O princípio da aquisição processual logra aplicação em relação aos depoimentos prestados pelas testemunhas em julgamento. (Elaborado pelo Relator)
A intentou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra B Actividades Hoteleiras ,Lda. Pede que seja declarada a ilicitude do despedimento de que foi alvo e consequentemente a Ré seja condenada a pagar-lhe o valor das retribuições que deixou de auferir até à data da sentença. Mais pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe : - a indemnização por antiguidade; - a retribuição e subsídio de férias vencidos em 1/1/2007 e bem assim proporcionais da retribuição e subsídio de férias e do subsídio de Natal pelo trabalho prestado no ano da cessação do contrato, e o subsídio de férias de 2006, tudo no montante de € 3.000,00; - € 23.062.47 referentes a trabalho suplementar prestado quer nos dias úteis quer aos sábados quer em feriados, tudo acrescido dos respectivos juros legais. A ré foi citada. Deduziu contestação. Foi elaborado despacho saneador e seleccionados factos assentes e base Instrutória , que não foram alvo de reparos. Realizou-se julgamento que não foi gravado. A matéria de facto foi decidida sem reclamações. Foi proferida sentença que na parte decisória , teve o seguinte teor “Em face de tudo o exposto: Julgo ilícito o despedimento de que a autora foi alvo por parte da ré. Condeno a ré a pagar à autora, a título de indemnização por antiguidade, 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade desde 17 de Julho de 2004, até ao trânsito em julgado da sentença acrescida dos juros de mora computados desde a data da citação à taxa legal de 4% até efectivo e integral pagamento (cf. artº 559º do CC e Portaria nº 291/2003, de 08.04.). Condeno a ré a pagar à autora as retribuições que esta deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção, nelas se incluindo o subsídio de Natal de 2007, 2008, 2009 e 2010, férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2007, 01.01.2008, 01.01.2009, 01.01.2010 e 01.01.2011, cada um igual a um mês de retribuição e respectivos proporcionais, vencidos e vincendos, até ao trânsito em julgado da presente decisão, tudo acrescido dos juros de mora vencidos desde as datas dos vencimentos de cada uma das retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal e desde a data da citação no que respeita à indemnização, e vincendos até efectivo e integral pagamento. Condeno a ré a pagar à autora a quantia de € 23.062,47 a título de trabalho suplementar, acrescida dos respectivos juros legais vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. Custas a cargo da ré (art.º 446º do CPC). Registe e notifique, observando o disposto no artigo 76.º, do Código de Processo do Trabalho” – fim de transcrição. Inconformada a Ré apelou : Concluiu que: (…) A Autora contra – alegou, sustentando a improcedência do recurso. O recurso foi admitido . Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos. Afigura-se que nada obsta à apreciação. *** Em 1ª instância foi dada como assente a seguinte matéria de facto : 1) A A. foi admitida ao serviço da Ré, em 17 de Julho de 2004, por acordo verbal, para desempenhar as funções de empregada de mesa, no restaurante da Ré sito sede na Travessa ..., (…), em Lisboa, com a retribuição base mensal de € 750,00, nunca lhe tendo sido entregue, pela Ré, qualquer recibo de vencimento. 2) A A. encontrava-se grávida, desde Novembro de 2006, facto que comunicou à Ré, nomeadamente através da entrega de cópia do documento junto a fls. 15 e cujo original então lhe exibiu, e do qual esta tomou conhecimento desde essa data tendo o parto ocorrido em 22/8/2007. 3) A ré enviou, à autora, a carta cuja cópia está junta a fls. 43, datada de 17 de Maio de 2007, a conceder um prazo de 60 dias para a autora apresentar documentos comprovativos da sua legalização, em Portugal. 4) A autora estava sujeita ao seguinte horário efectivo de trabalho: das 11h às 16h30 e das 19h à lh30, de quinta a terça-feira, com descanso obrigatório à quarta-feira. 6) Por determinação da Ré e no seu interesse. 7) No dia 30 de Abril de 2007, a Ré, através do sócio e gerente de nome C , despediu a A.. 8) Desde essa data, a ré não permitiu que a autora trabalhasse mais. 9) A autora não recebeu a retribuição e subsídio de férias referente ao ano de 2006. 10) Nem recebeu a retribuição, subsídio de férias e subsídio de Natal referente ao ano de 2007. 11) Por imposição e no interesse exclusivo da R., a A. prestou trabalho 4 horas por dia, além das 8 horas permitidas, nos dias 17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30 e 31 do mês de Julho do Ano de 2004. 12)Enosdias2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,27,28,29,30 e 31 do mês de Agosto do Ano de 2004. 13) E nos dias 1,3,4,5,6,7,8,10,11,12,13,14,15, 17,18,19,20,21,22,24,25,26,27,28 e 29 de Setembro do Ano de 2004. 14) E nos dias 1,2,3,4,5,6,8,9,10,11,12,13,15,16,17,18,19,20,22,23,24,25,26,27,29,30 e 31 do mês de Outubro de 2004. 15) E nos dias 1,2,3,5,6,7,8,9,10,12,13,14,15,16,17, 19,20,21,22,23,24,26,27,28,29 e 30, do mês de Novembro do ano de 2004. 16) E nos dias 1,3,4,5,6,7,8,10,11,12,13,14,15,17,18,19,20,21,22,26,27,28,29,30 e 31, do mês de Dezembro do ano de 2004. 17)Enosdias1,2,3,4,5,67,8,9,10,11,12,14,15,16,17,18,19,21,22,23,24,25,26,28,29,30e 31, do mês de Janeiro do ano de 2005. 18) E nos dias 1 e 2 do mês de Fevereiro do ano de 2005. 19) E nos dias 1,3,4,5,6,7,8,10,11,12,13,14,15,17,18,19,20,21,22,24,25,26,27,28,29 e 31, do mês de Março. 20) E nos dias 1,2,3,4,5,7,8,9,10,11,12,14,15,16,17, 18, 19,21,22,23,24,25,26,28,29 e 30, do mês de Abril do ano de 2005. 21) E nos dias 1,2,3,5,6,7,8,9,10,12,13,14,15,16,17,19,20,21,22,23,24,26,27,28,29,30 e 31, do mês de Maio do ano de 2005. 22) E nos dias 2,3,4,5,6,7,9,10,11,12,13,14,16,17,18,19,20,21,22,23,24,26,27,28 e 30, do mês de Junho de 2005. 23) E nos dias 1,2,3,4,5,7,8,9,10,11,12,14,15 ,16 ,17,18,19 ,21,22,23 ,24,25,26,28,29,30 e 31, do mês de Julho. 24) E nos dias 1,2,4,5,6,7,8,9,11,12,13,14,15,16,18,19,20,21,22,23,25,26,27,28,29 e 30, do mês de Agosto do ano de 2005. 25) E nos dias 1,2,3,4,5,6,8,9,10,11,12,13,15,16,17,18,19,20,22,23,24,25,26,27,29 e 30 Setembro do ano de 2005. 26) E nos dias1,2,3,4,6,7,8,9,10,11,13,14,15,16,17,18,20,21,22,23,2425,27,28,29 e 30 do mês de Outubro de 2005. 27) E nos dias 1,3,4,5,6,7,8,10,11,12,13,14,15,17,18,19,20,21,22,24,25,26,27,28 e 29, do mês de Novembro do ano de 2005. 28) E nos dias 1,2,3,4,5,6,8,9,10,11,12,13,15,16,17,18,19,20,22,23,24,25,26,27,29,30 e 31, do mês de Dezembro. 29) E nos dias 1,2,3,5,6,7,8,9,10,12,13,14,15,16,17,19,20,21,22,23,24,26,27,28,29,30 e 31, do mês de Janeiro do ano de 2006. 30) E nos dias2,3,4,5,6,7,9,10,11,12,13,14,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26 e 28 do mês de Fevereiro do ano de 2006. 31) E nos 2,3,4,5,6,7,9,10,11,12,13,14,16,17,18,19,20,21,23,24,25,26,27,28,30 de Março do ano de 2006. 32) E nos dias 1,2,3,4,6,7,8,9,10,11,13,14,15,16,17,18,20,21,22,23,24,25,27,28,29 e 30 do mês de Abril do ano de 2006. 33) E nos dias 1 e 2 do mês de Maio do ano de 2006. 34) E nos dias1,2,3,4,5,6,8,9,10,11,12,13,15,16,17,18,19,20,22,23,24,25,26,27,28,29 e 30 do mês de Junho de 2006 e nos dias 1,2,3,4,6,7,8,9,10,11,13,14,15,16,17,18,20,21,22,23,24,25,27,28,29,30 e 31, do mês de Julho de 2006. 36) E nos dias l,3,4,5,6,7,8,10,11,12,13,14,15,17,18,19,20,21,22,24,25,26,27,28,29,30 e 31do mês de Agosto de 2006. 37) E nos dias 1,2,3,4,5,7,8,9,10,11,12,14,15,16,17,18,19,21,22,23,24,25,26,28,29 e 30, do Mês de Setembro de 2006. 38) E nos dias 1,2,4,5,6,7,8,9,11,12,13,14,15,16,18,19,20,214,22,23,25,26,27,28,29 de Outubro de 2006 dias e 30 do mês de Setembro de 2006. 39) E nos dias 2,3,4,5,6,7,9,10, 11,12,13,14,16,17,18,19,20,21,23,24,25,26,27,28,29 e 30, do mês de Novembro de 2006. 40)E nos dias 1,2,3,4,5,7,8,9,10,11,12,14,15,16,17,18,19,21,22,23,24,25,26,28,29,30 e 31de Dezembro de 2006. 41) E nos dias 1 e 2 de Janeiro de 2007. 42) E nos dias 17,18,19,20,22,23,24,25,26,27 e 28 do mês de Fevereiro de 2007. 43)E nos dias 1,2,3,4,5,6,8,9,10,11,12,13,15,16,17, 18, 19,20,22,23,24,25,26,27,28,29,30 e 31 Março de 2007. 44) E nos dias 1,2,3,5,6,7,8,9,10,12,13,14,15,16, 17, 19,20,21,22,23,24,26,27,28,29 e 30 de Abril de 2007. 45) A Ré solicitou à A para tratar da sua legalização em Portugal. 46) A autora foi respondendo que estava a tratar do assunto. 47) Em Janeiro de 2007, a pedido da A. foram-lhe dadas férias para ir ao Brasil tratar da sua legalização. *** É sabido que objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º e 690º nº 1º do CPC ex vi do artigo 87º do CPT).[1] Analisados os autos afigura-se que o recurso interposto pela Ré aborda três questões. A primeira respeita à verificação de duas nulidades de sentença. Uma delas atinente à não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. A outra por oposição clara entre os fundamentos e a decisão. E em relação à arguição das nulidades , desde já, se dirá que as mesmas não se verificam. É sabido que este tipo de arguição apresenta especificidades em processo laboral, distinguindo-se da respeitante aos erros de julgamento. O artigo 668º do CPC (causas da nulidade da sentença) estabelece: “1 - É nula a sentença: a) Quando não contenha a assinatura do juiz; b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. 2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença. Este declarará no processo a data e que apôs a assinatura. 3 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do nº 1º só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades. A nulidade prevista na alínea a) do mesmo número pode ser sempre arguida no tribunal que proferiu a sentença. 4 - Arguida qualquer das nulidades da sentença em recurso dela interposto, é lícito ao juiz supri-la, aplicando-se com as necessárias adaptações e qualquer que seja o tipo de recurso, o disposto no art 744º”. Todavia o preceito em apreço embora se reporte às causas de nulidade de sentença também se aplica com as devidas adaptações aos despachos – artigo 666º nº 3º do CPC. O artigo 77º do actual (aprovado pelo DL nº 480/99,de 9 de Novembro) CPT estatui: “1 - A arguição da nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso. 2 - Quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu. 3 - A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ao ou juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso”. Anteriormente o artigo 72º do CPT/81 (aprovado pelo DL nº 272-A/81,de 30 de Setembro) dispunha: “1 - A arguição da nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição de recurso. 2 - Quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu. 3 - A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ao ou juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso”. Constata-se, assim, que o processo laboral contempla um regime especial de arguição de nulidades da sentença, sendo certo que a mesma actualmente deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso. Trata-se de regra ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso. “Para que tal faculdade possa ser exercida, importa que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações de recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que, implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento”- vide ac. da Relação de Lisboa de 25.1.2006, proferido no processo nº 8769/2005-4 in www.dgsi.pt. Assim, é entendimento dominante a nível jurisprudencial que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, mas apenas nas respectivas alegações – vide neste sentido vg: ac. do STJ de 25-10-1995,CJ,T III, pág 281, supra citado aresto da Relação de Lisboa de 25-1-2006, acórdão. da Relação de Lisboa , de 15-12-2005 , proferido no processo 8765/2005-4 in www.dgsi.pt. A arguição que não seja levada a cabo nesses moldes é intempestiva e obsta a que dela se conheça. In casu, a arguição das nulidades mostra-se correctamente formulada ( vide fls. 129 a 131). Todavia não se descortina que a sentença não especifique os fundamentos de facto de direito. É certo que as decisões judiciais devem ser fundamentadas, tal como resulta do disposto no nº 1º do artigo 205º da CRP e do artigo 158º do CPC. Porém, constitui jurisprudência pacífica que a nulidade prevista na alínea b) do nº 1º do artigo 668º do CPC só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos quer no respeitante aos factos quer no tocante ao direito ( e apenas não motivação deficiente , medíocre ou até errada), sendo que neste sentido também aponta a doutrina ( vide vg: Fernando Amâncio Ferreira , Manual dos recursos em processo civil, 8ª edição, Almedina, pág. 53; Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Volume III, 3ª edição , pág 194; José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado. Rui Pinto, CPC, Anotado, Volume 2º, 2ª edição, pág. 703). Aliás, segundo o primeiro autor “ para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade de sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considera provados, de harmonia com o que estabelece o nº 3º do artigo 659º, e que suportam a decisão”. Afigura-se, no entanto, que a recorrente confunde a falta de especificação, dos “ alicerces , os sustentáculos , isto é os meios de prova que serviram de base aos factos dados como provados” ( vide fls. 130), a que alude o nº 2º do artigo 653º do CPC [i], com os factos que considera provados e com os fundamentos de facto referidos , respectivamente, nos nºs 2º e 3º do artigo 659º do CPC [ii], ex vi da alínea a) do nº 2º do artigo 1º do CPT ou até com um hipotético recurso da matéria apurada , sendo que o julgamento não foi gravado. Isto , certamente , porque os primeiros constituem um antecedente lógico dos factos dados como provados. Cabe salientar que nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa “como fundamentos de facto devem ser utilizados os que foram adquiridos durante a tramitação da causa. Nos termos do art. 659º, nº 3º, integram esses fundamentos – os factos admitidos por acordo, ou seja os factos alegados por uma parte e não impugnados pela contraparte (…), mesmo que não tenham sido considerados assentes (…); os factos provados por documentos juntos ao processo por iniciativa das partes ( cfr. designadamente artsº 523º e 524) ou do tribunal ( artsº 514, nº 2 e 535); os factos provados por confissão reduzida a escrito , seja ela uma confissão judicial ou extrajudicial (cfr. artsº 356º e 358º do CC; art 563º, nº 1º) ; os factos julgados provados pelo tribunal singular ou colectivo na fase de audiência final (cfr. artº 653º, nºs 2 e 3 ; os factos que resultam do exame crítico das provas , isto é , aqueles que podem ser inferidos , por presunção judicial ou legal dos factos provados (cfr. artsº 349º a 351º do CC). A estes factos acrescem ainda os factos notórios (artº 514º, nº 1º) e os de conhecimento oficioso (artº 660, nº 2º in fine)” – Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex , pág 352/353. E também cumpre frisar que os meios de prova que serviram de base aos factos dados como provados, referidos no nº 2º do artigo 653º do CPC não se confundem com a análise crítica das provas referida no nº 3º do artigo 659º do CPC. O exame crítico referido nesta última norma conduz a que o juiz possa tomar em consideração factos que, embora não se tenham provado, se podem inferir segundo as regras da experiência comum da matéria provada da qual por este mesmo meio também é lícito extrair conclusões e servir-se deles e delas para aplicar o direito. Retornando aos autos constata-se que a sentença recorrida enumerou os 47 pontos de facto em que se sustenta a decisão que tomou, sendo certo que nada na lei obriga a que na mesma se tenha de reproduzir a decisão, anteriormente tomada, que, aliás, no caso em apreço, não suscitou reclamações, sobre os fundamentos que foram decisivos para formar a convicção do julgador no tocante ao julgamento sobre a matéria de facto ( referidos no nº 2º do artigo 653º do CPC). Esgrimir-se-á que nas conclusões a que chegou a sentença recorrida não teve em conta quatro factos provados com grande relevância para a decisão ou até que trinta e três dos factos assentes não logram justificação na prova produzida. Todavia, independentemente da razão ou não desses argumentos, não se pode afirmar que na sentença falta em absoluto a indicação dos respectivos fundamentos de facto. E o mesmo se dirá em sede de fundamentação de direito da sentença recorrida, bastando para o efeito proceder à respectiva leitura… Como tal não se verifica a arguida nulidade. *** E em relação à arguida contradição entre os fundamentos e a decisão ? Analisada a decisão recorrida também não se detecta que se verifique. Uma coisa é erro de julgamento (erro de subsunção dos factos à norma jurídica aplicável ) e outra bem distinta – sendo essa que configura a arguida nulidade – é que na sentença se siga uma certa linha de raciocínio e depois se decida em sentido oposto. Ora , no caso concreto, não se afigura que se verifique tal discrepância na decisão em apreço , em nenhuma das suas vertentes, sendo ainda certo que a recorrente invoca tal nulidade de forma patentemente genérica sem sequer se dar ao trabalho de concretizar em que é que , na sua opinião, a mesma se manifesta no raciocínio explanado na sentença. Improcedem, pois, as arguidas nulidades, **** Uma segunda questão consiste em saber se da conjugação da matéria provada nos autos , decorre que a Autora foi despedida como se decidiu na sentença recorrida ou se ao invés, como sustenta a recorrente se deve considerar que apenas foi suspensa de funções. Segundo a recorrente na apreciação desta vertente do pedido o Tribunal desvalorizou por completo a matéria assente em 3,45,46 e 47 e em consequência disso produziu uma sentença injusta. Será assim ? Compulsada a matéria assente oferece-nos dizer que igualmente se afigura que também a recorrente desvaloriza por completo a matéria assente em 7) e 8, de acordo com a qual : 7) No dia 30 de Abril de 2007, a Ré, através do sócio e gerente de nome C, despediu a A.. 8) Desde essa data, a ré não permitiu que a autora trabalhasse mais. Ora em face desta matéria – que nem sequer se mostra impugnada, relembrando-se todavia , mais uma vez , que o julgamento não foi gravado – como é que se pode considerar que o despedimento não se verificou, encontrando-se o contrato de trabalho meramente suspenso ? É que os factos mencionados pela recorrente ( ou seja que: 3) A ré enviou, à autora, a carta cuja cópia está junta a fls. 43, datada de 17 de Maio de 2007, a conceder um prazo de 60 dias para a autora apresentar documentos comprovativos da sua legalização, em Portugal. 45) A Ré solicitou à A para tratar da sua legalização em Portugal. 46) A autora foi respondendo que estava a tratar do assunto. 47) Em Janeiro de 2007, a pedido da A. foram-lhe dadas férias para ir ao Brasil tratar da sua legalização) não obstaculizam à conclusão a que a sentença recorrida aportou. Uns porque são anteriores à data do despedimento ( de Janeiro de 2007 ou anteriores) e outros posteriores (a carta enviada em Maio que , por hipótese, até o pode ter sido para tentar remediar o que já então não o tinha…). Improcede , assim, o recurso nesta vertente. **** Uma terceira vertente do recurso tem a ver com a verificação do trabalho suplementar. O recurso da Ré , neste particular, parece pretender impugnar a matéria de facto assente , a tal título, com o fundamento nos depoimentos prestados pelas testemunhas , bem como no documento nº 5º, junto com a petição inicial, que , a seu ver, apontam nesse sentido. Contudo uma vez que a audiência não foi gravada, não pode este Tribunal , por motivos por demais evidentes, sindicar os depoimentos que a tal respeito foram prestados. E nem se esgrima que nenhuma das testemunhas foi inquirida a tal matéria, visto não ser isso que decorre da justificação da matéria assente que refere [2]“ as testemunhas esclareceram que a Autora trabalhava no restaurante até cerca da 1 hora ou 2 horas da manhã, a Autora bem como os demais trabalhadores tinham que permanecer até atenderem o último cliente pois o restaurante servia refeições até o último cliente estar servido. As testemunhas confirmaram que o trabalho era determinado pelo patrão e a Autora sempre trabalhou uma média de 4 horas a mais por dia e não foi paga”, sendo que mais à frente se menciona que as testemunhas mereceram credibilidade ( vide fls. 102). Argumentar-se-á com os artigos da base instrutória a que as testemunhas foram inquiridas ( vide fls. 95 a 98). Todavia também neste particular não se pode afirmar que nenhuma testemunha foi inquirida aos artigos da base instrutória respeitantes ao trabalho suplementar (isto é o artigos 1º, 2º, 6º a 38º - vide fls, 58 a 60). Na realidade a testemunha: - D foi inquirida aos artigos 1º a 5º da petição inicial – vide fls. 96; - E foi inquirido aos artigos 1º a 3º da petição inicial – vide fls. 96; - F foi inquirido a toda a matéria - vide fls. 97; - G foi inquirida aos artigos 4º até ao final da petição inicial – vide fls. 97. Ou seja não corresponde à verdade aquilo que a recorrente afirma a tal título, certamente por lapso involuntário[3], sendo que pelo menos duas testemunhas foram inquiridas à matéria em causa. O que disseram a tal título desconhece-se nesta instância de recurso , nem há processo de saber…., pelos motivos já enunciados… Em relação às outras, por sua vez, sempre cumprirá relembrar o principio da aquisição processual ( vide artigo 515º do CPC[4]) que pode muito bem ter sido aqui aplicado em relação aos outros dois depoimentos a tal título invocados na justificação da matéria assente, bem até como a outros elementos relevantes que tenha sido produzidos por testemunhas arroladas pela Ré . **** Contudo a recorrente chama a atenção para o trabalho que foi dado como assente relativo ao dia 30 de Abril de 2007, data do despedimento, tendo nomeadamente em consideração o teor do documento constante de fls. 22 ( nº 5º junto com a petição inicial) de acordo com o qual na data em causa a Autora esteve no Hospital da CUF Descobertas , das 20h16 até às 22h 41… Como tal neste ponto afigura-se que os autos , independentemente do teor dos depoimentos prestados a tal título , patenteiam um evidente erro no julgamento da matéria de facto, até porque se o despedimento ocorreu em 30 de Abril de 2007, a Autora não pode ter laborado até às 2 horas do dia seguinte… Isto para já não falar da sua presença no supra mencionado Hospital , sendo que o documento comprovativo dessa presença foi junto pela própria Autora… Desta forma, uma vez que nesse particular os autos evidenciam um manifesto erro no julgamento da matéria de facto cumpre, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1º do artigo 712º do CPC, dar-se a seguinte redacção à resposta ao quesito nº 38 ( que corresponde ao ponto nº 44 da matéria de facto provada na sentença): - Provado apenas que por imposição e no interesse exclusivo da Ré a Autora prestou trabalho 4 horas por dia , além das 8 horas permitidas , nos dias 1,2,3,5,6,7,8,9,10,12,13,14,15,16, 17, 19,20,21,22,23,24,26,27,28 e 29 de Abril de 2007. Como é evidente esta resposta implica que a condenação não pode englobar as 4 horas referentes ao dia 30 de Abril de 2007 ( num montante de (1 x € 6.49) + ( 3 X € 7.58). Procede, pois, parcialmente o presente recurso apenas neste ponto com as inerentes consequências em sede do trabalho suplementar prestado nessa data. **** Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento parcial ao presente recurso condenando-se em consequência a Ré a pagar à Autora a quantia de € 23.033.24 ( vinte e três mil e trinta e três Euros e vinte e quatro cêntimos ) referentes a trabalho suplementar prestado em dias úteis, sábados e feriados, tudo acrescido dos respectivos juros legais. Custas por Autor e Ré na proporção do decaimento em ambas as instâncias. Notifique. DN (processado e revisto pelo relator - nº 5º do artigo 138º do CPC). Lisboa, 7 de Dezembro de 2011 Leopoldo Soares José Eduardo Sapateiro Maria José Costa Pinto --------------------------------------------------------------------------------------- [1] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos: “As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso… Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299. Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões. Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156). [2] Com menção das testemunhas Isabel Prego, Luís Nunes, António Barros e Solange Santo – vide fls. 102. [3] A não se considerar , assim, alias , sempre haveria , no mínimo, que ponderar uma condenação por litigância de má fé… [4] Vide sobre o assunto Manual de Processo Civil . Antunes Varela, J. Bezerra e Sampaio e Nora, Coimbra Editora, 1984, pág . 436. [i] Que preceitua que a matéria de facto é decidida por meio de acórdão ou despacho, se o julgamento incumbir a juiz singular; a decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. [ii] Que estatui que (sentença): 1 – A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar. 2 – Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. 3 – Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. 4 – Se tiver sido oral a discussão do aspecto jurídico da causa, a sentença pode ser logo lavrada por escrito ou ditada para a acta.