Apura logo

Acórdão TCA Sul de 2011-11-10

08055/11

TribunalTribunal Central Administrativo Sul
Processo08055/11
SecçãoCA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão2011-11-10
RelatorBenjamim Barbosa
DescritoresMedicamento Genérico; Aim; Patente; Estatuto do Medicamento; Direito Comunitário; Direito Europeu e Internacional

Sumário

-Na concessão de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) a medicamento genérico o INFARMED não tem nenhum dever legalmente imposto de apreciar eventuais violações da patente do medicamento de referência; - Nem esse dever resulta do Estatuto do Medicamento, que apenas exige que na AIM o INFARMED acautele a saúde pública, garantindo a qualidade, eficácia e segurança do medicamento genérico; -Nem muito menos do ordenamento jurídico comunitário, que claramente rejeita a hipótese de, na concessão de AIM a medicamento genérico, as autoridades nacionais fiscalizarem ou verificarem a existência de patentes válidas. - O art.º 25.º, n.º 1, do Estatuto do Medicamento, olvida qualquer referência aos direitos de propriedade industrial na concessão de AIM a medicamento genérico, o que não sucedia com o diploma anterior, omissão que concretiza o regime das Directivas que transpôs, as quais não incluem essa questão nos fundamentos taxativos de recusa de AIM; - Aliás, nem o legislador nacional tinha qualquer liberdade de conformação neste domínio, nem o intérprete na aplicação da lei pode interpretá-la em sentido diverso, sob pena de por em causa a primazia do Direito Comunitário, a sua natureza interpretativa e o efeito vertical directo das Directivas; - Tanto mais que não existem quaisquer inconstitucionalidades por violação do direito da patente, que embora seja absoluto no sentido de que deve ser observado por todos (eficácia erga omnes), sofre as limitações que são admissíveis para o direito de propriedade, em razão da sua função social; -Em qualquer caso, os direitos económicos de exploração da patente e da exclusividade devem ceder numa colisão com o direito fundamental à saúde pública, que pode ser posta em causa por práticas restritivas da entrada de medicamentos genéricos no mercado. -É por isso ilegítimo impedir actos preparatórios de futura comercialização de medicamento genérico, nos quais se incluem as AIM, os quais estão em consonância, quer com o direito interno, quer com o direito europeu e internacional.


Texto Integral

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: I – Relatório A recorrente A..., Ltd., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa que indeferiu os pedidos de suspensão de eficácia: de actos de autorização de introdução no mercado (AIM) dos medicamentos que o INFARMED concedeu à Contra-Interessada, durante o período de vigência da patente e respectivo CCP (cuja validade expira em 18.08.2014), para os seguintes medicamentos: - Montelucaste Monlucare 4 mg (comprimidos para mastigar); - Montelucaste Monlucare 5 mg (comprimidos para mastigar); - Montelucaste Monlucare 10 mg (comprimido revestido por película); E dos actos de aprovação de PVP que a DGAE concedeu à Contra-Interessada, enquanto a patente estiver em vigor, relativamente aos referidos medicamentos, no âmbito do procedimento cautelar que interpôs contra os recorridos INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., Ministério da Economia e Inovação e B..., Lda., veio interpor recurso jurisdicional para este TCA Sul, formulando nas suas alegações conclusões nestes precisos termos: 1. O presente recurso tem efeito suspensivo nos termos dos artigos 143.°, n.° 1 e n.° 2 do CPTA em conjugação com o artigo 692.° n.° 3 alínea d) do CPC ex vi 140.° do CPTA, e sobe imediatamente e nos próprios autos, nos termos do artigo 147.°, n.° 1 do CPTA. 2. Não tendo sido demonstrada a manifesta improcedência da acção principal, deve dar-se por verificado e preenchido o requisito do fumus non malus juris - não se verificando quaisquer circunstâncias que determinem que a mesma não pudesse ser apreciada no seu mérito, para efeitos do decretamento da providência conservatória requerida, nos termos do artigo 120, n.° 1 aliena b) do CPTA. 3. Se outra for a perspectiva de Vossas Excelências relativamente à densidade da prova requerida para a constatação do fumus non malus juris, deverá a matéria de facto relevante ser alargada, de modo a abranger outros factos relevantes alegados pela Recorrente. 4. Baseando-se a presente providência cautelar, nomeadamente, na alegação de que a concessão de uma AIM e a fixação de PVP se traduz no levantamento de barreiras administrativas à violação dos DPI da Recorrente emergentes da PT 99213 e do CCP 35, é imprescindível à decisão da causa saber-se se a comercialização dos Genéricos Montelucaste irá violar tais direitos, tendo o Tribunal a quo ignorado os factos essenciais alegados pela Recorrente a esse respeito. 5. Tendo sido considerado como provado que a Recorrente é titular da PT 99213 cujas reivindicações são as que constam do Documento 1 do requerimento inicial (alíneas b) e e) dos factos provados) e que a mesma foi pedida em 11 de Outubro de 1991 e concedida à C... em 2 de Outubro de 1998, vigorando até 02.10.2013 (alínea f) dos factos provados), julgando ainda como provada a titularidade pela Recorrente do CCP 35 (alínea i) dos factos provados), a sentença recorrida deveria ter dado como provada a circunstância alegada pela Recorrente, no artigo 44.° do requerimento inicial, de que o CCP 35 mantém-se válido até 18 de Agosto de 2014, sendo que isso mesmo resulta do documento 1 junto ao requerimento inicial, referido pela sentença recorrida. 6. Fundando-se na presunção prevista no artigo 98.° do CPI a Recorrente alegou no requerimento inicial (artigo 80.°) que o Montelucaste usado nos medicamentos Genéricos Montelucaste é produzido pelo processo patenteado pela PT 99213, facto esse que tem manifesto interesse para a decisão da causa, por isso que integra os produtos destes autos no escopo de protecção concedido pela Patente e pelo CCP e apenas nele poderá assentar qualquer juízo sobre a ameaça de violação dos direitos da Recorrente. 7. A aplicação da presunção a que se refere do artigo 98.° do CPI depende, para o efeito do ónus da prova relativo à não violação da Patente da Recorrente recair sobre os Requeridos e a Contra-Interessada, de se concluir que o Montelucaste era um produto novo à data do pedido da Patente ou ao tempo dessa prioridade nos termos da Convenção de Paris, pelo que a novidade do produto Montelucaste, nos termos e para os efeitos artigo 10.º do Código de Propriedade Industrial de 1940, em vigor à data do pedido da Patente, artigos 50.° e 51.° do Código de Propriedade Industrial de 1995, e 55.° e 56.° do Código de 2003 em vigor, constituía igualmente matéria relevante para o juízo sobre a ameaça de violação dos direitos da Recorrente. 8. Quanto à novidade do Montelucaste alegada nos artigos 40.° a 42.° do Requerimento Inicial, é indubitável que constam do processo elementos de prova (Doc.s 1 a 3) que permitem alterar a decisão quanto à matéria de facto, de forma a incluir, além do artigo 40.° dado como provado, os artigos 41.° e 42.° do requerimento inicial, dando-a como provada, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 149.° do CPTA (em consonância com o disposto na alínea b) do n.º l do artigo 712.° do Código de Processo Civil), ou, caso não se entenda ser aplicável esta disposição, deverá concluir-se pela anulação oficiosa da decisão e baixa do processo à 1a Instância, para ampliação da decisão quanto aos factos, e produção de prova testemunhal (em conjugação com a documental já produzida), nos termos do disposto no artigo 712.° n° 4 do CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 140.° do CPTA. 9. Considerando que entre os factos provados não se encontram quaisquer factos relativos ao concreto processo utilizado na obtenção do Montelucaste que compõe os genéricos da Contra-Interessada e às suas diferenças quanto ao processo patenteado na PT 99213, tanto bastaria para não se considerar ilidida a presunção prevista no artigo 98.º do CPI, concluindo-se como a Requerente, e ora Recorrente, no artigo 80.° do Requerimento Inicial: o Montelucaste usado nos Genéricos Montelucaste é produzido de acordo com o processo descrito nas reivindicações da PT 99213, e protegido pelo CCP 15. 10. Acresce que, não tendo sido feitas quaisquer alegações relativas aos concretos processos de fabrico dos Genéricos Montelucaste não é possível a elisão da presunção a que se refere o artigo 98.° do CPI. 11. Assim, os factos alegados pela Recorrente no artigo 80.° do requerimento inicial devem ser dados como provados, sob pena de violação do artigo 98.° do CPI. 12. De facto, o facto alegado pela Recorrente no artigo 80.° do requerimento inicial de que o Montelucaste usado nos Genéricos Montelucaste é produzido pelo processo patenteado pela PT 99213 não foi impugnado pelo Requerido MEID (nem podia dado que o MEID não deduziu oposição), sendo certo que o INFARMED tem dele conhecimento, uma vez que está par das reivindicações daquela Patente e o Estatuto do Medicamento impõe-lhe que efective uma análise aprofundada do processo de produção das substâncias activas de todos os medicamentos que avalia, no quadro dos procedimentos de concessão de AIMs. 13. A Contra-Interessada Ciclum, por sua vez, não apresentou qualquer alegação concreta (e consequentemente prova) quanto ao concreto processo de fabrico dos seus Genéricos Montelucaste e as pretensas diferenças face ao processo patenteado pela Recorrente. Tal circunstância associada à falta de impugnação da matéria provada na decisão recorrida pela Contra-Interessada impunha dar como provado o alegado no artigo 80.° do requerimento inicial, sob pena de violação do disposto nos artigos nos artigos 264.° e 511.°, e 490.° n° 2, todos do Código de Processo Civil, devendo ser aditado à matéria de facto, nos termos do art.° 712.° n.° 1 b) do CPC. 14. Se o entendimento expresso supra não for porém o entendimento deste Tribunal ad quem - o que apenas se configura para efeitos de raciocínio, sem conceder - a Recorrente requer nos termos do disposto no artigo 149.° n.° 2 do CPTA, que seja produzida prova em sede de recurso, com as testemunhas apresentadas pela Recorrente no seu requerimento inicial. Se este Tribunal de recurso assim não entender pela aplicação da referida disposição legal, requer-se a anulação oficiosa da decisão e que seja ordenada baixa do processo à 1a Instância para a produção de prova sobre os mesmos factos (712° n° 4 do CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 140.° do CPTA). 15. A questão jurídica que aqui se coloca, é a de saber se, um acto administrativo que concede uma autorização de comercialização e lhe atribui o respectivo PVP, de um produto que irá violar uma patente válida e em vigor, é inválido porque ilegal e, por isso, deve ser anulado pelo tribunal, se for concedido pelo INFARMED - e não, contrariamente ao afirmado pela decisão recorrida, a de saber se os actos de AIM são válidos ou inválidos à luz de uma suposta obrigação do INFARMED de sindicar a existência de direitos de propriedade industrial. 16. Se o Tribunal a quo tivesse correctamente identificado a questão legal em discussão, teria concluído, como vem alegado pela Recorrente no Requerimento Inicial, que as AIMs impugnadas são nulas ao abrigo dos artigos 135.° e 133.°, n.° 2 c) e d) do CPA devido à sua teleologia, uma vez que viabilizam a exploração, pela Contra Interessada do produto fabricado pelo processo protegido pela Patente e CCP. 17. De igual modo, e pelas mesmas razões, é inválido o acto de concessão de autorização para o PVP dos Genéricos Montelucaste requerida e obtida pela ora Contra-Interessada junto do MEID/DGAE. 18. Com efeito, o direito exclusivo emergente da titularidade de uma patente e de um CCP, independentemente de ser uma patente de produto ou de processo, goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral, nos expressos termos do artigo 316.° do CPI. 19. Tal como o direito de propriedade privada em geral - e contrariamente ao que foi decidido na decisão recorrida - é-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental tendo a natureza de "direitos, liberdades e garantias'", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.° da Constituição. 20. A natureza desses direitos como direitos fundamentais de natureza análoga a "direitos, liberdades e garantias" tem sido pacificamente aceite pela doutrina nacional, pela jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul. Do mesmo modo são os direitos de patente considerados como direitos fundamentais no contexto do Tratado da União Europeia (artigo 6º" n.º 1 e n.º 3), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 17.° n.° 1), da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Protocolo 1), bem como na jurisprudência europeia. 21. O princípio da legalidade contém um comando legal de obediência à lei e ao Direito que obriga a uma total conformidade não só com as leis e os princípios jurídicos que disciplinam especificamente uma certa conduta da Administração, mas também aqueles que constituem todo o ordenamento jurídico. 22. As AIMs e PVPs impugnados devem ser declarados nulos, nos termos do artigo 133.° n.° 2 alínea d) do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que, dado o seu objecto e efeitos, ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental - os DPI da Recorrente emergentes da Patente e do CCP. 23. As AIMs e PVPs impugnados devem ainda ser considerados nulos, nos termos do artigo 133.° n.° 2 c) do Código de Procedimento Administrativo, uma vez que têm como exclusiva finalidade a viabilização jurídica, pela via administrativa, do exercício de uma actividade criminosa. 24. E tudo o alegado conduz à inexorável verificação do fumus boni juris. 25. A primordial missão da providência cautelar administrativa não é a de evitar que se produzam prejuízos de difícil reparação, mas sim a de garantir a utilidade efectiva da sentença a proferir na acção principal, em linha com o dispositivo do n.° 1 do artigo 112.° n.° 1 do CPTA, sendo que o risco primordial a ser evitado no quadro das providências cautelares é, exactamente, o do facto consumado, isto é, o da decisão na acção principal se tornar absolutamente inútil. 26. Só se tal risco se não se verificar é que serão de considerar os "prejuízos de difícil reparação". 27. Da prolação dos actos administrativos que se pretendem anular resultará um facto consumado que retirará toda a utilidade à acção de que este procedimento é dependência, tornando-se, assim, imperiosa e urgente a emissão de uma medida cautelar adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir nessa. 28. Mesmo se assim não fosse considerado, o não decretamento desta providência causará danos imateriais de reparação difícil ou mesmo impossível. 29. A comercialização dos Genéricos Montelucaste irá, desde logo, implicar que a Recorrente fique, contra a sua vontade, privada do uso e fruição do exclusivo que constitui o conteúdo essencial do direito de propriedade industrial de que é titular, situação que, em todos os aspectos, equivalente à privação, com violência, do direito de propriedade de um bem a ela pertencente. 30. Trata-se de uma ofensa ao direito da Recorrente, causador de um dano imaterial, consistente na ablação temporária de uma parte do activo integrador da esfera jurídica da Recorrente, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de uma decisão condenatória, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira. 31. Tal compensação seria, na verdade, insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo do seu direito ao exclusivo da comercialização do invento. 32. O não decretamento da providência com base no argumento de que a Recorrente pode vir a ser compensada pelos prejuízos sofridos, para além de contrariar o princípio basilar da acessoriedade da indemnização em relação à reconstituição natural (artigo 566.° do Código Civil), violaria o princípio constitucional da tutela efectiva decorrente do artigo 20.°, n.° 4 da CRP. 33. De acordo com o disposto no artigo 349.° do Código Civil, os Tribunais estão habilitados a criar presunções (judiciais), i.e., a concluírem sobre a ocorrência de um facto desconhecido (mas provável), com base nos factos conhecidos e provados e em regras de experiência comum, o que devia ter acontecido nos presentes autos, tendo em conta a análise dos danos. 34. Acresce que, a lei não exige que os danos relevantes para o decretamento da providência sejam actuais ou de ocorrência certa, mas sim que se verifique um justificado receio de que os mesmos venham a ter lugar se a providência não for decretada, ou seja, que os danos sejam prováveis. 35. A aplicação correcta do princípio da teoria da causalidade adequada ao caso dos autos leva-nos a concluir que a autorização administrativa para a introdução no mercado de um medicamento (e de aprovação dos PVP) é causa adequada dos danos produzidos por essa introdução, uma vez que é condição desses danos actuando adequadamente para que se produzam. 36. A ora Recorrente alegou factos que são suficientes para a demonstração do fundado receio de vir a sofrer prejuízos importantes e de difícil reparação. 37. A decisão recorrida, ao negar a verificação do periculum in mora por considerar que se não verifica uma situação de facto consumado e que os prejuízos que a Recorrente justamente receia vir a produzir-se se a presente providência não for concedida não se enquadram nos previstos no artigo 120.° do CPTA, erra na interpretação dessa disposição legal e do disposto nos artigos 563.° do Código Civil. 38. A providência requerida deve ser decretada porque se verificam todos os pressupostos legais para o seu decretamento. 39. Tendo em conta o que foi provado nos presentes autos, conclui-se facilmente que os danos que resultariam da concessão da providência são manifestamente inferiores àqueles que podem resultar da sua recusa. 40. Os efeitos do decretamento da providência invocados pelo INFARMED na sua oposição além de não serem reais, teriam sempre um carácter geral e não prevalecem jamais sobre direitos fundamentais análogos a direitos liberdades e garantias, como é o caso dos direitos da Recorrente. 41. A Contra-Interessada não alegou quaisquer prejuízos próprios decorrentes do decretamento da providência e mesmo se se verificassem, nunca seriam superiores aos da Recorrente, ao contrário do que é exigido pelo n.° 2 do artigo 120.° do CPTA para que as providências possam ser recusadas. 42. A decisão recorrida violou e fez uma interpretação errada de diversos normativos legais, entre eles se contando os artigos 98.° do CPI, 511.° do CPC, 563.° do Código Civil, artigos 112.° e 120.° n.° l a) e b) do CPTA, artigos 133.° n.° 2 c) e d) do CPA e artigos 17.°, 18.°, 62.° e 266.° da Constituição. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente ser a decisão recorrida revogada e substituída por decisão que decrete a providência nos termos requeridos. Em contra-alegações a contra-interessada B...formula conclusões, nestes precisos termos: I) Salvo o devido respeito, por melhor opinião, o Juiz a quo ao decidir conforme fez decidiu bem, porquanto não se encontram preenchidos os requisitos da providência cautelar. II) A Contra Interessada B...mantém o alegado na sua oposição e adere integralmente aos fundamentos enunciados na douta decisão recorrida, a qual, salvo melhor opinião, se encontra devida e correctamente sustentada. III) É completamente descabido o alegado pela Recorrente no sentido que ao tribunal a quo só restaria concluir que as AIM impugnadas deverão ser declaradas nulas ao abrigo dos artigos 135.° e 133.°, n.° 2 c) e d) do CPA, uma vez que levantam barreiras administrativas referentes à exploração de medicamento genérico, e logo violação, pela Contra-lnteressada, da PT 99 213 e CCP 5. IV) Não cabe no âmbito dos presentes autos avaliar se os actos administrativos de AIM de medicamentos genéricos e a consequente aprovação de PVP's pela DGAE são legais ou ilegais, antecipando a decisão sobre o mérito da acção principal, mas tão só avaliar se a invalidade que a Recorrente lhe imputa é tão manifesta e evidente que não deixe dúvidas sobre a necessária procedência da pretensão material a julgar na acção principal. V) Ficou provado que a Recorrente é apenas e tão só titular da patente de processo, PT n.° 99 213 e CCP 5, a qual protege "Processo para Preparação de Ácidos Hidroxialquilquinolina insaturados úteis como antagonistas do Leucotrieno". VI) O argumento que a Recorrente possui uma patente de produto, a substância activa Montelucaste, por este à data do pedido não se encontrar incluído no estado da técnica não pode proceder, pois a PT 99 213 deverá ser sempre analisada à luz do direito nacional vigente na data do pedido da patente, caso contrário colocaria em causa o sistema jurídico e os princípios gerais de direito. VII) A Contra-lnteressada B...não viola a PT 99 213, pois conforme alegado na oposição à providência cautelar, a B...utiliza um processo de fabrico próprio e autónomo, ou seja, o processo preparação é completamente diferente daquele que se encontra patenteado, sendo que a referida prova apenas deverá ser efectuada em sede própria (no Tribunal do Comércio). VIII) Assim, a Recorrente apenas dispõe de uma patente de processo, bem como a esta patente não confere nenhuma presunção sobre o produto em causa, a conclusão que se poderia retirar é que existe falta de fundamentação da acção principal. IX) A sentença não padece, face ao exposto, de qualquer erro ou deficiência na fixação da matéria de facto e, consequente, fundamentação do requisito do fumus boni iuris. X) Bem andou o Tribunal a quo ao julgar não verificada a previsão da alínea a) do n.° 1 do art. 120.° do CPTA, já que é manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AlM's concedidas não padecem de quaisquer vícios. XI) As providências conservatórias vêm previstas na alínea b) do n.° 1 do art. 120.° do CPTA e, para além da exigência do periculum in mora, têm como requisito que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular na presente acção, ou seja, um fumus non malus juris. XII) O Tribunal a quo fundamentou e bem, porquanto no que respeita à actividade administrativa, nem dos elementos a apresentar pelo requerente da AIM ou da aprovação do preço de um medicamento, nem da instrução dos respectivos processos, nem do controlo a exercer pelo INFARMED ou pela DGAE, nem dos motivos de indeferimento (vide artigo 15.°a 25° do DL n.° 177/2006 e artigos 6.° a 9.° do DL n.° 65/2007), resulta a ideia de que a Administração deve acautelar os eventuais direitos privados de terceiros, mas apenas a segurança, qualidade e eficácia do produto a introduzir no mercado ou a razoabilidade económica dentro dos parâmetros legais do preço a praticar. XIII) O INFARMED apenas e tão só deverá respeitar o princípio do primado da protecção da saúde pública, nos termos do art. 4.° do Estatuto do Medicamento (D.L. n.° 176/2006, de 30 de Agosto. XIV) O INFARMED e a DGAE não têm quaisquer poderes para que os seus actos decidam questões que não lhe estão cometidas pelas competências e atribuições, designadamente questões de propriedade industrial, pois encontra-se vinculado ao princípio da legalidade, segundo o disposto no art. 266.° da CRP e art. 3.° do CPA os seus actos não podem ter efeitos para além do âmbito das suas atribuições e competências, caso contrário estaríamos perante o vício do desvio do poder, o qual conduziria à nulidade do acto administrativo. XV) Perante tal situação, estamos perante um fumus malus, ou seja, uma manifesta falta de fundamento da pretensão principal, que importa a improcedência da acção, por não se verificarem os pressupostos de aplicação da alínea a) do n.° 1 e alínea b), 2.a parte do n.° 1 ambos do art. 120.° do CPTA, devendo, por isso, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul manter a decisão recorrida (Neste sentido, Carla Amado Gomes, "Cadernos de Justiça Administrativa", n.° 39, pag. 9). XVI) Caso assim não se entenda, devem os presentes autos ser suspensos e ser suscitado ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) questão prejudicial sobre se a interpretação nos termos da qual a prolação de actos de AIM que não proceda procedimentalmente à verificação da caducidade de patentes é conforme com o Direito Comunitário. XVII) Mais, o critério da aparência do bom direito ou do fumus boni iuris, previsto na aliena a) do n.° 1 do art. 120.° do CPTA é decisivo, sem mais, para a concessão ou não da providência cautelar requerida, sendo de concluir que a não aplicabilidade daquela alínea prejudica a aplicação dos critérios subsequentes, nomeadamente das alíneas b) ou c) do n.° 1 e n.° 2 todos do art. 120.° do CPTA (Neste sentido Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Edição 2010, pág. 795 e 796 e 803 e o Acórdão do TCA Sul de 02 de Março de 2009, Proc. n.° 4291/08, "sendo manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal, não se impõe que o tribunal verifique a existência dos demais requisitos de que a lei faz depender a adopção da providência'''). XVIII) Não se pode considerar preenchido o requisito do periculum in mora no que concerne ao fundado receio de criação de facto consumado, uma vez que a Recorrente não logrou provar que existe fundado receio de que se torne impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração da situação conforme a legalidade. XIX) De referir que não se verifica a ocorrência de uma situação de facto consumado, pois se prejuízos houvessem, estes seriam sempre determináveis. XX) No que concerne à "produção de prejuízos de difícil reparação", segunda parte da alínea b) do n.°1 do artigo 120.° do CPTA, relativa à verificação do periculum in mora, o legislador entendeu que se deveria ter em consideração o critério de maior ou menor dificuldade de restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar. XXI) No caso em apreço não existe qualquer prejuízo, pois só existiria se houvesse efectiva violação da patente, o que não se verifica no caso em apreço. XXII) Os prejuízos alegados pela Recorrente nada têm a ver com interesses de natureza pública mas apenas de natureza privada, na medida em que decorrem dos princípios da concorrência de interesses económicos, industriais e comerciais entre a Recorrente e a Contra Interessada B...Farma. XXIII) Mais, tem sido jurisprudência constante do TCA que "não devem ser considerados irreparáveis ou de difícil reparação os prejuízos decorrentes da simples concorrência" (vide Acórdão do TCA de 30 de Novembro de 2005, processo n.° 01156/05, in www.dgsi.pt). XXIV) Não se pode, pois, considerar preenchido o requisito que impõe que os factos integradores do fundado (efectivo) receio de constituição de uma situação de facto consumado a tutelar por esta instância cautelar nem de produção de prejuízos de difícil reparação, nos termos da alínea b) do n.°1 do artigo 120.° do CPTA. XXV) Na ponderação de interesses deverá ter em conta que a existência de medicamentos genéricos no mercado farmacêutico é fundamental para assegurar eficazmente o bem jurídico fundamental e constitucional que é a saúde pública (art. 64.° da CRP), bem como a acessibilidade ao tratamento. XXVI) Os medicamentos genéricos se tiverem a mesma qualidade, eficácia e segurança e um preço inferior ao medicamento original beneficia os cidadãos no âmbito do Serviço Nacional de Saúde. XXVII) Por último, importa salientar que estando as AIM's e a fixação de PVP's suspensos até decisão final ou eventual caducidade do direito de patente, a Recorrente impossibilita a Contra Interessada B...de comercializar o produto, mesmo que o medicamento genérico não viole qualquer direito de patente. Em contra-alegações o Recorrido INFARMED formula as conclusões, nestes precisos termos: 1a. Nos termos do artigo 143.°/2 do CPTA, os recursos de providências cautelares têm sempre efeito meramente devolutivo. 2a. Na presente demanda, a ora Recorrente deduziu uma providência cautelar conservatória de suspensão da eficácia de actos de concessão de AIMs referentes aos medicamentos genéricos com o princípio activo "Montelucaste", tendo a mesmo sido julgada improcedente pelo douto Tribunal ao quo. 3a. In casu, não se encontram preenchidos os requisitos que fundamentam a adopção da mencionada providência cautelar. 4a. É manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AIM concedidas não padecem de quaisquer vícios. 5a. Da factualidade dada como provada resulta que as AIMs são actos insusceptíveis de lesar os direitos de propriedade industrial da Recorrente. 6a. Não compete ao INFARMED aferir quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros, bem como a eventual violação daqueles direitos não resultará da AIM, mas antes da efectiva comercialização, traduzindo-se num conflito de direitos privados, que não compete à Entidade administrativa dirimir. 7a. Os direitos de propriedade industrial não configurarem um direito fundamental, e muito menos um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, para efeitos do artigo 133.° do CPA. 8a. Ainda que se entenda que os direitos de propriedade industrial gozam da aplicação do art. 62° da CRP, a verdade é que, sempre seria ilegítimo por esta via impedir actos de futura comercialização, porque o conteúdo da patente consiste no exclusivo temporário de comercialização e não inclui nenhum poder de vedar procedimentos preparatórios de futura entrada no mercado. 9a. Bem andou o douto Tribunal a quo ao julgar não verificada a previsão do artigo 120.°/1/a) do CPTA, já que é manifesta a improcedência da pretensão a formular na causa principal, uma vez que as AIM concedidas não padecem de quaisquer vícios, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida. 10ª. Como se conclui na douta sentença recorrida, não se verifica igualmente o pressuposto periculum in mora, visto que inexiste um fundado receio de facto consumado ou da verificação da produção de prejuízos de difícil reparação. 11ª. A Recorrente não fez prova do periculum in mora, prova essa que se diga ser impossível, visto que os prejuízos que invoca não resultam directamente dos actos administrativos cuja suspensão se requer, mas antes da efectiva comercialização dos medicamentos. 12ª. A verificarem-se prejuízos, estes seriam sempre decorrentes da comercialização e não da concessão de AIM, não existindo qualquer nexo de causalidade entre aqueles e os actos de concessão de AIM. 13a. Neste sentido, decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.02.2008, que perfilhou a tese que defende a inexistência de qualquer causalidade adequada entre os actos de AIM e os eventuais prejuízos invocados pela Recorrente. 14a. Ainda que a Recorrente tivesse logrado provar qualquer prejuízo com a concessão das AIMs, o que não se verificou, sempre seria de entender que prevaleceria o interesse público, aplicando-se in casu o disposto no artigo 120.°/2 do CPTA. 15a. Em suma, e não se verificando in totum, no caso sub judice, os requisitos necessários para a concessão da providência cautelar requerida, deve ser julgado improcedente o recurso da Recorrente, mantendo-se a douta sentença recorrida. O EMMP emitiu parecer a fls. 801 a 804, no sentido da improcedência do recurso. Foram pedidos vistos pelo Juízes-Adjuntos e posteriormente votado, em sentido negativo, o acórdão apresentado pela Relatora do processo. * II – Fundamentação II.1 – De facto A sentença deu como indiciariamente provados os seguintes factos: a) A Requerente está integrada no grupo empresarial internacional C..., baseado nos Estados Unidos, cuja actividade consiste na investigação, indústria e comércio de produtos farmacêuticos. b) A C... é titular da Patente nacional n.° 99 213, a qual, em síntese, protege o processo para a preparação de ácidos hidroxialquilquinolina insaturados úteis como antagonistas do leucotrieno indicados para o tratamento da asma como terapêutica adicional nos doentes com asma persistente ligeira a moderada, (cfr. doc. 1 PI). c) Entre os compostos protegidos pelas reivindicações da PT 99 213, encontra-se um composto, com a denominação comum internacional de Montelucaste, nome genérico (DCI - Denominação Comum Internacional); d) A PT 99 213 tem o título de "Processo Para a Preparação de Ácidos Hidroxialquilquinolina insaturados úteis como antagonistas do Leucotrieno". e) As reivindicações da PT 99 213 são as que constam do documento 1 [da] PI; f) A PT 99 213 foi pedida em 11 de Outubro de 1991 e concedida à C... em 2 de Outubro de 1998, vigorando até 2 de Outubro de 2013 nos termos do Decreto-Lei n° 141/96, de 23 de Agosto. g) A PT 99 213 reclama a prioridade das patentes US 596 887 de 12 de Outubro de 1990 e US 741 888 de 8 de Agosto de 1991. h) Existe um certificado complementar de protecção, com o número 35 ("CCP 35"), concedido à Requerente nos termos do Regulamento do Conselho (CEE) n° 1768/92, de 18 de Junho de 1992 (revogado pelo Regulamento (CEE) n.° 469/2009 do Conselho, de 6 de Maio de 2009), (cfr. doc. 1 [da] PI); i) De acordo com a informação disponibilizada pelo INFARMED no seu website (Cfr. Doc. 4 PI) esta entidade concedeu à Contra-lnteressada Ciclum, no dia 8 de Fevereiro de 2011, autorização para introdução no mercado de três medicamentos, contendo como princípio activo princípio activo o Montelucaste, os quais apresentam actualmente as seguintes designações: • Montelucaste Monlucare 4 mg (comprimido para mastigar); • Montelucaste Monlucare 5 mg (comprimido para mastigar); • Montelucaste Monlucare 10 mg (comprimido revestido por película) j) A Contra-interessada B...requereu, ainda, e obteve junto da DGAE a aprovação dos PVPs para os produtos acima mencionados (designados por "Genéricos Montelucaste"), conforme resulta da informação disponível no website do INFARMED (doc.4), os Genéricos Montelucaste, têm os seguintes PVPs aprovados: • Montelucaste Monlucare 4 mg - embalagem de 14 unidades PVP: €13.07; embalagem de 28 unidades PVP: € 25.75; • Montelucaste Monlucare 5 mg - embalagem de 14 unidades PVP: €13.78; embalagem de 28 unidades PVP: € 27.14; • Montelucaste Monlucare 10 mg - embalagem de 14 unidades PVP: €13.33; embalagem de 28 unidades PVP: € 26.25. k) O presente Processo Cautelar deu entrada no TAC de Lisboa em 29 de Abril de 2011. (Cfr. fls. 2 e sg SITAF) * II.2 – De Direito No presente procedimento cautelar debate-se uma questão que tem merecido da doutrina e da jurisprudência respostas contraditórias. Tal questão consiste em saber se, perante o novo Estatuto do Medicamento (EM), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, os actos de Autorização de Introdução no Mercado (AIM) de medicamentos genéricos, bem como os actos que fixam os respectivos preços de venda ao público (PVP) se devem debruçar, ou não, sobre as questões de direito de propriedade industrial (DPI), rectius, sobre o direito à patente do medicamente original ou medicamento de referência. Parte da doutrina portuguesa, sobretudo expressa em pareceres juntos a processos judiciais, designadamente deste TCAS, sustenta um ponto de vista afirmativo, baseando-se na natureza análoga aos direitos liberdades e garantias do DPI, o que na sua óptica imporia a rejeição da neutralidade administrativa no domínio da concessão das AIM, obrigando o INFARMED a sindicar a eventual colisão do medicamento genérico com patente em vigor, ainda que o EM não lhe imponha expressamente tal actuação(1). Para outra doutrina, porém, tal dever não existe. Por um lado sustenta que a patente é direito patrimonial limitado pela sua função social que, sendo embora absoluto, no sentido de que deve ser respeitado por todos (eficácia erga omnes), não tem natureza de direito fundamental equiparável aos “direitos, liberdades e garantias”. Por outro, a lei portuguesa actual (ao contrário do que sucedia no anterior EM) e o ordenamento jurídico comunitário não prevêem nem muito menos impõem que na concessão de AIM sejam tidos em consideração quaisquer direitos de propriedade industrial. Neste contexto o INFARMED não pode actuar como autoridade de fiscalização ou controlo de existência, validade ou influência de patentes no procedimento de AIM, porque apenas lhe cabe sindicar os aspectos do medicamente que possam conflituar com a saúde pública, os quais se encontram legal e taxativamente fixados. A jurisprudência administrativa tem-se dividido quanto a estas questões. Nos tribunais de primeira instância há decisões contraditórias e neste TCA apenas um punhado de acórdãos, entre dezenas já proferidos sobre a questão dos medicamentos genéricos, tem seguido em maior ou menor grau a doutrina resumida em segundo lugar. Na verdade, para a corrente maioritária da jurisprudência deste tribunal, não só o direito de patente é análogo aos direitos, liberdade e garantias, perspectivando-se como fundamental, como na AIM têm de ser considerados eventuais DPI existentes, sob pena de ilegalidade de tal acto administrativo. E nesta perspectiva a referida jurisprudência vislumbra inconstitucionalidade na norma do art.º 25.º, n.º 1, do EM, “por falta de protecção mínima de um direito fundamental, se for interpretada como fixação taxativa dos fundamentos de indeferimento, obrigando o INFARMED a deferir o requerimento e proibindo-o de tomar conhecimento da existência da violação de patente, tal como seria inconstitucional a produção de efeitos contrários à patente.”(2). Para além disso, as relações poligonais ou multipolares que giram em torno da introdução de medicamentos no mercado impõem a presença de todos os interessados no procedimento de AIM, pelo que a falta da sua audição gera a ilegalidade do respectivo acto administrativo. Há quem entenda, porém, que a concessão da AIM permite apenas que o interessado encete os preparativos da comercialização, que só pode iniciar-se quando findar o período de protecção da patente. O Supremo Tribunal Administrativo analisou estas “correntes interpretativas antagónicas”, que em seu entender não devem censuradas em Recurso de Revista cautelar, desde que qualquer delas “apresente base textual e coerência argumentativa, ficando a decisão de semelhante questão jurídica para o lugar e tempo oportuno que é a sentença na acção principal”(3) * A lei define medicamento genérico como sendo o medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, a mesma forma farmacêutica e cuja bioequivalência com o medicamento de referência haja sido demonstrada por estudos de biodisponibilidade apropriados [art.º 3.º, n.º 1, al. nn), do EM]. Identificado pela substância activa e pela sua denominação comum ou designação comum internacional, o genérico tem a grande vantagem de apresentar um custo inferior ao do medicamento de referência, já que nele não se repercutem os custos de pesquisa e desenvolvimento do medicamento original. Sendo o preço um elemento decisivo na competitividade industrial, é fácil perceber que a introdução de genéricos no mercado não é do agrado das grandes empresas farmacêuticas, que despendem anualmente elevadíssimas quantias em inovação e desenvolvimento de medicamentos. Daí que se tenha vindo a assistir em todo o mundo a uma luta entre estas e os produtores de genéricos e muitas vezes entre as mesmas e governos, sobretudo de países que antes de 1994 não concediam patentes a medicamentos (v.g. Argentina, o Brasil, o Chile, Índia, Indonésia, Tailândia, Taiwan, Turquia e a Coreia do Sul). Com o Acordo TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), obtido nesse ano na Uruguay Round, que transformou o General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), na World Trade Organization, foi estabelecido um conjunto mínimo de normas protectoras de propriedade industrial, que não sendo directamente invocáveis perante as jurisdições nacionais, impunham aos países signatários a obrigação de as transpor e adaptar para o direito interno, passando a existir assim um quadro normativo internacional com princípios comuns em matéria de Propriedade Intelectual(4). A duração temporal da protecção das patentes foi estabelecida, no artigo 33.º pelo período de vinte anos, contados a partir da data de depósito ou do pedido. Contudo o Acordo possibilitou aos Estados afrouxar a rigidez desta disposição, tendo em conta as necessidades, designadamente de saúde pública, e as concretas condições vigentes em cada país. Com a Declaração de Doha (2001) foi reafirmada a possibilidade dos Estados protegerem a saúde pública, promovendo o acesso a medicamentos, em particular através de licenças obrigatórias, como sucedeu no Brasil em 2007 com o anti-retroviral Efavirenz. No que concerne à possibilidade de utilização de direitos exclusivos conferidos pela patente, a cláusula 30.º do Acordo TRIPS(5) permite que os Estados consagrem na legislação interna a chamada “cláusula bolar”, ou seja, a possibilidade de realização de testes e ensaios clínicos e, sobretudo, a apresentação de autorizações de introdução no mercado durante o período de vigência da patente. Essa cláusula foi introduzida, implicitamente, no ordenamento jurídico comunitário pela Directiva n.º 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001 (alterada, nomeadamente, pela Directiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004), que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, e onde se afirma que a autorização de introdução no mercado apenas pode ser recusada “pelas razões enumeradas na presente directiva”, entre as quais não se incluiu qualquer consideração de DPI, mas apenas ponderações relacionadas com a saúde pública (cfr. art.º 126.º) Aliás, o considerando 14.º da Directiva 2004/27/CE expressamente refere que dada a importância que os medicamentos genéricos têm no mercado dos medicamentos, “convém, à luz da experiência adquirida, facilitar o seu acesso ao mercado comunitário. Além disso, deverá ser harmonizado o período de protecção de dados respeitante aos ensaios pré-clínicos e clínicos”; A nova redacção dada por essa Directiva ao artigo 10.º, n.º 6, da Directiva n.º 2001/83/CE é elucidativa quanto a esta questão: “A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.os 1, 2, 3 e 4 e os consequentes requisitos práticos não são considerados contrários aos direitos relativos à patente nem aos certificados suplementares de protecção de medicamentos” (negrito nosso), devendo entender-se que a expressão requisitos práticos se refere a todos os actos tendentes a obter uma AIM. No ponto V, n.º 11, da Posição comum (CE) n.º 61/2003, adoptada pelo Conselho em 29 de Setembro de 2003 refere-se que “A alteração 134 relativa à denominada cláusula de tipo "Bolar" sobre protecção de patente foi aceite quanto ao seu princípio, excepto a parte referente a medicamentos para exportação. Em relação à apresentação de pedidos de autorização e à concessão das mesmas, o Conselho considera que estas actividades, sendo de natureza administrativa, não infringem a protecção de patentes. O Conselho e a Comissão sublinharam esta ideia numa declaração conjunta(5). Deste modo, não é necessário ou apropriado incluir estas actividades numa disposição relativa a excepções à protecção de patentes"(6) (negrito nosso). De resto, em Espanha, o legislador da Ley 29/2006, de 26 de julio (Lei do medicamento), que transpôs para o ordenamento jurídico espanhol as Directivas acima referidas, modificou a Lei de Patentes com propósito, expressamente afirmado na exposição de motivos, de introduzir a cláusula Bolar. E em Portugal, embora o legislador português não tenha sido tão assertivo, pode dizer-se que essa regra (cláusula Bolar) está aflorada nos art.os 18.º, n.º 4, e 19.º, n.º 1, e, implicitamente, no art.º 25.º, n.º 1, do EM, considerando neste caso a taxatividade das razões que podem justificar a recusa de AIM, nas quais não se inclui quaisquer considerações de DPI(7). Note-se, alias, que o EM expressamente invoca a transposição do direito comunitário em matéria de medicamentos para uso humano, que além de ser a causa genética do diploma nacional, goza de primazia na sua aplicação e constitui parâmetro incontornável na interpretação do direito interno. Mas onde esta excepção ou clausula Bolar se mostra de modo mais impressivo é na alínea c) do artigo 102.º do Código da Propriedade Industrial (CPI), que apenas impede o inicio da exploração industrial ou comercial dos produtos antes de se verificar a caducidade da patente que os protege. Dir-se-á, portanto, que a lei portuguesa está conforme à legislação comunitária neste domínio e ao Acordo TRIPS já referido, encontrando-se em sintonia com a esmagadora maioria dos restantes ordenamentos jurídicos comunitários e mesmo com os demais a nível mundial. Aliás, porque a interpretação que tem sido acolhida pela jurisprudência maioritária deste Tribunal escapa à consensualidade legislativa e jurisprudencial reinante na Europa, é que a Comissária Europeia da Concorrência, no relatório final do inquérito realizado ao sector farmacêutico da União(8), refere Portugal como um case study, pelos entraves que foram colocados à comercialização de genéricos por parte das empresas de medicamentos originais através de acções, incluindo procedimentos cautelares, que foram intentados nos tribunais administrativos. Argumenta-se contudo, em contrário, com uma suposta afronta das AIM ao DPI e, por via disso, de uma inconstitucionalidade por ofensa a um direito fundamental, visto como direito análogo aos direitos, liberdades e garantias(9). Mas, salvo o devido respeito, nem uma nem outra se verificam. O Conselho e a Comissão da Comunidade Europeia são uníssonos a este respeito: “O Conselho e a Comissão consideram que a apresentação e a subsequente avaliação de um pedido de autorização de introdução no mercado, bem como a concessão de uma autorização, são tidos como actos administrativos e como tal não infringem a protecção das patentes”(10). No voto de vencido aposto pelo relator no Ac. do TCAS n.º 06154/10, de 06-05-2010, argumenta-se que a já referida cláusula ou excepção "Bolar", que visa incrementar a presença de genéricos no mercado e favorecer a competitividade e a saúde publica, permite a apresentação do pedido de AIM de medicamento genérico na vigência da patente, possibilitando a sua comercialização logo que a patente caduque, o que demonstra que a AIM não contende com a patente. Aliás, é o que resulta do art.º 18.º, n.º 4, do EM e é defendido pela doutrina no âmbito do DPI, embora se entenda que a comercialização não possa iniciar-se antes de se verificar a caducidade da patente(11). Se a AIM só pudesse ser concedida depois da patente ter caducado isso significaria que o medicamento genérico só podia ser comercializado em momento posterior. Ora, não é isso que resulta do CPI: o direito de exploração por terceiro de um invento protegido pela patente surge logo que tiver expirado o seu prazo de duração [art.º 37.º, n.º 1, al. a), do CPI], o que aponta para uma exploração imediata, incompatível com um processo administrativo autorizativo que só pudesse iniciar-se a posteriori(12). De facto, a violação de uma patente só se verifica no momento em que a cópia não autorizada do produto protegido é introduzida no mercado. É nesse momento que os direitos económicos e de exclusivo que a patente confere são efectivamente afrontados. Esta afirmação demonstra-se através do princípio do esgotamento das patentes, na maioria dos casos relacionado com importações paralelas de medicamentos, segundo o qual o titular da patente perde o direito a opor-se a posteriores comercializações do produto logo que o coloca no mercado. Isto é, a partir do momento da sua introdução legítima num mercado de determinado país, o produto pode ser comercializado no território de outro país que admita a importação, sem que o titular da patente nesse Estado se possa opor. O que justifica este princípio é a ideia de que o monopólio legalmente atribuído ao titular do direito, até por constituir uma excepção à regra da liberdade do comércio, deverá confinar-se ao mínimo indispensável ao desempenho da respectiva função(13). A ordem jurídica nacional consagra o princípio do esgotamento do direito de patente no art. 103.º do CPI; para além disso permite importações paralelas de medicamentos (cfr. art.os 80.º a 91.º do EM). Esta possibilidade demonstra, por sua vez, que a AIM de um medicamento genérico não pode ser vista como acto violador, ou se se quiser, como acto que autoriza a violação da patente do medicamento de referência. Pense-se na hipótese de um fabricante pedir em Portugal uma AIM para um medicamento genérico. Segundo a jurisprudência maioritária deste tribunal a concessão dessa AIM não seria possível por violação do direito de patente do medicamento de referência. Imagine-se então que o mesmo fabricante obteria uma AIM europeia ou noutro país da União. Assim, pese embora não fosse titular de AIM nacional nem por isso deixaria de poder comercializar o produto através da sua importação paralela! O absurdo desta solução, salvo o devido respeito demonstra a falta de fundamento da tese dominante e a sua desconformidade com o direito nacional e, maxime, com o direito europeu. Concluiu-se, assim, que se o direito de exclusivo se esgota no exacto momento em que o bem é vendido dentro do espaço europeu, então a violação de tal direito de exclusivo só ocorre, em concreto, quando o produto contrafeito ou cópia é introduzido no comércio. E se assim é a questão da inconstitucionalidade torna-se irrelevante, na medida em que no momento da concessão da AIM nenhuma ofensa ao direito da patente se verifica. E mesmo que se verificasse, então haveria que ponderar outras violações de direitos fundamentais, desde logo o direito à saúde de largas camadas da população e a própria sustentabilidade económico-financeira do Estado, que podem ser postos em causa por práticas restritivas da introdução de genéricos no mercado; e nesse contexto afigura-se-nos que a solução para essa colisão de direitos seria a de dar prevalência a estes últimos, designadamente à saúde pública em detrimento dos direitos particulares de natureza económica, do titular da patente (cfr. art.º 335.º, n.º 2, do CC). Tem sido invocado, porém, o argumento do EM impor que o titular do AIM inicia a comercialização no prazo de três anos após a concessão, o que tornaria a AIM numa verdadeira “Imposição de Introdução no Mercado”. Nessa perspectiva a AIM seria manifestamente violadora de DPI se concedida mais de três anos antes da caducidade da patente. Não nos parece correcta esta visão. Em primeiro lugar a AIM não pode ser vista como uma imposição; não passando de uma autorização, como o próprio nome indica, nenhuma obrigação legal impõe ao beneficiário da mesma a introdução inexorável do medicamento no mercado. Em segundo lugar a concessão da AIM não retira ao titular da patente os direitos que lhe assistem em caso de comercialização indevida do medicamento genérico. Em terceiro lugar, iniciado o procedimento de concessão de AIM de tal modo que esta seja concedida antes do inicio do prazo de três anos, recai apenas sobre o seu titular a impossibilidade de comercialização, se outras razões não existirem e que possam ditar solução diferente, designadamente em termos de suspensão desse prazo. Como quer que seja não parece que o argumento tenha consistência tal para, por si mesmo, suportar a construção teórica que dele pretende retirar acrescidas virtualidades. Em face de todo o exposto, pode concluir-se que apenas é exigível que o INFARMED se assegure, na concessão da AIM, de que a comercialização do medicamento se faz em condições que garantam a saúde pública, e sem que essa autorização envolva a apreciação de eventual ofensa a direito de patente ou assegure definitivamente a introdução do medicamento no mercado. Com efeito, outras autorizações são necessárias, desde logo a fixação do PVP, o que prova que a AIM não pode ser encarada como autorização em termos absolutos, na qual se tenham de apreciar todos e quaisquer aspectos ligados à comercialização dos medicamentos. E nesta visão das coisas não está na sua finalidade apreciar eventuais colisões com DPI. Se a AIM fosse susceptível de violar patente farmacêutica, ainda que indirectamente, seria incompreensível a exigência legal de demonstração da bioequivalência (art. 19.º, n.º 1, do EM), que por si só implica a produção, ainda que limitada, do medicamento genérico na vigência da patente. De resto, nem sequer o fabrico do medicamento para aprovisionamento, com o fito da sua comercialização logo que caducada a patente, lesa o DPI do respectivo titular. Deste modo, as alusões ao direitos de propriedade industrial que o EM faz nos seus art.os 18.º, n.º 4, 19.º, n.º 1 e 8, 20.º, n.º 1, constituem meras cláusulas de salvaguarda de tais direitos, não podendo tais normas ser encaradas como impondo uma conduta à Administração em defesa daqueles(14), que para além do mais sempre seria incompatível com o quadro jurídico comunitário. Dessas normas apenas se pode retirar, como corolário, que o beneficiário da AIM não se pode prevalecer desta para se eximir à responsabilidade civil, contra-ordenacional ou mesmo criminal a que a sua conduta dê lugar, expressamente afirmada no art.º 29.º, n.º 1, al. n), do EM. Em resumo, dir-se-á que na nossa perspectiva não só a mera concessão de AIM não ofende os direitos de patente como não cabe ao INFARMED assegurar a inexistência dessa violação. Dito de outro modo, não pode ser considerado parâmetro da aferição de legalidade desse acto administrativo a consideração de quaisquer eventuais DPI nem tão pouco a falta de audiência procedimental de eventuais interessados de pretensas relações poligonais ou multipolares, conexionadas com tal direito. E se para nós assim é face ao direito constituído, então de iure condendo nenhuma dúvida nos fica. Referimo-nos à proposta de Lei n.º 13/XII, votada favoravelmente, em votação global, no passado dia 28 de Outubro. Nessa proposta consagram-se alterações ao EM que, grosso modo, se reconduzem à perspectiva por nós acima traçada. Na exposição de motivos refere-se que “Quanto à concessão da autorização de introdução no mercado, a Comissão, na sequência do anteriormente assumido na Posição Comum n.º 61/2003, recorda que a legislação comunitária que rege o sector farmacêutico não prevê a apresentação de observações por parte de terceiros e, menos ainda, intervenções formais durante a avaliação de um pedido de autorização de entrada no mercado. Além disso, no que diz respeito à fixação dos preços e do regime de reembolso, a Comissão Europeia entende que os Estados-Membros não devem aceitar observações de terceiros em que sejam levantadas questões relacionadas com as patentes”. E acrescenta: “Por outro lado, e tendo em conta que a jurisprudência nacional vem entendendo que os direitos de propriedade industrial podem ser afectados pela concessão das autorizações de introdução no mercado, do preço de venda ao público e da comparticipação do Estado no preço dos medicamentos, estabelece-se a compatibilização que se considera adequada desses direitos com outros de idêntica relevância, como é o caso do direito à saúde e ao acesso a medicamentos a custos comportáveis, bem como dos direitos dos consumidores. Assim, e indo também ao encontro das recomendações da Comissão Europeia, prevê-se expressamente que a concessão das referidas autorizações não depende da apreciação, pelas entidades administrativas competentes, da eventual existência de direitos de propriedade industrial. Subsequentemente, estabelece-se, ainda, que os pedidos de autorização não possam ser indeferidos com esse fundamento e que as mesmas autorizações não podem ser alteradas, suspensas ou revogadas, pelas respectivas entidades emitentes, com base na subsistência desses direitos”. Na alteração proposta ao art.º 19.º, é modificado o número 7, nestes termos: “A realização dos estudos e ensaios necessários à aplicação dos n.ºs 1 a 6, e as exigências práticas daí decorrentes, incluindo a correspondente concessão de autorização prevista no artigo 14.º, não são contrárias aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos”. E a redacção proposta para o art.º 25.º, n.º 2, é esta: “O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º”. É referido ainda, no n.º 1 do art.º 9.º, sob a epígrafe “Disposições transitórias”, que “a redacção dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa”. Como todas as considerações acima expendida valem tanto para as AIM como para a fixação de PVP, dir-se-á, para rematar, que nenhuma ilegalidade se vislumbra nos actos cuja suspensão se requer, claudicando as conclusões formuladas pela recorrente C..., com especial destaque para a 23.ª, que além de ser intrinsecamente irrazoável e infundada juridicamente, face a todo o expendido não merece qualquer outra refutação, e para demais onde se suscitam questões sobre a matéria de facto, cuja ampliação ou reformulação nenhuma virtualidade teriam na modificação da decisão. E deste modo, não tendo sido arguidas ilegalidades relacionadas com considerações de eficácia, qualidade e segurança dos medicamentos, que coloquem em causa a protecção da saúde pública, tem de concluir-se que o acto suspendendo é perfeitamente legal e, concomitantemente, manifestamente ilegais e com evidente falta de fundamento, as pretensões formuladas pela requerente. Isto é, constata-se a existência de patente fumus malus iuris que funciona como fundamento da recusa da providência requerida e dispensa a averiguação dos demais requisitos (periculum in mora e ponderação de interesses), que sempre se adianta não existirem. O primeiro porque, pelas razões sobejamente explanadas, não existe qualquer perigo patrimonial para a requerente, decorrente directamente da AIM, perigo esse que só se concretizaria com a introdução do medicamento genérico no mercado, facto que nem sequer pode ser encarado como uma agressão ao direito de exclusivo que a patente confere, pois como já se salientou nada impede eventual importação paralela. A ponderação de interesses, a ser feita só poderia pender para o interesse público, face ao valor absoluto da saúde pública na colisão com os direitos de natureza económica da requerente. Resumindo, para concluir: ¾ O recurso da decisão que rejeita uma providência cautelar tem efeito suspensivo; ¾ Na concessão de AIM a medicamento genérico o INFARMED não tem nenhum dever legalmente imposto de apreciar eventuais violações da patente do medicamento de referência; ¾ Nem esse dever resulta do Estatuto do Medicamento, que apenas exige que na AIM o INFARMED acautele a saúde pública, garantindo a qualidade, eficácia e segurança do medicamento genérico; ¾ Nem muito menos do ordenamento jurídico comunitário, que claramente rejeita a hipótese de, na concessão de AIM a medicamento genérico, as autoridades nacionais fiscalizarem ou verificarem a existência de patentes válidas. ¾ O art.º 25.º, n.º 1, do EM, olvida qualquer referência aos direitos de propriedade industrial na concessão de AIM a medicamento genérico, o que não sucedia com o diploma anterior, omissão que concretiza o regime das Directivas que transpôs, as quais não incluem essa questão nos fundamentos taxativos de recusa de AIM; ¾ Aliás, nem o legislador nacional tinha qualquer liberdade de conformação neste domínio, nem o intérprete na aplicação da lei pode interpretá-la em sentido diverso, sob pena de por em causa a primazia do Direito Comunitário, a sua natureza interpretativa e o efeito vertical directo das Directivas; ¾ Tanto mais que não existem quaisquer inconstitucionalidades por violação do direito da patente, que embora seja absoluto no sentido de que deve ser observado por todos (eficácia erga omnes), sofre as limitações que são admissíveis para o direito de propriedade, em razão da sua função social; ¾ Em qualquer caso, os direitos económicos de exploração da patente e da exclusividade devem ceder numa colisão com o direito fundamental à saúde pública, que pode ser posta em causa por práticas restritivas da entrada de medicamentos genéricos no mercado. ¾ É por isso ilegítimo impedir actos preparatórios de futura comercialização de medicamento genérico, nos quais se incluem as AIM, os quais estão em consonância, quer com o direito interno, quer com o direito europeu e internacional. Concluindo: É de confirmar a sentença recorrida, ainda que por fundamento diferentes. * III - Dispositivo Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida. Custas pela recorrente C.... Lisboa, 2011-11-09 ________________ Benjamim Barbosa (Relator por vencimento) ________________ Sofia David ________________ Teresa de Sousa, vencida, porquanto, sufragando a jurisprudência amplamente maioritária deste Tribunal, no que concerne à obrigatoriedade do INFARMED sindicar na concessão das AIM a medicamentos genéricos eventuais direitos relativos à patente do medicamento de referência, teria anulado a sentença recorrida e ordenado a baixa dos autos ao TAC de Lisboa para realização de julgamento de facto, com esta fundamentação: “Nas conclusões das presentes alegações de recurso vem a Recorrente requerer a ampliação da matéria de facto, dando-se como provado o alegado nos artigos 40º a 42º, 44º e 80º do requerimento inicial. Mais imputa à sentença recorrida a violação dos arts. 98.º do CPI, 511.º do CPC, 563.º do Código Civil, artigos 112.º e 120.º n.° 1 a) e b) do CPTA, artigos 133.º n.º 2 c) e d) do CPA e artigos 17.º, 18.º, 62.º e 266.º da Constituição. A sentença recorrida decidiu não conceder as providências cautelares de suspensão de eficácia das AIM’s concedidas pelo INFARMED e dos actos de aprovação de PVP que a DGAE concedeu à CI enquanto a Patente e o respectivo CCP estiverem em vigor, relativamente aos medicamentos acima referidos. Para tanto considerou-se na sentença recorrida não estar verificada a previsão da al. a) do nº 1 do art. 120º do CPTA e não poder ter-se por verificado o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado e da produção de prejuízos de difícil reparação, ou seja, o requisito periculum in mora tal como exigido na al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA. Começaremos por analisar as questões que a Recorrente suscita quanto à matéria de facto, visto tal matéria ter precedência sobre as outras questões invocadas, podendo influenciar ou mesmo determinar a solução do presente recurso. No presente recurso invocou a Recorrente que a sentença não deu como provados factos por si alegado no requerimento inicial, com relevância para a decisão, a saber: - “A PT 99213 reclama a prioridade das patentes US 596887 de 12 de Outubro de 1990 e US 74188 de 8 de Agosto de 1991” - art. 40º; - “De acordo com a enciclopédia clássica “The Meck Index” as primeiras referências ao Montelucaste são a EP 480717 (doc. 2) e a sua patente US 55565473 (doc 3)” – art. 41º; - “Assim, à data do pedido da PT 99213 (11 de Outubro de 1991) e da prioridade nela reivindicada, o Montelucaste nunca tinha sido revelado de forma a ser explorado por peritos na matéria, nem tinha sido revelado o uso do processo que é mencionado na PT 99213 para obter esse produto” – art. 42º; - “Como resulta do certificado junto como doc. 1, o CCP 35 de que a Requerente é titular foi concedido por referência ao produto desta contendo o Montelucaste Sódico, como substância activa, com o nome comercial de SINGULAIR e SINGULAIR JUNIOR, estendendo o período de protecção da PT 99213 para qualquer produto contendo o Montelucaste Sódico como princípio activo até 18 de Agosto de 2014” – art. 44º; - “Os genéricos Montelucaste são produzidos de acordo com o processo descrito nas reivindicações 1.ª a 12.ª da PT 99213, (…)” – art. 80º. No entanto, a CI contesta estes factos dizendo que os medicamentos em causa não violam a patente da aqui Recorrente, alegando, nomeadamente, que utiliza um processo de preparação completamente diferente daquele que se encontra patenteado – cfr. oposição. A sentença recorrida não ignorou a alegação pelas partes destes factos, tendo, no entanto, considerado que tal matéria não é da competência dos tribunais administrativos (cfr. fls. 8 da sentença, ao pronunciar-se sobre a competência dos tribunais administrativos). É certo que os Tribunais Administrativos não são competentes para averiguar se existe ou não infracção à patente aqui em causa, pelos medicamentos da CI, sendo competente o Tribunal do Comércio de Lisboa (cfr. art. 89º, nº 1, als. f) e h) da LOFTJ). No entanto, se para o julgamento desta providência, o Tribunal tiver que conhecer de questões jurídicas que englobem apreciação de direitos emergentes de patentes, ele terá poderes para o fazer, ainda que de forma sumária (como impõe a cognição aqui em causa). É que, sendo requisitos indispensáveis e cumulativos para a concessão da providência (aqui) conservatória (cfr. art. 120º, nº 1, al. b) do CPTA), o fumus boni iuris e o periculum in mora, se para se determinar da respectiva verificação for necessário produzir a prova indicada pelas partes, procedendo ao julgamento da matéria de facto (e não de matéria alegada meramente hipotética ou conclusiva), não pode o tribunal dispensá-la (cfr. art. 118, nº 3 do CPTA). Ora, no caso presente mostra-se indispensável para a apreciação do requisito do periculum in mora, a produção de prova testemunhal com vista a apurar se os medicamentos aqui em causa são susceptíveis de violar, ou não, a patente e suas reivindicações. É que a comprovar-se, como alega a CI, que o processo de preparação utilizado nos medicamentos aqui em causa é completamente diferente daquele que se encontra patenteado não poderão resultar para a aqui Recorrente os prejuízos que invoca (inexistindo também o fumus - cfr. art. 98º do CPI). Prevê o art. 712º, nº 4 do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA, o seguinte: “Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n.º 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida em 1ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta;(…).” No presente caso, como já vimos, o Tribunal recorrido omitiu o julgamento da matéria de facto em discussão, não sendo, assim, possível a este Tribunal proceder ao reexame de tal matéria em sede do presente recurso jurisdicional. Assim, estando-se perante a previsão do citado nº 4 do art. 712º do CPC, há que anular a decisão recorrida e ordenar a baixa à 1ª instância para aí ser efectivado o julgamento de facto, com a produção de prova requerida pelas partes, ficando prejudicado o conhecimento da restante matéria do recurso”. 1- Cf. VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos, A protecção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização de comercialização de medicamentos, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 138º, Nov/Dez 2008, n.º3953, p.70 e ss. 2- Cf. Ac. do TCAS n.º 067797/10, de 04.11.2010 (Cristina Santos); no mesmo sentido Ac. n.º 07302/11, de 01.06.2011 (Paulo Pereira Gouveia), disponíveis in www.dgsi.pt. 3- Ac. n.º 028/09, de 22-01-2009 (Cons. Rosendo José) e Ac. n.º 0177/09, de 04-03-2009 (Cons. Rosendo José), disponíveis in www.dgsi.pt. 4- FAUSTO DE QUADROS, O carácter selfexecuting de disposições de tratados internacionais. O caso concreto do Acordo TRIPS, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, Ano 61, 2001, págs. 1268 a 1312 5- Article 30.º: Exceptions to Rights Conferred Members may provide limited exceptions to the exclusive rights conferred by a patent, provided that such exceptions do not unreasonably conflict with a normal exploitation of the patent and do not unreasonably prejudice the legitimate interests of the patent owner, taking account of the legitimate interests of third parties. 6- Jornal Oficial nº C 297 E de 09/12/2003 p. 0041 - 0071 7- COUTO GONÇALVES, Luis M., Manual de Direito Industrial, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2008, p. 127, nota 234, escreve o seguinte: "De acordo com o art.º 10.º n.º 6 da Directiva 2004/27/CE de 31/3/2004 (JO-L 136 de 30/4/2004, p. 34), transposta pelo DL 176/2006, de 30/8 ("Estatuto do Medicamento"), que altera a Directiva 2001/83/CE que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, consagra-se a chamada excepção bolar segundo a qual a realização dos actos necessários para obter a autorização de comercialização de um medicamento genérico e os consequentes requisitos práticos não se consideram contrários ao direito de patentes nem aos certificados complementares de protecção dos medicamentos". Um afloramento dessa excepção no direito interno pode ver-se no citado art.º 18.º, n.º 4, e no art.º 19.º, n.º 8, do Estatuto do Medicamento. Esta foi, também, a opinião veiculada na Newsletter de Novembro de 2006 da Vieira de Almeida & Associados, Sociedade de Advogados, em texto da autoria da Dra. Leonor Pimenta Pissarra, no qual textualmente se refere que o novo EM introduziu no ordenamento jurídico nacional a cláusula Bolar. (disponível em http://www.vda.pt/xms/files/Newsletters/NewsLetterGeralNovembro.pdf [em linha]. [cons. 08-11-2011]. 8- Inhttp://ec.europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/communication_pt.pdf [em linha]. [cons. em 08-11-2011]. 9- Em nossa opinião o direito de propriedade industrial não é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, precisamente porque se trata de um direito de propriedade especial limitado pela sua função social. Neste sentido e fazendo uma resenha sobre as posições doutrinais e jurisprudenciais sobre esta questão, vd. COUTO GONÇALVES, Luis M., ob. cit., pp. 38 e ss.. 10- Cf. Jornal Oficial nº C 297 E de 09/12/2003 p. 0041 - 0071 11- COUTO GONÇALVES, Luis M. ob. e loc. cit.. 12- A Organização Mundial de Comércio defende, no documento Canada – Patent Protection Of Pharmaceutical Products, disponível in: http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/7428d.doc [em linha].[cons. 27-04-2010], que a AIM não conflitua com a patente do medicamento de referência quando se destina permitir que o medicamento genérico esteja apto a ser comercializado logo que aquela caduque. 13- Cf. Pedro Sousa e Silva, O “esgotamento” do direito e as “importações paralelas”, Desenvolvimentos recentes da jurisprudência comunitária e nacional, disponível em: http://www.ptcs.pt/resources/pdfs/PSS_O_esgotamento_do_direito_e_as_importacoes_paralelas.pdfhttp://www.ptcs.pt/resources/pdfs/PSS_O_esgotamento_do_direito_e_as_importacoes_paralelas.pdfhttp://www.apdi.pt/APDI/DOUTRINA/O%20esgotamento%20do%20direito%20e%20as%20importa%C3%A7%C3%B5es%20paralelas.pdf. [cons. em 08-11-2011]. 14- Na esteira do disposto no art.º 14.º, n.º 11, e art.º 15.º do Regulamento (CE) n.º 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004.

© 2024 Apura. Todos os direitos reservados.
Termos e Condições
Política de Privacidade