I. O mandado de detenção europeu (MDE) é uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro UE, cuja execução se baseia no princípio do reconhecimento mútuo (artigo 1.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto), princípio que, com o Tratado de Lisboa, encontra expressão jurídica no artigo 82.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). II. Como tem sublinhado a jurisprudência do TJUE, o princípio do reconhecimento mútuo assenta em noções de equivalência e de confiança mútua nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros; nesta base, o Estado de execução encontra-se obrigado a executar o MDE que preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado à autoridade judiciária de execução um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de qualquer dos motivos de não execução, que são os que constam dos artigos 3.º, 4.º e 4.º-A da Decisão-Quadro 2002/584/JAI alterada pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI, de 26.2.2009 (a que correspondem os artigos 11.º, 12.º e 12.º-A da Lei n.º 65/2003, com a alteração da Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio). III. As noções de “confiança mútua” e “equivalência” extraem-se de princípios e regras comuns com expressão nos instrumentos internacionais de protecção dos direitos fundamentais, incorporados nos sistemas processuais penais nacionais dos Estados-Membros, a que se encontram vinculados [artigo 6.º do Tratado da União Europeia, artigo 67.º, n.º 1, do TFUE, artigos 4.º, 6.º, 7.º, 47.º, 48.º e 52.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Carta), artigos 3.º, 5.º, 6.º e 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), artigos 18.º, n.º 2, e 27.º, n.º 3, da Constituição e artigos 191.º, 193.º e 202.º do CPP]. IV. A detenção e entrega de uma pessoa com base num MDE para procedimento criminal compreendem-se na previsão da al. c) do n.º 1 do artigo 5.º da CEDH. Compete à autoridade judiciária de emissão, à qual a pessoa deve ser entregue, assegurar a legalidade e a regularidade do MDE, limitando-se o controlo de execução, pela autoridade judiciária de execução, à verificação da regularidade do MDE e dos motivos de não execução. V. O artigo 48.º da Carta, que corresponde aos n.ºs 2 e 3 do artigo 6.º da CEDH, garante o direito à informação, ao contraditório e à fundamentação das decisões, enquanto componentes do processo equitativo, que se impõem à autoridade de emissão e à autoridade de execução do MDE, nomeadamente quando esta deva conhecer de motivos de não execução, em caso de oposição. A Directiva 2013/48/UE, que deverá ser aplicada tendo em conta as disposições da Directiva 2012/13/UE, é particularmente relevante no que diz respeito à garantia do direito a um processo equitativo e ao exercício dos direitos de defesa no âmbito da execução de um MDE, garantidos pelo artigo 47.º e 48.º da Carta e pelo artigo 6.º da CEDH, estabelece regras mínimas a serem observadas com vista a promover a aplicação da Carta, em especial dos artigos 4.º, 6.º, 7.º, 47.º e 48.º, com base nos artigos 3.º, 5.º, 6.º e 8.º da CEDH, conforme interpretados pelo TEDH, assegurando os aspectos fundamentais da defesa. VI. À disciplina do processo de execução do MDE que deva prosseguir, na insuficiência da Lei n.º 65/2003, aplicam-se, com as devidas adaptações, as disposições do Código de Processo Penal (artigos 20.º, 21.º e 34.º da Lei n.º 65/2003), com as especialidades dos artigos 21.º (oposição da pessoa procurada) e 22.º (decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu), nomeadamente as disposições relativas ao julgamento dos motivos de não execução, em particular as normas do artigo 340.º, sobre produção de prova, e do artigo 374.º, relativa aos requisitos da sentença, especialmente no que se refere à fundamentação (n.º 2). Disposições que foram devidamente observadas. VII. Relevando eventualmente para a prova que constitui a base para a emissão do MDE, a questão do acesso ao conteúdo das escutas telefónicas realizadas no âmbito do processo no Estado de emissão deve ser suscitada e analisada nesse processo, que não no processo de execução do MDE. VIII. Nada havendo motivo de não execução nem se identificando qualquer questão susceptível de afectar a validade do acórdão recorrido que deferiu a execução do MDE e ordenou a entrega da pessoa procurada, carece o recurso de fundamento.
ACÓRDÃO Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, identificada nos autos, recorre para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.5.2019, proferido na sequência da decisão do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2018 que, conhecendo de anterior recurso do acórdão do mesmo tribunal proferido neste processo, declarou a nulidade do julgamento e, em consequência, declarou a nulidade do acórdão recorrido, determinando: «devendo o tribunal a quo: c) Proceder a novo julgamento, com a composição exigida artigos 12.º, n.º 4, do CPP e 56.º, n.º 1, ex vi artigo 74.º, n.º 1, da Lei n.º 62/3013, de 26 de Agosto, para conhecer dos motivos de recusa de execução do MDE a que se referem as alíneas b) e h.i) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, expressamente invocados na oposição, com a produção dos meios de prova necessários, apresentados ou ordenados nos termos do artigo 340.º do CPP, incluindo, se for caso disso, as informações suplementares a que se refere o artigo 22.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, d) Proferindo, a final, novo acórdão, que, em conformidade com o que vier a ser apurado, conheça dos motivos de recusa invocados, pronunciando-se sobre e execução do MDE e sobre a entrega da pessoa procurada, bem como, sendo caso disso, sobre as condições desta». 2. Pelo acórdão agora recorrido, que deu cumprimento ao decidido por este Tribunal, o tribunal da Relação decidiu: «- Julgar improcedente a oposição à execução do Mandado de Detenção Europeu; - Deferir a execução do MDE emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha no âmbito do processo do Juiz de Instrução 5 de ..., e em consequência ordenar a entrega da requerida AA, - unicamente com vista ao apuramento e responsabilização dos factos descritos no mesmo MDE, e com a condição de, em caso de condenação em pena privativa de liberdade, poder cumprir em Portugal a pena ou a medida de segurança que eventualmente lhe for aplicada». 3. Da motivação que apresenta, em que expressa discordância com «considerações» do acórdão recorrido – «não podemos concordar com algumas considerações que foram feitas pelos Exmos. Srs. Desembargadores», diz-se na motivação –, extrai a recorrente as seguintes conclusões, que se transcrevem: «1º - Não foram observadas e cumpridas as instruções dadas pelo STJ no acórdão datado do dia 12 de dezembro de 2018, 2º - A notificação da Requerida para comparecer em audiência, foi mal feita, 3º - Não foi feita a produção de prova apresentada com a oposição ao MDE; 4º - Foi solicitado informações ao Reino de Espanha, e para tal, foi dado um prazo de 30 dias no máximo, 5º - Que foi ultrapassado, 6º - Pelo que a resposta do Reino de Espanha deverá ser considerada extemporânea, porque a resposta é de 21 de janeiro de 2019, emitida pelo reno de Espanha, ultrapassou os 30 dias, ou seja, a resposta do Reino de Espanha veio ao 45 dia, 7º - Foi feita resposta por parte da Mandataria da Requerida a tal resposta do Reino de Espanha, 8º - Fora, levantadas questões, e não foram obtidas resposta, 9º - Tal resposta de Espanha altera substancialmente os fundamentos do MDE, 10º - Requeremos para ter acesso às escutas telefónicas, 11º - e seu conteúdo, 12º - não obtivemos resposta, 13º - Prazo esgotado, para cumprir o MDE, ou seja, o MDE foi emitido para ser cumprido em 18 de abril de 2018, 14º - até ao dia 15 de maio de 2019, já tinham passados 393 dias, ou seja, refere o n.º 2 do artigo 26º da Lei n.º 65/2003, que a decisão definitiva sobre a execução do MDE deve ser tomada no prazo de 60 dias apos a detenção da pessoa procurada. 15º - Logo achamos, salvo melhor opinião de que este MDE não deve ser cumprido, porque entendemos que foi ultrapassado o prazo de validade. 16º - Encontram-se esgotados todos os prazos fixados na Lei n.º 65/2003 17º - Pelo que poderá o Estado Português recusar a entrega da requerida, 18º - Recusando assim o cumprimento o MDE.» 4. Respondeu o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação, defendendo a improcedência do recurso e assim concluindo: «a) Os prazos previstos no artigo 26.º, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, para a decisão definitiva não são prazos perentórios que impliquem necessariamente a caducidade da execução do mandado, no caso de não serem cumpridos; b) Não se verifica qualquer irregularidade ou nulidade decorrente da não da inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente com a oposição, nem esses meios de prova poderiam ser admitidos por não se mostrarem necessários à boa decisão da causa (artigo 340.º do CPP ex vi artigo 34.º da Lei n.º 65/2003), sendo certo que essa é questão decidida, com trânsito em julgado, pelo STJ, no seu acórdão de 30 de maio de 2018, constante de fls. 190/209; c) Num caso como o presente, à autoridade judiciária de execução do MDE não cabe exercer controlo sobre as provas que sustentam a indiciação que é imputada à requerida, nem sobre o mérito da decisão da autoridade do estado de emissão em persegui-la criminalmente; d) A decisão recorrida indica os factos e os crimes imputados à requerida, que motivaram a emissão do MDE e o pedido de entrega, estando, portanto, salvaguardada a regra da especialidade, como limite da ação penal e garantia da recorrente de que não será perseguida por crimes diversos daqueles (artigo 7.º, da Lei n.º 65/2003); e) O MDE em causa – emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha, no âmbito do Processo de Diligências Prévias n.º 2068/17, pendente no Juízo de Instrução n.º 5 de ... – obedece a todos os requisitos legais, está traduzido em português, contém todas as informações exigidas pelo artigo 3.º, da Lei n.º 65/03, de 23 de agosto, e a recorrente foi devidamente informada da sua existência e do seu conteúdo, não se verificando, por isso, qualquer vício que obste à sua imediata execução; f) Não existindo, como não existe, qualquer fundamento de recusa, quer obrigatória quer facultativa, deverá a recorrente AA ser entregue ao Estado emitente do presente mandado.» 5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir (artigo 25.º da Lei n.º 65/2003). II. Fundamentação 6. Detida em execução do MDE e apresentada no Tribunal da Relação do Porto, foi a recorrente informada da existência do MDE e do seu conteúdo, tendo declarado que não consentia na sua entrega à autoridade de emissão, pelo que solicitou prazo para deduzir oposição, nos termos do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto. Consta do acórdão recorrido que esta, na oposição, alegou, em síntese, que: « - tem nacionalidade portuguesa e reside em Portugal; tem 2 filhos, um deles é doente e a família depende da sua actividade profissional de contabilista certificada, que exerce em estabelecimento estável situado em território português, onde está inserida, e cujos serviços que foram contratados pelos co-investigados, limitando-se a verificar, classificar e lançar toda a documentação, para efeitos de entregas das obrigações fiscais, inerentes à actividade empresarial das empresas, quando estas o solicitavam e/ou ordenavam, tendo todas as facturas e têm correspondência com transferências bancárias, efectuadas de e para as empresas que constam do MDE, nunca tendo tido qualquer responsabilidade na actividade dessas empresas seja a nível de compras ou de vendas nem nunca teve qualquer responsabilidade na gestão das empresas; - não tem antecedentes criminais e sempre pautou a sua conduta no estrito cumprimento das normas e leis em ...r; não tem meios económicos para se ausentar do país, nem tem familiares ou amigos a residir fora do território nacional, e comprometeu-se a colaborar com as autoridades judiciárias, quer de Portugal, quer de Espanha, no apuramento dos factos de que está indiciada; — o artigo 32.º da Lei 144/99 exclui a extradição quando a pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa e/ou o crime tiver sido praticado em Portugal, e no caso não está em causa qualquer crime que permita sem mais a extradição de um cidadão português e residente em Portugal; os crimes imputados ainda se encontram em fase de investigação, não tendo ainda sido deduzida acusação, podendo a investigação ser efectuada consigo em Portugal; — os factos de que vem acusada – criação de empresas com o intuito de fraude fiscal - foram praticados em Portugal, pelo que nos termos da alínea i) do artigo 12.º da Lei 65/2003 o mandato poderá ser recusado se tiver por objecto infracção que segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portuguesas; sendo que o cumprimento da pena em Portugal, só pode ter vantagens para a sua reintegração na sociedade, ao invés de ser enviada para um país estranho, com o qual não tem qualquer afinidade – que implicará, forçosamente, a dissolução da família; — a omissão da prova indiciária, por insuficiência formal de oposição e de prova inviabiliza a execução do MDE; — e considerando o lugar dos factos, quanto à sua comparticipação, o “modus operandi”, o facto de existir em Portugal um processo onde tudo indica se estejam a investigar os mesmos factos, permite concluir que será aqui que deve ser investigada e julgada, sob pena de violação do princípio da dupla incriminação; — Em função do que invoca: o art.º 18.º da Lei 144/99 e o artigo 6.º C Penal, para a recusa do pedido de extradição, considerando a idade, motivos familiares e falta de contacto com o Estado requerente, e o art.º 32.º/1 e 2 alíneas a) e b) da Lei 144/99 por não permitir a extradição de quem se ache em Portugal há mais de 6, 7, 8, 10 anos, e interpretação contrária atenta conta a CRP, e o Estado português pode, assim, recusar a entrega, por violação dos artigos 8.º, 13.º/2, 15.º/1, 32.º e 203 da CRP e 40 .º C Penal.» 7. O acórdão recorrido, proferido pelo tribunal colectivo constituído nos termos legalmente previstos, após realização de audiência, suprindo a nulidade anteriormente declarada, encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição): 7.1. De facto «a) Foram dados como assentes os seguintes factos: 1. O Mandado de Detenção Europeu que deu origem ao presente processo foi emitido em 13ABR2018 pelo Juiz de Instrução 5 de ... visando a detenção e entrega, para efeitos de procedimento criminal, da cidadã portuguesa AA, nascida a ..., em ..., ..., filha de BB e de CC e residente na Rua ..., …, .... 2. Relativamente à infracção o Mandado de Detenção Europeu contém a indicação de que se refere a crimes de organização criminosa, fraude fiscal e branqueamento do produto do crime, previstos e punidos pelos artigos 570 bis e 570 quarto, 305 e 305 bis, 301, 302 e 303 do Código Penal Espanhol. 3. Aos mencionados ilícitos corresponde, segundo as referidas disposições legais, a pena de prisão com a duração máxima, respectivamente, de 8, 5 e 6 anos. 4. As circunstâncias relativas ao ilícito criminal são descritas no Mandado de Detenção Europeu (traduzido para português) do seguinte modo: “a organização criminosa investigada em Espanha, dedicada ao menos à comissão de crime de fraude fiscal pelo denominado método do “... do IVA” e possível crime de branqueamento de capitas associado ao mesmo, está dirigido e liderado por DD e é nutrida de facturas falsas por valores milionários, por sociedades dirigidas por EE, empresas criadas à medida para este fim, enquanto são dedicadas igualmente, a uma intensa actividade relacionada com a compra e venda de veículos de alta gama no estrangeiro, cujo emaranhado tinha como funções constituir ou adquirir sociedades e abrir contas bancárias para receber os fundos obtidos em Espanha por esta organização, adquirir veículos na EU, facturar veículos, sem matricular, previamente em Portugal, a sociedades constituídas em Espanha, utilização das ditas sociedades com o fim de trasladar fundos para fora de Espanha, susceptíveis de estar relacionados com actividades de branqueamento.. AA, com o passaporte português ... e ..., nascida em ..., ..., mais conhecida como “AA” é secretária de EE em Portugal e encarregada de gerir e de aqui criar sociedades para EE e seus sócios. Em princípio o trabalho de AA era o de secretária de EE em Portugal e gestora das diversas sociedades que dirigem em Portugal EE, já que ele não é titular da maioria delas. Sua função principal é a de constituir empresas para a organização em Portugal, a maioria delas na localidade de ... a ritmo constante para os fins criminosos da organização e para os negócios de importação de veículos com fraude fiscal procedentes da Alemanha de EE e seus sócios, como para a facturação falsa necessária para a fraude do IVA ... que comete a organização liderada por FF. Ademais AA é a encarregada de tramitar e enviar a Espanha as documentações dos veículos que “supostamente” passaram pelas sociedades portuguesas e controlar que os pagamentos dos ditos veículos se realizam aos países de importação desde Portugal. E mais, AA chegou a criar uma sociedade na cidade de ... para inverter o processo de importação e começar a realizar a fraude em Portugal, tal é o caso como as empresas criadas por ela como por seu filho GG, que servirá de exemplo “HH, Lda.” II Lda., JJ Lda., KK, Lda., LL Lda., esta última sociedade deve destacar-se, que realizou facturas falsas para a organização para justificar a fraude fiscal investigada por uns 51 milhões de euros”. 5. AA foi detida no dia 18ABR2018. 6. Tem nacionalidade portuguesa, nasceu em ..., em ..., ..., sendo titular do Cartão de Cidadão n.º .... 7. Vive na Rua …, ..., casa …, em .... 8. É contabilista e está inscrita na Ordem dos Contabilistas Certificados. 9. Tem família em Portugal. Não foram apreciados outros factos alegados no requerimento de oposição, por se considerar que não interessam à decisão sobre a execução do MDE, pelos motivos que adiante serão explicitados - razão pela qual se entende, da mesma forma, desnecessário, proceder à inquirição das testemunhas arroladas na oposição. Motivação. Os factos supra fixados resultaram da análise da prova documental carreada para os autos, das declarações da requerida e da prova testemunhal. Assim, no tocante à matéria de facto relacionada com a ordenada detenção atendeu-se ao teor do mandado de detenção europeu e ao mandado de detenção que o fundamentou (originais e traduzidos para a língua portuguesa). Quanto às circunstâncias em que se efectivou a detenção atendeu-se ao teor do auto de detenção. Os elementos relativos à identificação da requerida resultaram das suas declarações e do teor do Cartão de Cidadão pelo mesmo exibido aquando da sua audição. No concernente à sua actividade profissional atendeu-se à cópia da cédula profissional. Também quanto ao enquadramento familiar se considerou as declarações da requerida. b) - Na sequência das diligências levadas a efeito em cumprimento do determinado pelo STJ no seu acórdão infra referenciado de 30/5/2018 resultou provado: 1- A requerida não tem antecedentes criminais registados; 2- Não existe em Portugal instaurado nenhum processo criminal contra a requerida; 3- Foi cumprida a carta rogatória nº 161/18.2TELSB em relação à requerida pelo DCIAP que foi devolvida à autoridade requerente em 22/5/2018 após cumprimento; A comprovação de tais factos resultou da junção e apresentação aos autos do CRC da requerida de fls 223, e resposta da Procuradoria Geral da Republica ao pedido de informação solicitado. «c)- Em face da declaração de nulidade do julgamento e do acórdão desta Relação de 31/10/2018, pelo acórdão do STJ de 12/12/2018 e na sequência do pedido de informação solicitado à autoridade requerente resulta provado: a)- A actividade imputada à requerida, conhecida como AA traduz-se na criação de sociedades em Portugal para os fins criminosos na organização em Espanha e para os negócios de aquisição intracomunitários de veículos procedentes da Alemanha para EE e seus sócios, fazendo trabalhos de contabilidade e gestão com conhecimento do caracter ilícito dos factos b)- actua como secretaria do EE em Portugal, responsável pela organização, e encarregada da administração contabilística TOC em Portugal das sociedades dirigidas por EE, de que se destacam MM Lda, LL Lda e NN Lda., entre outras e em que usa testas de ferro. c) A requerida além de gerir tudo o que se relaciona com as empresas está encarregada de enviar a EE toda a documentação de veículos que recebe da Alemanha, indo os veículos directos para Espanha, e a documentação vem para Portugal e é logo enviada para Espanha. d)-A requerida foi encarregada de criar duas sociedades em Portugal para OO, cliente de EE e seu possivelmente seu sócio e criou uma sociedade em Espanha com o mesmo fim das criadas em Portugal para o EE, para funcionar em sentido inverso, e com domicilio na província de ... em oficinas sem actividade e sem empregados, o que ocorreu em 22/9/2017 denominada PP sendo ela socia única e administradora e representada pelo seu filho, desconhecendo-se se chegou a realizar algum negocio. e)- A requerida é sobrinha de QQ que foi sócio e gerente da MM, em que a era ela TOC que indicou RR como comprador da mesma, sendo que realizada esta o QQ continuou a receber a correspondência no seu domicilio, em alemão e espanhol, relativa a veículos. f) A actividade da organização em Espanha através das empresas em Portugal, a que a requerida pertence, traduz-se na aquisição intracomunitária de veículos, e são utilizadas com o fim de ocultar a actividade criminosa cometida em Espanha, canalizando pagamentos e facturação de veículos que são adquiridos na Alemanha e entregues directamente em Espanha, mas toda a documentação dos mesmos passa por Portugal onde é recebida para depois simular uma venda a empresas espanholas que são as obrigadas tributarias e destas a terceiros, não pagando os impostos correspondentes. g) As sociedades II Lda, em nome de SS, MM Lda e HH Lda em nome de RR testa de ferro de EE estariam a ser investigadas pela Autoridade Tributaria Portuguesa h) Não existe notícia da existência de investigação criminal em Portugal i) A carta rogatória cumprida em Portugal visava informação sobre as actividades das empresas em Portugal e a completa identificação de AA e obteve-se ainda a ligação directa da mesma à sociedade NN Lda j) Mantém-se actuais os fundamentos que levaram à emissão do MDE, considerando que a requerida participa na organização criminoso em Espanha com conhecimento da actividade criminosa ali desenvolvida na aquisição intracomunitária de veículos l) A requerida não tem conhecimento nem é arguida em nenhum processo em Portugal, por factos relacionados com a emissão do MDE. A comprovação de tais factos resulta da informação/esclarecimento solicitado à autoridade judiciária espanhola do Juzgado de Instruccion n. º5 de ... - DP 002068/2017-M, junto a fls 409, e nas declarações da requerida em audiência, que confirmou não ser arguida nem saber de nenhum processo.» 7.2. Fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação «Em face da decisão de reenvio proferida pelo STJ “ser proferida nova decisão sobre os motivos de não execução a que se referem as alíneas b) e h), ponto i, do nº1 do artigo 12º da Lei nº 65/2003 em conformidade com o que vier a ser apurado” e o teor e fundamentos da decisão proferida por este tribunal da Relação em 9/5/2018, que na sequência da decisão do STJ se consideram definitivamente decididas, e da apreciação do acórdão desta Relação de 31/10/2018 e sua anulação pelo acórdão do STJ de 12/12/2018, que determinou o procedimento a novo julgamento para apreciação daquelas questões, no que respeita à apreciação do pedido, para além do apreciado por esta Relação, no acórdão de 20/5/2019 onde se escreve: “…o regime jurídico do MDE foi introduzido na ordem jurídica nacional, em cumprimento da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho da União Europeia, de 13 de Junho, através da Lei 65/2003, de 23.08. De harmonia com o que foi expressamente consignado pelo Conselho da União Europeia na citada Decisão Quadro, o objectivo fixado pela União “de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias. Acresce que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos actuais procedimentos de extradição”. Neste seguimento e ainda de acordo com o declarado na mesma Decisão Quadro, o MDE “constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de «pedra angular” da cooperação judiciária”, baseia-se “num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros” e incumbe-lhe “substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição”. Por conseguinte, o princípio do reconhecimento mútuo constitui princípio fundamental da cooperação judiciária na União Europeia e está subjacente à aprovação do regime jurídico do mandado de detenção europeu. cfr. artigo 1.º/2 da Lei 65/2003. O MDE constitui uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado-Membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas de liberdade, cfr. artigo 1.º/1da Lei 65/2003. Assim, uma decisão proferida por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, que visa a captura e a entrega de uma pessoa, deve ser reconhecida e executada, de modo célere e eficaz, nos outros Estados-Membros, sem prejuízo da garantia de respeito dos direitos fundamentais da pessoa detida. Conforme declarou o Supremo Tribunal de Justiça, “o seu núcleo essencial reside em que, “desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União”. “O que significa que as autoridades competentes do Estado-Membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado”. O MDE pode ser emitido, de acordo com o disposto no artigo 2.º/1da Lei 65/2003, relativamente a factos que sejam puníveis com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a doze meses, ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha uma duração não inferior a quatro meses, cfr. n.º 1 do artigo 2.º, sendo ainda exigível, por regra, que os factos que fundamentam a emissão do MDE constituam infracção punível segundo a lei, portuguesa, no caso, cfr. n.º 3 da mesma norma. A necessidade de verificação da dupla incriminação é excluída, no entanto, quando os factos imputados à pessoa visada, de acordo com a legislação do Estado de emissão, constituam infracções puníveis com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a três anos e integrem o catálogo de ilícitos, constante do n.º 2 do referido artigo 2.º da Lei 65/2003. II. 2. 2. Perante tal regime jurídico, tendo presentes os princípios que lhe estão subjacentes e o quadro de motivos que determinaram a sua implantação importa avaliar as concretas circunstâncias do caso. II. 2. 2. 1. No presente processo encontra-se requerida a execução de Mandado de Detenção Europeu (MDE), emitido pelas autoridades judiciárias do Reino de Espanha, no caso pelo Juiz de Instrução 5 de ..., França, com vista à detenção e entrega da cidadã de nacionalidade portuguesa, AA, para efeitos de procedimento criminal, relativamente a 3 crimes puníveis, segundo a legislação do Estado de emissão, com penas de prisão com a duração máxima de 8, 5 e 6 anos. Analisado o MDE não se suscitam dúvidas sobre a respectiva autenticidade, verifica-se que o mesmo cumpre todos os requisitos de conteúdo e de forma previstos nas diversas alíneas do n.º 1do artigo 3.º da Lei 65/2003. Inexiste qualquer dúvida sobre a identidade da pessoa procurada e do MDE consta a qualificação jurídica dos tipos legais de crime e a descrição sumária das circunstâncias em que os factos terão sido praticados, bem como o grau de participação atribuído à requerida. Por outro lado, qualquer dos crimes que fundamentam o mandado está incluído no catálogo dos crimes previstos no n.º 2 do artigo 2.º, da citada lei - no caso das alíneas a), h) ei). Assim de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito legal, a entrega da pessoa visada será possível independentemente da verificação do requisito da dupla incriminação – seja, incriminação pelo Estado de emissão e pelo Estado de execução. Isto é, independentemente, de os factos que justificam a emissão do mandado de detenção europeu constituírem infracção punível pela lei portuguesa, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação. Mas, o que é facto é que qualquer deles está, também, previsto no ordenamento jurídico nacional. Com efeito, a participação em organização criminosa, a fraude fiscal e o branqueamento, estão previstos, respectivamente, nos artigos 299.º C Penal, 103.º e 104.º do RGIT e368.º-A C Penal - todos eles puníveis com pena de prisão com a duração máxima não inferior a 5 anos; Inexiste, assim, quanto a este aspecto, obstáculo à entrega da requerida às autoridades do Estado de emissão. Além disso, qualquer dos crimes indicados no MDE é punível, face à lei vigente no Estado de emissão, com pena máxima superior a 3 anos, pelo que está observado o pressuposto atinente à pena máxima aplicável, isto é, a exigência legal de a pena prevista no regime legal do Estado emitente ser de máximo não inferior a 12 meses. Assim sendo, o mandado de detenção europeu é válido e legalmente admissível, nos termos do artigo 2.º/1 e 3da Lei 65/2003. II. 2. 2. 2. Importa, agora, apreciar os fundamentos da oposição deduzida pela requerida. De harmonia com o disposto no artigo 21.º/2da Lei 65/2003, a oposição pode basear-se em erro na identidade do detido ou em existência de causa de recusa de execução do mandado de execução. No caso presente, a oposição à execução do MDE suscita, segundo ordem lógica do conhecimento, a apreciação das seguintes matérias: - saber se não preenchidos os pressupostos do ordenamento jurídico português para o cumprimento do MDE, pois que, - o artigo 32.º da Lei 144/99 exclui a extradição quando a pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa, achar-se em Portugal há mais de 10 anos e/ou o crime tiver sido praticado em Portugal; - nos termos da alínea i) do artigo 12.º da Lei 65/2003 o mandato poderá ser recusado se tiver por objecto infracção que segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portuguesas; - atenta a idade, a existência de motivos familiares e a falta de contacto com o Estado de emissão, o artigo 18.º da Lei 144/99 e o artigo 6.º C Penal, justifica, a recusa do pedido de extradição; - o cumprimento da pena em Portugal, só pode ter vantagens para a sua reintegração na sociedade, ao invés de ser enviada para um país estranho, com o qual não tem qualquer afinidade – que implicará, forçosamente, a dissolução da família; - a omissão da prova indiciária, por insuficiência formal de oposição e de prova inviabiliza a execução do MDE; - considerando o lugar dos factos, quanto à sua comparticipação, o “modus operandi”, o facto de existir em Portugal um processo onde tudo indica se estejam a investigar os mesmos factos, permite concluir que será aqui que deve ser investigada e julgada, sob pena de violação do princípio da dupla incriminação; - o Estado português pode, assim, recusar a entrega, por violação dos artigos 8.º, 13.º/2, 15.º/1, 32.º e 203.º da CRP e 40 .º C Penal. II. 2. 2. 2. 1. A oposição labora em vários equívocos. Com efeito desde logo ao invocar a Lei 144/99 de 31AGO, que estabelece o regime jurídico da cooperação judiciária internacional e no caso concreto, a matéria atinente com o instituto da extradição Isto quando ao caso, não será aquele regime jurídico o aplicável, mas sim o do MDE, previsto e regulado na Lei 65/2003. E, como se sabe, o MDE foi criado para substituir, nas relações entre os Estados-Membros, todos os anteriores instrumentos em matéria de extradição. E, um dos traços característicos do regime do mandado de detenção europeu é o de permitir a entrega de nacionais a um outro Estado Membro da UE. E, assim carece de pertinência e relevância para a o caso concreto - em que estamos perante um MDE para entrega de um cidadão português que se encontra em Portugal para efeitos de procedimento criminal, às instância judiciárias de Espanha – o regime jurídico que a requerida, invoca consagrado na Lei 144/99, se bem que o faça, a dado passo, em simultâneo com o regime do MDE – este sim, a regular os termos do caso concreto. E, assim, carece de relevo, para a decisão a proferir, a aludida invocação da norma contida no artigo 32.º da Lei 144/99, a sustentar, a alegação de não poder ser alvo de extradição, o nacional português, que em Portugal esteja há mas de 10 anos e/ou se o crime tiver sido praticado em Portugal, bem como o facto de atendendo à idade e à existência de motivos familiares e a falta de contacto com o Estado de emissão, ao abrigo do artigo 18.º da Lei 144/99 se justificar a recusa do pedido, “de extradição”. Por outro lado, o facto de a requerida ser cidadã portuguesa e de em Portugal se encontrar inserida, familiar, social e profissionalmente, não integra o motivo de recusa do artigo 12.º/1 alínea g) da Lei 65/2003, pois que o MDE não foi emitido para cumprimento de pena ou de medida de segurança - única hipótese a equacionar, já que se trata de recusa facultativa. Por outro lado, surge absolutamente como prematura e extemporânea, a invocação do argumente de que o cumprimento da pena em Portugal, só pode ter vantagens para a sua reintegração na sociedade, ao invés de ser enviada para um país estranho, com o qual não tem qualquer afinidade – que implicará, forçosamente, a dissolução da família. Isto porquanto, como vimos, o pedido de entrega tem em vista não o cumprimento de uma qualquer pena, mas antes, tem em vista, tão só, o procedimento criminal numa fase vestibular do processo. II. 2. 2. 2. 2. Quanto ao mais. Defende a requerida que o Estado português pode, assim, recusar a entrega, por violação dos artigos 8.º, 13.º/2, 15.º/1, 32.º e 203.º da CRP e 40.º C Penal, sem mais. Relativamente a tal matéria a alegação apresenta-se genérica, sem reporte a qualquer específico facto atinente à execução do MDE que está na origem destes autos. Ora, como é sabido, não pode a requerida limitar-se a proclamar, muito menos, a sugerir ou aventar hipóteses de violações normativas, da lei ou da CRP. Tem obrigatoriamente, até pelo princípio da lealdade, probidade e honestidade, a que está vinculado, de fazer a crítica da situação concreta e de aduzir os motivos, concretos e especificados, da solução propugnada, de densificar a base jurídica em que se apoia e o caminho que deve ser seguido. Não basta alvitrar a violação das normas constitucionais ou legais, necessário é afirmar e tentar demonstrar a real pertinência das normas cuja violação invoca, ao caso concreto. A esta regra básica, não obedeceu, seguramente, a requerida, que nem sequer situa quais os segmentos concretos das normas – todas elas complexas e de grande amplitude normativa - que defende serem violadas, se for deferido o pedido de entrega. E não tem, então, o tribunal, que iniciar qualquer manobra exploratória, destinada a suprir as apontadas omissões de alegação, descobrindo hipotéticas razões de discordância não enunciadas. De todo o modo, o regime jurídico instituído pela citada lei, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho da União Europeia, não envolve qualquer ofensa da CEDH e da CRP, mormente das normas convocadas no requerimento de oposição, sendo aliás expressamente acautelado pela CRP, no artigo 33.º/ 5 , relativamente ao estatuído quanto a cidadãos portugueses, localizados no território nacional. Ademais, inexiste qualquer elemento nos presentes autos que possa suportar a alegação de que a eventual execução do MDE, no caso concreto, e em cumprimento da regulamentação jurídica interna da indicada Decisão Quadro, seria susceptível de afrontar princípios e direitos fundamentais, tutelados pela CEDH e pela CRP . Regime jurídico que, nos termos do artigo 40.º entrou em ...r a 1JAN2004, aplicando-se aos pedidos recebidos depois desta data com origem em Estados membros que tenham optado pela aplicação imediata da dita Decisão Quadro. Da mesma forma não se vê qual a pertinência, nesta fase e enquadramento do processo, para a invocação da norma contida no artigo 40.º C Penal relativa aos fins das penas. Assim, também se revela infundada a oposição quanto a esta matéria”, apenas há que apreciar o ínsito nas alíneas b) e h) ponto i, do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003 em conformidade com o alegado e ora demonstrado nas diligencias de prova levadas a efeito com vista a prolação do acórdão de 31/10/2018 e ao presente, ou seja verificar se existe motivo para recusar o cumprimento/ execução do MDE com base naqueles normativos, e para além disso das questões, que se nos afiguram prévias, suscitadas pela requerente em audiência e no seu anterior requerimento, que se nos afigura ser de conhecer em primeira linha. Assim, apreciando essas questões: A requerente no seu requerimento de fls. 431 e em alegações orais em audiência suscita as seguintes questões: -Não audição das testemunhas solicitada na oposição ao MDE -Invalidade do MDE por decurso dos prazos de cumprimento e decurso do prazo de cumprimento das diligências solicitadas - Esclarecimentos e alteração do conteúdo do MDE Quanto à não audição de testemunhas. A requerida na dedução à oposição ao MDE, indicou testemunhas a serem ouvidas e não o foram. Proferida a decisão de deferimento do MDE em 9/5/2018 (mencionada supra) e interposto recurso para o STJ, onde foi suscitada essa questão, e ali no ac. de 30/5/2018 (fls. 205) foi apreciada e decidido que “tais meios de prova não se mostravam necessários “à boa decisão da causa” pelo que não deveriam ser admitidos (art.º 34º do CPP ex vi artigo 34º da Lei nº 65/2003)” e inexistia “a irregularidade prevista no art.º 123º CPP, nem a nulidade resultante de omissão de diligências necessárias à descoberta da verdade”, nem “ nulidade por falta de pronúncia”, e por outro lado apenas foi reenviado o processo relativamente a questões ali elencadas e por “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”. Após nova decisão em 31/10/2018, e interposto recurso para o STJ ali foi decidido de novo em 12/12/2018, declarar a nulidade do acórdão desta Relação e além do mais a realização de diligências, incluindo as informações suplementares a que se refere o artigo 22º nº2, da Lei nº 65/2003, razão das novas diligências e audiência a que se realizou e deste novo acórdão. Assim em face do conhecimento dessa questão, de não audição das testemunhas, em recurso e do trânsito em julgado da mesma decisão tal questão não pode mais ser suscitada e objecto de decisão, face também ao esgotamento do poder jurisdicional sobre essa matéria. Quanto aos prazos A diligência em causa - solicitação do pedido de esclarecimento às autoridades espanholas emitente do MDE - foi-o em conformidade com o determinado pelo STJ no seu acórdão de12/12/2018 e em seu cumprimento. O prazo ali mencionado, foi-o com vista à urgência do seu conhecimento, pois em face da necessidade de coordenação com outras entidades e do desenrolar do processo com sucessiva diligências e sucessivos recursos para o STJ importava assinalar essa urgência, tendo tais esclarecimentos sido enviados via Eurojust. Tal prazo sendo determinado pelo juiz não reveste natureza de prazo peremptório, não sendo por isso preclusivo da prática do acto, nem fazia sentido que o fosse, e antes visa o ordenamento processual, e in casu reveste mera natureza ordinatória, até porque sem a vinda do esclarecimento solicitado não podia ser cumprido o determinado pelo tribunal superior, a que é devida obediência (art.º 205º2 CRP). Da regulamentação da Lei 65/2003 evidencia-se que os prazos ali estabelecidos, com vista ao andamento do processo, visam a celeridade processual, atenta a sua natureza urgente (art.º 33.º) e com vista à sua observância mas sem nunca serem fixados de modo peremptório, o que seria impossível dada a necessidade ali sentida de obter esclarecimentos, como previsto no art.º 22.º e sendo o poder ali expresso de ser fixado prazo, visar essa celeridade e cumprimento dos prazos de decisão. Os prazos de decisão, em cada instância apenas podem ser contabilizados após o processo reunir as condições para tal, não sendo questionada a sua observância, que sempre se revelariam como ordenadores da marcha processual, sem prejuízo da ocorrência de comunicação ao Eurojust (art.º 26.º, 5) Tais prazos nada têm a ver com os prazos de detenção ou prisão preventiva (art.º 30.º), mas evidenciam o carácter ordenador dos demais prazos processuais em vista da decisão. Pelas mesmas razoes e pelo seu carácter ordenador, no que respeita ao prazo de cumprimento do MDE, ocorrência de uma decisão definitiva, a lei não fixa prazo, e como alias este processo evidencia não pode fixar, inexistindo até à decisão final, qualquer prazo que implique caducidade de apreciação e execução do MDE. Improcedem assim estas questões No que respeita aos esclarecimentos enviados a solicitação do tribunal e em execução da decisão do STJ, afigura-se-nos manifesto que em nada alteram o conteúdo do MDE na sua documentação inicial, pois se referem ao mesmo facto, sendo que, por outro lado o conteúdo que releva apenas é exclusivamente aquele, e o esclarecimento pedido e enviado teve outra finalidade, em vista a decisão de cumprimento ou não do MDE (e entrega da pessoa requerida) face à existência ou não de uma causa de recusa de cumprimento, e consequentemente com vista à eventual recusa e procedência da oposição, ou seja em beneficio da defesa, que em nada por tal diligencia pode ser prejudicada. Improcede assim esta questão. No que respeita às questões principais Conhecendo Resulta das alíneas b) e h) ponto i, do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003 que: “1- A execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando: (…) b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu; (…) h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que: i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses;” Ora apurou-se que: “2- Não existe em Portugal instaurado nenhum processo criminal contra a requerida; 3- Foi cumprida a carta rogatória nº 161/18.2TELSB em relação à requerida pelo DCIAP que foi devolvida à autoridade requerente em 22/5/2018 após cumprimento” E ainda que - As sociedades II Lda, em nome de SS, MM Lda e HH Lda em nome de RR testa de ferro de EE estariam a ser investigadas pela Autoridade Tributaria Portuguesa; - Não existe notícia da existência de investigação criminal em Portugal; E que l) A requerida não tem conhecimento nem é arguida em nenhum processo em Portugal, por factos relacionados com a emissão do MDE. Assim e tendo em conta que, a causa de inexecução do MDE prevista na citada al. b) exige que esteja pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu; (…), verifica-se que tal não existe, pois não há notícia da existência em Portugal de investigação criminal relativamente aos factos em apreciação em Espanha, a eventual intervenção da ATP é relativa a empresas, não reveste carácter criminal de que as autoridades judiciarias tenham conhecimento, e sendo dirigida às empresas não afecta a arguida (pelo menos por ora e directamente), e tal não interfere com o conteúdo da carta rogatória aqui cumprida, face ao seu fim e ao conteúdo obtido, acrescendo, e isso seria fundamental para potenciar a recusa que a requerida não é arguida em nenhum processo em Portugal, nem tem conhecimento da existência de algum processo por factos relacionados com a emissão do MDE. Assim não existem factos a ser investigados pelas autoridades judiciárias portuguesas e objecto da investigação a decorrer perante as autoridades espanholas, donde inexistem processos paralelos a decorrer em diferentes estados (in casu no de emissão do mandado e o de cumprimento), afigurando-se-nos relevante neste âmbito o que se escreve no ac STJ de 15/3/2006 “ III - Nos termos do art. 12.°, n.º 1, al. b), do diploma em análise, a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando estiver pendente em Portugal procedimento contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado. E, em conformidade com o disposto na al. h)-i), a execução pode ser recusada quando o mandado tiver por objecto infracção que segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves. IV - A recusa facultativa regulada no art. 12.º tem de assentar em motivos ponderosos, ligados fundamentalmente às razões que subjazem, por um lado, ao interesse do Estado que solicita a entrega do cidadão de outro país para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de pena ou de medida de segurança privativa da liberdade, e, por outro, ao interesse do Estado a quem o pedido é dirigido em consentir ou não na entrega de um nacional seu. V - No caso dos autos, dada a circunstância de a maior parte dos factos ter ocorrido em Espanha, envolvendo um outro arguido, e de o processo em curso nos tribunais portugueses se encontrar numa fase incipiente, conhecendo-se neste momento apenas o teor da queixa apresentada por uma das ofendidas, enquanto o processo em Espanha se encontra em fase adiantada, já com acusação deduzida, é de considerar que inexistem razões ponderosas para que o Estado português recuse a execução do mandado de detenção emitido pela autoridade judiciária espanhola. VI - Nos termos do art. 12.°, n.º 1, al. g), da Lei 65/2003, de 23-08, constitui causa de recusa facultativa de execução de mandado de detenção europeu a circunstância de a pessoa procurada se encontrar em território nacional e ter nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa. VII - A circunstância de se tratar de um mandado para efeitos de procedimento criminal, e não para cumprimento de pena ou de medida de segurança, afasta por si só a possibilidade de recusa facultativa no âmbito do art. 12.°.” nota 3 ao art.º 12.º, in http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado. Improcede assim este motivo de inexecução ou recusa de cumprimento do mandado de detenção europeu Na al. h).i do art.º 12.º citado dispõe-se que se h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que: i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses;” o MDE pode ser recusado (recusa facultativa), o que tem de assentar em motivos ponderosos como refere o STJ no ac. supra citado. Resulta dos factos apurados e transmitidos pela Autoridade requerente que o esquema ilícito principal se traduzia na existência de uma organização criminosa em Espanha, e ali centrada, que se servia de sociedades constituídas em Portugal para efectuar através delas a aquisição intracomunitário de veículos para Espanha, vindos da Alemanha directamente para Espanha, mas a documentação passava por Portugal que simulava uma venda a Espanha ali os vendiam a terceiros, e era ali que a obrigação tributaria devia ser cumprida, mas não pagavam os impostos de devidos: “A actividade da organização em Espanha através das empresas em Portugal, a que a requerida pertence, traduz-se na aquisição intracomunitária de veículos, e são utilizadas com o fim de ocultar a actividade criminosa cometida em Espanha, canalizando pagamentos e facturação de veículos que são adquiridos na Alemanha e entregues directamente em Espanha, mas toda a documentação dos mesmos passa por Portugal onde é recebida para depois simular uma venda a empresas espanholas que são as obrigadas tributarias e destas a terceiros, não pagando os impostos correspondentes.” Ora a terem ocorrido os factos indiciados e indicados pelas autoridades judiciária espanholas, enunciados neste processo de MDE, apesar de alguns actos de execução ocorrerem em Portugal (as empresas, formalmente, importadoras eram portuguesas, recebiam a documentação e simulavam a venda a empresas Espanholas que já tinham recebido directamente os veículos da Alemanha), o resultado final e o fim visado não ocorreu em Portugal: a fuga ao pagamento dos impostos – mas em Espanha, onde veio efectivamente a ocorrer o crime principal, ou base, em investigação, o de fraude fiscal (parecendo não ocorrer tal crime em Portugal, por não serem aqui ocorrido fraude fiscal: não pagamento de impostos devidos, por aqueles actos), e ser ali que a organização criminosa está sediada. Assim tendo produzido apenas efeitos em Espanha, (e ausência em Portugal por esta via) não têm as autoridades portuguesas interesse nessa investigação (a possibilidade de inverter o processo, em face do que se apurou “A requerida … criou uma sociedade em Espanha com o mesmo fim das criadas em Portugal para o EE, para funcionar em sentido inverso, e com domicilio na província de ... em oficinas sem actividade e sem empregados, o que ocorreu em 22/9/2017 denominada PP sendo ela socia única e administradora e representada pelo seu filho, desconhecendo-se se chegou a realizar algum negocio” não produziu, ao que se saiba efeitos, nem estes estão em investigação qua tale em Espanha), e apenas os crimes conexos ou instrumentais com aqueles (de fraude fiscal e de associação criminosa) praticados em Portugal (ou seja, eventual falsificação de documentos) no contexto da actividade da organização criminosa não revestem autonomia prática e impõem uma apreciação jurídica conjunta. Assim, é de todo o interesse que a investigação e o julgamento da totalidade dos factos decorra em Espanha, onde se encontra a decorrer a investigação, pois apenas ali se tem a percepção da totalidades dos factos praticados e esquema delituoso utilizado, sendo que dos vários arguidos que se indicia existirem, apenas a requerida tem a ver com o nosso País, onde não existe investigação criminal de tais factos, enquanto que em Espanha se mostra adiantada e com percepção e conhecimento dos factos, acrescendo que o fim criminoso (não pagamento dos impostos devidos) apenas ali produziu efeitos/ consumação. Tendo em conta tais factos e visto o expresso no ac STJ citado supra, e se tratar de causa de recusa facultativa, não correm razões ponderosas para recusar a execução do MDE e nos termos e moldes em que o foi decidido no primitivo acórdão da Relação.» 8. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso deste Tribunal quanto a vícios da decisão recorrida – que devem resultar directamente do texto da decisão, por si só ou em conjugação com as regras da experiência – e a nulidades não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I de 28.12.1995). 9. Como no anterior acórdão, importa, antes de mais, convocar o essencial do regime processual de execução do mandado de detenção europeu decorrente da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto (a que pertencem as disposições seguidamente citadas sem indicação do diploma legal), alterada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio, que transpõe a Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, alterada pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, para a ordem jurídica interna, e da legislação subsidiariamente aplicável. 9.1. O mandado de detenção europeu (MDE) é uma decisão judiciária emitida por um Estado-Membro da União Europeia (UE), com vista à detenção e entrega, por outro Estado-Membro, de uma pessoa procurada, para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas da liberdade, cuja execução está sujeita ao princípio do reconhecimento mútuo (artigo 1.º), que actualmente encontra expressão normativa no artigo 82.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), fundado “num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros”. O regime do MDE “aboliu” o processo formal de extradição entre os Estados-Membros da UE, baseado na Convenção Europeia de Extradição de 1957, o qual foi “substituído” por um “novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal”, que permitiu “suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos procedimentos de extradição” instituídos pelos instrumentos de cooperação então em ...r (considerandos 5, 6, 7, 8 e 11 e artigo 31.º da Decisão-Quadro 2002/584/JAI). 9.2. O princípio do reconhecimento mútuo não encontra definição no direito nacional, devendo o seu sentido, conteúdo e extensão ser obtidos por recurso à legislação da UE e à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) sobre validade e interpretação dos actos normativos adoptados pelas instituições (artigo 267.º, alínea b), do TFUE), com respeito pelo princípio de interpretação conforme aos Tratados e à legislação secundária aprovada com base nos Tratados (assim, nomeadamente, os acórdãos de 16 de Junho de 2005, Pupino, C-105/03, EU:C:2005:386; de 17 de Julho de 2008, Kozlowski, Proc. C-66/08, EU:C:2008:437; de 5 de Setembro de 2012, Silva Jorge, Proc. C-42/11, EU:C:2012:517; e, mais recentemente, o acórdão 12 de Fevereiro de 2019, TC, C-492/18 PPU, EU:C:2019:108). De acordo com este princípio, uma decisão validamente proferida por uma autoridade judiciária competente do Estado de emissão (autoridade judiciária de emissão), de acordo com a lei nacional aplicável, produz efeitos no território do Estado em que deva ser executada (Estado de execução), sujeita ao controlo da autoridade judiciária de execução, como se de uma decisão de uma autoridade judiciária deste Estado se tratasse. 9.3. Como tem sido afirmado na jurisprudência constante do TJUE, o princípio do reconhecimento mútuo assenta em noções de equivalência e de confiança mútua nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros da UE; nesta base, o Estado de execução encontra-se obrigado a executar o MDE que preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado à autoridade judiciária de execução um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de qualquer dos motivos de não execução, que são apenas os que constam dos artigos 3.º, 4.º e 4.º-A da Decisão-Quadro 2002/584/JAI alterada pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI (a que correspondem os artigos 11.º, 12.º e 12.º-A da Lei n.º 65/2003, com a alteração da Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio) – assim, de entre os mais recentes, os acórdãos do TJUE de 12 de Fevereiro de 2019, TC, C-492/18 PPU, EU:C:2019:108, e de 25 de Julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C-216/18 PPU, EU:C:2018:586. As noções de “confiança mútua” e “equivalência”, em que se funda o princípio do reconhecimento mútuo, extraem-se de princípios e regras comuns em resultado da transposição de instrumentos jurídicos da UE [decisões-quadro e directivas, que visam este resultado – cfr. artigo 31.º do Tratado da União Europeia (TUE), na redacção do Tratado de Amesterdão, e artigos 82.º, n.º 1, e 288.º TFUE] e de vinculação ao sistema de direitos fundamentais incorporados nos sistemas processuais penais nacionais dos Estados-Membros da UE [Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), do Conselho da Europa, e Carta dos Direitos Fundamentais da UE], que devem ser respeitados na execução do MDE. 9.4. A disposição fundamental encontra-se no artigo 6.º TUE (redacção do Tratado de Lisboa): “1. A União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (…) que tem o mesmo valor jurídico que os Tratados. Os direitos, as liberdades e os princípios consagrados na Carta devem ser interpretados de acordo com as disposições gerais constantes do Título VII da Carta que regem a sua interpretação e aplicação e tendo na devida conta as anotações a que a Carta faz referência, que indicam as fontes dessas disposições. (…) 3. Do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros”. 9.5. O artigo 1.º, n.º 3, da Decisão-Quadro 2002/584/JAI contém a norma fundamental de interpretação e aplicação da decisão-quadro em conformidade com a Carta. Dispondo que a decisão-quadro não tem por efeito alterar a obrigação de respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6.º TUE e reflectidos na Carta, impõe a obrigação de respeitar os direitos fundamentais tanto ao Estado-Membro de emissão como ao Estado-Membro de execução (cfr., por todos, os acórdãos do TJUE de 16 de Julho de 2015, Lanigan, C-237/15 PPU, EU:C:2015:474, n.º 53, e de 30 de Maio de 2013, F., C-168/13 PPU, EU:C:2013:358, n.ºs 40 e 41). 9.6. O artigo 6.º da Carta (direito à liberdade e à segurança) – que deve ser respeitada pelos Estados-Membros quando apliquem o direito da União (artigo 51.º) – estabelece que “Todas as pessoas têm direito à liberdade e à segurança”. Estes direitos correspondem aos direitos garantidos pelo artigo 5.º da CEDH, cujo sentido e âmbito são iguais, de acordo com o artigo 52.º, n.º 3, da Carta. O artigo 5.º, n.º 1, al. f), da CEDH (que inspira o artigo 27.º, n.º 3, al. c), da Constituição), prevê a possibilidade de detenção, enquanto restrição (privação) do direito de liberdade, para efeitos de extradição (de execução de um MDE, no âmbito da UE) para procedimento criminal, sendo que esta restrição se encontra sujeita critérios de legalidade estrita e de proporcionalidade, impostos pelo artigo 5.º da CEDH, pelos artigos 6.º e 52.º, n.º 1, da Carta, e pelos artigos 18.º, n.º 2, e 27.º da Constituição). Daí que se exija que o formulário do MDE contenha a indicação da decisão que ordenou a emissão de mandado de detenção interno, que constitui condição da validade do MDE (assim, o acórdão do TJUE de 1 de Junho de 2016, Bob-Dogi, C-241/15, EU:C:2016:385.). 9.7. A detenção e entrega de uma pessoa com base num MDE para procedimento criminal compreendem-se na previsão da al. c) do n.º 1 do artigo 5.º da CEDH, segundo o qual “Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal: (...) c) Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infracção, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido” (assim, acórdão Paci c. Bélgica, no. 45597/09, 17 Abril 2018, do TEDH). Compete à autoridade judiciária de emissão e à qual a pessoa deve ser entregue assegurar a legalidade e a regularidade do MDE, limitando-se o controlo de execução, pela autoridade judiciária de execução, à verificação da regularidade do MDE e dos motivos de não execução (cfr. acórdão Pirozzi c. Bélgica, no. 21055/11, 17 Abril 2018, do mesmo tribunal). 9.8. Por sua vez, o artigo 48.º da Carta, que corresponde aos n.ºs 2 e 3 do artigo 6.º da CEDH, embora de âmbito mais alargado, garante o direito à informação, ao contraditório e à fundamentação das decisões, enquanto componentes do processo equitativo, que se impõem à autoridade de emissão e à autoridade de execução do MDE, nomeadamente quando esta deva conhecer de motivos de não execução, em caso de oposição. A Directiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares, que deverá ser aplicada tendo em conta as disposições da Directiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2012 , relativa ao direito à informação em processo penal, aplicável ao MDE (artigo 1.º), é particularmente relevante no que diz respeito à garantia do direito a um processo equitativo e ao exercício dos direitos de defesa no âmbito da execução de um MDE. Salientando a importância destes direitos, garantidos pelo artigo 47.º e 48.º da Carta e pelo artigo 6.º da CEDH, a directiva estabelece regras mínimas a serem observadas com vista a promover a aplicação da Carta, em especial dos artigos 4.º, 6.º, 7.º, 47.º e 48.º, com base nos artigos 3.º, 5.º, 6.º e 8.º da CEDH, conforme interpretados pelo TEDH, assegurando os aspectos fundamentais da defesa. 9.9. À disciplina do processo de execução do MDE aplica-se o disposto no Código de Processo Penal (CPP), com as especialidades dos artigos 21.º – oposição da pessoa procurada, em que se garante o direito de defesa, com produção de prova e contraditório – e 22.º – decisão fundamentada sobre a execução do mandado de detenção europeu. É o que resulta do artigo 34.º, segundo o qual «é aplicável, subsidiariamente, ao processo de execução do mandado de detenção europeu o Código de Processo Penal». Na insuficiência da Lei n.º 65/2003, ao julgamento do processo de execução do MDE, que é da competência da secção criminal do tribunal da Relação (artigo 15.º, n.º 2), funcionando com três juízes (artigo 12.º, n.º 4, do CPP), são, assim, aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do CPP relativas ao julgamento (Livro VII), tendo em conta o objecto e a finalidade do processo, nomeadamente no que diz respeito ao conhecimento das questões que sejam suscitadas na oposição, relativas aos motivos de recusa de execução. Relevam em particular, neste domínio, as normas do artigo 340.º, sobre produção de prova, do artigo 365.º, que respeita à deliberação, e do artigo 374.º, relativa aos requisitos da sentença, especialmente no que se refere à fundamentação (n.º 2). 9.10. No caso de ser deduzida oposição à execução, deve o tribunal apreciar os factos que constituem os fundamentos da oposição, os quais integram, nesta fase, o objecto do processo e da prova, podendo a pessoa procurada «apresentar» «meios de prova» (artigo 18.º, n.º 4) que pretenda ver produzidos, de acordo com as regras do CPP. Finda a «produção da prova», nomeadamente a ordenada pelo tribunal, será concedida a palavra ao Ministério Público e ao defensor da pessoa procurada para alegações orais (n.º 5 do artigo 21.º), assim se assegurando a observância do contraditório que a execução do MDE exige. A omissão da produção de prova indispensável à decisão sobre a procedência dos motivos de oposição, com vista à decisão sobre a verificação de motivos de não execução, constitui, por conseguinte, uma nulidade abrangida pela previsão da parte final da al. d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, sujeita a arguição (assim, quanto à não observância do disposto no artigo 340.º, Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, Católica, 4.ª ed., p. 322 e 881, e Oliveira Mendes, Código de Processo Penal anotado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2.ª ed., p. 1049). 9.11. Nos termos do artigo 22.º, n.º 1, o tribunal profere decisão fundamentada sobre a execução do mandado de detenção europeu no prazo de cinco dias a contar da data em que ocorrer a audição da pessoa procurada, que pode ser prorrogado, nomeadamente se as informações comunicadas pelo Estado-Membro de emissão forem insuficientes para que se possa decidir da entrega, caso em que são solicitadas com urgência as informações necessárias, podendo ser fixado prazo para a sua recepção, para que possam ser cumpridos os prazos estabelecidos no artigo 26.º (n.º 2 do artigo 22.º). Proferida decisão, que pode ser uma decisão oral reproduzida em acta da audiência de julgamento (artigos 24.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003 e 99.º, n.º 2, do CPP), pode ser interposto recurso, também por declaração na acta (artigo 24.º, n.º 3, da Lei n.º 65/2003). 9.12. Tendo a pessoa procurada nacionalidade do Estado de execução, deve ser considerada a condição de entrega (que constitui uma «garantia» para a pessoa procurada) a que se refere a alínea b) do artigo 13.º da Lei n.º 65/2003 (com a alteração da Lei n.º 35/2015), segundo a qual, quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado-Membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que esta, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado-Membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado-Membro de emissão [no que deverá ser observado o regime da Decisão-Quadro n.º 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de Novembro de 2008 , relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, transposta para o direito interno pela Lei n.º 158/2015, de 17 de Setembro, que, para além de outras, substitui a Convenção Europeia Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, de 21.3.1983 (cfr. artigo 26)]. 10. Dispõe o artigo 12.º da Lei n.º 65/2003 (transpondo o artigo 4.º da Decisão-Quadro 2002/584/JAI) que a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando (...): «b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu; (...) h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que: i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses». 11. A decisão de reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 426.º, n.º 1, do CPP, quanto às questões nela identificadas, proferida em conhecimento do primeiro recurso, foi motivada pelo facto de a recorrente, na oposição que deduziu à execução do MDE, ter alegado, por um lado, que se encontrava pendente em Portugal procedimento criminal pelo facto que motivou a emissão do MDE e, por outro, que os factos a que se refere o MDE foram cometidos, pelo menos parcialmente, em território português, o que seria susceptível de integrar estes dois motivos de não execução previstos nas alíneas b) e h.i) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003. Porém, o tribunal recorrido apenas decidiu que «não existem factos praticados em Portugal ou fora dele a ser investigados pelas autoridades portuguesas», declarando que «não há motivo para recusar o cumprimento, nos termos e moldes em que o foi decidido no primitivo acórdão da Relação», mas omitiu resposta quanto à questão, essencial ao conhecimento do segundo motivo de não execução [da alínea h.i) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei 65/2003], de saber se os factos que estão a ser investigados em Espanha no âmbito do processo em que foi decidida a emissão do MDE, foram cometidos, no todo ou em parte, em território nacional. Pelo que, concluiu-se no anterior acórdão, em conhecimento do segundo recurso, que esta omissão constituía motivo de nulidade do acórdão, nos termos da primeira parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, segundo o qual é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Para além disso, o anterior acórdão julgou verificada a nulidade de composição do tribunal por o julgamento do processo de execução do MDE, em que o tribunal da Relação funciona como tribunal de 1.ª instância, dever ter lugar, não em conferência, mas mediante audiência em tribunal constituído pelo juiz relator e dois juízes adjuntos (artigo 56.º, n.º 1, ex vi artigo 74.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do CPP relativas ao julgamento, bem como a nulidade resultante da não presença da pessoa procurada, assistida por defensor, em acto no qual a lei exige a sua presença [artigo 119.º, al. a) e c), do CPP]. Pelo que, declarou a nulidade do julgamento e a nulidade do acórdão recorrido, determinando que o tribunal recorrido procedesse a novo julgamento, com a composição exigida pelos artigos 12.º, n.º 4, do CPP e 56.º, n.º 1, ex vi artigo 74.º, n.º 1, da Lei n.º 62/3013, de 26 de Agosto, para conhecer dos motivos de recusa de execução do MDE a que se referem as alíneas b) e h.i) do n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003, expressamente invocados na oposição, com a produção dos meios de prova necessários, apresentados ou ordenados nos termos do artigo 340.º do CPP, incluindo, se fosse caso disso, as informações suplementares a que se refere o artigo 22.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, e que, a final, fosse proferido novo acórdão, que, em conformidade com o apurado, conhecesse dos motivos de recusa invocados, pronunciando-se sobre e execução do MDE e sobre a entrega da pessoa procurada, bem como, sendo caso disso, sobre as condições desta. 12. Vistos os autos e a decisão recorrida, verifica-se que foi dado pleno cumprimento ao determinado no anterior acórdão. O tribunal foi devidamente constituído, em conformidade com as disposições legais aplicáveis, e o acórdão proferido, de que agora é interposto recurso, conheceu das questões de que devia conhecer, isto é, dos dois motivos de não execução do MDE invocados pela «pessoa procurada», a saber, os motivos previstos nas alíneas b) e h.i) do artigo 12.º da Lei n.º 65/2003. E conhecendo destas questões – que identifica como «questões principais» – o acórdão recorrido, depois de ter recolhido a prova que considerou necessária à formação da base para a sua decisão, nomeadamente através de informações complementares solicitadas á autoridade de emissão, nos termos do artigo 22.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, em decisão devidamente fundamentada em conformidade com o disposto no artigo 22.º, n.º 1, da Lei n.º 65/2003, e no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 34.º do mesmo diploma, julgou improcedente a oposição, deferiu a execução do MDE e ordenou a entrega da «pessoa procurada» à autoridade de emissão «unicamente com vista ao apuramento e responsabilização dos factos descritos no mesmo MDE, e com a condição de, em caso de condenação em pena privativa de liberdade, poder cumprir em Portugal a pena ou a medida de segurança que eventualmente lhe for aplicada». 13. O presente recurso não põe em causa o mérito da decisão, pelo que nada há a conhecer e a decidir no que a este diz respeito. A decisão recorrida não revela qualquer dos vícios a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP ou qualquer nulidade não suprida (n.º 3 do mesmo preceito) de que este Tribunal deva conhecer oficiosamente. Apesar de não vir expressamente alegada qualquer nulidade apenas há que conhecer das questões suscitadas nas conclusões do recurso e verificar se, das razões invocadas, pode resultar qualquer anomalia susceptível de afectar a validade do acórdão recorrido. 14. Na primeira conclusão, alega a recorrente que «não foram observadas e cumpridas as instruções dadas pelo STJ no acórdão datado do dia 12 de dezembro de 2018». Como já se verificou, o acórdão recorrido deu integral cumprimento ao decidido no anterior acórdão deste Tribunal (supra, 12), nada mais tendo que decidir. Pelo que improcede o recurso nesta parte. 15. Na segunda conclusão, limita-se a recorrente a dizer que «a notificação da Requerida para comparecer em audiência, foi mal feita». Mas, como a própria afirma na motivação, independentemente de qualquer irregularidade que possa ter existido e que não se identifica, a recorrente compareceu e esteve presente em audiência. Ora, de acordo com o disposto no artigo 118.º do CPP, «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei» (n.º 1) e «nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular» (n.º 2). Não se identifica qualquer nulidade insanável, nomeadamente qualquer das previstas no artigo 119.º do CPP ou cominada em qualquer outra disposição legal, nem qualquer das nulidades dependentes de arguição previstas no artigo 120.º do CPP, sujeitas ao regime estabelecido no n.º 2 do mesmo preceito, que, a não ser observado, determina a sua sanação, sem prejuízo do disposto no artigo 121.º, nada há a conhecer nesta matéria. Acresce que, nos termos do n.º 2 do artigo 121.º do CPP, «as nulidades respeitantes a falta ou a vício de notificação ou de convocação para acto processual ficam sanadas se a pessoa interessada comparecer ou renunciar a comparecer ao acto». Tendo a recorrente comparecido, qualquer nulidade respeitante à notificação ficou sanada. Pelo que também improcede o recurso nesta parte. 16. Na terceira conclusão afirma a recorrente que «não foi feita a produção de prova apresentada com a oposição ao MDE». Como se consignou no anterior acórdão de 30 de Maio de 2018, a prova relevante para conhecimento dos motivos de não execução em apreciação não dependia de declarações ou depoimentos a prestar. Estando em causa a apreciação de causas de recusa de execução do MDE, o que, para além da verificação da regularidade do MDE, delimita o objecto do processo, tais meios de prova não se mostravam necessários «à boa decisão da causa», pelo que não deveriam ser admitidos (artigo 340.º do CPP ex vi artigo 34.º da Lei n.º 65/2003). Resulta da fundamentação do acórdão recorrido que:, a recorrente «não tem conhecimento nem é arguida em nenhum processo em Portugal, por factos relacionados com a emissão do MDE»; «foi cumprida a carta rogatória nº 161/18.2TELSB em relação à requerida pelo DCIAP que foi devolvida à autoridade requerente em 22/5/2018 após cumprimento»; «as sociedades II Lda, em nome de SS, MM Lda e HH Lda em nome de RR testa de ferro de EE estariam a ser investigadas pela Autoridade Tributaria Portuguesa»; «não existe notícia da existência de investigação criminal em Portugal»; «resulta dos factos apurados e transmitidos pela Autoridade requerente que o esquema ilícito principal se traduzia na existência de uma organização criminosa em Espanha, e ali centrada, que se servia de sociedades constituídas em Portugal para efectuar através delas a aquisição intracomunitário de veículos para Espanha, vindos da Alemanha directamente para Espanha, mas a documentação passava por Portugal que simulava uma venda a Espanha ali os vendiam a terceiros, e era ali que a obrigação tributaria devia ser cumprida, mas não pagavam os impostos de devidos»; e que «apesar de alguns actos de execução ocorrerem em Portugal (as empresas, formalmente, importadoras eram portuguesas, recebiam a documentação e simulavam a venda a empresas Espanholas que já tinham recebido directamente os veículos da Alemanha), o resultado final e o fim visado não ocorreu em Portugal: a fuga ao pagamento dos impostos – mas em Espanha, onde veio efectivamente a ocorrer o crime principal, ou base, em investigação, o de fraude fiscal (parecendo não ocorrer tal crime em Portugal, por não serem aqui ocorrido fraude fiscal: não pagamento de impostos devidos, por aqueles actos), e ser ali que a organização criminosa está sediada». Como já se afirmou anteriormente (supra, 10), a omissão da produção de prova indispensável à decisão sobre a procedência dos motivos de oposição, com vista à decisão sobre a verificação de motivos de não execução, constitui uma nulidade abrangida pela previsão da parte final da al. d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP, sujeita a arguição. Não houve arguição de qualquer nulidade a este respeito. Para além disso, a recorrente não impugna a decisão em matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP, nada havendo a conhecer quanto ao estabelecimento dos factos dados como provados. Nos termos do artigo 431.º do CPP, sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão da 1.ª instância (neste caso o Tribunal da Relação) sobre a matéria de facto pode ser modificada se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base, se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º ou se tiver havido renovação da prova. Não se verificando qualquer destas condições, a decisão sobre a matéria de facto não pode ser alterada, considerando-se definitivamente fixados os factos dados como provados. Assim, improcede também o recurso nesta parte. 17. Nas conclusões 4 a 9, a recorrente insurge-se contra a junção de documentos provenientes da autoridade de emissão, afirmando, no essencial, sem indicação de qualquer norma violada [o que se impunha – artigo 412.º, n.º 2, al. a), do CPP] que tais documentos não poderiam ser juntos e considerados por não ter sido respeitado o prazo concedido para o efeito e que estes documentos alteram substancialmente os fundamentos do MDE. Os documentos foram solicitados e juntos no uso dos poderes conferidos à autoridade judiciária de execução pelo artigo 22.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003. O facto de a autoridade de emissão não ter dado satisfação ao solicitado no prazo inicialmente fixado não impedia a sua junção ao processo em momento posterior. Não existe qualquer norma legal que impeça a junção nem que comine a junção fora de prazo de nulidade ou impossibilidade de utilização desses documentos no processo. Para além disso, como resulta directamente do dispositivo do acórdão recorrido, a recorrente teve a possibilidade de se pronunciar sobre esses documentos e a entrega à autoridade de emissão é determinada «unicamente com vista ao apuramento e responsabilização dos factos descritos no mesmo MDE». Pelo que, não tendo sido violada qualquer norma, carece igualmente o recurso de fundamento quanto a estas alegações. 18. Nas conclusões 9 a 11, a recorrente manifesta-se contra o facto de não ter tido acesso ao conteúdo das escutas telefónicas efectuadas no âmbito do processo em que foi emitido o MDE. Trata-se, como se viu, de matéria que é completamente estranha ao processo de execução do MDE. A autoridade judiciária de execução – neste caso, o Tribunal recorrido – encontra-se obrigada a executar o MDE que preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado a esta um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de qualquer dos motivos de não execução, que são apenas os que constam dos artigos 11.º, 12.º e 12.º-A da Lei n.º 65/2003, com a alteração da Lei n.º 35/2015, de 4 de Maio (supra, 9.3). Relevando eventualmente para a prova que constitui a base para a emissão do MDE, a questão do acesso ao conteúdo das escutas telefónicas realizadas no âmbito do processo no Estado de emissão deve ser suscitada e analisada nesse processo, que não no processo de execução do MDE. Como anteriormente se observou, compete à autoridade judiciária de emissão e à qual a pessoa deve ser entregue assegurar a legalidade e a regularidade do MDE, nomeadamente quanto aos fundamentos de que pode resultar a suspeita de a «pessoa procurada» ter cometido as infracções que são indicadas no formulário do MDE e quanto à justificação da detenção (supra, 9.7). Nada havendo a apreciar a este respeito, designadamente por não ter havido qualquer omissão do tribunal recorrido ou violação de qualquer norma relativa à execução do MDE, carece, assim, o recurso de fundamento quanto a estas questões. 19. Finalmente, nas conclusões 12 a 18, invoca a recorrente, em síntese e em substância, que estando ultrapassado o prazo de 60 dias a que se refere o artigo 26.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003, para decisão sobre a execução do MDE, este já não deve ser cumprido, por estar «ultrapassado o prazo de validade», pelo que deve ser recusada a entrega. Não tem, porém, qualquer razão a recorrente. O MDE permanece válido e a autoridade judiciária de execução continua a dever proferir uma decisão sobre a execução e entrega. Embora o artigo 17.º (n.ºs 1 e 3) da Decisão-Quadro relativa ao MDE estabeleça que o MDE deve ser tratado com urgência, devendo a decisão definitiva sobre a execução ser tomada no prazo de 60 dias após a detenção da pessoa procurada (artigo 26.º., n.º 2, da Lei n.º 65/2003), decorrido tal prazo a autoridade de execução continua sujeita à obrigação de decidir sobre a execução do MDE, com base no princípio do reconhecimento mútuo (artigo 1.º, n.º 2, da Lei n.º 65/2003). Como declarou o TJUE no acórdão de 6 de Julho de 2015, Lanigan, C-237/15 PPU, EU:C:2015:474, os artigos 15.º, n.º 1, e 17.º da Decisão-Quadro «devem ser interpretados no sentido de que a autoridade judiciária de execução continua obrigada a adoptar a decisão sobre a execução do mandado de detenção europeu findos os prazos fixados nesse artigo 17.º». Em razão do que improcede também o recurso nesta parte. III. Decisão 20. Pelo exposto, acordam os juízes Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pela requerida AA, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas, por não serem devidas (artigo 513.º, n.º 1, do CPP). Supremo Tribunal de Justiça, 26 de Junho de 2019 Lopes do Rego (Relator) Vinício Ribeiro