios a observar na individualização judicial da pena refere a propósito (Winfried Hassemer (Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127) que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. Num seminário sobre os fins das penas, (Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166) Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade (“O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.), devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz…poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” (À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.) Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto». “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.” Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.) Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig opina que: «El princípio de culpabilidade en sentido amplio, aqui manejado, no debe confundirse com la exigência de cierta proporción entre la pena y la gravedad del delito. Entendida como possibilidad de relacionar un hecho com un sujeto y no como posibilidad de convertir en demérito subjectivo el hecho realizado, la culpabilidad no indica la cuantía de la gravedad del mal que debe servir de base para la graduación de la pena. Dicha cuantia viene determinada por la gravedad del hecho antijurídico del cuaI se culpa al sujeto. La concepción contraria sólo puede ser admitida por quien acepte que la pena no se impone para prevenir hechos lesivos, sino como retribución de la actitud interna que el hecho refleja en el sujeto.- pág. 206. Por una parte la prevención general puede manifestarse por la via de la intimidación de los posibles delincuentes, o también como prevalecimiento o afirmación del Derecho alos ojos de la colectividad.. En el primer sentido, la amenaza de la pena persigue Imbuir de un temor que sirva de freno a la posible tentación de delinquir. Se dirige solo a los eventuales delincuentes. En el segundo sentido, como afirmación del derecho, la prevención general persigue, más que la finalidad negativa de inhibición, la internalización positiva en la conciencia colectiva de la reprobación jurídica de los delitos y, por otro lado, la satisfacción del sentimiento jurídico de la comunidad. Se dirige a toda la sociedad, no solo a los eventuales delincuentes. – pág. 43 De ahí, pues, un primer limite que la prevención encuentra en si misma: la gravedad de las penas tendientes a evitar delitos no puede negar hasta el máximo de lo_que aconsejaría la pura intimidación de los eventuales delincuentes, sino que debe respetar el limite de tina cierta proporcionalidad com la gravedad social del hecho. Por outra parte la exigencia de proporcionalidad_se desprende también de la conveniência de resaltar lo más grave respcto de lo menos grave en orden a frenar en mayor grado lo más grave.- pág. 44 Frente al delincuente ocasional, la prevención especial exigiria solo la advertência que implica la imposición de la pena. Para el delincuente no ocasional corregible, seria precisa la resocialización mediante la aplicación de un tratamiento destinado aobtener su corrección. Por último, para el delincuente incorregible la única forma de alcanzar la prevención especial seria innoculizarlo, evitando así el perigro mediante su internamiento asegurativo. El efecto de advertência se designa a veces como “intimidación especial”, para expresar que se dirige solo al delincuente y no a la colectividad, como a intimidación que persigue la prevención general. La resocialización adopta a veces modalidades especiales: así, como tratamiento educativo o como tratamiento terapêutico para sujetos com anomalias mentales. (Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206) Na escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. (“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07) Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. (Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.) A culpa serve, assim, na determinação concreta da escolha, um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.) Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defendem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. (“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. [Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). Discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, refere Mata Barranco que, “no moment o judicial o âmbito de projecção do princípio da proporcionalidade manifesta-se claramente tanto na fase judicial de concreção da pena legalmente prevista – se se prefere, de determinação judicial da pena – como na individualização em sentido específico. Diz-se inclusivamente que a denominada aritmética penal, que não é senão a completa técnica que o tribunal tem que levar a cabo para determinação da pena que corresponde ao autor, está inspirada no princípio da proporcionalidade. Em primeiro lugar, o Código estabelece determinadas regras vinculadas à determinação judicial da pena em relação, por exemplo, ao grau de execução do delito, à participação, ao erro de proibição, à concorrência de eximentes incompletas, de atenuantes e agravantes ou aspectos concursais, modulando-se a resposta penal com base na diferente gravidade do facto e da culpabilidade do autor nos supostos concretos. (…) Em segundo lugar, ao juiz fica-lhe sempre uma margem de arbítrio, mais ou menos amplo, na determinação quantitativa da pena, ou inclusivamente qualitativa quando o preceito penal contemple penas alternativas, penas de imposição potestativa ou a possibilidade de aplicar substitutos penais que permita um melhor ajuste entre a gravidade do facto – em toda a sua complexidade – e a gravidade da pena, que tem que aplicar – de todo o modo proporcional – atendendo ao conjunto de circunstâncias objectivas e subjectivas do delito cometido, tal e como costumava exigir, por outro lado a própria normativa penal. Aquela primeira função judicial, ainda que próxima a esta de individualização judicial propriamente dita, se entende conceptualmente separável da verdadeira função autónoma individualizadora do juiz, que não procede a uma delegação do legislador, diz-se, mas sim que se apresenta como competência exclusiva da jurisdição enquanto se trata de determinar uma pena em função das peculiaridades de cada caso e de cada autor (…) por isso se qualifica este acto de individualização judicial como de discricionariedade juridicamente vinculada, pois o juiz pode mover-se livremente, em princípio, dentro do marco legal do delito – que quele concreta -, mas orientado por princípios que haverão de extrair-se desde logo das declarações expressas da lei, quando existam, assim como dos fins do Direito penal no seu conjunto, ou ainda dos fins da pena partindo da função e limites do Direito penal.”) (Norberto J. de la Mata Barranco, “El Princípio de Proporcionalidad Penal”, Tirant lo Blanch, “Colección Delitos”, Valência, 2007, 221-223.) Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente merece, ou seja, deve corresponder ao desvalor social do injusto cometido. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. (Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.); Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt.) A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de culpabi-lidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua persona-lidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” (Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.) Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de na escolha e determinação concreta da pena de considerar o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção desvalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor. Factor de ponderação inarredável na formação de uma pena justa e arrimada com os valores constitucionalmente consagrados é a proporcionalidade entre o desvalor da acção referido ao conteúdo do bem jurídico contido na norma violada, o desvalor do resultado enquanto atingimento e vulneração histórico-social e concreta de um sentimento socialmente relevante e o retraimento social que se pretende com a imposição da sanção da sanção penal. No ensinamento de Silva Sanchez (Individualización judicial de la Pena”, p.139) “é difícil, na realidade, falar de discricionariedade no âmbito da individualização judicial da pena e que, seguindo a terminologia da doutrina alemã, afinal do que poderá falar-se é de uma “discricionariedade juridicamente vinculada. A maioria da doutrina entende sim possível continuar aludindo a uma certa discricionariedade no exercício da actividade judicial, limitada, submetida a uma conjunto de critérios valorativos, que não permita tomar decisões com base em considerações opostas a princípios cuja transgressão afasta o arbítrio das pautas de racionalidade, mesura e proporcionalidade que lhe devem presidir; sem embargo autor explica, em meu juízo com acerto, que isso já não é uma verdadeira discricionariedade, mas sim autêntica aplicação pura, regrada do Direito, pois não se trata de eleger entre várias possibilidades igualmente correctas, que é o que caracteriza a discricionariedade, mas sim concretar os juízos de valor da lei e conseguir os fins daquela em cada passo. Determinando a pena concreta. (…) Por isso o Tribunal Supremo distinguiu o que a discricionariedade enquanto uso motivado das faculdades de arbítrio não susceptíveis de revisão em apelação, cassação ou amparo – quando se executa correctamente –, da arbitrariedade, definida pela ausência de motivação do uso de tais faculdades, vetada e revisível, diz-se numa diferenciação que não obstante reside somente no facto da motivação da individualização (…).” Como se alcança do que a doutrina vem ensinando “o conceito de proporcionalidade, o juízo sobre a proporcionalidade de uma norma – não só de uma sanção, mas também de uma norma enquanto ao que prescreve ou proíbe e enquanto á consequência do seu incumprimento – afecta, e deve fazê-lo, tanto à delimitação da tutela que trata de conseguir como ao mecanismo sancionatório que prevê para o lograr e, por isso mesmo, ideia de proporção deve poder permitir restringir tanto a sanção desnecessária ou excessiva como limitar comportamentos susceptíveis dela. (…) O princípio de proporcionalidade penal rechaça, com se disse, o estabelecimento de cominações legais - proporcionalidade em abstracto – e a imposição de consequências jurídicas – proporcionalidade em concreto – que careçam de relação valorativa com o facto cometido, contemplado este no seu significado global. De uma forma mais sintética, exige que as consequências da infracção penal, previstas ou impostas, não sejam mais graves – se é que se pode equiparar a gravidade de umas e outras – à entidade da mesma. (…) mas também – ou justamente por isso – se há-de destacar a necessidade e vincular o conceito de proporção à relação entre a medida imposta e a finalidade pretendida pela norma a aplicar e com os fins, no nosso caso, da pena e do Direito penal; serão estes – tratando de garantir uma convivência na qual se maximize a liberdade de cada um sem detrimento superior da do resto – os que determinam a gravidade do facto a «enjuiciar».” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 289-290. “A exigência de proporção tem umas implicações, em todo o caso, que talvez não captam os conceitos de razoabilidade, racionalidade ou ausência de arbitrariedade, por quanto permite incorporar um conteúdo limitador da actuação estatal que, em princípio, estes não têm que atender. Com ser difusa a ideia de proporção, porque não indica mais que uma correspondência ou correlação de magnitudes, sem dúvida oferece uma base de actuação mais concreta – no âmbito penal – que a estes conceitos e nesse sentido aporta um plus de segurança, relativa, na restrição de liberdades porque, ao menos, remete para determinadas magnitudes ou referências a partir das quais pode efectuar uma ponderação de qual deve ser o grau de intervenção.” – ibidem, p.291) A prática de uma pluralidade de infracções pelo mesmo agente, antes que de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, importa a cumulação das penas que venham a ser impostas (parcelarmente) ao agente – cfr. artigo 77º do Código Penal. “São dois os pressupostos que alei exige para a aplicação de uma pena única: - prática de uma pluralidade de crimes pelo mesmo arguido, formando um concurso efectivo de infracções, seja ele concurso real, seja concurso ideal (homogéneo ou heterogéneo); - que esses crimes tenham sido praticados antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja: a decisão que primeiro transitar em julgado fica a ser um marco intransponível para se considerar a anterioridade necessária à existência de um concurso de crimes.” (Artur Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ”.) A adveniência de conhecimento de uma situação de concurso, induz a exigência de realização de uma operação conducente à formação/composição de uma pena conjunta – cfr. artigo 78º, nº 1 do Código Penal. (“Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”) Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” (Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37.) (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.) Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global. Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB (:- § 54, sob a epígrafe “Formação da pena conjunta”: “Quando uma das penas particulares seja uma pena para a vida (“de por vida”), condenar-se-á á pena privativa de liberdade para a vida (“de por vida”) como pena conjunta. Em todos os demais casos se formará apena conjunta pelo aumento da pena mais alta em que esteja incurso, em caso de penas de distintas classes, pelo aumento da sua classe segundo a pena mais grave” – tradução nossa. (StGB citado).), ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare” [agravar]”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.) No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares -, refere o Autor que vimos seguindo, que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) só; pois a valoração global de todos os factos puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.” No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”. O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989.) “Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente à pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar“) parece adequada em quantum de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional específica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.” Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991) Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o mesmo Autor, que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina, partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.” Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” “O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.” A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de que ressaltamos o respectivo sumário: “IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). (…) XI - O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. XII - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit. § 421. XIII - Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. XIV - A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. XV - Quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão, com uma multa substitutiva da prisão, nos termos do art. 43.º, do CP, tais penas devem acumular-se materialmente, atenta a sua diferente natureza. (…) XXI - A Lei 59/2007, de 04-09, suprimiu o requisito anterior que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena se achar cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto na pena única. XXII - Actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por amnistia, mas sem abdicar das regras do concurso, entre as quais a da mesma natureza das penas em presença. XXIII - O legislador não fornece qualquer critério de ordem matemática, em termos de a compressão aritmética a observar na formação da pena de conjunto, não dever ultrapassar “1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos”, à luz da jurisprudência do STJ, segundo diz, mas apenas um guia na formação da pena de concurso: o da atendibilidade da avaliação global dos factos e personalidade do agente, com o significado, contornos e amplitude já indicados. XXIV - A liberdade individual, de acordo com o princípio da ponderação de interesses conflituantes, só pode ser suprimida ou limitada “quando o seu uso conduza, com alta probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as limitações que o causador do perigo deve sofrer”, na expressão de Roxin, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 430, nota 35.” No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal. A pena de 13 (treze) anos imposta ao arguido configura-se ajustada. O arguido, na prática dos ilícitos por que foi condenado, agiu sob as vestes de uma profissão da qual as pessoas possuem uma noção de honorabilidade e, em virtude dessa ideia, confiam que podem estabelecer contactos fiáveis e de arrimo à lei e ao Direito. A defraudação de uma expectativa criada – a de que os seus assuntos (jurídicos) irão ser tratados convenientemente e de acordo com as regras legais – fica acentuada e a desconsideração ético-normativa vinca-se e queda envilecida a perspectiva (adquirida) pela sociedade relativamente a determinadas instituições (aquelas que concernem com a administração da Justiça). Ao anunciar a qualidade de advogado e oferecer os respectivos serviços numa comunidade desfasada do ordenamento jurídico português, as pessoas que escolhem os respectivos serviços anseiam e aspiram (i) a ver os seus assuntos tratados com seriedade e com lisura legal; (ii) a confiar que, encontrando-se distanciados das questões – pelo tempo e pelo espaço –, os assuntos terão uma solução justa e adequada à realidade que a pessoa que se predispôs a tratá-los, naturalmente, conhece de modo aprofundado, pela qualidade profissional que ostenta; (iii) e acima e tudo que essa pessoa, pela sua posição profissional-pessoal se empenhará para que a resolução se efectue de acordo com a Lei. O arguido actuou num meio social restrito – uma comunidade de naturais de uma ilha em país estrangeiro, onde os laços e vínculos de solidariedade são muito estreitos e constantes – onde as noticias correm e circulam rapidamente e onde o sentimento de engano possui um anátema e estigma mais acentuado, porquanto se sentem desenraizados e, por colmo, enganados pelos seus compatriotas. Ocorre, nestes casos, um duplo sentimento de engano, porque estão no estrangeiro, onde a sensação de desprotecção é mais vincada, e por serem ludibriados por um concidadão que, pensam eles, por eles estarem fora do território autóctone são mais facilmente embaídos. O arguido usou meios próprios da respectiva qualidade profissional – instrumentos de mandato – como meio para obter autorização/mandato para agir em nome dos representados e obtidos os proventos financeiros correspondentes apropriou-se das quantias conseguidas. Demonstra possuir uma personalidade mal formada e desviada de pautas de lisura e arrimo os valores societários prevalentes, decência no trato profissional, integridade no relacionamento institucional e honestidade nos procedimentos que se havia comprometido a solver em benefício, ou, pelo menos, com justeza e arrimo à prática social de casos similares. O arguido foi condenado em penas relativamente elevadas e a pena global (conjunta) encontrada mostra-se ajustada. §3. – DECISÃO. Na desinência do que fica exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Suprem Tribunal de Justiça, em: - Nagar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida; - Condenar o arguido nas custas, fixando a taxa de justiça em 3 Uc´s. Lisboa, 13 de Janeiro de 2021 Gabriel Martim Catarino (Relator) Manuel Augusto de Matos (Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.)