Apura logo

Acórdão TR Lisboa de 2023-07-13

4592/18.0T9LSB.L3-5

TribunalTribunal da Relação de Lisboa
Processo4592/18.0T9LSB.L3-5
RelatorIsilda Pinho
DescritoresLiberdade de Expressão, Liberdade de Opinião, Liberdade de Informação, Liberdade de Imprensa, Crime de Difamação Agravado
Nº do DocumentoRL
Data do Acordão2023-07-13
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualRECURSO PENAL
DecisãoImprocedente

Sumário

I. Da conjugação do disposto nos n.ºs 1, 2 e 3, do artigo 37.º e nos n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c) do artigo 38.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, decorre a ideia de que nas sociedades democráticas, como a nossa, existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos, sem esquecer, porém, que o direito à liberdade de expressão e crítica tem limites, como decorre do n.º 3 do referido artigo 37.º da CRP e do artigo 10º da CEDH. II. Em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível. III. É inegável que a liberdade de expressão do pensamento envolve o direito de opinião e de crítica, essencial à prática da democracia, porém não é menos verdade que não constitui um direito ilimitado, podendo, em caso de excesso, ser considerado injurioso. IV. É o próprio exercício do direito de informação, através da função da imprensa e esta através da sua atividade dirigida à formação da opinião pública, que há de valer como justificação jurídico-penal de quaisquer ofensa à honra que aquele traga consigo. Porém, para se ter por verificada essa justificação, importa, desde logo, que a ofensa à honra cometida se revele como meio adequado e razoável de cumprimento de função pública de imprensa. V. A liberdade de informar não estará comprometida se o emitente da informação direcionar o seu caminho apenas nesse sentido - o da informação - e não à custa da ofensa de direitos de terceiros, como o são o bom nome e a reputação de uma pessoa, constitucionalmente consagrados [no artigo 26.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa], a par do direito de informação e de liberdade de expressão.  VI. O jornalista pode elaborar reportagens e veiculá-las através dos órgãos de comunicação social, quando estas abordem temas de interesse público, pode dar voz àqueles que não a têm, pode direcionar a linha do seu trabalho e publicá-lo da forma que se lhe afigure ser a melhor, mas já não pode é fazê-lo com insinuações que levantem suspeitas sobre a integridade da honra de terceiros, que sabe serem infundadas e com as quais o visado não foi contraditado. [sumário elaborado pela relatora]


Texto Integral

Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I-RELATÓRIO I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 4592/18.0T9LSB que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, em 29 de novembro de 2022, foi proferida sentença, no que agora interessa, com o seguinte dispositivo [transcrição]: “III. Decisão Pelo exposto, decide-se julgar a pronuncia procedente por provada e, em consequência: a) Condenar o arguido AA pela pratica de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º, 183º, nº1, als. a) e b) e nº2, ambos do Código Penal e artigo 71º, nº1 da Lei nº 27/2007, de 30.07, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros) a que correspondem 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária; b) Condenar a arguida BB pela pratica de um crime difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º, 183º, nº1, als. a) e b) e nº2, ambos do Código Penal e artigo 71º, nº1 da Lei nº 27/2007, de 30.07, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de €8,00 (oito euros) a que correspondem 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária; (…) c) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante CC e, em consequência, condenam-se os arguidos/demandados a pagar-lhe a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais; (…)”. » I.2 Recurso da decisão Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os arguidos AA e BB para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraíram as seguintes conclusões [transcrição]: Recurso do arguido AA: “VII. CONCLUSÕES A. O presente recurso tem como objecto quer a matéria de facto, quer a matéria de direito, constantes da sentença proferida nos presentes autos. B. A sentença recorrida viola normas de direito constitucional interno e de direito internacional, assumindo ainda uma posição antagónica em relação à maioria da jurisprudência nacional. C. O Tribunal a quo não procedeu ao exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento, limitando-se a certificar, quase de forma notarial, a posição assumida pelo Assistente na sua acusação particular. D. O Tribunal a quo, mesmo tendo redigido uma extensa prosa denominada “motivação da decisão de facto”, furtou-se à indicação das provas que concretamente relevaram para convicção do tribunal quanto a cada um dos pontos julgados como provados. E. Tal omissão consubstancia uma nulidade de sentença nos termos do n.º 1, alínea a), do artigo 379.º do CPP, por ausência das indicações exigidas pelo n.º 2 do artigo 374.º do mesmo Código. F. Por manifesta inexistência de prova, por irrelevância para a decisão da causa ou até por prova do contrário ao que neles consta, tal como detalhadamente explicado nestas alegações, devem ser eliminados do elenco de factos provados os pontos 10, 11, 15 a 17, 19 a 25, 26 (mantendo-se apenas a parcela até aos vocábulos “assim passando”), 27 a 31 e 37 a 40, que devem passar a ser considerados como “não provados”. G. O Tribunal a quo rejeitou pura e simplesmente a existência de interesse público na peça jornalística em causa, o que constitui um erro manifesto na interpretação da realidade e de toda a prova produzida. H. Bastando quanto a esta questão constatar que a testemunha António Filipe, deputado à data da reportagem, testemunhou no sentido de que a reportagem foi determinante para a iniciativa legislativa que se viria a traduzir na Lei n.º 39/2019, de 18 de Junho. I. A sentença recorrida tenta até impor ao trabalho jornalístico um “contéudo mínimo obrigatório” bem como um rigor científico, académico e/ou judiciário, que nenhum tribunal poderá impor a uma imprensa que seja verdadeiramente livre. J. Efectivamente, e como anteriormente se referiu, a reportagem em causa nos presentes autos debruça-se sobre uma matéria de relevante interesse público. K. Por um lado, trata de uma matéria de suma importância como e o da arquitectura do sistema de retirada de crianças às suas famílias, e por outro porque levanta questões que o legislador nacional sentiu efectivamente à necessidade de acautelar após a emissão da reportagem. L. O Arguido limitou-se a “dar voz” a diversas sensibilidades da sociedade portuguesa entre as quais se encontravam personalidades de reconhecido mérito na área da protecção de menores, e pessoas que se sentiram afectadas pela forma como o sistema de retirada se encontra actualmente alicerçado. M. A manifesta falta de sentido crítico na tomada de decisão acabou por se materializar numa flagrante violação dos direitos constitucionalmente garantidos do Arguido AA. N. Efectivamente a sentença recorrida não efectuou a ponderação dos valores em causa na reportagem (confronto entre os direitos à liberdade de opinião e direito à liberdade de imprensa com o direito à honra) tendo-se furtado à realização dos testes que em linha com a jurisprudência do TEDH devem ser ultrapassados para que se imponham restrições à liberdade de expressão nos termos do artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O. Em matéria de restrições, o critério já consolidado pelo TEDH e que o STJ no seu aresto de 13-07-2017, no âmbito do processo n.º 1405/07.1TCSNT.L1.S1 entende que deve ser seguido pelos tribunais nacionais para verificar a sua admissibilidade é o teste de “necessidade numa sociedade democrática” que exige que o Tribunal determine se a “interferência” na liberdade de expressão corresponde a uma “necessidade social premente”, se e proporcional ao objectivo legítimo perseguido. P. Assim, para além de violar os direitos constitucionalmente positivados no n.º 1 do artigo 37.º de exprimir e divulgar livremente pensamentos através de palavras ou imagem, do direito de se informar e ser informado sem impedimentos nem discriminações e a garantia da liberdade de expressão e criação dos jornalistas, prevista nos ns.º 1 e 2 do artigo 38.º da Lei Fundamental Portuguesa, viola ainda ao artigo 19.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigo 10.º da CEHD, direitos provenientes de instrumentos de direito internacional a que o Estado português se encontra vinculado. Q. Mesmo que se concluísse que a conduta do Arguido fosse difamatória, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 180.º do Código Penal, encontraria aplicabilidade ao caso concreto a causa de exclusão  da ilicitude prevista no n.º 2 do mesmo artigo, pois que os factos relatados pelo Arguido se revelaram todos verdadeiros. R. O crime de difamação não é punível por negligência, pelo que, na ausência da prova de qualquer intencionalidade por parte do Arguido, este deve ser absolvido, sob pena de violação do disposto nos artigos 13.º e 180.º do Código Penal. S. O critério normativo adoptado pelo Tribunal a quo na sentença ora recorrida é manifestamente inconstitucional, por impor ao Arguido o ónus de prova da veracidade dos factos e opiniões que lhe são transmitidos por terceiros, critério normativo este violador da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e da presunção de inocência, direitos fundamentais constitucionalmente garantidos. T. Admitir esta interpretação da lei conduzirá consequentemente a que os jornalistas deixem de colher opiniões incómodas, desagradáveis a quem exerce funções de poder ou simplesmente controversas, por receio de sanções penais, o que viola o direito a informar e ser informado. U. A sentença viola assim as normas contidas nos artigos 32.º, n.º 2, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa. V. Concluindo-se pela inexistência de ilícito criminal, há que concluir também pela não verificação dos requisitos da responsabilidade civil: no caso presente, não se verifica ilicitude na conduta do Arguido, nem nexo de causalidade com os alegados danos, pelo que o pedido de indemnização deve ser considerado totalmente improcedente. W. Acresce que, ainda que se concluísse pela procedência do mesmo, o pagamento em que o Arguido foi condenado viola o disposto no artigo 609.º do Código de Processo Civil, pois o pedido de indemnização formulado pelo Assistente atingia o valor de apenas € 5.120,00, não podendo assim a condenação exceder tal montante. X. Por último quanto ao pedido de indemnização civil, há ainda que assinalar que a decisão recorrida padece de nulidade por violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, na medida em que a sentença omite absolutamente a fundamentação do valor arbitrado, não  indicando de qualquer forma os factores do caso concreto que foram tidos em conta para a determinação do montante da condenação. Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. suprirão, requer-se que o presente recurso seja declarado procedente, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se o Arguido quer do crime que lhe é imputado, quer da condenação em indemnização civil.”. » Recurso da arguida BB: “(…) 2. CONCLUSÕES I. Em sede de audiência de julgamento, foi levantada a questão da (falta de) consciência da ilicitude – questão que o Tribunal a quo não conheceu e sobre a qual não se pronunciou autónoma e expressamente. II. Ao não o ter feito, o Tribunal a quo absteve-se de apreciar factos relevantes para a exclusão da responsabilidade criminal da Recorrente, violando, assim, o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que fere a sentença de nulidade por omissão de pronúncia – nulidade que ora se argui. III. Não é possível compreender quais os concretos meios de prova que serviram para o Tribunal a quo formar a sua convicção, em geral, nem quanto à Recorrente, em particular, no que se refere aos factos provados números 28, 29, 31 e 38. IV. A isto acresce que o Tribunal a quo não procedeu ao exame crítico da prova produzida em audiência de julgamento. V. A indicação dos meios de prova que fundamentaram a decisão quanto à matéria de facto e a análise crítica da prova são obrigatórios ao abrigo do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP. VI. A falta de tais elementos resulta na falta de fundamentação da sentença recorrida, o que determina a sua nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP – nulidade que ora se invoca. VII. O facto provado n.º 7 é contraditório com os factos provados números 28, 29, 31 e 38. VIII. O mero visionamento da versão final da reportagem (cfr. facto provado n.º 7) é incompatível, segundo as regras da experiência comum, com a ação e intenção descritas nos factos provados números 28, 29, 31 e 38, que (pres)supõem uma participação ativa na elaboração da reportagem (incluindo na fase de investigação e realização de entrevistas e na fase de edição da reportagem). IX. Da prova produzida resulta insuficiência para a matéria de facto dada como provada quanto à Recorrente, nomeadamente no que respeita aos factos provados números 28, 29, 31 e 38. X. No facto provado n.º 7 não se diz “elaborou” (vocábulo que seria concordante com os factos provados números 28 e 29), mas antes “teve conhecimento” – o que é compatível com o que a Recorrente sempre afirmou (e que, aliás, o Tribunal reconhece em sede de fundamentação): não participou na elaboração da reportagem nem contribuiu para a mesma, tendo visionado a peça já editada antes da sua emissão. XI. Resulta da prova produzida em audiência que a reportagem foi elaborada pelo jornalista AA, não tendo BB tido qualquer tipo de intervenção na sua elaboração. XII. Não foi produzida prova que permita concluir que BB teve acesso, antes da edição da reportagem, aos elementos recolhidos pelo seu autor. XIII. BB não tinha o domínio do facto, no sentido de que não dispunha de elementos que permitissem concluir que as informações veiculadas na reportagem não eram verdadeiras (no que não se concede). XIV. Nem podia, por não ter participado na realização da entrevista e por não ter sido a Recorrente a definir o fio condutor da reportagem (que foi, necessariamente, definido pelo seu autor, em cujo trabalho a Recorrente não tinha qualquer motivo ou justificação para interferir), “garantir ao assistente a possibilidade de se pronunciar sobre aquele que seria o núcleo essencial da reportagem emitida” (cfr. facto provado n.º 29). XV. O autor da reportagem não solicitou a contribuição da Recorrente durante a elaboração da peça jornalística em crise, pelo que BB não teve qualquer intervenção em momento prévio à emissão da reportagem. XVI. Não tendo tido qualquer participação ativa na elaboração da reportagem, não tendo realizado, designadamente, a entrevista ao assistente, BB não podia, de facto, “garantir que o assistente teve a oportunidade de se pronunciar sobre o núcleo essencial da reportagem”. XVII. Ao que acresce que a Recorrente não dispunha de, nem resultam da reportagem, elementos que permitissem, sequer, questionar a veracidade das informações aí veiculadas. XVIII. Aquando do visionamento da reportagem no seu formato final, a Recorrente limitou-se a avaliar se a mesma estava bem feita no plano da deontologia profissional e do relato dos factos, tendo ficado com a perceção de que se tratava de uma reportagem isenta, objetiva e bem elaborada – perceção que foi, também, a perceção de ... (jornalista e Diretor-Adjunto de Informação à data da emissão da reportagem) e de ... (jornalista). XIX. Consequentemente, deverá o elenco de factos provados ser alterado, devendo os factos provados números 28 e 29 ser dados como não provados, nos seus exatos termos. XX. Para que a Recorrente tivesse “intencionalmente querido gerar” junto dos espetadores qualquer ideia, nomeadamente a referida no facto provado n.º 31, era necessário que tivesse tido intervenção na reportagem – o que, como resulta da prova produzida em audiência de julgamento, não sucedeu –, ou, em alternativa, que a insinuação de excessividade dos montantes pagos às instituições de acolhimento resultasse de forma objetiva da reportagem – o que também não se verifica. XXI. Inexiste prova que sustente a afirmação de que a Recorrente teve a intenção de fazer qualquer tipo de insinuação. XXII. Pelo exposto, deve o elenco de factos provados ser alterado, devendo o facto provado n.º 31 ser dado como não provado, nos seus exatos termos. XXIII. Inexistem, nos autos, elementos probatórios que permitam que se afirme que a Recorrente atuou «de modo livre, consciente e voluntário», com o intuito de ofender o assistente (cfr. facto provado n.º 38). XXIV. É natural que as pessoas mais ligadas ao assistente se tenham solidarizado com este após emissão da reportagem, sendo certo que pessoas diferentes colocadas em circunstâncias diferentes podem fazer leituras distintas da mesma informação. XXV. Não se pode excluir que terceiros não relacionados com o assistente ou com os demais visados na reportagem (em particular, com a Crescer Ser, instituição a que o assistente presidiu durante largos anos) não tenham formado uma opinião negativa sobre o assistente. XXVI. Resultou da prova produzida nos autos que apenas as pessoas ligadas ao assistente ou pessoas que trabalham no setor social se sentiram incomodadas. XXVII. Inexistem, nos autos, elementos de onde se possa extrair qualquer elemento volitivo quanto a BB. XXVIII. Poderá, até, dizer-se que, de toda a prova produzida nos autos, resulta exatamente o inverso: o de que não pretendeu causar qualquer dano ao assistente, nomeadamente à sua honra. XXIX. Pelo exposto, deve o elenco de factos provados ser alterado, devendo o facto provado n.º 38 ser dado como não provado, nos seus exatos termos. XXX. Da sentença não resulta imputada à Recorrente nenhuma conduta que preencha o tipo criminal da difamação, nunca se afirmando que a Recorrente imputou factos, ou formulou juízos ofensivos da honra e consideração do assistente, dirigindo-se a terceiros – nem assim poderia ser, uma vez que resulta da prova constante dos autos que a Recorrente não teve qualquer participação na reportagem. XXXI. Na reportagem não são imputados ao assistente, mesmo sob a forma de suspeita, quaisquer factos nem são formulados sobre si juízos ofensivos da sua honra ou consideração, porquanto, como já se referiu, a reportagem é uma mera narração de factos objetivos devidamente sustentados – o que resulta dos depoimentos de ... e de .... XXXII. Da reportagem decorre que há um denominador comum na maior parte das situações de residencialização: a pobreza – o que corresponde ao sentimento de quem trabalha com as famílias a quem são impostas as medidas de residencialização, em especial, de quem acompanha os pais ou cuidadores das crianças institucionalizadas. XXXIII. É manifestamente falso que a reportagem tenha sido «construída e apresentada, por conjugação selecionada de perguntas e respostas e imagens projectadas de modo a ser apta a lançar a suspeita, sob forma de insinuação» sobre o assistente e a CrescerSer (cfr. facto provado n.º 9). XXXIV. Da reportagem não resulta que o assistente teve interferência nos processos que culminaram na determinação da medida de acolhimento residencial quanto às crianças e jovens que se encontram institucionalizados na CrescerSer, como não resulta (nem é, sequer, insinuado) que atuou em prejuízo das famílias a quem as crianças foram retiradas. XXXV. A reportagem não é, em caso algum, suscetível de ofender a honra e o bom nome do assistente, desde logo porque não são relatados quaisquer factos inverídicos a seu respeito. XXXVI. É evidente o interesse do público (enquanto apelo informativo), mas também o interesse público (enquanto dever de informar), do tema abordado na reportagem. XXXVII. A reportagem ateve-se a factos com relevância social e que o seu autor contactou e recolheu elementos através de várias fontes, que se apresentaram como sendo credíveis – elementos que permitiram «testar e controlar a veracidade dos factos» relatados na reportagem. XXXVIII. As declarações do assistente emitidas na reportagem não desvirtuam o contexto em que as mesmas foram proferidas durante a entrevista, que se encontra, tal como a reportagem, disponível para visualização por qualquer pessoa. XXXIX. Resulta da prova produzida em audiência de julgamento que a reportagem não teve o impacto pretendido pelo assistente, não resultando da mesma qualquer suspeita ou insinuação sobre a pessoa do assistente ou sobre a sua alegada intervenção nas decisões de residencialização de crianças. XL. Nem resulta qualquer insinuação de que os montantes pagos pela Segurança Social às instituições que acolhem crianças cuja institucionalização foi determinada são excessivos ou que as instituições que recebem as crianças retiram alguma vantagem pecuniária da sua institucionalização. XLI. Quanto ao conflito de interesses, a reportagem limita-se a suscitar a questão de forma objetiva – questão com a qual já não era a primeira vez que o assistente era confrontado. XLII. A reportagem em crise nos autos foi uma das primeiras peças jornalísticas a levantar a questão do conflito de interesses relativamente à acumulação de funções neste setor, tendo dado o mote para o início do processo legislativo que culminou com a aprovação da Lei n.º 39/2019, de 18 de junho. XLIII. Decorre da prova produzida em audiência que: a. A reportagem não constitui imputação de factos (ainda que sob a forma de suspeita ou insinuação) nem formulação de quaisquer juízos de valor quanto ao assistente; b. A reportagem é um relato objetivo de situações de retirada de crianças a familiares, não havendo qualquer insinuação de que o assistente teve intervenção nas decisões de retirada e ou de institucionalização; c. Existia um sentimento social no sentido da existência de conflito de interesses relacionado com a acumulação de cargos neste domínio; d. Existe um sentimento social de desajustamento dos valores pagos às famílias a título de apoio e dos valores atribuídos às instituições onde são acolhidas as crianças cuja retirada foi determinada pelas autoridades competentes. XLIV. Pelo que devem ser dados como não provados, nos seus exatos termos, os factos provados números 9, 10, 15, 16, 17, 19 a 22 e 24. XLV. A decisão condenatória proferida pelo Tribunal a quo, e de que ora se recorre, representa uma restrição inadmissível da liberdade de expressão da Recorrente, violando, assim, o artigo 10.º, n.º 2, da CEDH. XLVI. A Recorrente, a ter atuado – o que, sem conceder, se concebe por mera cautela de patrocínio –, atuou com falta de consciência da ilicitude. XLVII. Não era, em concreto, exigível à Recorrente que adotasse comportamento distinto do adotado, isto é, que tivesse impedido a emissão da reportagem – como não seria exigível a outra pessoa, nomeadamente, outro jornalista, que o impedisse se colocado na posição de BB. XLVIII. Se um jurista (rectius, um juiz) entende que a reportagem não é ofensiva da honra do assistente e que, por essa razão, não reclama tutela penal – como sucedeu nos presentes autos –, não era exigível que a Recorrente fizesse um juízo distinto da reportagem «Quanto Custa Criar». XLIX. Nem se venha dizer que a Recorrente teria domínio negativo do facto, ou seja, não cumpriu o dever de não emitir a reportagem por a mesma consubstanciar a prática de um ato ilícito. L. O dever de agir só surge quando à consciência da ilicitude do facto. LI. Ainda que se concluísse pela ilicitude da reportagem, como facto base, tal ilicitude não é evidente – o que decore não só dos depoimentos de ... e ..., mas, também, do despacho de não pronúncia de julho de 2020. LII. Ao abrigo do princípio in dubio pro reo, o Tribunal a quo devia ter concluído (e o Tribunal da Relação de Lisboa não poderá deixar de concluir) que, a haver ilicitude, a omissão da Recorrente resultaria de um erro sobre os elementos  (de facto e de direito) típicos do crime – erro que exclui o dolo (cfr. artigo 16.º, n.º 1, do CP), ou, subsidiariamente, a ilicitude do facto (cfr. artigo 16.º, n.º 2, do CP). LIII. Caso assim não se considere– o que, sem conceder, se concebe por mera cautela de patrocínio –, é claro que a Recorrente nunca quis causar danos ao assistente, não tendo, sequer, representado tal possibilidade, devendo, por conseguinte, concluir-se que a Recorrente, a ter atuado (no que, mais uma vez, não se concede), atuou em erro não censurável sobre a ilicitude – erro que exclui a culpa (cfr. artigo 17.º, n.º 1, do CP). LIV. É do contributo concreto que cada um dá para a reportagem que se pode retirar a sua culpa, no sentido de que é por referência a tal contributo que se pode aferir a censurabilidade da conduta do agente. LV. O que implicaria, em qualquer caso, a absolvição da Recorrente. LVI. A falta de participação da Recorrente na elaboração da reportagem devia ter sido ponderada pelo Tribunal a quo aquando da determinação da medida concreta da pena, o que não terá sucedido, uma vez que, na fundamentação da medida concreta da pena, não é feita qualquer referência ao contributo causal que se considera ter sido dado por cada um dos arguidos para o resultado final alegadamente verificado. LVII. O Tribunal a quo parece ter-se atido, somente, à condição económica de cada um dos arguidos, em clara desvalorização dos critérios estabelecidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º do CP, o que, na prática, redunda na aplicação, à Recorrente, de uma pena de multa superior à que foi aplicada ao coarguido AA – pena que é manifestamente desproporcional, considerando que a reportagem em crise nos autos foi elaborada apenas pelo jornalista AA, sem qualquer intervenção a Recorrente. LVIII. O assistente deduziu pedido de indemnização civil no valor de EUR 5.120,00, tendo o Tribunal a quo condenado os arguidos no pagamento de uma indemnização de EUR 25.000,00. LIX. A condenação respeitante ao pedido de indemnização civil é ultra petitum, por ser superior ao montante peticionado pelo demandante (e que limita os poderes do Tribunal), em violação do artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o que tem como consequência a nulidade da sentença no que ao pedido de indemnização civil respeita, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil – nulidade que ora se invoca. LX. Sem conceder quanto à ausência de responsabilidade criminal da Recorrente, inexistem fundamentos de facto e de direito para a indemnização fixada na sentença recorrida, pelo que deve ser a Recorrente absolvida do pedido de indemnização civil. LXI. Caso assim não se considere – no que mais uma vez não se concede –, deve o valor da indemnização eventualmente devida ao assistente ser fixada em valor consideravelmente inferior a EUR 5.000,00 (ou, sem conceder, em valor não superior ao peticionado pelo assistente – EUR 5.120,00). Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, que V. Exas. doutamente suprirão, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente: (i) Do crime de difamação de que vem condenada; (ii) Do pedido de indemnização civil formulado nos autos.”. » Foram admitidos ambos os recursos, nos termos do despacho proferido a 23-01-2023. » I.3 Resposta aos recursos Efetuada a legal notificação: A Digna Magistrada do Ministério Público junto do tribunal da 1.ª instância respondeu ao recurso interposto por cada um dos arguidos, pugnando pela sua improcedência e confirmação in totum da decisão recorrida [não apresentou conclusões]: Também o assistente respondeu ao recurso interposto por cada um dos arguidos, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: “(…) Conclusões 1.ª A sentença deve ser mantida na parte em que avaliou a responsabilidade criminal dos recorrentes, a da recorrente no quadro do conceito extenso de autoria e decretou a respectiva punição 2.ª A reportagem, organizada pelo recorrente e a cujo teor aderiu a recorrente, determinando esta a sua emissão pela RTP, imputa ao respondente a participação em “negócios” atinentes à institucionalização de crianças, com ânimo de benefício, para si e para a CrescerSer, através da interferência ou influência junto de quem tem competência legal para determinar tal institucionalização, o que alegadamente resultaria da simultaneidade de presidência desta entidade associativa e da CNPDPCJ 3.ª Tal imputação resulta do modo como a reportagem foi organizada, prevalecendo-se do tipo de linguagem usado em televisão, através da selecção intencional de depoimentos, frases próprias, omissão de perguntas e amputação de respostas, com o efeito, retido pelos espectadores, daquele conteúdo no que se refere ao ora respondente, o que foi efectuado pelo recorrente 4.ª Trata-se de factos ofensivos da honra, nas várias vertentes do conceito, nisso incluindo a consideração social e reputação 5.ª Mesmo que se tratasse de mera insinuação, a mesma seria punível, a título de geração de suspeita 6.ª Não gozam os recorrentes da eximente prevista no n.º 2 do artigo 180º do Código Penal, pois (i) não está demonstrada a verdade dos factos, nem sequer a verosimilhança dos mesmos (ii) a prossecução de interesses legítimos inerentes ao dever de informar decai ante a ausência de boa-fé, esta evidenciada pela violação expressa de preceitos do Código Deontológicos dos Jornalistas e (iii) existe manifesta desproporção entre a agressão à honra do respondente e o que poderia ser necessário para o propósito informativo, sendo que este não foi sequer atingido 7.ª A pena foi determinada e graduada segundo critérios legais. 7.ª A sentença não enferma de invalidades processuais, nomeadamente quanto à aferição probatória e seu exame, havendo apenas que rectificar lapso no que se refere ao quanto indemnizatório. Nestes termos, improcedendo os recursos, deve manter-se a sentença condenatória nos precisos termos em que se encontra proferida.” » I.4 Parecer do Ministério Público Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer [transcrição]: “Ponto prévio: por ilegitimidade do MºPº, nesse domínio (art.ºs 401º, 2, e 413º,1, CPP), não nos pronunciaremos quanto ao âmbito indemnizatório, também controvertido pelos recorrentes. Vêm os arguidos, AA e BB, ambos jornalistas, condenados em penas de multa, pela prática do crime de difamação agravada, p. e p. pelos art.ºs 180º, 183º, 1, a) e b), e 2, CP, e 71º,1, da Lei de Televisão (L 27/07, 30.07), divergindo dessa douta Decisão, proferida a 29.11.22, dela interpor Recurso, impugnando a matéria de facto e de direito, culminando, ambos, por peticionar a inversão do juízo de censura ético-penal de que foram destinatários, no caso da jornalista, sem conceder, no limite exigindo a redução da pena a si aplicada. A Exmª PR, afecta ao JLCriminal recorrido e autos respectivos, teve já o ensejo de apresentar bem estruturada Resposta, com valioso argumentário, de facto e de direito, exprimindo a sua oposição às teses e pretensões recursórias, posicionamento em que, por convincente, nos arrimamos. Ademais, também o Assistente, de forma muito detalhada e irrepreensivelmente certeira, consignou a sua adesão ao doutamente sentenciado, posição que nos merece, com a devida vénia, igualmente integral adesão. Dada a estrutura, “grosso modo” idêntica ou comum, dos Recursos, iremos fazer uma sucinta abordagem simultânea, permitindo-nos sublinhar ou deixar alguns pequenos contributos que, com todo o respeito pela valia recursória, precludem a respectiva procedência. Assim, numa primeira categoria censória, imputam ambos os arguidos, ele autor e responsável da reportagem exibida televisivamente, ela com funções de coordenadora desse programa («Linha da Frente», nulidades à Sentença (art.º 379º, 1, a) e c), CPP), traduzidas na falta de fundamentação de vários dos “factos provados”, incluindo a carência de exame crítico à prova de suporte, por um lado, e, por outro, na ausência de pronúncia relativamente a questões colocadas durante a Audiência (pretensa falta de consciência da ilicitude da arguida). Vejamos: Se compulsarmos a douta Decisão condenatória, forçoso é convir na exaustiva e exuberante enunciação dos factos ( apenas “provados”, porquanto não houve factualidade alguma não provada), na indicação dos meios de prova (pessoal e documental, exclusivamente) convocados e relevados, e, sobretudo, no escrutínio crítico de que se não dispensou a Julgadora, submetendo ao seu crivo a aferição e valoração de cada e toda a prova, justificando, a final, a razão por que conferiu maior ou menor cotação aos depoimentos e à documentação junta ao processo. Dito por outras palavras, logrou a Mmª Juíz “a quo” reunir um acervo probatório robusto e consolidado que, consequentemente, habilitou a convicção formada e a emissão do juízo agora sindicado. É inegável, nesse amplo pressuposto fáctico e motivacional, que o Tribunal recorrido partilhou o processo lógico-racional e dedutivo subjacente à Decisão criticada, evidenciando, nesse percurso, os critérios legais de que se socorreu, a saber o princípio da livre apreciação da prova, que o mesmo é dizer a aplicação, “in casu”, das regras da normalidade, da lógica, da racionalidade, do actual estádio do conhecimento humano, tudo conforme à adequação social, sem quaisquer laivos de arbitrariedade ou subjectividade puras (art.ºs 127º e 355º, CPP). Nem se agite com a hipótese do Tribunal recorrido ter omitido posição clara sobre a invocada inconsciência da ilicitude, alegada pela recorrente, enquanto não autora da reportagem difundida na RTP-1, em 23.11.17, sem qualquer participação directa no conteúdo do produto exibido aos telespectadores, nessa data, pois que os “factos provados” 28 a 31 e 38, insofismavelmente, corporizam a opção judicial (no sentido de que também ela, recorrente, tinha conhecimento da proibição legal da conduta adoptada, que, ainda assim, levou a cabo, de forma livre e esclarecida), ancorada, mormente, no reconhecimento, pela própria, de que, e antes da emissão pública, acedeu ao visionamento da reportagem do recorrente, sem que haja tomado posição oponente e obstativa da sua divulgação a 23.11.17 (ou noutra qualquer data), detendo poderes hierárquicos possibilitantes/impositivos dessa intervenção (cfr Lei 1/99, 13.01, art.ºs 35º e 71º: “Lei da Televisão”), antes aderindo à sua difusão, incondicionalmente. “Mutatis mutandis” quanto à apregoada omissão judicial sobre a existência de causas eximentes da ilicitude, vertidas no art.º 180º, 2, a) e/ou b), CP, ora porque se impusesse, no caso “sub judice”, uma informação de “interesse público”, quer por haver autenticidade no teor da reportagem ou, minimamente, por estarem os jornalistas, aqui arguidos, fundadamente, convictos da veracidade do ali noticiado. É que, mais uma vez, embora desfavoravelmente à tese recursória, o Tribunal pronunciou-se pela ausência do “interesse público” da peça jornalística, assinada (pelo arguido) e consentida (pela arguida, sua coordenadora directa), pela grosseira inexactidão da informação veiculada, eivada de insinuações (pelo menos), com abdicação do “contraditório” do visado/Assistente (ou exercido com cortes ou selecção das suas declarações, descontextualizadas e instrumentalmente inseridas durante a reportagem, sob um critério finalístico, de demonstração da sua interferência na institucionalização e residencialização dos menores, com proveito pessoal e da Associação a que presidia, numa lógica de “negócio” e vantagens materiais, valendo-se da dual condição ou duplo estatuto, enquanto presidente da CNPDPCJ e d Direcção da Associação “CrescerSer”), expondo desmesuradamente o Assistente, desfocando-se daquilo que deveria ser (e como tal foi anunciado à audiência) o tema central (institucionalização de crianças; medidas de acolhimento residencial e conflitos de interesses), perpassando, inversamente, a personificação do visado como protagonista de ”tráfico de influência” (art.º 335º, CP) ali objecto de denúncia pública, sem audição deste sobre essa (expressa ou implícita ) imputação. Como deve acrescer-se que não cuidou a reportagem de observar o dever estatutário de exaustiva indagação e contraditoriedade das partes envolvidas (cfr Código Deontológico do Jornalista, de 30.10.17, ponto 1, e Estatuto do Jornalista/L 1/99, 13.01, art.º 14º, 1, a), 2, c) e 3), designadamente não esclareceu as competências, atribuições e funções, diferenciadas, da CNPDPCJ, das CPCJ locais, e da Segurança Social, inibindo o público de saber que intervenção directa detinha o Assistente, naquela sua dupla veste, o que a ter sido feito permitiria, ao público-alvo concluir pela insusceptibilidade legal dele agir na retirada e institucionalização das crianças e, consequentemente, de obter vantagens dessa residencialização ou de qualquer medida de acolhimento residencial, ao invés do transmitido. Não se trata, em qualquer caso, de impor critérios editoriais externamente, lesando a função do jornalista e a sua liberdade de expressão e de informação (então sim, ingerência colidente com mandamentos constitucionais: art.ºs 37º e 38º, CRP), apenas a de exigir-se rigor informativo, para esclarecimento do público, ao abrigo, até, de Código Deontológico aprovado em Congresso e referendado pela classe, por isso indiscutivelmente vinculativo, sob pena de se subverter o sentido ou conceito de “interesse público” ou “interesse legítimo”, decisivos neste presente debate. Galgando para outra outros segmentos censórios direccionados à Sentença, concretamente vícios decisórios (art.º 410º, 2, c), CPP: desconsideração da existência de interesse público da peça televisiva e inaplicação do princípio “in dubio pro reo”), tratam-se de asserções falaciosas, a um tempo porque o convocado “interesse legítimo ou público” não ocorreu na presente hipótese, dado o distanciamento absoluto entre o noticiado e a verdade ou realidade, quedando-se por “desinformação” e manipulação do telespectador, conduzindo-o a conclusões e convicções injustas e irreais sobre o visado, desinteressando-se o autor da reportagem e a sua responsável hierárquica de enveredar pela lisura jornalística, contaminado a opinião pública que alegadamente iam (in)formar a respeito do tema «institucionalização de menores», desviando-se desse anunciado desiderato, elegendo a (pretensa) actuação do Assistente como objecto único ou prevalecente da peça exibida (o que, muito sintomaticamente, vem acolhido pela posição assumida, formalmente, pelo Provedor do canal em causa /RTP-1, registe-se: “facto provado” 34). Também cabe dizer, neste domínio (erros de decisão), que na Julgadora não se instalaram incertezas, que a assolassem até final e que haja resolvido em desfavor da defesa, porquanto logrou definir toda a factualidade, sem dúvidas, mesmos ainda insuperáveis, daí que inexistam “factos não provados”, sendo irrelevantes as que possam ainda subsistir no espírito dos sujeitos processuais, por serem percepções subjectivas, irrepercutíveis no órgão decisor, donde a inocuidade desse “non liquet” trazido e apelado pelos recorrentes. Quanto aos também suscitados erros de julgamento (art.º 412º, 3, a) a c), CPP), notar-se-à que se inobserva o ritualismo próprio dessa modalidade de impugnação, como avisadamente consignado pelo Assistente enquanto respondente, com omissão nas Conclusões dos itens do art.º 412º, 3, CPP, gerando a liminar e inevitável rejeição (art.º 417º, 3, CPP). Mesmo que assim se não delibere, sempre se referirá que, em vez de especificada e concretizada indicação dos pontos eventualmente mal julgados, o que se extrai é uma referência ambígua e conclusiva, sem cristalina individualização, insusceptível de ser contraditada, sem perder de vista a inexistência de “contra-prova” apta a remover as respostas/premissas judiciais, expurgando-as por inevitabilidade (art.º 412º, 3, b), CPP). Ora, diversamente, o que se capta é a tentativa, inoperante, de sobrepor à leitura, interpretação e valoração probatória feitas pelo Tribunal a do próprio destinatário da administração da Justiça, olvidando-se, contudo, que toda a prova (pessoal e documental) pôde ser avaliada e decidida nos termos do art.º 127º, CPP, o que é insindicável, pela motivação e objectividade dessa aferição, aqui adquirindo relevo as vantagens exclusivas da 1ª Instância, quais sejam as da imediação, oralidade e contraditoriedade exercidas em Audiência. Noutro plano crítico, cingido à recorrente, em matéria de direito, gravitando em torno da ideia de alheamento sobre a feitura da reportagem, que coube ao arguido, também recorrente, diremos, recuperando o que fomos deixando dito/escrito atrás, que a sua posição é indexável à daquele, em função do prévio conhecimento do material/produto final , que assumidamente visionou, sem que tenha determinado correcções ou instado o arguido a introduzir alterações, muito menos que haja obstado à reprodução do programa, tal qual antecipadamente o visionou, na data em que “foi para o ar”, renunciando a poderes hierárquicos ou directivos que detinha para o efeito. Teve assim consciência, plena, da cooperação para a difusão da reportagem, contribuindo, decisivamente, para a acção delituosa comum, pois que, inegavelmente, em última instância, teve o “domínio do facto” (art.ºs 26º, CP, e 35º, Lei de Televisão), sendo a sua actuação dolosa, ainda que, porventura, nos termos do art.º 14º, 3, CP (dolo eventual), o que é directa e objectivamente resultante da factualidade apurada, dada a interiorização do elemento típico subjectivo. No que tange à dosimetria punitiva, impugnada, subsidiariamente, pela recorrente, considerados os critérios legais da sua concreta medida (art.ºs 47º, 1 e 2, 71º, 1, 180º, 1, 183º, 1, a) e b) e 2, CP), perante a baliza abstracta possível, não se antevê que pudesse ser o Tribunal mais brando, sob pena de descurar os fins últimos da pena (art.º 40º,1, CP), insustentavelmente, sendo mesmo questionável se a punição aplicada à recorrente, atenta a sua colocação hierárquica, não deveria ter traduzido esse ascendente, com um juízo mais firme e superior ao do arguido-recorrente, que dela funcionalmente era subordinado, o que o a proibição da “reformatio in pejus” (art.º 409º, CPP) definitivamente impede, neste momento. Por fim, a rematar a análise ao mérito dos Recursos, cumpre salientar que o Tribunal cotejou, proficuamente, admita-se, os valores e interesses conflituantes (direito à liberdade de opinião e de imprensa, por um lado, e, por outro, o direito à honra e dignidade), diante da concreta situação em discussão, ponderação que inculcou, sustentadamente, a convicção de que já se está fora, para além, do âmbito da liberdade de expressão, e do correlativo dever/direito de informar, para se situar no plano dos direitos individuais, ligados à dignidade da pessoa humana e à integridade moral e de cidadania a todos e a cada um garantidos (art.º 1º e 26º, 1, do Texto Fundamental), que têm igual protecção constitucional, sendo a opção judicial (de sobreposição dos interesses individuais da pessoa atingida) amplamente justificada, sob pena de deixarem impunes comportamentos lesivos de bens jurídicos essenciais à convivência social, que doutro modo sairia, intoleravelmente, degradada. Donde que, em apertada síntese, se sugira a validação do duplo juízo de censura ético-penal questionado pelos arguidos.” » I.5. Resposta Dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, apenas o assistente apresentou resposta ao sobredito parecer, reiterando a posição por si vertida na resposta ao recurso interposto pelos arguidos. » I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir: » II- FUNDAMENTAÇÃO II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso: Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2]. Assim, face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação do respetivo recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes: No que respeita ao recurso interposto pelo arguido AA: --> Da nulidade da sentença por falta de fundamentação, na parte criminal. --> Da impugnação da matéria de facto. --> Da violação de normas legais/constitucionais de direito interno e de direito internacional: . interesse público da peça jornalística; . liberdade de expressão, de opinião e de imprensa; . violação do artigo 10.º da CEDH; . ilicitude da conduta: afastamento por apelo à exceptio veritatis; . critério normativo de interpretação inconstitucional do artigo 180.º do Código Penal;  . conduta negligente/punibilidade; . princípio da presunção de inocência do arguido. --> Da responsabilidade civil: pressupostos. --> Da nulidade da sentença na parte cível. No que respeita ao recurso interposto pela arguida BB: --> Da nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, na parte criminal. --> Da impugnação da matéria de facto. --> Da violação de normas legais/constitucionais de direito interno e de direito internacional: . interesse público da peça jornalística; . liberdade de expressão, de opinião e de imprensa; . violação do artigo 10.º da CEDH; . ilicitude da conduta: afastamento por apelo à exceptio veritatis;  . medida concreta da pena. --> Da responsabilidade civil; --> Da nulidade da sentença na parte cível. » II.2- Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]: “(…) II – FUNDAMENTAÇÃO 1 – FACTOS PROVADOS Resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão: 1 - O assistente é fundador da Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família - CrescerSer e à data dos factos desempenhava as funções de presidente da sua Direcção; 2 - O assistente era, também, à data dos factos, Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens; 3 - A Associação referida é uma instituição particular de solidariedade social, de âmbito nacional, com sede na Rua Costa do Castelo, nº 5, r/c, em Lisboa, e tem, segundo o seu estatuto, como objetivo proceder ao estudo interdisciplinar das questões relativas à proteção judiciária e administrativa das crianças e da família, bem como promover, dinamizar e organizar serviços comunitários de apoio à criança, ao jovem e à sociedade familiar; 4 - Os corpos gerentes de tal associação exercem funções a título completamente gratuito; 5 - A Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens tem o seu âmbito de atribuições definido pelo Decreto-Lei nº 139/2017, de 10 de Novembro; 6 - No dia 23 de Novembro de 2017, pelas 21 horas e 30 minutos, foi emitido pela RTP1, no programa «Linha da Frente”, uma reportagem com o título "Quanto custa criar", a qual teve a duração de 30 minutos; 7 - O referido programa foi da autoria do arguido AA  sendo coordenadora do programa a arguida BB, a qual teve conhecimento dos termos em que esse programa seria difundido; 8 - A reportagem em causa foi visionada por um elevado número de espectadores, pois que inserida num programa com vasta audiência, tendo sido previamente anunciada; 9 - A reportagem foi construída e apresentada, por conjugação selecionada de perguntas e respostas e imagens projectadas e tinha como tema a institucionalização de crianças retiradas às suas famílias em alegadas situações de perigo, com o recebimento das respetivas contribuições pagas pelo Estado, através da Segurança Social, para suporte dos respetivos encargos; 10 - O assistente foi entrevistado no âmbito dessa reportagem durante cerca de uma hora, mas dessa entrevista foram apenas retirados para a reportagem pequenos excertos descontextualizados da mesma e nela não foi o entrevistado expressa e explicitamente confrontado com as concretas questões que vieram a constituir o fio condutor da reportagem publicitada, nem o assistente se apercebeu quanto ao modo como a peça jornalística seria organizada e apresentada; 11 - A reportagem apresenta declarações e imagens relativas a "casos", que diz serem de retirada injustificada de crianças, sustentando-se apenas nas afirmações dos respectivos pais ou daqueles com quem a criança vivia, sem nenhum indício de indagação sobre a sua veracidade ou credibilidade, sendo que num dos casos é referida a retirada da criança unicamente «por falta de vacinas» e noutro «apenas porque tinha a roupa suja e calçado não adequado à época» Diz-se também que a criança é retirada com base em «sinalização anónima» de que a criança é vítima de maus-tratos», sem averiguação prévia; 12 - Não é imputado ao assistente nem à Associação CrescerSer qualquer intervenção nos casos concretos com que a reportagem ilustra a sua narrativa; 13 - Em relação ao caso que a reportagem refere ter sido a "guia" da mesma, o de ..., não existiu qualquer acolhimento residencial das suas três filhas, antes a atribuição da guarda a cada um dos progenitores/pai; 14 - No caso da avó ... igualmente se verifica a inexistência de acolhimento residencial, pois o neto foi confiado a outro familiar; 15 - A reportagem toma como seu tema o que denomina ser o internamento de crianças, não distinguindo entre a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), as 309 Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) e as funções da Segurança Social quanto às decisões de residencialização de crianças e a sua efetivação; 16 - A reportagem confunde intencionalmente processos de promoção e proteção com processos de regulação de responsabilidades parentais, confunde intencionalmente o acolhimento familiar com as medidas em meio natural de vida, designadamente o apoio junto dos pais, omite intencionalmente dados sobre outros fundamentos que levaram ao acolhimento/confiança das crianças a outro familiar; 17 - Ao não distinguir entre as funções da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) e da Segurança Social a reportagem transmite ao teleespectador a ideia de que a residencialização das crianças é feita com a intervenção do assistente enquanto Presidente da CNPDPCJ; 18 - Na reportagem refere-se, por mais do que uma vez, a contribuição mensal de €1.000,00 que é paga pelo Estado aos lares de acolhimento por cada criança neles acolhida e acentua-se que essa quantia é um encargo para os contribuintes, afirmando, como exemplo, que «os contribuintes portugueses pagam €5.000,00 por mês às instituições que acolheram os 5 filhos de ... e ..., €1.000,00 por cada um», e que «duas irmãs estão internadas na CrescerSer e custam aos contribuintes €2.000,00 por mês»; 19 - A reportagem transmite a ideia de que tal situação redunda em prejuízo das próprias crianças e das famílias, pois a causa da residencialização nesse caso seria a pobreza da família; 20 - Além disso, a reportagem insinua que essa contribuição é, não só excessiva, como determinante de acolhimentos desnecessários, injustos e prejudiciais e transmite ao espectador a ideia, que se quis transmitir, de que o assistente e, através dele a associação, teriam vantagem pecuniária no internamento de crianças; 21 - A reportagem constrói, de modo claro, a insinuação de que as injustificadas decisões de medidas de acolhimento residencial de crianças são facilitadas por CC, ora assistente, mercê do exercício simultâneo de Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens e de Presidente da Direção da instituição particular de solidariedade social CrescerSer, situação que, na tese do programa, envolve conflito de interesses; 22 - Esta ideia é veiculada com omissão e desconsideração propositadas pelo papel indispensável às necessidades reais atuais que as instituições de acolhimento desempenham na vida de muitíssimas crianças em graves situações de perigo e pelos encargos inerentes ao funcionamento permanente de um serviço de acolhimento, com pessoal qualificado, instalações condignas e equipamentos e todos os cuidados gerais e específicos de cada criança acolhida, encargos que não são equiparáveis aos de uma casa de família; 23 - Dos diplomas que estabelecem as atribuições da CNPDPCJ e das CPCJ (Decreto-Lei nº 159/2015, de 10/08 e Lei nº 147/99, de 1/09) resulta que as decisões relativas à aplicação de medidas de acolhimento residencial são da competência autónoma e exclusiva dos Tribunais e das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, bem como a determinação das instituições onde esse acolhimento se concretiza, determinação essa que depende da gestão de vagas, da competência da Segurança Social; 24 - Desses mesmos diplomas resulta ainda que: a) a intervenção e a aplicação de medidas de promoção e proteção pelas CPCJ, incluindo as de acolhimento residencial, só se efetivam se for prestado e mantido o consentimento de ambos os pais, podendo qualquer deles retirar esse consentimento em qualquer momento; b) nos casos de emergência em que a retirada das crianças seja efetuada sem esse consentimento, a retirada é imediatamente comunicada ao Ministério Público, que de imediato requer a intervenção do Tribunal, o qual, no praxo máximo de quarenta e oito horas, aprecia a retirada e passa a ser a única entidade competente para a decisão do caso; c) a atividade das CPCJ é acompanhada pelo Ministério Público, que aprecia a legalidade e a adequação das suas decisões e fiscaliza a sua atividade processual, devendo requerer a apreciação do Tribunal sempre que considere que as medidas aplicadas pela CPCJ, ainda que com o consentimento dos pais, são ilegais ou inadequadas; 25 - Ao contrário, portanto, do que a reportagem transmite, a Comissão Nacional e o seu Presidente não têm qualquer intervenção nas decisões que determinam o acolhimento de crianças e subsequente colocação nas várias instituições de acolhimento, entre as quais se inclui a CrescerSer, pois a colocação das crianças nas várias instituições de acolhimento, incluindo a CrescerSer, é da competência exclusiva da Segurança Social, sem qualquer intervenção da Comissão Nacional; 26 - A reportagem termina afirmando que «CC deveria cessar funções em 2019, seis dias após a entrevista ao Linha da Frente foi substituído», assim passando para os telespectadores a ideia de que teria sido a iminência da denuncia televisiva, o que desencadeara tal efeito de termo de funções, em cuja ilicitude fez crer e assim gerando o que causou junto dos espectadores um efeito negativo para o bom nome do assistente e, através dele, da associação; 27 - Tal afirmação é conscientemente contrária à verdade conhecida pelo autor, de que CC, por razões meramente pessoais, pedira há muito a cessação do seu mandato como Presidente da CNPDPCJ e a sua substituição só poderia ocorrer com normalidade imediatamente após a publicação do Decreto-Lei nº139/2017 - que alterou, entre outros aspectos, a forma de designação do presidente da Comissão Nacional, o que veio a ocorrer no dia 10 de novembro de 2017; 28 - O autor da reportagem e a coordenadora do programa sabiam que os factos que transmitiam não correspondiam à verdade e que, ao divulgarem a mesma através de um canal de televisão, nomeadamente pela RTP 1, ela iria conhecer ampla difusão, como sucedeu e quiseram; 29 - O autor da reportagem e a coordenadora do programa não garantiram ao assistente entrevistado a possibilidade de se pronunciar com detalhe sobre aquilo que constituiria o núcleo essencial do que a reportagem transmitiu, seja a alegada intervenção da CrescerSer na residencialização de crianças, seja a vantagem que nisso esta teria e concomitante de que o seu presidente beneficiaria; 30 - Apesar das explicações sobre o sistema de promoção e proteção dadas na entrevista por CC, a reportagem omitiu intencionalmente factos decorrentes de tais explicações para que o público pudesse compreender o sistema, quer em abstrato, quer no caso concreto; 31 - O autor da reportagem e a coordenadora do programa intencionalmente quiseram gerar junto dos espectadores a ideia de que os contribuintes estariam onerados com pagamentos excessivos em resultado da situação que na reportagem se descreve como sendo verdadeira e que as próprias crianças, a tal sujeitas pela sua pobreza, seriam com isso prejudicadas, assim concitando a reprovação pública sobre o suposto caso, bem sabendo que era isso que iria acontecer; 32 - A reportagem mereceu repúdio da parte de pessoas que, tendo tomado conhecimento do seu teor, e por conhecerem o assistente e a actividade da associação, sabiam ser falso o conteúdo que resultava daquela peça jornalística; 33 - O assistente recebeu mensagens de solidariedade e conforto por parte de muitas dessas pessoas; 34 - O próprio Provedor da RTP-1 censurou por escrito a conduta do jornalista, considerando que a reportagem violara preceitos deontológicos que impendem sobre os jornalistas e responsabilizam as próprias estruturas hierárquicas daquela estação de televisão; 35 - O assistente exerceu o direito de resposta e o mesmo foi cumprido pela RTP, tendo a mesma divulgado uma nota num programa seguinte em que difundiu texto firmado pelo assistente, também na qualidade de Presidente da Direcção da Associação CRESCERSER; 36 - O vasto universo daqueles que, alheios ao problema ou às entidades envolvidas, ou não conhecedores da sua acção, porque acreditaram no teor da reportagem formularam um juízo negativo sobre o assistente, efeito que só não foi maior por ter sido difundido o direito de resposta, que, no entanto, nem todos visionaram; 37 - A reportagem, devido ao modo como foi organizada, não serve o interesse público no sentido de esclarecer a comunidade sobre o problema da institucionalização de crianças nem sobre a intervenção do assistente no domínio da protecção das crianças em Portugal; 38 - O autor da reportagem e a coordenadora do programa agiram de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo que a sua conduta era proibida por Lei, representando mentalmente os factos que acima se referiram e desejando a sua ocorrência; 39 - A reportagem atingiu o brio e o amor-próprio do assistente; 40 - A imagem pública do assistente, a percepção que a comunidade tem da sua pessoa foi afectada pois, em virtude da reportagem, o mesmo apareceu associado a condutas menos correctas e eventualmente ilegítimas; 41 - O arguido é divorciado e tem três filhos de 32 (trinta e dois), 18 (dezoito) e 15 (quinze) anos de idade que dependem economicamente dele; 42 - O arguido é jornalista, mas está reformado; 43 - O arguido recebe mensalmente €2.350,00 (dois mil e trezentos e cinquenta euros) de reforma; 44 - O arguido tem a frequência do primeiro ano da Licenciatura de Direito; 45 - O arguido não tem antecedentes criminais; 46 - A arguida é casada e tem dois filhos de 24 (vinte e quatro) e 17 (dezassete) anos de idade que dependem economicamente dela; 47 - A arguida aufere mensalmente €2.800,00 (dois mil e oitocentos euros) da sua actividade profissional de jornalista; 48 - A arguida tem a Licenciatura em Comunicação Social; 49 - A arguida não tem antecedentes criminais. * 2 – FACTOS NÃO PROVADOS Não existem factos não provados. * 3 – MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO Para formar a convicção do Tribunal, quanto à matéria dada como provada, foram determinantes as declarações do assistente CC bem como das testemunhas ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e .... O arguido disse não querer prestar declarações sobre os factos de quem vem pronunciado mas fez a leitura de uma declaração em que afirmou que a reportagem é da sua autoria e que o presente “processo pretende matar o mensageiro” visando-se com a reportagem dar voz a quem não tem e discutir temas de interesse público. Explicou a sua situação familiar e económica. A arguida não prestou declarações sobre os factos de que vem pronunciada mas explicou a sua situação familiar e económica. O assistente CC explicou que foi Presidente da Comissão Nacional e como foi o convite que teve para reportagem da RTP pelo arguido e que foi surpreendido pela reportagem da RTP assim como explicou como se sentiu quando viu a reportagem. A primeira testemunha ... explicou que viu a reportagem em causa e como foi a sua reacção ao vê-la e como viu afectado o assistente. A testemunha ... explicou que viu a reportagem e o que sentiu ao vê-la e como viu que o assistente se sentiu após essa reportagem. A testemunha ... explicou que viu a reportagem e o sentiu ao vê-la, a sua interpretação da mesma e como viu como o assistente se sentiu após essa reportagem. A testemunha ... explicou que viu a reportagem e a sua interpretação da mesma e como viu que o assistente ficou após a reportagem. A testemunha ... explicou que viu a reportagem e qual a sua interpretação do que viu nela e como essa reportagem afectou o assistente. A testemunha ... explicou que viu a reportagem e o que viu nela em relação ao assistente e ainda como viu que ela afectou o assistente. A testemunha ... explicou que viu a reportagem e como foi confrontado pelos amigos na segunda-feira seguinte à transmissão da reportagem na tertulia a que pertence e também explicou a reacção no assistente. As testemunhas ... e ... apresentaram os seus depoimentos por escrito nos termos dos artigos 83º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 503º, nº 2, al. c) e 505º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil e 139º, nº1 do Código de Processo Penal. A testemunha ... disse: “Sei serem verdadeiros todos os factos referidos nos pontos 1 a 5 inclusive, sendo que ora participei neles juntamente com o assistente, integrando a referida associação (pontos 1, 3 e 4), ora o acompanhei no desempenho das suas actividades (pontos 2 e 5, este de prova documental).  Assisti à transmissão do programa referido no ponto 6 do qual julgo ter constado a identificação das duas pessoas referidas no ponto 7, sendo plausível que a arguida BB tivesse tido conhecimento dos termos em que esse programa seria difundido. É de calcular que a reportagem foi visionada por um elevado número de espectadores (ponto 8), sendo que os termos em que foi construída e apresentada correspondem ao referido em 9.  Confirmo que o assistente me relatou todo o referido em 10, fazendo-o em termos que não me suscitaram qualquer dúvida quanto à sua veracidade. Do mesmo modo, recordo que a minha reacção, na ocasião, me leva agora a tomar como verdadeiras as afirmações referidas no ponto 11, sendo que também o referido no ponto 12 se mostra coincidente com a verdade. Não me recordo da situação referida no ponto 13 que, todavia, não ponho em dúvida, o mesmo se passando no que toca ao ponto 14. Já o relatado no ponto 15 se apresenta muito vivo na minha memória. Recordo perfeitamente a minha reacção à confusão alegada. Aliás, foi o que se passou com todas as incorrecções referidas no ponto 16, não podendo eu, todavia, enquanto testemunha, concluir que elas foram «intencionais», embora nada pareça apontar em sentido contrário, sobretudo se considerarmos os efeitos dos factos relatados no ponto 16 e a conclusão extraída no ponto 17. Já os factos referidos no ponto 18 resultam evidentes no simples visionamento da reportagem, transmitindo a ideia relatada no ponto 19. O mesmo se verificando na passagem aos pontos 20 e 21, onde vem a ancorar a convicção, que também é a minha, de que havia uma intenção a priori na construção da reportagem tal como ela foi edificada, a permitir o juízo que o assistente vem a emitir no ponto 22. O conteúdo dos pontos 23, 24 e 25 resulta da simples leitura dos diplomas aí citados. Também os factos referidos no ponto 26 são verdadeiros, tal como os efeitos daí resultantes para o assistente. Eu próprio recordo ter sentido com indignação a previsão do resultado externo de tal confusão. Por outro lado, o alegado no ponto 27 era, há muito, do meu conhecimento sendo que o assistente me disse ter esclarecido previamente o arguido de tal realidade. Não posso afirmar, de ciência própria, que o autor da reportagem e a coordenadora sabiam que os factos que transmitiram não correspondiam à verdade (ponto 28), mas tudo o que se mostra no desfiar desta história aponta nesse sentido, desde logo tendo em vista o referido no ponto 29 que resulta do simples conhecimento da realidade. Quem conhece o assistente facilmente conclui o referido no ponto 30, já que CC jamais se limitaria a dizer aquilo que veio a público e que foi quase nada do que a circunstância impunha que se dissesse e que, segundo ele, foi efectivamente dito. A conclusão expressa no ponto 31 corresponde àquela que eu próprio retirei na ocasião em que vi o programa e que lamentei profundamente, desde logo, tendo em conta a pessoa do assistente, inequivocamente uma personalidade de superior dimensão ética, profissional e humana, com uma vida toda ele dedicada à defesa intransigente dos mais elementares direitos da criança. Daí o repúdio que a reportagem mereceu junto de muitos daqueles que conhecem o assistente e o seu trabalho em defesa da criança (ponto 32). Eu próprio tomei conhecimento de mensagens recebidas pelo assistente nos termos indicados no ponto 33, nomeadamente a do Provedor da RTP-1, referida no ponto 34. Seja como for, nem isso, nem os factos referidos nos pontos 35 e 36 terão sido bastantes para afastar o juízo negativo que vários formaram acerca do assistente na linha proposta pela reportagem. Dado o tom conclusivo e interpretativo do referido nos pontos 37 e 38, apenas posso aditar-lhes idêntica interpretação, como minha e determinada por tudo o que fica dito atrás. Sei, por outro lado, por ter acompanhado de perto o assistente em todo o tempo que se seguiu à transmissão da reportagem, que esta o “atingiu no brio e no amor-próprio”. CC teve sempre, como prumo de uma vida, a sua dignidade, o respeito pelos outros, nomeadamente enquanto crianças, a honestidade de procedimentos, a dedicação e o espírito de missão. Esta reportagem, nos termos em que foi construída, na intencionalidade que naturalmente lhe vem atribuída e no desprezo que revelou pela pessoa impoluta de um homem como o assistente, sem que lhe fosse dada qualquer hipótese de demonstrar o contrário daquilo que se pretendia divulgar, acaba por ser, ela própria, a prova provada dos factos constantes do ponto 40. (…)”. A testemunha ... disse: “Assisti no dia em causa à reportagem da LINHA DA FRENTE da RTP-1, avisado que estava desde manhã por amigos que tinham visto o spot promocional a passar incessantemente durante o dia. Conheço o Dr. CC desde 1987, ano em que ingressei no CEJ como auditor de justiça, sendo ele então o seu Director de Estudos. Sempre foi um dos meus guias e dos meus modelos na Magistratura. Há 36 anos que o conheço, feito de risos pueris e de seriedades adultas, as mais delas         francas que possais imaginar. Foi um dos meus Directores do meu CEJ. É um homem sábio e arguto como poucos, sereno como alguns. Jubilou-se da profissão. Mas recusa-se a reformar das matérias atinentes à defesa da excelência na infância. Há gente que assim se desprende da banalidade dos dias e se entrega à perfurada aragem das utopias e das quimeras - as que só chegam à compreensão dos nossos mais pequeninos cidadãos, àqueles por quem nos erguemos para saudar, conseguindo assim subir ao seu nível. Todos sabemos que CC presidiu durante 12 anos à Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, depois apelidada de Comissão Nacional de Promoção de Direitos e Protecção de Crianças e Jovens, tendo deixado o cargo a seu pedido no final do ano transacto. Foi e é uma pessoa extraordinária, o maior pilar do Direito das Crianças em Portugal, conhecido em todo o Mundo. Calcorreou o país de noite a sul, não esquecendo as ilhas, simplesmente para estar perto de todos. E na sua vida profissional e cívica foi um exemplo de honradez, humildade, competência e assertividade. Sempre na verdadeira linha da frente da defesa dos incontomáveis direitos humanos do Cidadão Criança. A todos nos marcou. Mesmo que só nos tocando no ombro, a marca ficou lá. Numa época em que trabalhar na Jurisdição da Família e das Crianças se toma um mister muito perigoso. Porque há ventos infames que tentam cortar a direito, tentando, em vão, manchas o que é impoluto e digno, à prova de humana bala. Porque este homem acreditou que, enquanto cidadão e magistrado, e de forma absolutamente desinteressada, poderia fazer a diferença na defesa dos interesses dos mais pequeninos do Mundo, aqueles por quem os sinos dobram quando a infelicidade e a desdita batem à porta. Foi um timoneiro da defesa dos direitos humanos das crianças, no CEJ onde formou centenas de futuros magistrados e onde deixou sementes para a nova geração de formadores que dele beberam os cânones dos princípios base da intervenção nesta Área — gente como Almiro Rodrigues, Rui Epifânio, António Farinha, Joaquim Matos, Orey Pires, Manso Rainho, Rui Barreiros, ..., Maria do Rosário Oliveira Morgado, Leonor Furtado, Helena Bolieiro, Rosa Barroso, Fátima Silveira, Norberto Martins, Isabel Varandas, Francisco Maia Neto, Helena Gonçalves, Ana Teresa Leal, Lucília Gago, Ana Massena, Maria Perquilhas, Chandra Gracias, José Eduardo Lima, António Fialho, Manuel Santa, Rui Amorim, Pedro Raposo de Figueiredo, Chandra Gracias, Maria Oliveira Mendes e eu próprio. Noutro recanto da sua vasta e hiperactiva existência, sonhou com um grupo de magistrados erguer a Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Familia, em 1986, sentindo a necessidade de Ievar mais longe a protecção das crianças. E foram abrindo as Casas de acolhimento, hoje em número de sete, e que constituem um canto deles e delas, os que o sistema de protecção português escolheu acolher, quando a sorte não Ihes sorriu, quando o inverno se instalou nas suas vidas com um quase sinal de permanência. CC sabe que eles e elas vão querer CRESCER e SER. Continuar a SER. Passar a SER. Alguém. Neste país de parcos recursos comunitários e estatais, essa associação quer ser uma outra espécie de lar, uma outra espécie de casa. Apenas de passagem pelas esquinas de suas vidas. Como se lhes tocássemos no ombro e a marca lá tivesse ficado, numa escrita de água feliz. E a obra continua. Porque nada o move senão o interesse das crianças e das famílias. Eu próprio comecei por ser sócio, depois, Vogal da Direcção da Associação e depois seu Vice-Presidente. Neste momento sou apenas sócio da associação, sem pertencer aos seus órgãos sociais. O Dr. CC hoje em dia também deixou a Presidência da Direcção da IPSS. Aí estive sempre ao seu lado, sem ganhar um tostão que seja, como Juiz que sou, e acreditando nesta Obra e nos modernos métodos no cuidar de crianças acolhidas, vindos dos ensinamentos de homens como Jesus Palácios e Jorge Fernández del Valle. Nenhuma das situações relatadas na reportagem tem directamente a ver com crianças acolhidas na Crescer Ser. A Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família, em harmonia com os seus fins estatuários, tem sempre dado continuidade ao projecto comunitário de reflexão/formação/acção em domínios do direito das crianças e jovens e da família, com especial incidência, por um lado, nos problemas de acolhimento, diagnóstico interdisciplinar, elaboração do projecto de vida e encaminhamento de Crianças e Jovens em situações de perigo; e por outro lado na divulgação comunitária dos direitos da Criança e dos Jovens. A problemática da institucionalização de crianças deve ser perspectivada à luz da filosofia, sentido e conteúdos atuais dos direitos humanos das crianças, densificados pelas aquisições nos domínios da ética e de várias ciências, nomeadamente, da medicina, da psicologia, da sociologia, da educação, da pediatria e do direito. A institucionalização de crianças continua a ser necessária e legítima, quando de qualidade, aferida pelo grau de respeito e promoção dos direitos da criança, que é um dever indeclinável das instituições. Posso afirmar que a Associação tem desenvolvido um trabalho de grande qualidade ao nível das parcerias, no âmbito do acolhimento de Crianças e Jovens em situações de perigo e no domínio das atividades de formação e reflexão sobre os direitos da criança. E note-se que o maior número de crianças que são acolhidas acabam por regressar ao seu meio natural de vida, como é justo, caso a família se tenha reorganizado e deixe de existir o perigo que as levou para dentro dos muros de um Centro de Acolhimento. Não é a Associação que decide institucionalizar crianças, como é óbvio. Como IPSS, fica aberta ao acolhimento de crianças em perigo decidido pelos Tribunais e pelas CPCJ, e depois pela Segurança Social na gestão de vagas, no âmbito da arquitectura do nosso sistema de promoção e protecção. É apenas mais uma resposta social, quando as entidades decisoras entendem que uma criança necessita de ser residencializada. Além disso, a CNPDCJ, a que o Dr. CC presidiu durante 12 anos, também não intervém directamente nessa institucionalização, dispondo cada CPCJ de autonomia funcional para decidir o que entender num certo caso social. A lei é clara. As comissões de protecção são instituições oficiais não judiciárias com autonomia funcional, com uma composição de cariz claramente pluridisciplinar e plun-institucional, às quais cabe deliberar com imparcialidade e independência. Para o que agora nos importa, ou seja, no contexto do processo de promoção e protecção, a cargo da comissão restrita, a sua intervenção depende do consentimento expresso dos pais, do representante legal ou da pessoa que tenha a guarda de facto, consoante o caso (artigo 9º da LPCJP). Mostra-se, pois, bem clara a opção tomada pelo legislador no sentido de que o consentimento legitimado da intervenção das comissões é o de ambos os pais, enquanto titulares das responsabilidades parentais. Contudo, parece-nos ser de excepcional os casos em que o progenitor se encontra inibido do exercício das responsabilidades parentais, já que, atendendo aos pressupostos e efeitos desta providência, não será exigível o consentimento daquele para fazer intervir a comissão de protecção. Anote-se, a este propósito, o explícito e esclarecedor teor da Directiva conjunta celebrada em 23/6/2009, entre a PGR e a então CN, tendente a uma uniformização de procedimentos funcionais entre magistrados interlocutores e as CPCJ e que concretiza procedimentos quanto à intervenção subsidiária, aos consentimentos e não oposições, à apreciação da legalidade e adequação das medidas, estabelecendo uma fiscalização mais pormenorizada de certos tipos de processos. A revisão de 2015 da LPCJP veio agora tornar mais clara esta problemática. A intervenção das CPCJ dá-se, assim: - quando não seja possível a atuação adequada das entidades referidas no artigo 7º de forma a removerem o perigo em causa; - quando há consentimento expresso e escrito dos – dois – pais (mesmo que a residência tenha sido entregue a um deles), desde que não estejam inibidos do exercício das responsabilidades parentais, do representante legal ou da pessoa que tenha a guarda de facto: esta regra comporta excepções (pais ausentes ou incontactáveis), havendo nuances quando as crianças estão entregues a terceiros (deve haver o consentimento do guardante e dos pais, bastando, contudo, o do primeiro para o início da intervenção, caso a criança não viva de perto com estes últimos, porque vivendo com pais presentes e uma avó muito presente também, o consentimento só deve ser pedido aos pais); - com a não oposição da criança com 12 ou mais anos de idade (cf. artigo 10º/2 – em relação às crianças com idade inferior a 12 anos). Como se constata, a arma de actuação das CPCJ é o consentimento dos pais ou cuidadores – como tal, a entrada de uma criança no sistema de acolhimento dá-se por concordância dos próprios pais ou cuidadores. Nunca o Dr. CC, como Presidente da CN, interveio no sentido de impor residencialização de crianças, com o fito de vir a ganhar algo com isso. Dizer isso é insultuoso e difamatório. Cada IPSS recebe da Segurança Social aquilo que está prescrito na lei, para a normal prossecução da sua hercúlea tarefa de acolhimento, tarefa cara e muito desgastante. No que tange à Comissão Nacional, a lei (cfr. Lei nº 159/2015, de 10/8) também é esclarecedora: A Comissão Nacional tem por missão contribuir para a planificação da intervenção do Estado e para a coordenação, acompanhamento e avaliação da ação dos organismos públicos e da comunidade na promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens. São suas atribuições, nomeadamente: a) Ser ouvida nas alterações legislativas que respeitem a matérias relativas à sua missão; b) Bem como ser consultada sobre projetos de diplomas em matéria de infância e juventude; c) Dinamizar a celebração de protocolos de articulação e colaboração entre as seguintes entidades: d) Comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ); e) Serviços, organismos e outras entidades públicas com intervenção nas áreas da promoção, protecção e desenvolvimento integral dos direitos da criança; f) Instituições particulares de solidariedade social com intervenção nas áreas da promoção, protecção e desenvolvimento integral dos direitos da criança; g) Outras entidades privadas com intervenção nas áreas da promoção, protecção e desenvolvimento integral dos direitos das crianças; h) Solicitar estudos de diagnostico e de avaliação das necessidades de medidas e respostas sociais existentes ou a promover, no âmbito do sistema de promoção dos direitos e de protecção de crianças e jovens; i) Planear, acompanhar e avaliar uma estratégia nacional para a aplicação da Convenção dos Direitos da Criança, tendo em vista, designadamente, a recolha e o tratamento dos dados estatísticos relevantes no âmbito de aplicação desta convenção; j) Elaborar e submeter à aprovação do Conselho de Ministros um plano nacional plurianual de promoção e protecção dos direitos da criança, cuja coordenação de execução compete à Comissão Nacional; k) Aprovar e divulgar anualmente o seu plano de ação e o relatório de atividades; l) Concertar a ação de todas as entidades públicas e privadas, estruturas e programas de intervenção na área da promoção dos direitos e da proteção das crianças e jovens, de modo a reforçar estratégias de cooperação e de racionalização de recursos, podendo, para o efeito, emitir recomendações; m) Acompanhar, apoiar e promover mecanismos de supervisão e proporcionar formação especializada às CPCJ, com vista a melhorar a qualidade da sua intervenção; n) Auditar as CPCJ, de acordo com o disposto no artigo 33º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro; o) Formular orientações e emitir diretivas genéricas relativamente ao exercício das competências das CPCJ, bem como formular recomendações quanto ao seu regular funcionamento e composição, sem prejuízo da imparcialidade e independência em que deve assentar o funcionamento das CPCJ; p) Promover a audição, com caráter consultivo, de personalidades relevantes no âmbito de temáticas especifícas da promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens, sempre que tal se justifique; q) Contribuir para organizar e operacionalizar a intervenção eficaz das entidades com competência em matéria de infância e juventude; r) Participar na execução de inspeções à atividade das CPCJ, promovidas pelo Ministério Público e a seu requerimento; s) Realizar anualmente um encontro de avaliação da atividade das CPCJ, com base na divulgação e análise do relatório de atividades nacional. Como se vê, há independência e autonomia de cada CPCJ e nunca, nunca, nunca, o Dr. CC daria qualquer instrução directa para que uma criança fosse acolhida, para seu proveito directo ou indirecto (a ideia de alguém pensar isso é absolutamente revoltante!) ... Nenhum dos membros dos corpos sociais da Associação tem qualquer proveito económico, limitando-se a cumprir com zelo a sua cidadania activa. Nunca o Dr. CC foi remunerado pelos cargos que tem ocupado em prol da Criança – sei que apenas recebeu, como é de justiça, pagamentos por alojamentos e algumas refeições, quando em serviço, tendo pago voluntariamente do seu próprio bolso muitas dessas despesas “oficiais”. Um autêntico missionário ao serviço do bem público e do Cidadão chamado CRIANÇA! Sei pela boca do Dr. CC que a entrevista passada no programa foi apenas uma ínfima e tendenciosa parte do que lhe foi perguntado. Nunca a Associação soube com antecedência da denúncia que seria feita. Eu próprio fui contactado por sms pelo jornalista em causa para ser entrevistado no âmbito da reportagem que se avizinhava como sendo uma forma de publicitar o trabalho de uma IPSS em prol dos direitos da criança acolhida. Recusei entendendo que deveria ser o nosso presidente a pessoa a entrevistar, depois de conferenciar com o Dr. CC. Quem conhece o trabalho que a Crescer Ser faz nunca acreditaria nas infames insinuações feitas no programa. Mas a maioria das pessoas que assistem a estes programas não conhecem o trabalho do Dr. CC e da Associação. Como tal, a ideia do “negócio” (os queixosos teriam intervenção e vantagem pecuniária no acolhimento de crianças, condicionando-o de forma a fazerem com que as mesmas fossem colocadas na CRESCER SER, para sua vantagem e do seu Presidente), perpetuada até à exaustão, fez o seu sinuoso caminho e manchou a honra da IPSS a que o Dr. CC preside e dele próprio. Senti-me revoltado e indignado com tanta mentira à custa da honra de terceiros que têm sempre dado o melhor de si próprios, ao sistema de protecção de crianças em Portugal. E senti-me solidário com todos os obreiros desta Obra colectiva que todos os dias suam pelos direitos das crianças que o sistema entende que devem ser acolhidas. Julguei que os maus estilhaços da reportagem se iriam fazer sentir por muitos anos na honra desta Obra. Porque há gente que ignora o que a Associação faz, o mecanismo legal do sistema e que opta por acreditar em tudo o que lhes é contado, em prime time, com honras de verdade … Aquela noite foi um dos piores momentos da minha vida! E sei que também o Dr. CC se sentiu enxovalhado na praça pública, sem dó nem piedade. E acredito que tenha chorado. Como eu o fiz (por revolta)… Sei que as pessoas que conhecem o Dr. CC e a CRESCER SER não vacilaram no apoio mas o problema é a quantidade de gente anónima que vai acreditando em tudo o que se passa pelas televisões menos sérias. Acredito piamente que houve gente que deixou de fazer donativos por causa desta reportagem. Sei, porque o vi e senti, que o Dr. CC ficou extremamente abalado por esta situação ignóbil que lhe foi criada, com a maior injustiça do mundo! Há anos que o Dr. CC pedia para ser substituído no lugar de Presidente da CN, denotando natural cansaço pela idade (estamos a falar de um homem que, com 80 e alguns anos, ia palmilhando o país de norte a sul, ao encontro das CPCJ que amava como ninguém). E sempre lhe iam pedindo para ficar … É COMPLETAMENTE FALSO que a reportagem tenha despoletado o mecanismo da sua saída. Note-se que a sua substituição só poderia ocorrer com normalidade após a publicação do DL 139/2017 (que veio até alterar a forma de designação de tal presidente), o que ocorreu em 10/11/2017. E veja-se que a publicitação da sua substituição ocorreu nos jornais de 15 e 16/11/2017, logo antes da emissão da dita reportagem. (…)”. A testemunha ... explicou como no exercício da sua actividade profissional na Associação CrescerSer teve conhecimento de que a RTP iria aparecer na Associação por contacto do arguido que pediu autorização para fazer o trabalho tendo a direcção aceite tendo sido feito um trabalho jornalístico na Associação CrescerSer e em cinco casas dessa associação com o arguido, com o operador de câmara, colhidas imagens nessas casas e conversou com directores e técnicos tendo esta testemunha pensado que era sobre a actividade da associação mas depois viu a reportagem e viu que os casos retratados não têm nada a ver com a associação e fala da incompatibilidade de funções do assistente não tendo este se pronunciado – disse que chocou-a ver na reportagem que a associação, o assistente tinha um negócio de retirar as crianças para a Associação CrescerSer e tal chocou-a pois ficou uma imagem do assistente que não merecia porque nunca actuou para colocar crianças na associação, nunca teve nada a ver com as decisões assim como ainda explicou como tal gerou reações nos jovens e nos pais. O arguido apresentou rol de testemunhas tendo sido ouvidas as testemunhas de defesa ..., ..., ..., ..., ..., ... ..., ..., ..., ..., ..., ... e .... A testemunha ... explicou que tendo sido Presidente do Conselho de Administração da RTP apercebeu-se que o programa em causa levantou polémica e questões tendo-se inteirado desse programa tendo-o visto apercebendo-se de dois pontos: que levantava questões sobre potenciais conflitos de interesse que acha que é normal que esse tipo de programas levante e que o programa ouviu as várias partes que entende que é basilar assim como ainda explicou que é um mero gestor mas viu que o programa em causa tinha dois temas basilares versava sobre temas relevantes e pareceu-lhe que escutava as várias partes. A testemunha ... explicou a iniciativa legislativa da lei de 2017 sobre inibições no acolhimento de crianças e jovens em que participou assim como explicou que viu a reportagem causa. A testemunha ... explicou que viu a reportagem em causa na diagonal e esteve num frente a frente na RTP 1 onde também esteve o assistente há anos atrás tendo sido abordado o negócio na retirada e institucionalização de crianças e a relevância dos relatórios das técnicas assim como em relação à reportagem em causa disse que não era a primeira vez que viu aquilo que nela constava designadamente relativo a ... e que não viu nada de novo. A testemunha ... explicou que participou na reportagem em causa explicando o que entende como sendo estranho no excesso de institucionalização de crianças e incompatibilidade institucional entre quem exerce cargo directivo de instituição que acolhe e quem tem intervenção no processo e como entende a intervenção do assistente com o conflito de interesses que entende que existe. A testemunha ... explicou como foi a actuação do arguido em trabalho jornalístico sobre a Opus Dei a que esta testemunha pertence. A testemunha ... ... explicou que viu a reportagem em causa e que foi director adjunto de informação à data de 2017 explicando em que situações nesse cargo via as reportagens explicando os dois pontos que a reportagem pretende mostrar como funciona a retirada de crianças aos pais para instituições e questionar até que ponto os dois lugares são ocupados pela mesma personalidade com conflito de interesses tendo o arguido colocado a questão e o assistente dá opinião tal como outros intervenientes mas na reportagem não viu a afirmação do arguido de negócio de institucionalização de crianças. A testemunha ... explicou que trabalhou na reportagem em causa em que fez a captação de imagens – que é um trabalho de equipa do repórter de imagem e jornalista redactor mas não com a arguida – assim como também fez as imagens do assistente na Associação. A testemunha ... explicou que é repórter de imagem e trabalha também com o programa “Linha da Frente” tendo na reportagem em causa fê-lo um só dia com uma senhora a quem foram retiradas crianças e interagiu com o arguido mas não com a arguida. A testemunha ... explicou tendo-lhe sido pedido parecer fez análise da reportagem em causa onde diz que viu um conjunto de factos e opiniões que estão expressas e em que o repórter dá opinião e que partindo do pressuposto que o repórter diz a verdade não vê nada de mal na reportagem e que a reportagem levanta questões pertinentes, não faz afirmações, não emite juízo final. Explicou a dificuldade de jornalista em linguagem que não domina e como na reportagem em causa de investigação tem linguagem televisiva muito específica e que parte de um ângulo como o discurso humano assim como entende que como princípio geral deve-se dizer ao que vamos quando se faz reportagem com duas excepções que indicou. A testemunha ... explicou que participou na reportagem em causa e as queixas da CPCJ com denúncias de retiradas abusivas de crianças sem fundamento e sem regime de prova  e que a reportagem transcreveu o que disse e quem ouviu entendeu o que quis, disseram o que quiseram dizer, disseram a incompatibilidade existente, e que não deve existir, que o assistente tem poderes para colocar crianças onde quer que seja, a testemunha diz que não disse que o assistente escolhia as crianças mas preside a instituição que precisa de crianças para existir e as que estavam na CrescerSer eram sinalizadas pela CPCJ e o assistente é responsável pelas duas, acolhe-as sem verificar se foram bem ou mal retiradas,  fez vistoria às CPCJ de Beja e de Alcácer do Sal, através das assistentes sociais que escolhem para onde vão as crianças, é presidente das assistentes sociais e da CPCJ, tem um belo património, um belo carro, uma bela vivenda. Mais explicou que não conhece a arguida e que falou sempre com o arguido. A testemunha ... explicou que é editor de imagem e fez a produção da reportagem em causa mas não recebeu ordens da arguida e ela nem sequer esteve ao pé dele quando fez a edição de imagens. Explicou que trata de imagem e do som assim como a escolha da música da reportagem é escolha do editor e do jornalista – tal como é escolha dos dois a escolha de imagens. A testemunha ... explicou que no exercício da sua actividade profissional fez pesquisa para a reportagem que foi de contacto para o arguido ir com uma pessoa ao Porto de comboio e falou com a C.P. assim como explicou que é possível que tenha falado com a arguida como coordenadora. A testemunha de defesa do arguido ... explicou a sua participação na reportagem em causa como repórter de imagem tal como a testemunha ... que fez a captação de imagens e a testemunha ..., editor de imagem, fez a produção da reportagem em causa, a imagem e som, explicando como a escolha da música da reportagem é escolha do editor e do jornalista – tal como é escolha dos dois a escolha de imagens enquanto que a testemunha de defesa do arguido ... explicou a sua participação de pesquisa para a reportagem que foi de contacto para o arguido ir com uma pessoa ao Porto de comboio e falou com a C.P.  e a testemunha de defesa do arguido ... explicou como foi a actuação do arguido em trabalho jornalístico sobre a Opus Dei a que esta testemunha pertence. A testemunha de defesa do arguido ... explicou a sua participação na reportagem em causa e explicou o que sente em relação às atribuições do assistente. As testemunhas de defesa do arguido ..., ..., ..., ..., ... e ... ... que explicaram que viram a reportagem em causa e nada nela viram a não ser um conjunto de factos e opiniões que estão expressas. Há prova documental e testemunhal produzida, em especial a que resulta do DVD respeitante ao conteúdo do programa televisivo em causa e do DVD respeitante à entrevista ao assistente, os quais, sendo prova documental por meio de reprodução mecânica, nos termos do artigo 164º do Código de Processo Penal e do artigo 255º do Código Penal, podem ser valorados por não se tratarem de reproduções obtidas de forma ilícita (artigo 167º, nº 1 do Código de Processo Penal), devendo a sua apreciação ser feita segundo as regras da experiência e a livre convicção do tribunal, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal. O referido programa é da autoria do arguido AA tendo ...e ... como repórteres de imagem, ... na edição, ... no grafismo, ... na pesquisa, ... na produção e a arguida BB na coordenação. Foi emitida a reportagem no dia 23 de Novembro de 2017, pelas 21 horas e 30 minutos, pela RTP1, no programa «Linha da Frente”, com o título "Quanto custa criar". O referido programa, da autoria do arguido AA, sendo coordenadora do programa a arguida BB, a qual teve conhecimento dos termos em que esse programa seria difundido. A reportagem em causa foi visionada por um elevado número de espectadores, pois que inserida num programa com vasta audiência, tendo sido previamente anunciada – a testemunha ...disse que: “assisti no dia em causa à reportagem (…) avisado que estava desde manhã por amigos que tinham visto o spot promocional a passar incessantemente durante o dia”. A reportagem foi construída e apresentada, por conjugação selecionada de perguntas e respostas e imagens projectadas e tinha como tema a institucionalização de crianças retiradas às suas famílias em alegadas situações de perigo, com o recebimento das respetivas contribuições pagas pelo Estado, através da Segurança Social, para suporte dos respetivos encargos. Do visionamento feito à reportagem em causa, emitida pela RTP 1 em 23/11/2017, no programa "Linha da Frente", sob o título "Quanto custa criar", temos uma reportagem televisiva que assenta essencialmente em imagens e depoimentos que vão passando de acordo com a narrativa do jornalista sobre um determinado tema (o da institucionalização de crianças retiradas aos pais), que pretende transmitir uma mensagem aos espectadores sobre esse mesmo tema, no qual vai sendo visado a pessoa do assistente na sua dupla qualidade de Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) e de Presidente da "Associação CrescerSer", que acolhe crianças retiradas aos pais. O assistente é fundador da Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família - CrescerSer e à data dos factos desempenhava as funções de presidente da sua Direcção. O assistente era, também, à data dos factos, Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens. A Associação referida é uma instituição particular de solidariedade social, de âmbito nacional, com sede na Rua Costa do Castelo, nº 5, r/c, em Lisboa, e tem, segundo o seu estatuto, como objetivo proceder ao estudo interdisciplinar das questões relativas à proteção judiciária e administrativa das crianças e da família, bem como promover, dinamizar e organizar serviços comunitários de apoio à criança, ao jovem e à sociedade familiar. Os corpos gerentes de tal associação exercem funções a título completamente gratuito. A Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens tem o seu âmbito de atribuições definido pelo Decreto-Lei nº 139/2017, de 10 de Novembro. O assistente foi entrevistado no âmbito dessa reportagem durante cerca de uma hora, mas dessa entrevista foram apenas retirados para a reportagem pequenos excertos descontextualizados da mesma e nela não foi o entrevistado expressa e explicitamente confrontado com as concretas questões que vieram a constituir o fio condutor da reportagem publicitada, nem o assistente se apercebeu quanto ao modo como a peça jornalística seria organizada e apresentada. A reportagem vale não só por aquilo que nela se diz e se visiona, mas, também, pelo que nela não se diz e não se revelou, mas que se insinua e que é possível a qualquer teleespectador atento dela inferir, de acordo com as regras da experiência comum. Há que distinguir entre o que se diz e se vê na reportagem, do que nela não se diz, mas se insinua e se permite inferir, ainda que que sob a forma de suspeita, de acordo com um raciocínio lógico e pautado por critérios de razoabilidade e de experiência comum. A reportagem tem a duração de 30 minutos. A reportagem assenta em casos de crianças que foram retiradas a quem tinha a sua guarda, algumas das quais terão sido entregues ao cuidado de instituições, iniciando-se com o caso de uma mãe, ... e a imagem desta. Diz o jornalista: “... está grávida de 6 meses e fixou sem as três filhas retiradas de uma só vez pela Segurança Social, uma foi entregue a um pai ausente, diz, as outras duas a um pai condenado por violência doméstica agravada", a que se segue excertos das declarações prestadas por aquela mãe, que, a chorar, no essencial diz "vou lutar, não desisto enquanto as minhas filhas não voltarem para casa, eu não desisto, sinto-me inútil e impotente quando é a minha filha a pedir para vir para casa e não poder, como é que eu vou explicar a uma criança que a justiça não deixa, mas qual justiça?", logo seguida de excerto de uma gravação entre ... e uma técnica da Segurança Social em que se ouve aquela a dizer: "mas por amor de Deus, porque me estão a fazer isto? ao que a técnica responde: "a senhora incumpriu" e aquela diz: "Mas incumpri em quê?" ao que a técnica responde: "assinou um acordo", ao que aquela diz: "mas ela esteve com o pai esta semana" e a técnica diz: " a sua filha vai para o pai" ao que aquela diz: "mas porquê?" e a técnica responde: "Porque conside... nós" ao que se ouve ... dizer: "mas, cm risco, está em risco porquê?” ao que a técnica diz: "porque sim". A seguir, enquanto se vê o jornalista a tocar à campainha da porta da Associação CrescerSer, que é aberta por CC, ouve-se o jornalista a dizer: "O drama não acaba aqui. Há 8175 crianças retiradas aos pais e quase todas metidas em 351 lares de acolhimento. CC passou 12 anos como Presidente da Comissão de Protecção de crianças e jovens em risco, um organismo de supervisão do Estado e ao mesmo tempo foi e é presidente de uma instituição privada de acolhimento de crianças", perguntando a CC, cuja imagem ocupa todo o ecrã, “podemos falar de conflito de interesses?”, ao que este responde: “é uma ideia preconceituosa e até, por vezes, maldosa a de que há um negócio por detrás disso”. A reportagem a seguir retoma o caso de ..., com a imagem desta no comboio, dizendo o jornalista: “... vai de Lisboa visitar a filha mais velha de 7 anos, que vive agora com o pai perto do Porto, por decisão do tribunal – 350 km para ir e 350 km para voltar. ... irá servir de guia à nossa reportagem porque no supremo interesse dos menores há também muitas entregas violentas de crianças e alegados conflitos de interesse”. Diz ainda o jornalista que: “por lei e ética não poderemos mostrar peças processuais, referir nomes de pessoas que recusem, de crianças envolvidas ou revelar fotos”. A imagem foca-se então em ..., dizendo o jornalista que o dia desta começa com o ritual do café mas que “presentes estarão sempre as imagens de 7/12/2015, quando lhe retiraram três filhas num só dia”, a que se segue declarações daquela sobre a forma como isso ocorreu, dizendo a mesma, entre outras coisas: “levaram-nas sem deixarem ter qualquer tipo de contacto com as crianças e sem explicarem o porquê às crianças nem a ela própria e que embora a mais pequenina não tenha sentido tanto, as outras duas choravam muito, com as técnicas a empurrarem e a não me deixarem aproximar delas … e no dia seguinte quando consegui ver uma delas só pedia para vir para casa”. Surge, a seguir, CC a dizer que “só são retiradas nessa situação, sem o consentimento, se porventura estiverem numa situação de emergência que pode ser uma situação de risco para a vida, como por exemplo maus tratos graves que ponham em causa a vida da criança, ou a integridade física ou a integridade psicológica”. Depois o jornalista diz que: “no caso de ... os riscos corriam ao contrário – um pai mostrava-se desinteressado, diz, o outro foi condenado por violência doméstica agravada”, com ... a declarar: “ficou provado que foi na presença das meninas que ele me agrediu e estamos a falar de agressões graves … as minhas filhas estão agora com o pai. O pai da mais velha nunca quis saber dela, até aos cinco anos nunca quis saber dela, seguiu a vida dele e tiraram-ma sem ter nenhuma intimidade com o pai … quando elas chegaram a casa dos pais nem tinham camas sequer onde dormir, as técnicas não foram verificar nada”. Depois ouve-se o jornalista a dizer: “reconstituímos com outras vozes o que se terá passado no momento da retirada das filhas de .... Há falta de rigor na argumentação da técnica” ouvindo-se, então, uma gravação do suposto diálogo entre a técnica da Segurança Social e ..., nestes termos: Técnica – A menina não teve acesso a bens de primeira necessidade A. ... – E quais bens, está-me a dizer isso com fundamento em quê? Técnica – Com fundamento de toda a informação recolhida. A menina não teve acesso às vacinas em tempo útil. A. ... – Mas pela minha filha não ter as vacinas em dia, vão me tirar a minha filha? Depois, diz o jornalista: “os dois pais das três filhas em causa de ... foram contactados por sms para os seus telemóveis, um não respondeu, o outro não quis prestar testemunho”. A seguir, diz-se pela voz do jornalista, que “... (com imagem desta no comboio) preside a uma Associação, “Amarca”, que junta dezenas de mães, que lutam para recuperar os seus filhos retirados pelo Estado Português”. Logo de seguida passa para a imagem de ... e da casa onde, diz o jornalista, “até há pouco, esta viveu com os seus seis filhos, uma jovem de 17 anos de um primeiro casamento e cinco filhos do segundo casamento dos últimos dez anos”. É questionada pelo jornalista sobre o dia em que lhe levaram as crianças, ao que a mesma diz: “lembro-me perfeitamente, como se fosse hoje. Foi dia 27 e 28 de Junho. Primeiro vieram buscar os meus dois pequeninos e no dia a seguir foram os outros três. Custou muito ver os filhos partirem. Eles são crianças fortes, foram o melhor possível, disseram-lhes que eles iam só durante seis meses para uma instituição para a mãe se reorganizar”. Questionada pelo jornalista sobre se acha que eles acreditaram, ... diz: “não, não, não acho”. Depois, com a imagem de ..., marido de ..., diz o jornalista: “..., pai dos cinco meninos metidos numa instituição, explica a brecha que permitiu à Segurança Social interferir na sua vida. A enteada do … apresentou queixa do padrasto que foi absolvido, mas a enteada, menor, com 17 anos e problemática continuou em casa. A Segurança Social preferiu levar os cinco filhos de … e … entre os 6 e os 12 anos de idade e meteu-os em lares, mas separados”. A seguir ouve-se ... a dizer que tinha algumas discussões com a companheira por causa da enteada “porque ela cometeu alguns actos ilícitos, que agora não vale a pena”, ouvindo-se nesse momento o jornalista a dizer “foi apanhada a roubar coisas numa loja”, ao que ... diz: “sim, numa loja, em casa, cometia faltas à escola constantes, tudo isto estava a se transformar numa bola de neve a meu ver eu senti-me na obrigação, embora me tenha mantido sempre à parte na educação porque sempre deleguei essa função à mãe, porque ela”. Novamente ouve-se o jornalista a interromper e a dizer: “não era sua filha” e aquele continua: “sim, não era minha filha, sempre definimos muito bem os nossos papeis e ela nunca me viu como pai e eu sempre me mantive ao lado dela como um amigo e era nesse campo que eu interferia”.  Volta a passar a imagem para ... que diz que “já vai para três meses e tal, quase quatro meses que os filhos foram retirados” e que à pergunta do jornalista “acha que vão devolvê-los ao fim dos 6 meses?” diz: “é uma questão que não se sabe. Ainda não fui chamada para falar com a juíza”, ao que o jornalista diz: “levaram-lhe os filhos e ainda não foi chamada para ser ouvida?”, ao que aquela responde: “não, não, não fui”. A seguir o jornalista refere: “os contribuintes portugueses pagam €5.000,00 por mês às instituições que acolheram os cinco filhos de ... e ..., €1.000,00 por cada um”, para de imediato passar a imagem de CC a dizer: “esse dinheiro não chega, como acontece com a CrescerSer” e imediatamente passa a imagem de ... a dizer: “sinto que ser pobre sou posta à margem, não tenho os mesmos direitos que as outras pessoas, sim” (o que sugere que isso lhe terá sido perguntado pelo jornalista). De seguida ainda surge ... a falar da falta que sente das rotinas com os filhos e do barulho deles em casa. O cenário muda depois para o tribunal de Santarém (com a imagem dos pais e do seu advogado a entrarem para o tribunal) onde, diz o jornalista, “ocorre uma diligencia de uma criança que tinha sido retirada aos pais e metida num lar de acolhimento apenas porque tinha a roupa suja e calçado não adequado à época. A família é pobre e o juiz reverteu a sua sentença. Não deu razão à técnica da Segurança Social, que até tinha indicado o nome do lar onde a criança deveria ser metida”. Passa depois a imagem do pai da criança a falar dizendo: “Pedimos ajuda à Segurança Social e o que eles fizeram foi praticamente zero, a única medida que tomaram foi para a retirada da menina e mais nada”. Questionado pelo jornalista sobre se os argumentos não eram sólidos, respondeu, referindo-se às técnicas da Segurança Social: “elas não querem saber dos argumentos, elas veem, escrevem aquilo que elas entendem e que lhes interessa escrever, baseadas em mentiras, em coisas que não são reais e tiram a criança e mais nada. Aí não há volta a dar, é lutar no tribunal, não há mais nada a fazer”. A seguir é passada a imagem de CC a dizer: “o sistema é um sistema bastante completo e exigente na medida em que exige saber, sabedoria, humildade, amor às crianças e às famílias e respeito por todos”. Depois a imagem passa para o advogado ... que diz”: “Vou-lhe configurar, um vizinho que não goste do vizinho do lado, faz uma queixa à CPCJ ou às técnicas da Segurança Social e o que é que acontece, aquela criança vai logo ser retirada.”. “Mas como?” pergunta o jornalista, ao que aquele responde “basta só haver uma sinalização anónima, hoje em dia nem é preciso alguém identificar-se para fazer uma queixa do vizinho, e basta só dizer que a criança é vítima de maus tratos, aparece esta gente toda ali, sem haver uma averiguação prévia e depois ficam sujeitas ao bom humor das técnicas que lá forem, se gosta da casa, gosta da cara, tudo bem, não gosta da casa, não gosta da cara e às vezes as pessoas até veem a privacidade invadida e ressentem-se um bocado por essa privacidade ser invadida e podem falar de maneira mais dura, falam de maneira mais dura, a técnica sente-se ofendida e tira-lhes a criança.”. De seguida a reportagem incide sobre uma mãe que, segundo o jornalista, “tenta recuperar a filha de um lar da Santa Casa da Misericórdia. A Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em risco ter-lhe-á dito para vir aqui, mas sem papéis”, com a imagem de duas mulheres junto a um portão, que supomos ser do referido lar, uma delas a falar com alguém que as atende por um postigo, não sendo muito perceptível o que dizem. Uma das mulheres identifica-se como sendo da “Amarca”, que diz que vai dar uma entrevista, e ouve-se a pessoa que as atende a dizer que vai chamar a educadora, que vem falar com ela. Apenas se ouve um boa tarde e depois vê-se as duas mulheres a atravessarem a rua, deixando para trás o portão. Se lá chegaram a entrar ou não, não se diz na reportagem. Já depois de as duas mulheres se afastarem do local, num cenário noturno, vê-se uma imagem do mesmo portão, aberto com um carro a entrar, dizendo o jornalista: “este automóvel pertencerá à Santa Casa da Misericórdia e entra a horas tardias, mas papeis nem vê-los. A mãe não conseguiu levar a sua filha para casa”. A reportagem foca-se, então, no caso de uma avó, em Óbidos, ..., com o jornalista a dizer: “Em Óbidos, dentro das muralhas, vive esta senhora numa velha casa a precisar de obras urgentes. É a avó, retiraram-lhe o neto de 13 anos e lamenta-se a toda a gente. O neto foi entregue a uma filha de 40 anos que é mais endinheirada”. Diz ...: “Já tive a casa pior. Nunca cá tive a protecção de menores, nunca me tiraram os meus meninos e eu tinha a casa pior que hoje”. Logo a seguir a imagem de uma filha de ..., ..., a dizer: “Eu sempre vivi aqui, independentemente da casa ser pobre, como é, é realmente, mas temos muito amor, muito carinho. Quando um filho é tirado a uma mãe, que é como se tivesse sido porque a minha mãe é que tomava conta dele desde que nasceu, praticamente tomava conta dele, neste momento interrompe o jornalista dizendo “durante 13 anos”, ao que aquela diz: “Sim, durante 13 anos”. A seguir volta a falar a avó, ..., que diz que criou o menino desde que ele nasceu, desde que veio da maternidade e que recorda o que foi a sua infância e juventude de trabalho com a sua mãe e termina a dizer que o seu grande  sonho é "que lhe seja entregue o seu menino e que lhe tirem as calúnias que as senhoras técnicas têm dela". A imagem volta a focar-se cm CC, a quem o jornalista coloca a seguinte questão: "A pobreza é um problema que leva à institucionalização das crianças?" Ao que aquele responde: "Hoje a pobreza, em SI mesmo, não leva à institucionalização directamente, mas indirectamente leva. Nós não poderemos ter progresso nisto se não combatermos a pobreza." De seguida a reportagem mostra imagens de uma festa no Casino do Estoril, com CC a cumprimentar pessoas que vão chegando e o jornalista a dizer: "Estamos na festa de gala da CrescerSer, em 2017, no Casino do Estoril, para angariar mais dinheiro para a instituição privada presidida pelo juiz CC, um homem de 82 anos convidado para presidir a um organismo estatal de supervisão de crianças e jovens em risco quando tinha 70 anos de idade. Aqui vê-se Paulo Guerra, director adjunto do Centro de Estudos Judiciários e membro directivo da CrescerSer", com a imagem de ...a fazer a apresentação do que se está a celebrar, com referência às casas da Associação. A seguir o cenário muda para um parque infantil com o jornalista a dizer: "Para se perceber quanto recebem os lares de acolhimento, vamos dar um exemplo: as duas irmãs que estão internadas na CrescerSer custam aos contribuintes €2.000,00 por mês. A mãe vem de longe para as ver. A pergunta é óbvia, não seria melhor que as crianças estivessem em casa, em família acompanhada? O juiz CC responde" - "Concerteza que a CrescerSer gostaria de intervir nesse acompanhamento familiar porque nós defendemos que o acolhimento seja a última solução, a não ser que se imponha pelas circunstâncias." Com a imagem centrada nas crianças no parque infantil diz o jornalista: "Mas afinal quais são os objectivos da CrescerSer, como é que nasceu esta instituição privada de acolhimento?" Responde CC que: "ela nasceu de certo modo da ambiência do Centro de Estudos Judiciários onde era Director de Estudos e da constatação da falta de resposta que havia. A ideia foi criar uma instituição, não era propriamente para a residencialização". Depois o jornalista lança no ar a questão: "Mas haverá incompatibilidade entre a supervisão do Estado e a direcção de Instituições privadas, pelo juiz CC, como aconteceu até agora?" A essa pergunta responde Guilherme Figueiredo, Bastonário da Ordem dos Advogados que diz: "Temos que ver isto, não pela pessoa, mas por circunstâncias objectivas e, portanto, relativamente às circunstâncias objectivas, quem está nas Comissões não deve estar, na minha opinião, depois nas Instituições". Responde também o advogado ...: "Não posso conceber um sistema como correcto, honesto e credível quando é possível meter quem sinaliza, quem retira e quem acolhe. Nós temos Instituições em Portugal, uma Instituição em Portugal que é dirigida por quem acumula essas funções". Por sua vez ..., ex-Bastonária da Ordem dos Advogados diz: "Terá que haver uma sindicância para ver se não há esse conflito latente. Se há aqui interesses que possam ser conflituantes entre a presidência da CPCJ e a presidência de uma associação que faz o acolhimento de crianças, até porque esse acolhimento é remunerado". A reportagem volta a focar-se no caso de ... que vai no comboio de viagem para o Porto para poder ver a filha e que diz: "Como é que um juiz, neste caso o Dr. CC, está bem que está jubilado, mas que é um juiz, é director da CPCJ e director de uma instituição com cerca de 8, 9 casas de acolhimento que é a CrescerSer. Há-de reparar que é muito estranho como é que apoiam retiradas e neste caso este Dr. até me disse a mim "não, em Portugal não se pode tirar crianças por carências económicas", mas é mentira, retiram, nós temos provas disso, temos relatórios". A câmara volta a focar CC com o jornalista a questioná-lo se já foi alguma vez presenciar uma dessas institucionalizações forçadas, ao que o mesmo responde: "não, nunca fui". A seguir surge a imagem de várias mulheres e um homem a dirigirem-se para a Procuradoria-Geral da República com o jornalista a dizer: "São 15.00 horas e estas mulheres, que representam a "Amarca", vão apresentar queixa de dezenas de retiradas de filhos que consideram injustificadas. Vão queixar-se a ..., Procuradora-Geral da República, que também já pertenceu à instituição privada de acolhimento CrescerSer". Logo de seguida surge CC a dizer que ... já não é elemento da Crescerser por força das funções que a mesma tem, mas chegou a ser e que é uma pessoa extraordinária". O jornalista diz que a audiência terminou duas horas depois e logo de seguida surge ... a dizer: "Nós temos queixas de violência dentro das instituições, nós temos provas numa instituição nos Açores, em que uma mãe fez queixa que a criança foi agredida, em que a própria Directora responde "pois, isso depende do contexto", não, não depende. Se uma mãe agride uma criança em público, a criança é-lhe retirada, qual é a legitimidade de uma Instituição para agredir uma criança? Nenhuma, não há aqui controle, não há fiscalização". A seguir a imagem passa para o advogado ..., que diz: "O Instituto da Segurança Social tem vindo a negar, quando arquivam os processos, o acesso a essas decisões com fundamento em segredo, quando existe uma norma do CADA que obriga à divulgação dessas decisões, ou seja, o ISS pretende que os queixosos não tomem conhecimento das decisões para deixar prescrever o processo e não punir as suas Técnicas". É depois referido pelo jornalista que contactou o Instituto da Segurança Social "para saberem a resposta a esta e a outras questões, mas a resposta foi um não", mostrando um ofício do ISS de resposta ao pedido de entrevista que diz "neste momento não há disponibilidade para conceder uma entrevista por parte da Direcção do Instituto da Segurança Social". Logo de seguida surge o Bastonário da Ordem dos Advogados que diz "é sempre bom que o advogado tenha acesso a todos os elementos para poder fazer uma boa defesa das questões que lhe estão confiadas" e a câmara volta a focar-se em ..., no comboio, dizendo o jornalista: "... continua a sua longa viagem. Pediu há quase 24 horas para ver a filha que está agora no Norte, separada das duas irmãs. No caminho vai falando com ... em Torres Vedras que pinta para se acalmar. Dois gémeos foram retirados a ..., com apenas 4 meses de idade", focando-se então a imagem nesta última (que no ecrã surge com o nome de ...), que diz: "Era tudo o que eu mais queria neste mundo, se for preciso ia buscá-los à China, vou buscá-los à China, mas eu vou estar aqui para os receber e eles vão ver que a mãe sempre lutou muito por eles". Diz então o jornalista: "um dos gémeos foi entregue ao cunhado do seu ex­companheiro, lamenta ..., o outro a uma sua filha mais velha. Ambos se recusaram a falar". Depois, diz ...: "o tio era director da Segurança Social e tinha todos os poderes, abaixo dele tinha essas técnicas da CPCJ e todas as técnicas da Segurança Social. Ela como psicóloga da Santa Casa também fazia relatórios das visitas onde eu estive a ver depois os meus filhos, estive no MDV, na Passo a Passo, na Condignitatis, que exigiu que eu pagasse para ver os meus filhos e eu denunciei e fizeram logo por cortar as visitas e eu só tive uma visita, um sábado, uma vez, uma hora." É mostrado então um documento, dizendo o jornalista: "Este é o documento em causa. Trata-se de uma mediação. A mãe terá de pagar para ver o seu filho. Ao sábado terá o custo de €30,00 por técnico/hora e ao dia de semana terá um desconto de 5€." (tal documento, porém, está dirigido à juiz e não a ...). A seguir diz o jornalista: "Na CrescerSer presidida por CC é diferente. Recebe-se €1.000,00 por mês, por cada criança acolhida. Em Portugal existem 351 lares de acolhimento que recebem o mesmo por cada criança", passando de imediato a imagem de CC a dizer: "A Segurança Social, o Estado, dá um auxílio significativo, mas é insuficiente. Se não houver ajuda da própria comunidade é insustentável. Verão que não é nenhum negócio, pelo contrário". O cenário muda para a associação CrescerSer com entrevista a ..., Secretária-Geral da CrescerSer, a qual recorda como surgiu a Associação ("de um grupo permanente de análises no CEJ, liderado pelo Dr. Laborinho e o Dr. CC, juntamente com Procuradores, Assistentes Sociais e outras profissões que a eles se juntaram e lançaram este repto à comunidade de Oeiras que nos cede esta casa para 14 crianças"). A seguir o jornalista refere: "a CrescerSer tem sete casas de acolhimento, com mais de 80 crianças e os seus órgãos sociais e contas publicados na internet. ... tem posto todo o seu saber e entusiasmo ao longo destes anos neste projecto nascido no CEJ", passando depois ... a falar do trabalho que é preciso fazer com as crianças e a família dizendo que por vezes chegam muito tarde. E depois o jornalista diz: “O empenho de ... é grande na ajuda às crianças, cumpre directrizes, mas Portugal tem excesso de crianças em Lares, cerca de 97%, mas uma lei recente já não o permite e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa vai ser pioneira da mudança", aparecendo depois ... da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a falar do exemplo da Irlanda, que só tem 5% de crianças em Lar, e que a estratégia passa pelo apoio a acolhimento familiar e com a família. Após, surge ..., advogado, a dizer: "Cá em Portugal não acontece isto porquê? Porque todo o nicho de negócio que existe foi canalizado para as Associações, ou seja, hoje em dia paga-se 350 euros a uma família de acolhimento para acolher um jovem que se for para uma instituição o Estado paga 950. Perguntar­me-á porquê? O porquê eu não saberei, mas posso dizer que existem certas situações que são um bocado estranhas. O facto de essas Associações terem juízes, procuradores, advogados, assistentes sociais, juízes sociais, portanto, tudo isso é estranho". Ao que o jornalista lhe pergunta: "Acha que é incompatível?" E aquele responde: "Eu acho que há uma incompatibilidade absoluta. Não se pode pôr uma raposa a guardar um galinheiro". A seguir, a reportagem foca-se outra vez em ... dizendo o jornalista que aquela "deixa o comboio na esperança de estar uma hora com a filha que lhe foi retirada para ser entregue ao pai que foi obrigado a fazer um teste de ADN para aceitar a paternidade e que em cinco anos visto apenas três tardes, diz". Já com ... sentada num banco de jardim, à espera, o jornalista diz: "esta é uma das três filhas em causa que lhe foram retiradas num só dia. Ninguém aparece, o frio aperta, começa a ser noite, percorreu 700 km para nada". Vê-se então ... a abandonar o banco e a regressar ao comboio e a dizer: "As próprias Técnicas da Segurança Social já consideraram que não há um risco comigo. Há uma luta de custódia há quase dois anos. Uma retirada assim tão violenta e ainda não assumiram. No fundo, no relatório, vêm dizer que a mãe não constitui nenhum risco e não permitem que as coisas voltem à naturalidade". Com a imagem de ... sentada no comboio, de volta para casa, diz o jornalista: "Ana percorreu 700 kms para nada. Considera-se uma boa mãe, uma mulher justa e de bons costumes e pede ajuda". Ouve-se então ... a dizer: "Temos uma criança aqui no meio que não sabe o que há-de pensar, temos uma mãe que anda para trás e para a frente a tentar ver a filha e temos uma família materna completamente destroçada - não se faz”. A reportagem termina com um texto que passa no ecrã e é lido pelo jornalista que é o seguinte: "O juiz CC foi durante 12 anos, presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco e ao mesmo tempo foi e é presidente dos lares privados da CrescerSer. CC deveria cessar funções em 2019, seis dias após entrevista ao Linha da Frente foi substituído. O Estado Português gasta anualmente cerca de 90 milhões de euros com os 351 lares de acolhimento". O que não se diz na reportagem, mas claramente nela se insinua, tendo em conta a descrição acima referida do que na mesma se diz e se mostra: - não se diz as razões pelas quais as crianças, que são referidas nos casos de que a reportagem fala, foram retiradas aos pais ou a quem tinha a sua guarda e foram entregues a outros familiares ou a Instituições; - não se diz qual a entidade que ordenou essas retiradas, nem as circunstâncias em que as mesmas ocorreram - se no âmbito de um processo de promoção e protecção, se de um processo de regulação das responsabilidades parentais, ou se no âmbito de aplicação de medidas por parte da Comissão de Proteção de Menores com o consentimento dos pais. Note-se que de todos os casos apresentados, apenas em dois deles se diz ter havido retirada das crianças aos progenitores e o seu acolhimento em duas instituições - uma na Santa Casa da Misericórdia, outras duas na "CrescerSer". Nos outros três casos (..., ... e ...) o que se diz é que as crianças foram entregues a outros familiares e no caso da menina de Santarém, não terá chegado a haver a entrega da mesma em nenhum lar de acolhimento como, alegadamente era proposto pela técnica de Segurança Social, por não ter sido essa a decisão do tribunal; - não se imputa qualquer acto de intervenção por parte do assistente CC nos casos que vão sendo apresentados ao longo da reportagem; - não se explica quais as atribuições da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, a que presidia o assistente CC, e quais as atribuições das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, designadamente ao nível da competência para determinar a institucionalização de crianças em lares de acolhimento, nem qual a relação existente entre aquela e estas; - afirma-se que uma das mães (...) tinha de pagar para visitar os filhos numa instituição, no âmbito de um processo de mediação, e exibe-se como prova um documento de onde se diz que resulta tal pagamento, mas não se esclarece que se trata de um ofício dirigido ao juiz e não à mãe das crianças a exigir tal pagamento, passando apenas a mensagem de que o pagamento era devido por esta. Apesar de tudo isso ficar por dizer e de não se esclarecer a diferença de tratamento legal nuns casos e noutros, nem qual a entidade competente para a sua decisão transmite-se ao telespectador a ideia de que todos esses casos terão passado pelo crivo da Comissão Nacional de Protecção a que o Dr. CC presidia e que em todos eles o mesmo terá exercido a sua influência. As insinuações, porém, não se ficam por aí. Procura demonstrar-se a incompatibilidade de funções entre a presidência da Comissão Nacional por parte do assistente CC e a presidência deste na Direcção da Associação "CrescerSer", com depoimentos de pessoas conhecidas do grande público como é o Bastonário da Ordem dos Advogados e a ex-­Bastonária da Ordem dos Advogados, sem nunca se esclarecer as competências daquele naquela Comissão, as atribuições desta e as funções da "CrescerSer". Transmite-se a ideia de que os filhos são retirados aos pais para serem entregues a instituições de acolhimento de forma injustificada, por razões de pobreza das famílias, sem qualquer critério por parte técnicas de Segurança Social, com depoimentos emotivos nesse sentido que facilmente captam a simpatia do  telespectador, e que as mesmas são institucionalizadas à custa do dinheiro dos contribuintes, para beneficiar apenas os lares de acolhimento, em prejuízo das próprias crianças que estariam melhor junto das famílias ou de famílias de acolhimento, onde o custo a suportar seria muito menor. Insinua-se e lança-se a suspeita de que existe um interesse económico por detrás da institucionalização das crianças retiradas aos familiares na sequência da intervenção da Comissão Nacional de Protecção, deixando no ar a suspeita de que tal institucionalização será facilitada pelo facto de o presidente dessa Comissão, o assistente CC, ser também o presidente de uma Associação privada que tem sete lares de acolhimento, a "CrescerSer" e de esta ter sido formada no Centro de Estudos Judiciários e ter uma Direcção composta por juízes, procuradores e advogados, fazendo-se inclusive uma alusão ao facto de do assistente CC ter sido nomeado Presidente da Comissão aos 70 anos, o que tem ínsito um juízo depreciativo, como se com essa idade ele já não tivesse a capacidade necessária para o exercício do cargo. Essas insinuações e suspeitas são evidenciadas quando: - ... surge a declarar que lhe retiram as filhas porque não tinham as vacinas em dia e que o próprio Dr. CC lhe disse a ela que em Portugal, não se pode retirar crianças aos pais por carências económicas, o que é mentira, e se afirma, depois de se ouvir o assistente CC dizer que só em situações de emergência e de risco para os menores é que os filhos podem ser retirados aos pais, que "no caso de ... os riscos corriam ao contrário - um pai mostrava-se desinteressado, o outro foi condenado por violência doméstica agravada", procurando evidenciar-se, assim, falta de fundamento para a entrega dos filhos daquela ao respectivo pai, para o que igualmente contribui os excertos de alegadas gravações, descontextualizados, entre a técnica da Segurança Social e ... sobre as razões de as crianças serem entregues aos pais; - se afirma, no caso dos filhos de ..., que a Segurança Social preferiu levar os cinco filhos de … e … entre os 6 e os 12 anos de idade e meteu-os em lares, mas separados, deixando apenas em casa a filha daquela de 17 anos, uma jovem problemática que foi “apanhada a roubar numa loja”, que fez queixa  do padrasto e esta surge a dizer que se sente discriminada por ser pobre e não ter os mesmos direitos que as outras pessoas (sugerindo na sua resposta que isso lhe foi perguntado pelo jornalista) e quando se afirma que dois dos filhos que foram retirados àquela foram para a CrescerSer, que recebe €1.000,00, por mês por cada menor; - se diz, em relação à menina cuja diligência decorre em Santarém, que a criança foi retirada à família "por se encontrar suja e sem calçado adequado" procurando assim evidenciar a inexistência de qualquer situação de perigo para aquela criança; - se começa por referir, no caso do neto de ..., que esta vive numa casa velha a precisar de obras urgentes e depois se diz que lhe retiraram o neto que foi entregue a uma filha mais velha "mais endinheirada" e se coloca uma outra filha daquela a dizer que sempre viveu naquela casa, "que reconhece que é pobre, mas em que sempre houve amor e carinho"; - no caso de ... diz-se que uma das crianças foi entregue a uma filha, psicóloga na Santa Casa da Misericórdia, e a outra a um tio, director da Segurança Social, que controlava os técnicos da CPCJ e da Segurança Social; - se dá voz a um advogado, ..., a afirmar, sem qualquer demonstração desse facto, que basta haver uma queixa anónima de um vizinho a dizer que a criança é vítima de maus tratos, para que a criança seja retirada à família, sem haver uma averiguação prévia e a afirmar, expressamente, que existe um "nicho de negócio que foi canalizado para as Associações, ou seja, hoje em dia paga-se 350 euros a uma família de acolhimento para acolher um jovem que se for para uma instituição o Estado paga 950", o que o mesmo justifica no facto de "essas Associações terem juízes, procuradores, advogados, assistentes sociais, juízes sociais”; - se refere, por mais do que uma vez, ao logo da reportagem os valores que são recebidos pelos lares de acolhimento, por cada menor e pela CrescerSer, no caso dos dois filhos de ..., por contraponto com o que é recebido pelas famílias de acolhimento; - se evidencia, ao logo de toda a reportagem, a "sem razão e a injustiça" de terem sido retirados aos pais as crianças cujos casos são apresentados, colocando aqueles no papel de vítimas, sem, em momento algum se dizer o que em concreto determinou essas retiradas; - se termina a reportagem a dizer que o assistente CC deveria cessar funções em 2019, mas que foi substituído seis dias após a entrevista ao "Linha da Frente", dessa forma transmitindo aos telespectadores a ideia de que a cessação de funções daquele apenas ocorreu por estar eminente a exibição da reportagem, numa espécie de "assunção de culpa" quanto aos factos "denunciados na reportagem”. Qualquer cidadão comum, ao ver a reportagem, tendo em conta a narrativa que é feita e os depoimentos emotivos que são exibidos dos familiares das crianças, nada sendo explicado na mesma sobre as razões que em concreto determinaram a retirada dessas crianças aos pais e por quem foi a mesma determinada (e seria fácil ao jornalista dizê-lo com base nas decisões que terão sido entregues aos pais ou parentes a quem antes as crianças estavam entregues, sem ter necessidade de exibir os processos ou os nomes que dos mesmos constam), fica com a ideia, e interioriza, que as crianças foram retiradas sem qualquer justificação e que, em todos os casos apresentados, terá havido a interferência ou influência do assistente enquanto Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens. Mas mais, a reportagem, pelo que nela se diz e se mostra e, sobretudo, pelo que nela não se revela, mas se insinua, permite a qualquer telespectador atento inferir, de acordo com as regras da experiência comum, ainda que sob a forma de suspeita, que há ligações, influências e benefícios por parte do assistente enquanto Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, na institucionalização de crianças em lares, designadamente nas casas de acolhimento da "Associação CrescerSer", da qual o mesmo era, à data dos factos, Presidente da Direcção, lançando a suspeita de que existe um "negócio" por detrás dessa institucionalização que prejudica os contribuintes e o Estado Português e que a institucionalização é feita em detrimento das famílias a quem as crianças são retiradas, de forma injustificada. Assim, não é verdade o que o arguido disse que quem falou de “negócio” foi o assistente. A reportagem lança a suspeita de que, afinal a institucionalização das crianças não passa de uma "orquestração" para beneficiar os lares de acolhimento, entre os quais se inclui a Associação CrescerSer, que o único organismo que tem a supervisão dessas institucionalizações é a Comissão a que presidiu o assistente CC durante 12 anos e que este era ao mesmo tempo presidente de uma Associação que gere alguns desses lares de acolhimento, numa situação de conflito de interesses, tudo para que se fique a pensar que aquele se servia dessa sua posição para influenciar as retiradas das crianças às famílias, com vista à sua institucionalização. Cada IPSS recebe da Segurança Social aquilo que está prescrito na lei, para a normal prossecução da sua tarefa de acolhimento, tarefa cara e muito desgastante. Não é a Associação CrescerSer que decide institucionalizar crianças, como é óbvio. Como IPSS, fica aberta ao acolhimento de crianças em perigo decidido pelos Tribunais e pelas CPCJ, e depois pela Segurança Social na gestão de vagas, no âmbito da arquitectura do nosso sistema de promoção e protecção. É apenas mais uma resposta social, quando as entidades decisoras entendem que uma criança necessita de ser residencializada. Além disso, a CNPDCJ, a que o Dr. CC presidiu durante 12 anos, também não intervém directamente nessa institucionalização, dispondo cada CPCJ de autonomia funcional para decidir o que entender num certo caso social. A lei é clara. As comissões de protecção são instituições oficiais não judiciárias com autonomia funcional, com uma composição de cariz claramente pluridisciplinar e plun-institucional, às quais cabe deliberar com imparcialidade e independência. Para o que agora nos importa, ou seja, no contexto do processo de promoção e protecção, a cargo da comissão restrita, a sua intervenção depende do consentimento expresso dos pais, do representante legal ou da pessoa que tenha a guarda de facto, consoante o caso (artigo 9º da LPCJP). Mostra-se, pois, bem clara a opção tomada pelo legislador no sentido de que o consentimento legitimados da intervenção das comissões é o de ambos os pais, enquanto titulares das responsabilidades parentais. A revisão de 2015 da LPCJP veio agora tornar mais clara esta problemática. A intervenção das CPCJ dá-se, assim: - quando não seja possível a atuação adequada das entidades referidas no artigo 7º de forma a removerem o perigo em causa; - quando há consentimento expresso e escrito dos – dois – pais (mesmo que a residência tenha sido entregue a um deles), desde que não estejam inibidos do exercício das responsabilidades parentais, do representante legal ou da pessoa que tenha a guarda de facto: esta regra comporta excepções (pais ausentes ou incontactáveis), havendo nuances quando as crianças estão entregues a terceiros (deve haver o consentimento do guardante e dos pais, bastando, contudo, o do primeiro para o início da intervenção, caso a criança não viva de perto com estes últimos, porque vivendo com pais presentes e uma avó muito presente também, o consentimento só deve ser pedido aos pais); - com a não oposição da criança com 12 ou mais anos de idade (cf. artigo 10º/2 – em relação às crianças com idade inferior a 12 anos). Como se constata, a arma de actuação das CPCJ é o consentimento dos pais ou cuidadores – como tal, a entrada de uma criança no sistema de acolhimento dá-se por concordância dos próprios pais ou cuidadores. Nunca o Dr. CC, como Presidente da Comissão Nacional, interveio no sentido de impor residencialização de crianças, com o fito de vir a ganhar algo com isso. No que tange à Comissão Nacional, a lei (cfr. Lei nº 159/2015, de 10/8) também é esclarecedora: A Comissão Nacional tem por missão contribuir para a planificação da intervenção do Estado e para a coordenação, acompanhamento e avaliação da ação dos organismos públicos e da comunidade na promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens. São suas atribuições, nomeadamente: t) Ser ouvida nas alterações legislativas que respeitem a matérias relativas à sua missão; u) Bem como ser consultada sobre projetos de diplomas em matéria de infância e juventude; v) Dinamizar a celebração de protocolos de articulação e colaboração entre as seguintes entidades: w) Comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ); x) Serviços, organismos e outras entidades públicas com intervenção nas áreas da promoção, protecção e desenvolvimento integral dos direitos da criança; y) Instituições particulares de solidariedade social com intervenção nas áreas da promoção, protecção e desenvolvimento integral dos direitos da criança; z) Outras entidades privadas com intervenção nas áreas da promoção, protecção e desenvolvimento integral dos direitos das crianças; aa) Solicitar estudos de diagnostico e de avaliação das necessidades de medidas e respostas sociais existentes ou a promover, no âmbito do sistema de promoção dos direitos e de protecção de crianças e jovens; bb) Planear, acompanhar e avaliar uma estratégia nacional para a aplicação da Convenção dos Direitos da Criança, tendo em vista, designadamente, a recolha e o tratamento dos dados estatísticos relevantes no âmbito de aplicação desta convenção; cc) Elaborar e submeter à aprovação do Conselho de Ministros um plano nacional plurianual de promoção e protecção dos direitos da criança, cuja coordenação de execução compete à Comissão Nacional; dd) Aprovar e divulgar anualmente o seu plano de ação e o relatório de atividades; ee) Concertar a ação de todas as entidades públicas e privadas, estruturas e programas de intervenção na área da promoção dos direitos e da proteção das crianças e jovens, de modo a reforçar estratégias de cooperação e de racionalização de recursos, podendo, para o efeito, emitir recomendações; ff) Acompanhar, apoiar e promover mecanismos de supervisão e proporcionar formação especializada às CPCJ, com vista a melhorar a qualidade da sua intervenção; gg) Auditar as CPCJ, de acordo com o disposto no artigo 33º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro; hh) Formular orientações e emitir diretivas genéricas relativamente ao exercício das competências das CPCJ, bem como formular recomendações quanto ao seu regular funcionamento e composição, sem prejuízo da imparcialidade e independência em que deve assentar o funcionamento das CPCJ; ii) Promover a audição, com caráter consultivo, de personalidades relevantes no âmbito de temáticas específicas da promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens, sempre que tal se justifique; jj) Contribuir para organizar e operacionalizar a intervenção eficaz das entidades com competência em matéria de infância e juventude; kk) Participar na execução de inspeções à atividade das CPCJ, promovidas pelo Ministério Público e a seu requerimento; ll)  Realizar anualmente um encontro de avaliação da atividade das CPCJ, com base na divulgação e análise do relatório de atividades nacional. Como se vê, há independência e autonomia de cada CPCJ e nunca o Dr. CC daria qualquer instrução directa para que uma criança fosse acolhida, para seu proveito directo ou indirecto. Nenhum dos membros dos corpos sociais da Associação tem qualquer proveito económico, limitando-se a cumprir com zelo a sua cidadania activa como o disse a testemunha ...que foi sócio, depois Vogal da Direcção e depois ainda seu Vice-Presidente. Nunca o Dr. CC foi remunerado pelos cargos que tem ocupado em prol da Criança – e como o disse a testemunha ...o assistente apenas recebeu, como é de justiça, pagamentos por alojamentos e algumas refeições, quando em serviço, tendo pago voluntariamente do seu próprio bolso muitas dessas despesas “oficiais”. Resulta ainda do visionamento do "DVD" respeitante à entrevista, de quase uma hora, que o mesmo jornalista fez ao assistente CC e do seu confronto com a reportagem que foi emitida, uma deliberada intenção de o jornalista/arguido lançar essa insinuações e suspeitas sobre o assistente pois apenas extraiu daquela frases descontextualizadas, que serviam para a narrativa da reportagem que foi exibida, com a omissão deliberada das explicações que o assistente deu sobre o funcionamento das Comissões de Protecção de Menores, a sua conexão à Comissão Nacional, as atribuições da Segurança Social e as circunstâncias legais que permitem a retirada de crianças à família e as entidades com competência para tais decisões. Quem viu a reportagem não deixou, pois, de formular um juízo negativo sobre a pessoa do assistente CC, ainda que sob a forma de suspeita, quanto a condutas eticamente reprováveis e eventualmente ilegítimas enquanto Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, em benefício de uma Associação privada da qual o mesmo era também presidente. Ao ver a reportagem como disseram as testemunhas, viu o assistente ser enxovalhado na praça pública, sem dó nem piedade. Esse juízo valorativo negativo da pessoa do assistente, que perpassa ao longo de toda a reportagem e que facilmente passa para o telespetador, e é por ele interiorizada, tendo em conta as características de integridade, altruísmo e de dedicação ao interesse dos menores, que são assinaladas à personalidade e vida do assistente, como o disseram todas as testemunhas ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., e que são, aliás, publicamente conhecidas na comunidade jurídica e por toda a comunidade e instituições que se tem envolvido no trabalho de protecção das crianças e jovens em risco em Portugal, acaba por traduzir, afinal, uma "aviltante" ofensa à honra, consideração e bom nome daquele. Assim, não é verdade o que o arguido alega que não pretendeu nem levantou qualquer dúvida ou suspeita sobre o assistente, tendo-se limitado na referida reportagem a abordar uma temática de elevada relevância social para a sociedade portuguesa actuando dentro dos limites constitucionalmente definidos e protegidos da liberdade da imprensa e que a contextualização da factualidade subjacente ao caso não foi devidamente atendida, sendo que a correcta e devida contextualização e enquadramento dos factos conduz necessariamente a um exercício legítimo e constitucionalmente garantido de liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Os arguidos bem conheciam o conteúdo da reportagem e do que o seu fio condutor insinuava e permitia inferir por qualquer telespectador e quiseram deliberadamente fazê-la e transmiti-la, bem sabendo que a mesma ofendia a honra e consideração do visado, o assistente CC, tendo em conta o que se diz e se mostra na reportagem, acima descrito, e o que nela não se revela, mas se insinua de forma clara e facilmente se infere, de acordo com a análise de um homem médio, em função das regras da experiência comum, da lógica e de juízos de razoabilidade, conjugado com a demais prova documental junta aos autos e os depoimentos prestados. Não se pode alegar, como faz a arguida na contestação, que a reportagem foi elaborada de forma isenta e objectiva, na sequência de um trabalho de investigação desenvolvido pelo arguido, com respeito pelas normas legais e deontológicas aplicáveis tendo sido concedido direito ao contraditório dos visados e recolhidos elementos que sustentam as informações transmitidas. A arguida não prestou declarações sobre os factos de que vinha pronunciada mas na contestação alega que é coordenadora do programa “Linha da Frente”, um programa de jornalismo de investigação emitido semanalmente às quintas-feiras, a seguir ao Telejornal, na RTP 1, no âmbito do exercício das referidas funções, compete-lhe propor ou aceitar temas de reportagem e dar a conhecer os mesmos à Direcção de Informação, na pessoa do Director de Informação, para os programas diários, ou do Director-Adjunto, para os programas não diários, orientar os jornalistas que contribuem para o programa coordenado, sempre que estes o solicitem, e fazer sugestões que melhorem o trabalho jornalístico em causa. Alega ainda a arguida na contestação que a decisão sobre a emissão de qualquer reportagem no âmbito do programa “Linha da Frente” é da competência da Direcção de Informação, da qual a arguida não faz, nem fazia aquando da elaboração e emissão da reportagem, parte. A arguida alega na contestação que a reportagem em causa foi da autoria exclusiva do arguido AA, mas afirma que visionou a reportagem editada antes de a mesma ser exibida – o que era sua função enquanto coordenadora do “Linha da Frente” - não lhe competindo a tomada de decisão sobre a emissão, ou não, da peça jornalística em causa. Assim, a arguida descreve as suas funções de coordenadora do programa “Linha da Frente”, um programa de jornalismo de investigação emitido semanalmente às quintas-feiras, a seguir ao Telejornal, na RTP 1, de propor ou aceitar temas de reportagem, dar a conhecer os mesmos à Direcção de Informação, na pessoa do Director de Informação, para os programas diários, ou do Director-Adjunto, para os programas não diários, orientar os jornalistas que contribuem para o programa coordenado e fazer sugestões que melhorem o trabalho jornalístico em causa embora, segundo alega, não lhe compete a tomada de decisão sobre a emissão, ou não, da peça jornalística em causa. Mas, a arguida na contestação alega que visionou a reportagem editada antes de a mesma ser exibida – o que diz que era sua função enquanto coordenadora do “Linha da Frente”. Ora visionando a reportagem editada antes de ser exibida, a arguida conheceu o conteúdo da reportagem e viu que do que o seu fio condutor insinuava e permitia inferir por qualquer telespectador que a visse e quis deliberadamente fazê-la/coordená-la e transmiti-la, bem sabendo que a reportagem que viu editada antes de ser exibida ofendia a honra e consideração do visado, o assistente CC, tendo em conta o que se diz e se mostra na reportagem e o que nela não se revela, mas se insinua de forma clara e facilmente se infere como viu. E vendo a reportagem editada conhecendo o seu conteúdo a arguida como coordenadora do programa tinha o dever funcional de não a aceitar e dar a conhecer a mesma à Direcção  para que não fosse emitida nos termos em que estava editada como via e de dar disso conhecimento imediato ao jornalista, o aqui arguido, orientando-o para melhorar o trabalho jornalístico em causa no seu fio condutor. A arguida, coordenadora do programa, viu a reportagem editada e assim sabia que o assistente foi entrevistado no âmbito dessa reportagem durante cerca de uma hora, mas dessa entrevista foram apenas retirados para a reportagem pequenos excertos descontextualizados da mesma e nela não foi o entrevistado expressa e explicitamente confrontado com as concretas questões que vieram a constituir o fio condutor da reportagem publicitada, nem o assistente se apercebeu quanto ao modo como a peça jornalística seria organizada e apresentada. Como coordenadora do programa, a arguida viu na reportagem editada que os factos que transmitia nessa reportagem não correspondiam à verdade e que ao divulgar a reportagem através de um canal de televisão, como a RTP 1, ela iria conhecer ampla difusão, como sucedeu e quis podendo e devendo por dever funcional não o fazer. A arguida, coordenadora do programa, viu-o e sabia que não garantiram ao assistente entrevistado a possibilidade de se pronunciar com detalhe sobre aquilo que constituiria o núcleo essencial do que a reportagem transmitiu, seja a alegada intervenção da CrescerSer na residencialização de crianças, seja a vantagem que nisso esta teria e concomitante de que o seu presidente beneficiaria. Apesar das explicações sobre o sistema de promoção e proteção dadas na entrevista por CC, a reportagem omitiu intencionalmente factos decorrentes de tais explicações para que o público pudesse compreender o sistema, quer em abstrato, quer no caso concreto e a arguida, coordenadora, sabia-o. A arguida, coordenadora do programa, intencionalmente quis gerar junto dos telespectadores a ideia de que os contribuintes estariam onerados com pagamentos excessivos em resultado da situação que na reportagem se descreve como sendo verdadeira e que as próprias crianças, a tal sujeitas pela sua pobreza, seriam com isso prejudicadas, assim concitando a reprovação pública sobre o suposto caso, bem sabendo que era isso que iria acontecer. O Provedor da RTP 1 censurou por escrito a conduta do jornalista, considerando que a reportagem violara preceitos deontológicos que impendem sobre os jornalistas e responsabilizam as próprias estruturas hierárquicas daquela estação de televisão incluindo a arguida coordenadora.  A testemunha ... foi clara quando disse: “Assisti à transmissão do programa referido no ponto 6 do qual julgo ter constado a identificação das duas pessoas referidas no ponto 7, sendo plausível que a arguida BB tivesse tido conhecimento dos termos em que esse programa seria difundido. (…) todas as incorrecções referidas no ponto 16, não podendo eu, todavia, enquanto testemunha, concluir que elas foram «intencionais» (…) havia uma intenção a priori na construção da reportagem tal como ela foi edificada, a permitir o juízo que o assistente vem a emitir no ponto 22. (…) Não posso afirmar, de ciência própria, que o autor da reportagem e a coordenadora sabiam que os factos que transmitiram não correspondiam à verdade (ponto 28), mas tudo o que se mostra no desfiar desta história aponta nesse sentido, desde logo tendo em vista o referido no ponto 29 que resulta do simples conhecimento da realidade. (…) Esta reportagem, nos termos em que foi construída, na intencionalidade que naturalmente lhe vem atribuída e no desprezo que revelou pela pessoa impoluta de um homem como o assistente, sem que lhe fosse dada qualquer hipótese de demonstrar o contrário daquilo que se pretendia divulgar, acaba por ser, ela própria, a prova provada dos factos constantes do ponto 40. (…)”. A reportagem, devido ao modo como foi organizada, não serve o interesse público no sentido de esclarecer a comunidade sobre o problema da institucionalização de crianças nem sobre a intervenção do assistente no domínio da protecção das crianças em Portugal como a arguida, coordenadora, sabe e soube logo que a viu. A arguida, coordenadora do programa, agiu de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo que a sua conduta era proibida por Lei, representando mentalmente os factos que acima se referiram e desejando a sua ocorrência. Como o disse o assistente e as testemunhas ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... de forma credível, a reportagem atingiu o brio e o amor-próprio do assistente, a imagem pública do assistente, a percepção que a comunidade tem da sua pessoa foi afectada pois, em virtude da reportagem, o assistente, um Homem de mais de oitenta anos de idade e um Magistrado que se jubilou da profissão com largos anos inteiramente dedicados às crianças e aos jovens, mas que se recusa reformar das matérias atinentes à defesa da infância na reportagem apareceu associado a condutas menos correctas e eventualmente ilegítimas. A testemunha ... disse: “sei, por outro lado, por ter acompanhado de perto o assistente em todo o tempo que se seguiu à transmissão da reportagem, que esta o “atingiu no brio e no amor-próprio”. CC teve sempre, como prumo de uma vida, a sua dignidade, o respeito pelos outros, nomeadamente enquanto crianças, a honestidade de procedimentos, a dedicação e o espírito de missão. Esta reportagem, nos termos em que foi construída, na intencionalidade que naturalmente lhe vem atribuída e no desprezo que revelou pela pessoa impoluta de um homem como o assistente, sem que lhe fosse dada qualquer hipótese de demonstrar o contrário daquilo que se pretendia divulgar, acaba por ser, ela própria, a prova provada dos factos (…)”. A testemunha ... disse: “Sei pela boca do Dr. CC que a entrevista passada no programa foi apenas uma ínfima e tendenciosa parte do que lhe foi perguntado. (…) Quem conhece o trabalho que a CrescerSer faz nunca acreditaria nas infames insinuações feitas no programa. Mas a maioria das pessoas que assistem a estes programas não conhecem o trabalho do Dr. CC e da Associação. Como tal, a ideia do “negócio” (os queixosos teriam intervenção e vantagem pecuniária no acolhimento de crianças, condicionando-o de forma a fazerem com que as mesmas fossem colocadas na CRESCER SER, para sua vantagem e do seu Presidente), perpetuada até à exaustão, fez o seu sinuoso caminho e manchou a honra da IPSS a que o Dr. CC preside e dele próprio. Senti-me revoltado e indignado com tanta mentira à custa da honra de terceiros que têm sempre dado o melhor de si próprios, ao sistema de protecção de crianças em Portugal. E senti-me solidário com todos os obreiros desta Obra colectiva que todos os dias suam pelos direitos das crianças que o sistema entende que devem ser acolhidas. Julguei que os maus estilhaços da reportagem se iriam fazer sentir por muitos anos na honra desta Obra. Porque há gente que ignora o que a Associação faz, o mecanismo legal do sistema e que opta por acreditar em tudo o que lhes é contado, em prime time, com honras de verdade … Aquela noite foi um dos piores momentos da minha vida! E sei que também o Dr. CC se sentiu enxovalhado na praça pública, sem dó nem piedade. E acredito que tenha chorado. Como eu o fiz (por revolta)… Sei que as pessoas que conhecem o Dr. CC e a CrescerSER não vacilaram no apoio mas o problema é a quantidade de gente anónima que vai acreditando em tudo o que se passa pelas televisões menos sérias. Acredito piamente que houve gente que deixou de fazer donativos por causa desta reportagem. Sei, porque o vi e senti, que o Dr. CC ficou extremamente abalado por esta situação ignóbil que lhe foi criada, com a maior injustiça do mundo! Há anos que o Dr. CC pedia para ser substituído no lugar de Presidente da CN, denotando natural cansaço pela idade (estamos a falar de um homem que, com 80 e alguns anos, ia palmilhando o país de norte a sul, ao encontro das CPCJ que amava como ninguém). E sempre lhe iam pedindo para ficar … É COMPLETAMENTE FALSO que a reportagem tenha despoletado o mecanismo da sua saída. Note-se que a sua substituição só poderia ocorrer com normalidade após a publicação do DL 139/2017 (que veio até alterar a forma de designação de tal presidente), o que ocorreu em 10/11/2017. E veja-se que a publicitação da sua substituição ocorreu nos jornais de 15 e 16/11/2017, logo antes da emissão da dita reportagem. (…)”. Foram tidos em consideração os documentos de fls. 47 a 59 (estatutos da Associação Portuguesa para o Direito dos Menores e da Família e lista dos corpos gerentes), 288 a 290 (termo de posse), 291 (acta), entrevista ao assistente, reportagem “Quanto custa criar”, direito de resposta do assistente e aos certificados de Registo Criminal de cada um dos arguidos quanto aos seus antecedentes criminais. * 4 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL Face à matéria de facto dada como provada importa proceder à qualificação jurídico-penal da conduta dos arguidos, determinando qual a tutela jurisdicional que cumpre dar ao caso em apreço. Os arguidos estão pronunciados da prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º, 183º, nº1, als. a) e b) e nº2, ambos do Código Penal e artigo 71º, nº1 da Lei nº 27/2007, de 30.07. O artigo 14º, nº1 do Código Penal dispõe que: “1 – Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.”. O artigo 26º do Código Penal dispõe que: “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.”. O artigo 180º, nº1 e nº2 do Código Penal dispõe que: “1 – Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. 2 – A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira. (…)”. O artigo 183º, nº1, als. a) e b) e nº 2 do Código Penal dispõe que: “1 – Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180º, 181º e 182º: a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação; as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo. 2 – Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.”. O crime de difamação consta do capítulo VI do Código Penal – Dos crimes contra a honra. Com esta incriminação a lei procurou tutelar o bem jurídico honra entendido como bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade quer a sua própria reputação ou consideração exterior – neste sentido, cfr. Leal Henriques e Simas Santos in “Código Penal Anotado”, vol. 2, pág. 329. Protege-se não apenas a dignidade pessoal, mas também o sentimento daquilo que os outros pensam e vêem em si, independentemente de corresponder à verdade, dando assim cumprimento ao estipulado no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa que tutela autonomamente a inviolabilidade da integridade moral das pessoas e a sua consideração social mediante reconhecimento a todos do direito ao bom nome e reputação. Trata-se de um crime de perigo. Assim, entre nós, Beleza dos Santos afirmava que: “a lei não exige, como elemento do tipo criminal, em nenhum dos casos, um dano efectivo do sentimento de honra ou de consideração. Basta, para a existência do crime, o perigo de que aquele dano possa verificar-se.” Como elemento objectivo do tipo legal supra mencionado exige-se que a imputação feita ou palavras dirigidas sejam ofensivas do carácter, rectidão e dignidade de qualquer um pondo em causa o bom-nome, o crédito e confiança. Face aos princípios da legalidade e tipicidade que norteiam o Direito Penal não se pode considerar ofensivo da honra e consideração toda e qualquer imputação de factos ou juízos apenas e só porque o visado entende que se sente lesado. A determinação do que seja ofensivo da honra e consideração terá que ser feita, não em termos subjectivos, em função dos caprichos e sensibilidade de cada um, mas em moldes objectivos, tendo em conta: “(…) aquilo que na generalidade das pessoas de bem deverá considerar-se ofensivo dos valores sociais e individuais de respeito.” – Acórdão da Relação de Lisboa de 16.02.93 citado pelo Acórdão da Relação de Évora de 02.07.96 in C.J. I, página 160 e IV, página 295, respectivamente. Considerando a honra como sendo o “(…) elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, como sejam o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, isto é, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um” e a consideração como sendo “o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, que constituem a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma, a opinião pública”, obra citada pág. 196 – teremos que concluir que toda e qualquer imputação de um facto ou juízo ofensivo da honra ou consideração, ao lesar os valores acima referidos, comportará necessariamente conotação eticamente reprovável à qual a sociedade não se pode mostrar indiferente, reclamando, para tal, a intervenção do Direito Penal. Subjectivamente pressupõe o crime de difamação que o agente actue dolosamente, isto é, que tenha consciência de que os factos ou juízos que imputa a outrem são, em termos objectivos, ofensivos da sua honra e consideração e, mesmo assim, queira actuar da forma descrita. Não se exige que o agente tenha intenção de ofender a honra e consideração, bastando a consciência de que as expressões ou factos que dirige ou imputa são objectivamente lesivos da honra e consideração. Para estabelecer a diferenciação essencial dentro das infracções contra a honra – distinção entre difamação e injúria – o legislador empregou uma técnica legislativa baseada na imputação directa ou indirecta dos factos ou juízos desonrosos. Forma de perceber o fenómeno da violação do bem jurídico da honra que, manifestamente, apresenta uma lógica material interna e que, por isso, se reflecte na definição das molduras penais abstractas de uma e de outra daquelas infracções: uma coisa é a violação da honra perpetrada de maneira directa (na forma mais simples e comum, isto é, perante a vítima), outra será levar a cabo aquela mesma ofensa fazendo intervir uma terceira pessoa, operando uma tergiversação instrumentalizando um terceiro para conseguir os seus intentos. Utilizando uma linguagem de sabor geométrico diremos que a difamação pressupõe uma relação tipicamente triangular enquanto a injúria se basta por uma conexão bipolar. Ponto nevrálgico da difamação centra-se na imputação a outrem de factos ou juízos desonrosos efectuada, não perante o próprio, mas dirigida, veiculada através de terceiros - vide José Faria da Costa in “Comentário Conimbrisense do Código Penal”, vol. I, página 601 a 634. Para haver difamação é imprescindível que a imputação de facto ou formulação de juízos desonrosos se processe através de um terceiro enquanto que para a injúria tais condutas devem operar-se de forma imediata. A liberdade de expressão e de informação tem consagração constitucional, dispondo o artigo 37º, nº1 da Constituição da República Portuguesa que: “Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações”. Segundo J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, volume I, 4ª edição revista, 2007, página 572 a 573: “o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento é, desde logo e em primeiro lugar, a liberdade de expressão, isto é, o direito de não ser impedido de exprimir-se e de divulgar ideias e opiniões. Neste sentido, enquanto direito negativo ou direito de defesa, a liberdade de expressão é uma componente da clássica liberdade de pensamento”. O direito de informar, por outro lado, integra, segundo os citados autores, três níveis: “o direito “de informar”, o direito “de se informar” e o direito “de ser informado”. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos (…). O direito de se informar consiste, designadamente, na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes, isto é, no direito de não ser impedido de se informar (…). Finalmente, o direito de ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação social (…)”. Jónatas E.M. Machado in “Liberdade e Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas ou equiparadas”, Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXXV, 2009, página 74, salienta que: “a doutrina constitucional sublinha que o princípio democrático tem como subprincípio o princípio da democracia comunicativa, estruturado em torno das noções de opinião pública e comunicação cívica e política democrática”, e que “pretende-se, por esta via, sublinhar o facto de que a existência no seio da comunidade política de uma opinião pública autónoma funciona como garantia substantiva da democracia”. Por outro lado, J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra citada, página 575, defendem que: “do nº3 do artigo 37º da CRP se pode concluir que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, cuja infracção pode conduzir a punição criminal ou administrativa. Estes limites visam salvaguardar os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de protecção, inclusive, penal. Entre eles estarão designadamente os direitos dos cidadãos à sua integridade moral, ao bom nome e reputação (cfr. artigo 26º); a injúria e a difamação ou o incitamento ou instigação ao crime (que não se deve confundir com a defesa da descriminalização de certos factos) não podem reclamar-se de manifestações da liberdade de expressão ou de informação”. De harmonia com o disposto no artigo 18º, nº2 da Constituição da República Portuguesa, o direito de expressão, tal como os demais direitos, liberdades e garantias, são passiveis de sofrerem limitações ou restrições impostas pela lei ordinária, nos casos previstos na própria lei fundamental, devendo, contudo, as restrições limitarem-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Como se prevê no artigo 37º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, as infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão e do direito de informação ficam submetidas aos princípios gerais do direito penal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação da competência, respectivamente, dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente. As infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão e do direito de informação são, em regra, aquelas que atingem a honra, o bom nome e a reputação de outrem. O direito ao bom nome e reputação mostra-se constitucionalmente consagrado no artigo 26º, nº1 da Constituição da República Portuguesa. Aí se estatui que: “a todos são reconhecidos os direitos a identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (…)”. O direito ao bom nome e reputação consiste, essencialmente, em a pessoa não ser ofendida ou lesada na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a correspondente reparação. Como afirma Maria Paula G. Andrade in “Ofensa do crédito e do bom nome contributo para o estudo do artigo 484º do C.C”, Tempus Editores, 1996, página 97: “a honra é um bem da personalidade, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor a que a Constituição atribui a relevância de fundamento do Estado Português. E enquanto bem da personalidade, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso”. Há uma relação tendencialmente conflituante entre os direitos constitucionalmente consagrados implica a necessidade de dirimir o conflito de direitos daí decorrente através da sua harmonização mediante critérios metódicos abstractos de que fala J.J. Gomes Canotilho in “Direito Constitucional”, 660 – “princípio da concordância prática” ou a “ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes” para atribuir a cada um desses direitos a máxima eficácia possível – cfr. neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.03.96 in C.J. – STJ 1996, 1º tomo, página 122 a 129. Impõe-se a observância do princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, vinculante em matéria de direitos fundamentais de que fala Figueiredo Dias in “Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Portuguesa”, RLJ ano 115º, página 102. No conflito entre o direito de liberdade de expressão e/ou informação e o direito à honra e ao bom nome, não obstante ambos merecerem dignidade constitucional, tem-se entendido que o primeiro, devido às restrições e limites a que está sujeito, não poderá atentar contra o bom nome e reputação de outrem salvo se estiver em causa um relevante interesse público que se sobreponha àqueles, devendo, neste caso, a informação veiculada se cingir à estrita verdade dos factos. Também o artigo 10º da Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) que entrou em vigor no nosso país em 9 de Novembro de 1978, garante o direito à liberdade de expressão estatuindo que: “toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão que compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de comunicar informações ou ideias sem que possa haver ingerência de autoridades públicas”. No parágrafo 1º consagra-se a liberdade fundamental, a liberdade de expressão com um conteúdo próprio: compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e comunicar informações ou ideias. Todavia, o parágrafo 2º estabelece limitações ao prever que o exercício do direito a exprimir-se livremente, o direito de opinião e de informação comporta deveres e responsabilidades e pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções previstas na lei, que constituem medidas necessárias numa sociedade democrática. A liberdade de expressão, consagrada no supra mencionado artigo 10º do CEDH, tem sido densificada de forma muito relevante pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH). Este Tribunal tem considerado que a liberdade de expressão, assente no pluralismo de ideias e opiniões livremente expressas, como um direito essencial cuja protecção é condição para a existência de uma democracia pluralista necessária ao desenvolvimento do homem e ao progresso da sociedade. A opinião veicula, em regra, uma convicção, uma apreciação ou um ponto de vista, e pode ser integrada por juízos directos e juízos de valor, estando a liberdade de opinião intrinsecamente ligada à liberdade de informação. O direito de expressão consiste no direito de manifestar e divulgar, livremente, o pensamento enquanto que o direito de informação tem um âmbito normativo mais extenso, englobando opiniões, ideias, pontos de vista ou juízos de valor sobre qualquer assunto ou matéria, quaisquer que sejam as finalidades, não pressupondo um dever de verdade perante os factos. Doutrina e jurisprudência estão de acordo que os limites da crítica são mais amplos em relação a actuações ou afirmações de personalidades e figuras públicas do que em relação a um simples particular, o que acaba por garantir uma maior margem de actuação na expressão da crítica e nas intervenções publicadas. O pluralismo, a tolerância e o espírito da abertura implicam a consagração da liberdade de expressão, inerente a uma sociedade democrática enquanto princípio fundamental, amplamente defendido na jurisprudência do TEDH, conquanto as restrições à liberdade de expressão são excepções que carecem de uma interpretação estrita e podem traduzir-se, efectivamente, na necessidade de protecção da reputação ou de outros direitos de outrem. Mas esses direitos ao pluralismo, à tolerância e ao espírito de abertura pressupõem e implicam, correlativamente, deveres e responsabilidades. Existe vinculação à CEDH e no sistema monista como o nosso esta constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna e porque ao interpretar e aplicar a CEDH deve considerar-se as referências metodológicas e interpretativas e jurisprudenciais do TEDH enquanto instância própria de regulação convencional. A liberdade de expressão pode ser sujeita a excepções mas estas, no entender do TEDH, devem ser interpretadas de forma restritiva e a necessidade de quaisquer restrições tem de ser estabelecida de forma convincente. Jónatas E.M. Machado, obra citada, entende que: “para o Tribunal Europeu, a centralidade da liberdade de expressão e de imprensa, como elementos constitutivos de uma sociedade democrática, obriga a que todas as restrições às mesmas devem ser objecto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade estabelecida de forma convincente. Para o TEDH, as condutas expressivas são dignas de protecção, mesmo quando sejam ofensivas, perturbadores, chocantes e inquietas”. No que respeita à protecção da reputação como critério de justificação da ingerência, o TEDH enunciou o princípio de que os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade, do que em relação a um simples particular. O TEDH ao atribuir relevância à função da comunicação social, salienta que os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade do que me relação a um simples particular. Diferentemente destes, aqueles expõem-se, inevitavelmente e conscientemente, a um controlo apertado dos seus comportamentos e opiniões tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos, devendo por isso demonstrar muito maior tolerância. Esta perspectiva garante uma extensa margem de actuação na expressão crítica e nas intervenções publicadas. O direito fundamental à liberdade de expressão protege quer as opiniões e juízos de valor mas também informações e afirmações de facto. A liberdade de expressão é um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e uma das condições primordiais do seu progresso e do pluralismo assente na tolerância, liberdade de expressão e opinião vale também para as informações ou ideias que melindram, chocam ou inquietam – neste sentido Acórdãos TEDH de 12.04.2011, nº4049/08 e nº 37689/97, casos Conceição Letria e Lopes Gomes da Silva, in www.echr.coe.int. Sendo o visado por imputações de factos ou pela formulação de juízos de valor desonrosos, uma figura pública e estando em causa uma questão de interesse público, o TEDH, ao aplicar o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tem desenvolvido uma doutrina de protecção reforçada da liberdade de expressão. Entende-se por figura pública uma pessoa que desempenha um papel determinante, nomeadamente no decurso da história política, económica, cultural, jurídica, social, religiosa ou outra, sobre a qual impende um amplo interesse público de informação, que lhe garante um acesso privilegiado aos meios de comunicação social. O TEDH entende que: “a imprensa desempenha um papel fundamental numa sociedade democrática: se aquela não deve ultrapassar certos limites, referentes nomeadamente à protecção da reputação e aos direitos de outrem cabe-lhe, no entanto, divulgar, no respeito dos deveres e das responsabilidades que lhe incumbem, informações e ideias sobre todas as questões de interesse geral. A esta função de divulgação acresce o direito do público, de receber a informação. Se assim não fosse, a imprensa não poderia desempenhar o seu papel indispensável de “cão de guarda” – Thoma c. Luxemburgo, nº38432/97, 45, TEDH 2001-III – caso Colaço Mestre. Também o Supremo Tribunal de Justiça reconhece que: “o direito à informação prevalece sobre o direito ao bom nome e reputação, quando a notícia, sendo lícita, porque devidamente investigada, reveste interesse público” – Acórdão de 14.11.2013 – processo 693/10.0 TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt. Sempre tendo presente que: “à liberdade de transmitir a informação contrapõe-se o dever de informação e de cumprimento das leges artis, isto é, o cumprimento das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na aferição da credibilidade respectiva antes da publicação” – Supremo Tribunal de Justiça 18.11.2012, processo 352/07.1 TBAL.S1, in www.dgsi.pt. O Estatuto dos Jornalistas – Lei nº1/99, de 1 de Janeiro, alterada pela Lei nº64/2007, de 6 de Novembro – no seu artigo 6º, al. a) reconhece aos jornalistas o direito à liberdade de expressão ao mesmo tempo que limita essa liberdade, impondo-lhes no artigo 14º, al. a) do mesmo diploma legal, o dever de informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião. Também a al. c) do nº2 do mesmo artigo consubstancia o dever de se abster de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência. O arguido apresentou contestação ao despacho de pronúncia e ao pedido de indemnização civil alegando, em suma, que não pretendeu nem levantou qualquer dúvida ou suspeita sobre o assistente, tendo-se limitado na referida reportagem a abordar uma temática de elevada relevância social para a sociedade portuguesa sendo que actuou dentro dos limites constitucionalmente definidos e protegidos da liberdade da imprensa e que a contextualização da factualidade subjacente ao caso não foi devidamente atendida, sendo que a correcta e devida contextualização e enquadramento dos factos conduzirá necessariamente a um exercício legítimo e constitucionalmente garantido de liberdade de imprensa e liberdade de expressão e ainda que mesmo existindo um dano penalmente relevante na esfera do assistente, o que não admite, teria sempre de se considerar que essa lesão teria sido provocada de forma negligente não tendo relevância penal para efeitos de punição e ainda alega que está afastada a ilicitude das condutas pelo exercício da liberdade de expressão, liberdade de imprensa e exceptio veritatis legalmente consagrada. A arguida apresentou contestação ao despacho de pronúncia e ao pedido de indemnização civil alegando, em suma, que foi concedido o direito ao contraditório ao assistente e a peça jornalística mais não é do que a sequência de factos objectivos tendo sido comprovados pelo autor da reportagem não se pondo, em momento algum, em causa que o assistente sempre actuou em prol das crianças e dos jovens, não sendo feitas quaisquer insinuações sobre o assistente, sobre o modo como exercia as suas funções e/ou sobre as suas motivações assim como alega que a arguida não teve qualquer papel na elaboração da reportagem pelo que deve ser absolvida da pratica do crime de que foi pronunciada. Ficou provado que no dia 23 de Novembro de 2017, pelas 21 horas e 30 minutos, foi emitido pela RTP 1, no programa “Linha da frente” uma reportagem com o título “Quanto custa criar”, que teve a duração de 30 minutos. O referido programa foi da autoria do arguido AA sendo coordenadora do programa a arguida BB, a qual teve conhecimento dos termos em que esse programa seria difundido. A reportagem em causa foi visionada por um elevado número de telespectadores pois que inserida num programa com vasta audiência, tendo sido previamente anunciada. A reportagem foi construída e apresentada, por conjugação selecionada de perguntas e respostas e imagens projectadas e tinha como tema a institucionalização de crianças retiradas às suas famílias em alegadas situações de perigo, com o recebimento das respectivas contribuições pagas pelo Estado, através da Segurança Social, para suporte dos respectivos encargos. O que não se diz na reportagem, mas claramente nela se insinua, tendo em conta a descrição acima referida do que na mesma se diz e se mostra: - não se diz as razões pelas quais as crianças, que são referidas nos casos de que a reportagem fala, foram retiradas aos pais ou a quem tinha a sua guarda e foram entregues a outros familiares ou a Instituições; - não se diz qual a entidade que ordenou essas retiradas, nem as circunstâncias em que as mesmas ocorreram - se no âmbito de um processo de promoção e protecção, se de um processo de regulação das responsabilidades parentais, ou se no âmbito de aplicação de medidas por parte da Comissão de Proteção de Menores com o consentimento dos pais. Note-se que de todos os casos apresentados, apenas em dois deles se diz ter havido retirada das crianças aos progenitores e o seu acolhimento em duas instituições - uma na Santa Casa da Misericórdia, outras duas na "CrescerSer". Nos outros três casos (..., ... e ...) o que se diz é que as crianças foram entregues a outros familiares e no caso da menina de Santarém, não terá chegado a haver a entrega da mesma em nenhum lar de acolhimento como, alegadamente era proposto pela técnica de Segurança Social, por não ter sido essa a decisão do tribunal; - não se imputa qualquer acto de intervenção por parte do assistente CC nos casos que vão sendo apresentados ao longo da reportagem; - não se explica quais as atribuições da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, a que presidia o assistente CC, c quais as atribuições das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, designadamente ao nível da competência para determinar a institucionalização de crianças em lares de acolhimento, nem qual a relação existente entre aquela e estas; - afirma-se que uma das mães (...) tinha de pagar para visitar os filhos numa instituição, no âmbito de um processo de mediação, e exibe-se como prova um documento de onde se diz que resulta tal pagamento, mas não se esclarece que se trata de um ofício dirigido ao juiz e não à mãe das crianças a exigir tal pagamento, passando apenas a mensagem de que o pagamento era devido por esta. Apesar de tudo isso ficar por dizer e de não se esclarecer a diferença de tratamento legal nuns casos e noutros, nem qual a entidade competente para a sua decisão transmite-se ao telespectador a ideia de que todos esses casos terão passado pelo crivo da Comissão Nacional de Protecção a que o Dr. CC presidia e que em todos eles o mesmo terá exercido a sua influência. As insinuações, porém, não se ficam por aí. Procura demonstrar-se a incompatibilidade de funções entre a presidência da Comissão Nacional por parte do assistente CC e a presidência deste na Direcção da Associação "CrescerSer", com depoimentos de pessoas conhecidas do grande público como é o Bastonário da Ordem dos Advogados e a ex-­Bastonária da Ordem dos Advogados, sem nunca se esclarecer as competências daquele naquela Comissão, as atribuições desta e as funções da "CrescerSer". Transmite-se a ideia de que os filhos são retirados aos pais para serem entregues a instituições de acolhimento de forma injustificada, por razões de pobreza das famílias, sem qualquer critério por parte técnicas de Segurança Social, com depoimentos emotivos nesse sentido que facilmente captam a simpatia do  telespectador, e que as mesmas são institucionalizadas à custa do dinheiro dos contribuintes, para beneficiar apenas os lares de acolhimento, em prejuízo das próprias crianças que estariam melhor junto das famílias ou de famílias de acolhimento, onde o custo a suportar seria muito menor. Insinua-se e lança-se a suspeita de que existe um interesse económico por detrás da institucionalização das crianças retiradas aos familiares na sequência da intervenção da Comissão Nacional de Protecção, deixando no ar a suspeita de que tal institucionalização será facilitada pelo facto de o presidente dessa Comissão, o assistente CC, ser também o presidente de uma Associação privada que tem sete lares de acolhimento, a "CrescerSer" e de esta ter sido formada no Centro de Estudos Judiciários e ter uma Direcção composta por juízes, procuradores e advogados, fazendo-se inclusive uma alusão ao facto de do assistente CC ter sido nomeado Presidente da Comissão aos 70 anos, o que tem ínsito um juízo depreciativo, como se com essa idade ele já não tivesse a capacidade necessária para o exercício do cargo. Essas insinuações e suspeitas são evidenciadas quando: - ... surge a declarar que lhe retiram as filhas porque não tinham as vacinas em dia e que o próprio Dr. CC lhe disse a ela que em Portugal, não se pode retirar crianças aos pais por carências económicas, o que é mentira, e se afirma, depois de se ouvir o assistente CC dizer que só em situações de emergência e de risco para os menores é que os filhos podem ser retirados aos pais, que "no caso de ... os riscos corriam ao contrário - um pai mostrava-se desinteressado, o outro foi condenado por violência doméstica agravada", procurando evidenciar-se, assim, falta de fundamento para a entrega dos filhos daquela ao respectivo pai, para o que igualmente contribui os excertos de alegadas gravações, descontextualizados, entre a técnica da Segurança Social e ... sobre as razões de as crianças serem entregues aos pais; - se afirma, no caso dos filhos de ..., que a Segurança Social preferiu levar os cinco filhos de … e … entre os 6 e os 12 anos de idade e meteu-os em lares, mas separados, deixando apenas em casa a filha daquela de 17 anos, uma jovem problemática que foi “apanhada a roubar numa loja”, que fez queixa  do padrasto e esta surge a dizer que se sente discriminada por ser pobre e não ter os mesmos direitos que as outras pessoas (sugerindo na sua resposta que isso lhe foi perguntado pelo jornalista) e quando se afirma que dois dos filhos que foram retirados àquela foram para a CrescerSer, que recebe €1.000,00, por mês por cada menor; - se diz, em relação à menina cuja diligência decorre em Santarém, que a criança foi retirada à família "por se encontrar suja e sem calçado adequado" procurando assim evidenciar a inexistência de qualquer situação de perigo para aquela criança; - se começa por referir, no caso do neto de ..., que esta vive numa casa velha a precisar de obras urgentes e depois se diz que lhe retiraram o neto que foi entregue a uma filha mais velha "mais endinheirada" e se coloca uma outra filha daquela a dizer que sempre viveu naquela casa, "que reconhece que é pobre, mas em que sempre houve amor e carinho"; - no caso de ... diz-se que uma das crianças foi entregue a uma filha, psicóloga na Santa Casa da Misericórdia, e a outra a um tio, director da Segurança Social, que controlava os técnicos da CPCJ e da Segurança Social; - se dá voz a um advogado, ..., a afirmar, sem qualquer demonstração desse facto, que basta haver uma queixa anónima de um vizinho a dizer que a criança é vítima de maus tratos, para que a criança seja retirada à família, sem haver uma averiguação prévia e a afirmar, expressamente, que existe um "nicho de negócio que foi canalizado para as Associações, ou seja, hoje em dia paga-se 350 euros a uma família de acolhimento para acolher um jovem que se for para uma instituição o Estado paga 950", o que o mesmo justifica no facto de "essas Associações terem juízes, procuradores, advogados, assistentes sociais, juízes sociais”; - se refere, por mais do que uma vez, ao logo da reportagem os valores que são recebidos pelos lares de acolhimento, por cada menor e pela CrescerSer, no caso dos dois filhos de ..., por contraponto com o que é recebido pelas famílias de acolhimento; - se evidencia, ao logo de toda a reportagem, a "sem razão e a injustiça" de terem sido retirados aos pais as crianças cujos casos são apresentados, colocando aqueles no papel de vítimas, sem, em momento algum se dizer o que em concreto  determinou essas retiradas; - se termina a reportagem a dizer que o assistente CC deveria  cessar funções em 2019, mas que foi substituído seis dias após a entrevista ao "Linha da Frente", dessa forma transmitindo aos telespectadores a ideia de que a cessação de funções daquele apenas ocorreu por estar eminente a exibição da reportagem, numa espécie de "assunção de culpa" quanto aos factos "denunciados na reportagem”. Qualquer cidadão comum, ao ver a reportagem, tendo em conta a narrativa que é feita e os depoimentos emotivos que são exibidos dos familiares das crianças, nada sendo explicado na mesma sobre as razões que em concreto determinaram a retirada dessas crianças aos pais e por quem foi a mesma determinada (e seria fácil ao jornalista dizê-lo com base nas decisões que terão sido entregues aos pais ou parentes a quem antes as crianças estavam entregues, sem ter necessidade de exibir os processos ou os nomes que dos mesmos constam), fica com a ideia, e interioriza, que as crianças foram retiradas sem qualquer justificação e que, em todos os casos apresentados, terá havido a interferência ou influência do assistente enquanto Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens. Mas mais, a reportagem, pelo que nela se diz e se mostra e, sobretudo, pelo que nela não se revela, mas se insinua, permite a qualquer espectador atento inferir, de acordo com as regras da experiência comum, ainda que sob a forma de suspeita, que há ligações, influências e benefícios por parte do assistente enquanto Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, na institucionalização de crianças em lares, designadamente nas casas de acolhimento da "Associação CrescerSer", da qual o mesmo era, à data dos factos, Presidente da Direcção, lançando a suspeita de que existe um "negócio" por detrás dessa institucionalização que prejudica os contribuintes e o Estado Português e que a institucionalização é feita em detrimento das famílias a quem as crianças são retiradas, de forma injustificada. A reportagem lança a suspeita de que, afinal a institucionalização das crianças não passa de uma "orquestração" para beneficiar os lares de acolhimento, entre os quais se inclui a Associação CrescerSer, que o único organismo que tem a supervisão dessas institucionalizações é a Comissão a que presidiu o assistente CC durante 12 anos e que este era ao mesmo tempo presidente de uma Associação que gere alguns desses lares de acolhimento, numa situação de conflito de interesses, tudo para que se fique a pensar que aquele se servia dessa sua posição para influenciar as retiradas das crianças às famílias, com vista à sua institucionalização. Resulta ainda do visionamento do "DVD" respeitante à entrevista, de quase uma hora, que o mesmo jornalista, aqui arguido, fez ao assistente CC e do seu confronto com a reportagem que foi emitida, uma deliberada intenção de o jornalista/arguido lançar essa insinuações e suspeitas sobre o assistente pois apenas extraiu daquela frases descontextualizadas, que serviam para a narrativa da reportagem que foi exibida, com a omissão deliberada das explicações que o assistente deu sobre o funcionamento das Comissões de Protecção de Menores, a sua conexão à Comissão Nacional, as atribuições da Segurança Social e as circunstâncias legais que permitem a retirada de crianças à família e as entidades com competência para tais decisões. Quem viu a reportagem não deixou, pois, de formular um juízo negativo sobre a pessoa do assistente CC, ainda que sob a forma de suspeita, quanto a condutas eticamente reprováveis e eventualmente ilegítimas enquanto Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, cm benefício de uma Associação privada da qual o mesmo era também presidente. Esse juízo valorativo negativo da pessoa do assistente, que perpassa ao longo de toda a reportagem e que facilmente passa para o teleespetador, e é por ele interiorizada, tendo em conta as características de integridade, altruísmo e de dedicação ao interesse dos menores, que são assinaladas à personalidade e vida do assistente, como o disseram todas as testemunhas ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., e que são, aliás, publicamente conhecidas na comunidade jurídica e por toda a comunidade e instituições que se tem envolvido no trabalho de protecção das crianças e jovens em risco em Portugal, acaba por traduzir, afinal, uma "aviltante" ofensa à honra, consideração e bom nome daquele. Assim, não se pode dizer como o arguido que não pretendeu nem levantou qualquer dúvida ou suspeita sobre o assistente, tendo-se limitado na referida reportagem a abordar uma temática de elevada relevância social para a sociedade portuguesa actuando dentro dos limites constitucionalmente definidos e protegidos da liberdade da imprensa e que a contextualização da factualidade subjacente ao caso não foi devidamente atendida, sendo que a correcta e devida contextualização e enquadramento dos factos conduz necessariamente a um exercício legítimo e constitucionalmente garantido de liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Os arguidos bem conheciam o conteúdo da reportagem e do que o seu fio condutor insinuava e permitia inferir por qualquer teleespectador e quiseram deliberadamente fazê-la e transmiti-la, bem sabendo que a mesma ofendia a honra e consideração do visado, o assistente CC, tendo em conta o que se diz e se mostra na reportagem, acima descrito, e o que nela não se revela, mas se insinua de forma clara e facilmente se infere, de acordo com a análise de um homem médio, em função das regras da experiência comum, da lógica e de juízos de razoabilidade, conjugado com a demais prova documental junta aos autos e os depoimentos prestados. Não se pode alegar como faz a arguida na contestação, que a reportagem foi elaborada de forma isenta e objectiva, na sequência de um trabalho de investigação desenvolvido pelo arguido, com respeito pelas normas legais e deontológicas aplicáveis tendo sido concedido direito ao contraditório dos visados e recolhidos elementos que sustentam as informações transmitidas. A arguida alega na contestação que no âmbito do exercício das suas funções, compete-lhe propor ou aceitar temas de reportagem e dar a conhecer os mesmos à Direcção de Informação, na pessoa do Director de Informação, para os programas diários, ou do Director-Adjunto, para os programas não diários, orientar os jornalistas que contribuem para o programa coordenado, sempre que estes o solicitem, e fazer sugestões que melhorem o trabalho jornalístico em causa. Alega ainda a arguida na contestação que a decisão sobre a emissão de qualquer reportagem no âmbito do programa “Linha da Frente” é da competência da Direcção de Informação, da qual a arguida não faz, nem fazia aquando da elaboração e emissão da reportagem, parte. A arguida alega na contestação que a reportagem em causa foi da autoria exclusiva do arguido AA, mas visionou a reportagem editada antes de a mesma ser exibida – o que era sua função enquanto coordenadora do “Linha da Frente” não lhe competindo a tomada de decisão sobre a emissão, ou não, da peça jornalística em causa. Assim, a arguida descreve as suas funções de coordenadora do programa “Linha da Frente”, um programa de jornalismo de investigação emitido semanalmente às quintas-feiras, a seguir ao Telejornal, na RTP 1, de propor ou aceitar temas de reportagem, dar a conhecer os mesmos à Direcção de Informação, na pessoa do Director de Informação, para os programas diários, ou do Director-Adjunto, para os programas não diários, orientar os jornalistas que contribuem para o programa coordenado, sempre que estes o solicitem, e fazer sugestões que melhorem o trabalho jornalístico em causa embora, segundo alega, não lhe compete a tomada de decisão sobre a emissão, ou não, da peça jornalística em causa. Mas, a arguida na contestação alega que visionou a reportagem editada antes de a mesma ser exibida – o que diz que era sua função enquanto coordenadora do “Linha da Frente”. Ora visionando a reportagem editada antes de ser exibida, a arguida conheceu o conteúdo da reportagem e viu que do que o seu fio condutor insinuava e permitia inferir por qualquer telespectador que a visse e quis deliberadamente fazê-la/coordená-la e transmiti-la, bem sabendo que a reportagem que viu editada antes de ser exibida ofendia a honra e consideração do visado, o assistente CC, tendo em conta o que se diz e se mostra na reportagem e o que nela não se revela, mas se insinua de forma clara e facilmente se infere como viu. A arguida, coordenadora do programa, viu e sabia que o assistente foi entrevistado no âmbito dessa reportagem durante cerca de uma hora, mas dessa entrevista foram apenas retirados para a reportagem pequenos excertos descontextualizados da mesma e nela não foi o entrevistado expressa e explicitamente confrontado com as concretas questões que vieram a constituir o fio condutor da reportagem publicitada, nem o assistente se apercebeu quanto ao modo como a peça jornalística seria organizada e apresentada. Como coordenadora do programa, a arguida viu na reportagem editada que os factos que transmitia nessa reportagem não correspondiam à verdade e que ao divulgar a reportagem através de um canal de televisão, como a RTP 1, ela iria conhecer ampla difusão, como sucedeu e quis. A arguida, coordenadora do programa, viu-o e sabia que não garantiram ao assistente entrevistado a possibilidade de se pronunciar com detalhe sobre aquilo que constituiria o núcleo essencial do que a reportagem transmitiu, seja a alegada intervenção da CrescerSer na residencialização de crianças, seja a vantagem que nisso esta teria e concomitante de que o seu presidente beneficiaria. Apesar das explicações sobre o sistema de promoção e proteção dadas na entrevista por CC, a reportagem omitiu intencionalmente factos decorrentes de tais explicações para que o público pudesse compreender o sistema, quer em abstrato, quer no caso concreto e a arguida, coordenadora, sabia-o. A arguida, coordenadora do programa, intencionalmente quis gerar junto dos teleespectadores a ideia de que os contribuintes estariam onerados com pagamentos excessivos em resultado da situação que na reportagem se descreve como sendo verdadeira e que as próprias crianças, a tal sujeitas pela sua pobreza, seriam com isso prejudicadas, assim concitando a reprovação pública sobre o suposto caso, bem sabendo que era isso que iria acontecer. O Provedor da RTP 1 censurou por escrito a conduta do jornalista, considerando que a reportagem violara preceitos deontológicos que impendem sobre os jornalistas e responsabilizam as próprias estruturas hierárquicas daquela estação de televisão incluindo a arguida coordenadora. Não se pode dizer como o arguido que não pretendeu nem levantou qualquer dúvida ou suspeita sobre o assistente, e que tendo-se limitado na referida reportagem a abordar uma temática de elevada relevância social para a sociedade portuguesa actuando dentro dos limites constitucionalmente definidos e protegidos da liberdade da imprensa e que a contextualização da factualidade subjacente ao caso não foi devidamente atendida, sendo que a correcta e devida contextualização e o enquadramento dos factos conduz necessariamente a um exercício legítimo e constitucionalmente garantido de liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Improcede ainda o alegado pelo arguido que actuou de forma negligente, consequentemente, sem relevância penal para efeitos de punição. Não se a realizaram interesses legítimos nem os arguidos tinham fundamento sério para, em boa-fé, reputarem o apresentado como verdadeiro.  Assim, como improcede a alegação que está afastada a ilicitude das condutas pelo exercício da liberdade de expressão, liberdade de imprensa e exceptio veritatis legalmente consagrada. O arguido e a arguida, autor da reportagem e a coordenadora do programa, intencionalmente quiseram gerar junto dos espectadores a ideia de que os contribuintes estariam onerados com pagamentos excessivos em resultado da situação que na reportagem se descreve como sendo verdadeira e que as próprias crianças, a tal sujeitas pela sua pobreza, seriam com isso prejudicadas, assim concitando a reprovação pública sobre o suposto caso, bem sabendo que era isso que iria acontecer. A reportagem mereceu repúdio da parte de pessoas que, tendo tomado conhecimento do seu teor, e por conhecerem o assistente e a actividade da associação, sabiam ser falso o conteúdo que resultava daquela peça jornalística. O Provedor da RTP 1 censurou por escrito a conduta do jornalista, considerando que a reportagem violara preceitos deontológicos que impendem sobre os jornalistas e responsabilizam as próprias estruturas hierárquicas daquela estação de televisão. O assistente exerceu o direito de resposta e o mesmo foi cumprido pela RTP, tendo a mesma divulgado uma nota num programa seguinte em que difundiu texto firmado pelo assistente, também na qualidade de Presidente da Direcção da Associação CrescerSer. O vasto universo daqueles que, alheios ao problema ou às entidades envolvidas, ou não conhecedores da sua acção, porque acreditaram no teor da reportagem formularam um juízo negativo sobre o assistente, efeito que só não foi maior por ter sido difundido o direito de resposta, que, no entanto, nem todos visionaram. A reportagem, devido ao modo como foi organizada, não serve o interesse público no sentido de esclarecer a comunidade sobre o problema da institucionalização de crianças nem sobre a intervenção do assistente no domínio da protecção das crianças em Portugal. O autor da reportagem e a coordenadora do programa agiram de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo que a sua conduta era proibida por Lei, representando mentalmente os factos que acima se referiram e desejando a sua ocorrência. A reportagem atingiu o brio e o amor-próprio do assistente. A imagem pública do assistente, a percepção que a comunidade tem da sua pessoa foi afectada pois, em virtude da reportagem, o mesmo apareceu associado a condutas menos correctas e eventualmente ilegítimas. Atentos os factos provados, inexistindo causas de justificação/exclusão da ilicitude e da culpa, verifica-se que os arguidos praticaram um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º, 183º, nº1, als. a) e b) e nº 2, ambos do Código Penal e artigo 71º, nº1 da Lei nº 27/2007, de 30.07, quanto à pessoa do assistente CC, de que vinham pronunciados. * 5 - DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA Face à matéria de facto dada como provada importa proceder à qualificação jurídico-penal da conduta dos arguidos, determinando qual a tutela jurisdicional que cumpre dar ao caso em apreço tendo em conta a moldura do crime. Uma vez que estamos perante penas alternativas, cumpre desde já proceder à escolha da pena. Nos termos do artigo 70º do Código Penal: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. São, pois, finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (reintegração do agente) as que se têm em conta na escolha da pena, não se considerando aqui a culpa, que apenas será valorada na determinação da medida da pena. Entre as duas finalidades é a prevenção especial que deve estar na base da escolha da pena. A determinação da medida da pena, dentro dos limites supra definidos, far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção tal como decorre do artigo 71º do Código Penal. Verifica-se, ainda, que contra cada um dos arguidos temos: - o grau de ilicitude do facto que se considera médio e - o dolo directo. Finalmente, não se pode deixar de ter em conta a necessidade de prevenção geral que é premente visto que crimes desta natureza vêm ocorrendo com frequência nesta comarca. A pena de multa é fixada em dias e, em regra, tem o limite máximo de 360, artigo 47º, nº1 do Código Penal. O arguido, de sessenta e seis anos de idade, está familiar e socialmente integrado. A arguida, de cinquenta e seis anos de idade, está familiar e socialmente integrado. Nenhum dos dois arguidos tem antecedentes criminais pelo que opta-se pela pena de multa já que a pena de multa revela-se suficiente para realizar as finalidades da punição. O arguido é divorciado e tem três filhos de 32 (trinta e dois), 18 (dezoito) e 15 (quinze) anos de idade que dependem economicamente dele. O arguido é jornalista mas está reformado recebendo mensalmente €2.350,00 (dois mil e trezentos e cinquenta euros) de reforma. O arguido tem a frequência do primeiro ano da Licenciatura de Direito. A arguida é casada e tem dois filhos de 24 (vinte e quatro) e 17 (dezassete) anos de idade que dependem economicamente dela. A arguida aufere mensalmente €2.800,00 (dois mil e oitocentos euros) da sua actividade profissional de jornalista. A arguida tem a Licenciatura em Comunicação Social. Vai-se atender também a que o arguido, como o disse em audiência de julgamento, tem quarenta e quatro anos de jornalismo tal como a arguida tem anos de profissão e que ambos sabiam que com o que se diz e se mostra na reportagem e o que nela não se revela, mas se insinua de forma clara e facilmente, atingiam o assistente Magistrado Jubilado de alguma idade e longo percurso profissional atingindo-o no brio e no amor-próprio e também na sua vida profissional e cívica aparecendo associado a condutas menos correctas e eventualmente ilegítimas mas actuaram intencionalmente, querendo pelo que era dito e pelo que era insinuado e que sabiam não corresponder à verdade divulgar esses factos através de um canal de televisão, a RTP 1, de ampla difusão. Atentos os factos provados, entende-se ser adequada a pena de 300 (trezentos) dias de multa a que correspondem 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária para cada um dos dois arguidos. No que concerne ao quantitativo diário e atento o artigo 47º do Código Penal assim como os factos provados, afigura-se adequado fixar o quantitativo diário em €7,00 (sete euros) para o arguido e em €8,00 (oito euros) para a arguida. * 6 – PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL Nos termos do disposto no artigo 129º do Código Penal (em conjugação com o disposto nos artigos 483º, nº1, 496º, nº1 e 562º e seguintes, todos do Código Civil): “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”. A reparação civil arbitrada em processo penal não é um efeito da condenação, o supra mencionado artigo apenas remete para a lei civil. Para além das sanções penais que venha a sofrer, o agente de um delito encontra-se obrigado a reparar o dano do ofendido por via da restituição do produto do crime ou da equivalente indemnização no plano jurídico-civilístico. A obrigação de indemnizar resultante da prática de factos ilícitos pressupõe a observância dos requisitos constantes do artigo 483º, nº1 do Código Civil. Preceitua o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil que: “Aquele que, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente os direitos de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Importa, assim, apurar a existência de um comportamento do agente dominável pela vontade, ilícito enquanto violador do direito de outrem, culposo no sentido de o agente optar livremente por conduta diversa daquela exigível pela ordem jurídica, a verificação de um dano e o nexo causal entre a conduta do agente e os danos que lhe sobrevieram. Só e apenas quando preenchidos cumulativamente os pressupostos acima indicados incorrerá o agente em responsabilidade civil por factos ilícitos e, eventualmente, no pagamento da respectiva indemnização. Em relação aos danos não patrimoniais, ou seja, prejuízos que, insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização – vide Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª, 2000, página 601. Tal situação encontra-se salvaguardada pela lei civil uma vez que o artigo 496º, nº 1 do Código Civil dispõe que: “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Por dano não patrimonial entende-se o prejuízo sofrido por qualquer pessoa que não atinge em si o seu património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património do lesado não é afectado, nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Nesta categoria de dano estão incluídos todos os prejuízos sofridos pelo sujeito passivo que não atingem os seus bens materiais, ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação patrimonial. O que ocorre é uma ofensa de bens de caracter imaterial desprovidos, portanto, de conteúdo económico e verdadeiramente insusceptíveis de avaliação pecuniária. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correcção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral. Desgosto, vexame, emoção, angústia, vergonha, perturbação psíquica, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética, áreas de certo modo impenetráveis e com vertentes que não podem ser alvo de uma valoração objectiva. Como escreve Delfim Maya de Lucena in “Danos não patrimoniais”, Coimbra, 1985, pág. 22, “no domínio dos danos não patrimoniais, atendendo a que a reconstituição natural não é possível, como o não é a tradução em números do volume de dores, angustias e desilusões, o legislador manda logo julgar de acordo com a equidade (cfr. artigo 496º, nº3 do Código Civil que remete para o artigo 494º do mesmo diploma legal), devendo o juiz procurar um justo grau de compensação”. Aliás, a própria natureza do dano não patrimonial suscita graves problemas a vários níveis da sua quantificação. Por um lado, é difícil a sua averiguação e a sua medida, os seus efeitos não se apagam facilmente (por vezes é mesmo inviável serem apagados) e, por outro, a compensação, que é uma soma em dinheiro, constitui uma grandeza bem diferente e não comparável, de modo algum, ao dano desta natureza. Acresce ainda que o dano não patrimonial versa sobre elementos do foro interno, eivados, como é obvio, de intensa componente subjectiva, o que eleva o grau de dificuldade quando se pretende traduzi-lo ou convertê-lo em elementos patrimoniais. A indemnização a atribuir ao lesado, a título de dano não patrimonial, é concebida em moldes completamente diversos do que ocorre no dano patrimonial, na medida em que, ao invés do que sucede com este, em regra eliminável “in natura” ou por equivalente, nada se reintegra, nada se restitui. Mais, no chamado dano não patrimonial não existe uma verdadeira e própria indemnização, mas antes uma reparação, correspondente a uma soma de dinheiro que se julga adequada para compensar e reparar as dores, ou sofrimentos, através do proporcionar de certo número de alegrias, prazeres e satisfações que as minorem ou façam esquecer. Enquanto a indemnização ressarcitória, típica do dano patrimonial, colmata uma lacuna de conteúdo económico existente no património do lesado, a reparação que ocorre relativamente ao dano não patrimonial encontra o património do lesado intacto, mas aumenta-o para que, com tal aumento, este possa encontrar uma compensação para a dor e restabelecer o equilíbrio na esfera incomensurável da felicidade humana. Quer dizer, a indemnização tem aqui por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados pelo lesado, de modo a suavizar-lhe as agruras da nova vida diária que terá de enfrentar e a proporcionar-lhe uma melhor qualidade de vida, assumindo ainda uma forma de desagravo em relação ao comportamento do lesante. Com a atribuição de uma soma em dinheiro pretende-se, em suma, proceder ao contrabalanço das dores ou à equivalência de sensações, em que uma dolorosa é posta em correlação com uma agradável, visando permitir que o lesado satisfaça um certo número de necessidades, possível através do dinheiro, na certeza, baseada no entendimento realista da vida, de que se não há mal que sempre dure ou não abrande com o decurso do tempo, poucas dores não poderão ser minoradas, ou mesmo esquecidas, através dos múltiplos prazeres que o dinheiro acaba por proporcionar. Por isso, se considera que tal indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada (natureza ressarcitória), por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar, sancionar ou castigar (cariz punitivo), no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. Com o recurso à equidade fixa-se o montante indemnizatório. Citando o Acórdão do S.T.J. de 25.06.2002 “em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista. Como se decidiu, a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496º e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar”. E citando Antunes Varela refere que “o montante da indemnização dever ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras da prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É este, como já foi observado por alguns autores, um dos domínios onde mais necessário se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir”. O assistente CC deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, peticionando a condenação dos arguidos/demandados no pagamento da quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais e da quantia de €102,00 (cento e dois euros) a título de indemnização por danos patrimoniais de taxa de justiça paga. Em relação ao pedido de indemnização civil por danos patrimoniais, o pagamento da taxa de justiça é necessário para a constituição de assistente para poder deduzir pedido de indemnização civil e não é emergente de crime pelo que os arguidos/demandados não são condenados no seu pagamento. Considerando os factos provados e verificados os pressupostos legais, temos que concluir pela parcial procedência do peticionado quanto aos danos morais e, consequentemente, impõe-se a condenação dos arguidos/demandados, solidariamente, no pagamento ao demandante CC a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais que lhe causaram com a conduta apurada nos presentes autos, artigos 483º, nº1, 487º, nº2, 562º, 563º e 564º, nº1, todos do Código Civil. (…) ”. » II.3- Apreciação dos recursos[3] Da invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia: Defende o arguido/recorrente que a sentença recorrida encontra-se ferida de nulidade, por “falhas” de fundamentação, não tendo o tribunal a quo conseguido explicar devidamente quais as provas que fundamentam cada um dos factos que deu como provados, tornando-se ao arguido bastante difícil a tarefa de impugnar a matéria de facto dada como provada. Conclui, assim, o arguido/recorrente que a sentença é nula, nos termos previstos no n.º 1, alínea a), do artigo 379.º do Código de Processo Penal, por ausência das indicações exigidas pelo n.º 2, do artigo 374.º, do citado diploma legal. Tal entendimento é perfilhado pela arguida/recorrente, que, à invocada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, acrescenta a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia. Argumenta, para o efeito que a sentença recorrida é nula, por falta de fundamentação, não só porque o tribunal a quo não indicou, para cada um dos factos provados, os meios de prova que contribuíram para a formação da sua convicção, como não é realizado o exame crítico da prova, o que não lhe permite compreender o percurso lógico que foi seguido pelo tribunal a quo, em particular no que tange aos factos provados vertidos em 28., 29., 31. e 38, e impede-a de compreender a decisão de direito a si respeitante. A tal nulidade, acrescenta a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, pois, não obstante, durante a produção de prova, em audiência de julgamento, ter sido suscitada a questão da consciência da ilicitude, nomeadamente, aquando dos depoimentos dos jornalistas ..., ... e …, a sentença recorrida não faz referência a tal questão, limitando-se a afirmar que inexistem “causas de justificação/exclusão da ilicitude e da culpa”. Conclui, assim, à semelhança do arguido/recorrente, que a sentença é nula por falta de fundamentação, nos termos previstos no n.º1, alínea a), do artigo 379.º do Código de Processo Penal, ex vi, n.º2, do artigo 374.º, do citado diploma legal, acrescentando, ainda, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista no artigo 379.º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Penal. Vejamos: Sob a epígrafe, nulidade da sentença, no que aqui releva, dispõe o artigo 379.º do Código de Processo Penal o seguinte: “1 - É nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º (…); (…) c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. 2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º (…)”. Por sua vez, o artigo 374.º, do Código de Processo Penal, sob a epígrafe requisitos da sentença, rege no seu n.º 2 o seguinte: “(…) 2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” (…)”. Tal preceito traduz a consagração legal da imposição constante do artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são, sempre, fundamentadas [nos termos definidos por lei]. A fundamentação adequada e suficiente da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projeção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor, e motivos que determinaram a decisão; em outra perspetiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos - para reapreciar uma decisão, o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão (os fundamentos) para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo. [4] Como se escreveu neste aresto, «O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Não se exige, pois, que o juiz explane todas as possibilidades teóricas de conceptualizar a forma como se desenvolveu a dinâmica dos factos em determinada situação, e, muito menos, que o juiz equacione todas as possibilidades (muitas delas até desrazoáveis, e, mesmo, absurdas) suscitadas, ao sabor das suas conveniências, pelos diferentes sujeitos processuais. Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles. Exige-se, isso sim (mas é coisa diferente), a enunciação, especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, a referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal, e o exame do seu valor e relevância probatórios, permitindo-se, assim, no contexto ambiental, de espaço e de tempo dos factos delitivos em apreço, compreender os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas razoavelmente pelas regras da experiência comum.» [sublinhado e negrito nosso]. Na verdade, a motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à atividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe refletir nela exaustivamente todos os fatores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório[5]. De modo que, desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão. Ora, in casu, analisada a decisão recorrida, constata-se que o tribunal a quo, após enumerar os factos provados e pronunciar-se pela inexistência de factos não provados, passou a expor a motivação da decisão de facto, elencando as provas que serviram para formar a respetiva convicção, quer as de natureza documental, quer testemunhal, revelando em que medida umas e outras contribuíram para a formação da sua convicção. Da fundamentação da matéria de facto da decisão recorrida, transparece não só a indicação, diga-se, exaustiva, de todos os elementos de prova [testemunhais e documentais] que alicerçaram a convicção do julgador, mas também o exame crítico das mesmas, tendo o tribunal a quo explicado, através dos elementos probatórios, o entendimento a que chegou quanto à factualidade que deu como provada. Como é consabido, o artigo 374.º, nº 2 do Código de Processo Penal não exige que se autonomize e se escalpelize a razão de decidir sobre cada facto, nem exige que em relação a cada meio de prova se descreva a dinâmica da sua produção em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível de alcançar. In casu, o tribunal a quo elencou a prova testemunhal e documental que considerou pertinente para o apuramento dos factos provados; fez uma exposição do que cada testemunha havia declarado em audiência de julgamento; referiu a posição tomada por cada um dos arguidos em julgamento; expôs as declarações prestadas pelo assistente; analisou, diga-se, aliás, de forma pormenorizada, a reportagem em causa emitida pela RTP1, em 23/11/2017, no programa “Linha da frente”, sob o título “Quanto custa criar”; visionou a entrevista que havia sido feita ao assistente e articulou todos esses elementos de prova, analisando-os de forma concatenada, explicando, de uma forma lógica e racional, o processo seguido para o  apuramento dos factos que considerou provados, explicação essa que, analisada à luz das regras da experiência comum, permite claramente compreender e sindicar o processo trilhado na formação da sua convicção. Acresce dizer que cada um dos arguidos/recorrentes contradiz-se na respetiva argumentação recursiva apresentada, pois se por um lado alegam, respetivamente, ser-lhe bastante difícil a tarefa de impugnar a matéria de facto dada como provada e ser impercetível a decisão de facto e bem assim de direito, no que lhe respeita, logo de seguida, cada um dos arguidos/recorrentes impugna a matéria de facto, invocando, designadamente, a inexistência de meios de prova que a sustente, impugnando parte da factualidade dada como provada, discorrendo o arguido/recorrente sobre esse tema ao longo de 181 artigos [concretamente do artigo 43.º ao artigo 224.º da motivação recursiva], e a arguida/recorrente ao longo de 131 artigos [concretamente do artigo 69.º ao artigo 200.º da motivação recursiva], numa clara demonstração de cada um deles ter compreendido as razões pelas quais o tribunal a quo considerou provada a factualidade em causa. Assim sendo, face aos considerandos acabados de expor, impõe-se concluir que inexiste qualquer violação do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e, consequentemente, improcede a arguida nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação. Relativamente à invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, de facto, prevê o artigo 368.º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe, “questão da culpabilidade” que: “(…) 2 - Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber: (…) d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; (…)”. Como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes na defesa das teses em presença.[6] Temos vindo a defender que a sentença ou o acórdão só têm que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa, ou seja sobre as questões, de facto ou de direito, com incidência ou impacto direto, positivo ou negativo, na decisão, o que não é, de todo, o caso dos autos, em que a arguida/recorrente parte de um pressuposto errado para suscitar tal questão. Com efeito, a arguida/recorrente sustenta a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, porque, não obstante, durante a produção de prova ter sido suscitada a questão da consciência da ilicitude, nomeadamente, aquando dos depoimentos dos jornalistas ..., ... e …, na sequência de ter alegado não ter tido qualquer intervenção na elaboração da reportagem em causa, a sentença recorrida não faz referência a tal questão, limitando-se a afirmar que inexistem “causas de justificação/exclusão da ilicitude e da culpa”. Ora, da análise da sentença recorrida decorre que a Mm.ª Juíza a quo analisou e apreciou as questões que tinha de analisar, respeitantes à responsabilidade criminal e civil imputada a cada um dos arguidos e justificou cabalmente a sua decisão, ainda que, quanto à concreta questão aflorada pela arguida/recorrente o tenha feito de forma genérica no que se refere à parte do segmento trazido à colação [“inexistem causas de justificação/exclusão da ilicitude e da culpa”.]. E, de facto, nada mais lhe cumpriria dizer, pois, como se compreenderá,  a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, não se verificará se a questão que devesse apreciar estiver prejudicada pela solução dada a outra, como se verifica no caso concreto, em que o tribunal a quo decidiu pela conduta ilícita da arguida, perante os factos que quanto a si foram dados como provados. Na verdade a arguida/recorrente, parte de um pressuposto errado, pois defende a falta de consciência da ilicitude da sua conduta, decorrente da sua não intervenção na elaboração da reportagem em causa, mas em momento algum foi dado como provado que a tenha elaborado, mas sim que se trata de uma reportagem da autoria do arguido AA, de cujo programa a arguida/recorrente era a coordenadora e que teve conhecimento dos termos em que o programa seria difundido [sendo exemplo disso o que decorre dos factos vertidos nos artigos 7.º, 28.º, 29.º e 31.º da factualidade provada]. Aqui chegados, só nos resta concluir que o tribunal a quo debruçou-se, na sentença recorrida, sobre todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento da arguida/recorrente, pelo que improcede, por inexistir, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista no artigo 379.º, n.º1, alínea c) do Código de Processo Penal.   » Da concreta impugnação da matéria de facto: Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: através do âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do referido diploma legal. No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios formais, também designados de vícios decisórios, que se encontram previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que, conforme decorre do referido preceito legal, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[7]. Tratam-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que visam o erro na construção do silogismo judiciário. No segundo caso estamos perante um erro do julgamento [designadamente na apreciação da prova] cuja apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, sempre tendo presente os limites fornecidos pelo recorrente em obediência ao ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. No domínio da impugnação ampla da matéria de facto visa-se, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos «pontos de facto» que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida[8].  Não se poderá, no entanto, esquecer que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio jurídico com vista a colmatar erros do julgamento na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, sendo, portanto, manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova. Tem sido este o sentido defendido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, designadamente: Assim refere Germano Marques da Silva[9] que “o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”. No mesmo sentido se pronuncia Damião Cunha[10], ao afirmar que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos». “O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros[11]. Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir determinados erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do Código de Processo Penal: “3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo [cfr. artigo 430.º do Código de Processo Penal]. Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens [das gravações] em que se funda a impugnação [não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos], pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes [n.º 4 e 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal][12]. Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: - a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações; - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso; - a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b), do nº 3, do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal] [sublinhado nosso]. Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens]. “Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente [sublinhado nosso]. [13] In casu, invoca o arguido/recorrente que deveriam ter sido considerados não provados os factos que se encontram vertidos em 10., 11., 15. a 17., 19. a 25., 26., (mantendo-se apenas a parcela até aos vocábulos “assim passando”), 27. a 31., 37. a 40, da factualidade provada, pugnando pela sua eliminação do elenco da factualidade provada e consequente inserção na factualidade “não provada”, fundamentando tal pretensão na inexistência de prova, irrelevância para a decisão da causa ou por prova do contrário ao que neles consta. Quanto a tal pretensão, nas conclusões recursivas consta o seguinte: «F. Por manifesta inexistência de prova, por irrelevância para a decisão da causa ou até por prova do contrário ao que neles consta, tal como detalhadamente explicado nestas alegações, devem ser eliminados do elenco de factos provados os pontos 10, 11, 15 a 17, 19 a 25, 26 (mantendo-se apenas a parcela até aos vocábulos “assim passando”), 27 a 31 e 37 a 40, que devem passar a ser considerados como “não provados”» Por sua vez, a arguida/recorrente impugna a factualidade vertida em 9., 10., 15., 16., 17., 19. a 22. e 24., 28., 29., 31. e 38., da factualidade provada, pugnando pela sua eliminação do elenco da factualidade provada e consequente inserção na factualidade “não provada”, fundamentando tal pretensão no vício da contradição insanável, a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal, no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410.º, n.º2, alínea a), do Código de Processo Penal e na leitura que faz dos elementos de prova chamados à colação em sede recursiva. Quanto a tal pretensão, das respetivas conclusões recursivas consta o seguinte: (…) VII. O facto provado n.º 7 é contraditório com os factos provados números 28, 29, 31 e 38. VIII. O mero visionamento da versão final da reportagem (cfr. facto provado n.º 7) é incompatível, segundo as regras da experiência comum, com a ação e intenção descritas nos factos provados números 28, 29, 31 e 38, que (pres)supõem uma participação ativa na elaboração da reportagem (incluindo na fase de investigação e realização de entrevistas e na fase de edição da reportagem). IX. Da prova produzida resulta insuficiência para a matéria de facto dada como provada quanto à Recorrente, nomeadamente no que respeita aos factos provados números 28, 29, 31 e 38. X. No facto provado n.º 7 não se diz “elaborou” (vocábulo que seria concordante com os factos provados números 28 e 29), mas antes “teve conhecimento” – o que é compatível com o que a Recorrente sempre afirmou (e que, aliás, o Tribunal reconhece em sede de fundamentação): não participou na elaboração da reportagem nem contribuiu para a mesma, tendo visionado a peça já editada antes da sua emissão. XI. Resulta da prova produzida em audiência que a reportagem foi elaborada pelo jornalista AA, não tendo BB tido qualquer tipo de intervenção na sua elaboração. XII. Não foi produzida prova que permita concluir que BB teve acesso, antes da edição da reportagem, aos elementos recolhidos pelo seu autor. XIII. BB não tinha o domínio do facto, no sentido de que não dispunha de elementos que permitissem concluir que as informações veiculadas na reportagem não eram verdadeiras (no que não se concede). XIV. Nem podia, por não ter participado na realização da entrevista e por não ter sido a Recorrente a definir o fio condutor da reportagem (que foi, necessariamente, definido pelo seu autor, em cujo trabalho a Recorrente não tinha qualquer motivo ou justificação para interferir), “garantir ao assistente a possibilidade de se pronunciar sobre aquele que seria o núcleo essencial da reportagem emitida” (cfr. facto provado n.º 29). XV. O autor da reportagem não solicitou a contribuição da Recorrente durante a elaboração da peça jornalística em crise, pelo que BB não teve qualquer intervenção em momento prévio à emissão da reportagem. XVI. Não tendo tido qualquer participação ativa na elaboração da reportagem, não tendo realizado, designadamente, a entrevista ao assistente, BB não podia, de facto, “garantir que o assistente teve a oportunidade de se pronunciar sobre o núcleo essencial da reportagem”. XVII. Ao que acresce que a Recorrente não dispunha de, nem resultam da reportagem, elementos que permitissem, sequer, questionar a veracidade das informações aí veiculadas. XVIII. Aquando do visionamento da reportagem no seu formato final, a Recorrente limitou-se a avaliar se a mesma estava bem feita no plano da deontologia profissional e do relato dos factos, tendo ficado com a perceção de que se tratava de uma reportagem isenta, objetiva e bem elaborada – perceção que foi, também, a perceção de ... (jornalista e Diretor-Adjunto de Informação à data da emissão da reportagem) e de ... (jornalista). XIX. Consequentemente, deverá o elenco de factos provados ser alterado, devendo os factos provados números 28 e 29 ser dados como não provados, nos seus exatos termos. XX. Para que a Recorrente tivesse “intencionalmente querido gerar” junto dos espetadores qualquer ideia, nomeadamente a referida no facto provado n.º 31, era necessário que tivesse tido intervenção na reportagem – o que, como resulta da prova produzida em audiência de julgamento, não sucedeu –, ou, em alternativa, que a insinuação de excessividade dos montantes pagos às instituições de acolhimento resultasse de forma objetiva da reportagem – o que também não se verifica. XXI. Inexiste prova que sustente a afirmação de que a Recorrente teve a intenção de fazer qualquer tipo de insinuação. XXII. Pelo exposto, deve o elenco de factos provados ser alterado, devendo o facto provado n.º 31 ser dado como não provado, nos seus exatos termos. XXIII. Inexistem, nos autos, elementos probatórios que permitam que se afirme que a Recorrente atuou «de modo livre, consciente e voluntário», com o intuito de ofender o assistente (cfr. facto provado n.º 38). XXIV. É natural que as pessoas mais ligadas ao assistente se tenham solidarizado com este após emissão da reportagem, sendo certo que pessoas diferentes colocadas em circunstâncias diferentes podem fazer leituras distintas da mesma informação. XXV. Não se pode excluir que terceiros não relacionados com o assistente ou com os demais visados na reportagem (em particular, com a Crescer Ser, instituição a que o assistente presidiu durante largos anos) não tenham formado uma opinião negativa sobre o assistente. XXVI. Resultou da prova produzida nos autos que apenas as pessoas ligadas ao assistente ou pessoas que trabalham no setor social se sentiram incomodadas. XXVII. Inexistem, nos autos, elementos de onde se possa extrair qualquer elemento volitivo quanto a BB. XXVIII. Poderá, até, dizer-se que, de toda a prova produzida nos autos, resulta exatamente o inverso: o de que não pretendeu causar qualquer dano ao assistente, nomeadamente à sua honra. XXIX. Pelo exposto, deve o elenco de factos provados ser alterado, devendo o facto provado n.º 38 ser dado como não provado, nos seus exatos termos. XXX. Da sentença não resulta imputada à Recorrente nenhuma conduta que preencha o tipo criminal da difamação, nunca se afirmando que a Recorrente imputou factos, ou formulou juízos ofensivos da honra e consideração do assistente, dirigindo-se a terceiros – nem assim poderia ser, uma vez que resulta da prova constante dos autos que a Recorrente não teve qualquer participação na reportagem. XXXI. Na reportagem não são imputados ao assistente, mesmo sob a forma de suspeita, quaisquer factos nem são formulados sobre si juízos ofensivos da sua honra ou consideração, porquanto, como já se referiu, a reportagem é uma mera narração de factos objetivos devidamente sustentados – o que resulta dos depoimentos de ... e de .... XXXII. Da reportagem decorre que há um denominador comum na maior parte das situações de residencialização: a pobreza – o que corresponde ao sentimento de quem trabalha com as famílias a quem são impostas as medidas de residencialização, em especial, de quem acompanha os pais ou cuidadores das crianças institucionalizadas. XXXIII. É manifestamente falso que a reportagem tenha sido «construída e apresentada, por conjugação selecionada de perguntas e respostas e imagens projectadas de modo a ser apta a lançar a suspeita, sob forma de insinuação» sobre o assistente e a CrescerSer (cfr. facto provado n.º 9). XXXIV. Da reportagem não resulta que o assistente teve interferência nos processos que culminaram na determinação da medida de acolhimento residencial quanto às crianças e jovens que se encontram institucionalizados na CrescerSer, como não resulta (nem é, sequer, insinuado) que atuou em prejuízo das famílias a quem as crianças foram retiradas. XXXV. A reportagem não é, em caso algum, suscetível de ofender a honra e o bom nome do assistente, desde logo porque não são relatados quaisquer factos inverídicos a seu respeito. XXXVI. É evidente o interesse do público (enquanto apelo informativo), mas também o interesse público (enquanto dever de informar), do tema abordado na reportagem. XXXVII. A reportagem ateve-se a factos com relevância social e que o seu autor contactou e recolheu elementos através de várias fontes, que se apresentaram como sendo credíveis – elementos que permitiram «testar e controlar a veracidade dos factos» relatados na reportagem. XXXVIII. As declarações do assistente emitidas na reportagem não desvirtuam o contexto em que as mesmas foram proferidas durante a entrevista, que se encontra, tal como a reportagem, disponível para visualização por qualquer pessoa. XXXIX. Resulta da prova produzida em audiência de julgamento que a reportagem não teve o impacto pretendido pelo assistente, não resultando da mesma qualquer suspeita ou insinuação sobre a pessoa do assistente ou sobre a sua alegada intervenção nas decisões de residencialização de crianças. XL. Nem resulta qualquer insinuação de que os montantes pagos pela Segurança Social às instituições que acolhem crianças cuja institucionalização foi determinada são excessivos ou que as instituições que recebem as crianças retiram alguma vantagem pecuniária da sua institucionalização. XLI. Quanto ao conflito de interesses, a reportagem limita-se a suscitar a questão de forma objetiva – questão com a qual já não era a primeira vez que o assistente era confrontado. XLII. A reportagem em crise nos autos foi uma das primeiras peças jornalísticas a levantar a questão do conflito de interesses relativamente à acumulação de funções neste setor, tendo dado o mote para o início do processo legislativo que culminou com a aprovação da Lei n.º 39/2019, de 18 de junho. XLIII. Decorre da prova produzida em audiência que: a. A reportagem não constitui imputação de factos (ainda que sob a forma de suspeita ou insinuação) nem formulação de quaisquer juízos de valor quanto ao assistente; b. A reportagem é um relato objetivo de situações de retirada de crianças a familiares, não havendo qualquer insinuação de que o assistente teve intervenção nas decisões de retirada e ou de institucionalização; c. Existia um sentimento social no sentido da existência de conflito de interesses relacionado com a acumulação de cargos neste domínio; d. Existe um sentimento social de desajustamento dos valores pagos às famílias a título de apoio e dos valores atribuídos às instituições onde são acolhidas as crianças cuja retirada foi determinada pelas autoridades competentes. XLIV. Pelo que devem ser dados como não provados, nos seus exatos termos, os factos provados números 9, 10, 15, 16, 17, 19 a 22 e 24. (…)”. Ora, como facilmente se constata, da análise das transcritas conclusões, bem como das respetivas motivações recursivas, com exceção da indicação dos pontos de facto que consideram incorretamente julgados [referidos quer nas conclusões, quer na motivação do recurso], e da transcrição do depoimento de testemunhas e/ou da indicação de determinado documento [referido apenas na motivação do recurso mas já não nas conclusões],  os recorrentes não cumpriram o ónus de impugnação especificada, em obediência ao disposto no n.º 3 do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal, o que inviabiliza a reapreciação da matéria de facto pela via da impugnação ampla. Designadamente, no que concerne à especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, os recorrentes não fazem a devida especificação, nem nas conclusões, nem na respetiva motivação, limitando-se a tecer considerações gerais sobre a prova produzida, a expor a leitura que cada um deles faz da mesma. É manifesto que as conclusões do recurso não satisfazem, nem sequer num patamar mínimo, a exigência de tríplice especificação legalmente imposta nos casos de impugnação ampla. E, por outro lado, uma leitura atenta da motivação, torna evidente que também esta não consente tal especificação, sendo que, a nosso ver, dizendo-se que as conclusões resumem as razões do pedido, nada pode ser resumido que não se contenha no arrazoado da motivação, de que as conclusões constituem uma síntese essencial. Por outras palavras: as conclusões, para serem legítimas e razoáveis – como dizia o prof. Alberto dos Reis[14] - devem emergir logicamente do arrazoado feito no corpo da motivação. Se o recorrente pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, não pode deixar de enunciar na motivação, de forma argumentada, os fundamentos por que entende que determinadas provas concretas impõem decisão diversa quanto aos concretos pontos de facto questionados. [15][sublinhado nosso]. Na verdade, o que os recorrentes pretendem, agora fazer, é contrapor a sua posição à prova que foi produzida em audiência de julgamento, é fazer vingar a sua própria leitura da referida prova, insurgindo-se contra a forma como o Tribunal a quo apreciou a prova, tecendo considerações em que manifestam, essencialmente, a divergência entre a sua convicção pessoal sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal firmou sobre os factos, o que, como é consabido, se prende com o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal. Da leitura quer das conclusões, quer da motivação de cada um dos recursos, o que decorre é que os arguidos/recorrentes, pese embora indiquem os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, na verdade nada mais fazem, pois, após tal indicação, limitam-se  a chamar à colação um ou outro elemento de prova, referindo  que o Tribunal a quo deveria ter considerado tais factos como não provados porque “é conclusivo”, “é incorreto”, é “falso, pois não corresponde à realidade”, é “irrelevante para a decisão da causa”, “não há qualquer prova sobre este facto” ou porque assim “resulta do depoimento de ..., um dos jornalistas mais premiados e reconhecidos do nosso país e professor de jornalismo” ou chamando à colação a reportagem em causa referindo que “por via da mera visualização da reportagem se conclui pelo contrário” [no que respeita ao recurso do arguido/recorrente], ou porque a dadas afirmações “não foi dada a relevância devida em sede de fundamentação, sobretudo quando comparado o resumo dos depoimentos das testemunhas de defesa (…) com o resumo dos depoimentos das testemunhas da acusação”,  ou porque “inexiste prova”, ou porque “toda a prova produzida nos autos, resulta exatamente o inverso” [no que respeita ao recurso da arguida/recorrente] (sic). [sublinhado nosso]. Ou seja, pese embora indiquem os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados e, na motivação, também elenquem os meios de prova, com, em alguns casos, a respetiva transcrição do depoimento da testemunha que chamam à colação, em parte alguma, explicitam a razão, demonstram o porquê, dessa concreta «prova» “impor” uma decisão diversa da recorrida, quanto aos concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados. Caberia aos arguidos/recorrentes colocar os segmentos que impugnam em confronto com as provas, demonstrando que estas  só podiam levar a que se dessem como não provados os factos que o Tribunal a quo considerou como provados, que, pelo menos, suscitasse a dúvida do julgador, demonstrando a verificação de erro judiciário que entendessem existir, o que os arguidos/recorrentes não fizeram, não tendo, em momento algum, sequer indicado, quanto mais demonstrado, o raciocínio percorrido para chegar a tal conclusão. Concluindo, os arguidos/recorrentes não cumpriram o ónus de impugnação especificada a que estavam vinculados, não cumpriram as exigências inerentes a uma impugnação ampla, e não o fizeram nem na motivação, nem nas conclusões, que aquelas deveriam resumir. Assim sendo, não pode este Tribunal da Relação conhecer dos recursos, a título de impugnação ampla. Acresce dizer que, de acordo com posição constante do Supremo Tribunal de Justiça, o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto, tanto na motivação como nas conclusões desta, não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido. [16] Na verdade, não podemos deixar de recordar que o texto da motivação do recurso – reservado aos respetivos fundamentos – é imodificável e, como tal, insuscetível de ser aperfeiçoado, o que bem se compreende, pois, o contrário, equivaleria, no fundo, à concessão de um novo prazo para recorrer, pelo que não cabia a este Tribunal fazer qualquer convite ao aperfeiçoamento, pois estamos perante uma deficiência da estrutura da própria motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso[17]. Em suma, o artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, impõe o dever de convite ao aperfeiçoamento tão só quando “a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º”. Se o recorrente não faz, como no presente caso, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, nos seus precisos termos, não há lugar ao convite à correção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite. » Afastada a viabilidade de modificação dos factos por apelo à impugnação, ampla, apreciemos a questão à luz dos vícios decisórios, previstos no n.º 2, do artigo 410º do Código de Processo Penal, de conhecimento oficioso e, in casu, invocados pela arguida/recorrente. Ora, atentos os considerandos já supra expostos quanto a esta matéria, importa apenas dizer que, pela simples leitura da decisão recorrida, não se vislumbra qualquer um dos vícios ali discriminados. Com efeito: A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não com a falta de prova para a decisão da matéria de facto provada[18]. Ora, analisado o texto da decisão recorrida não se constata a existência do apontado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, pois, não só a matéria de facto provada é suficiente para fundamentar a decisão de direito [encontrando-se provados todos os elementos do tipo do crime imputado aos arguidos], mas também porque não decorre da sentença recorrida que o tribunal a quo tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal, consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Ou seja, uma situação em que, seguindo o raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, ainda, com a fundamentação da decisão, o que também não ocorre no caso concreto. Realce-se que, ao contrário do invocado pelo recorrente, com vista a sustentar tal contradição, o tribunal a quo não sustentou a factualidade provada apenas na reportagem, mas também na restante prova documental e testemunhal elencada na fundamentação. Note-se que a este respeito defende o arguido/recorrente que estarão em contradição entre si os factos vertidos em 21. e 12. da factualidade provada, a saber:   “21 - A reportagem constrói, de modo claro, a insinuação de que as injustificadas decisões de medidas de acolhimento residencial de crianças são facilitadas por CC, ora assistente, mercê do exercício simultâneo de Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens e de Presidente da Direção da instituição particular de solidariedade social CrescerSer, situação que, na tese do programa, envolve conflito de interesses;” “12 - Não é imputado ao assistente nem à Associação CrescerSer qualquer intervenção nos casos concretos com que a reportagem ilustra a sua narrativa;”, pois, na sua ótica, não se pode dizer que é construída “de modo claro” uma insinuação de uma alegada intervenção do assistente nas decisões de medidas de acolhimento residencial injustas, pois a ter sido feita de “modo claro” haveria imputação, o que a acusação não reconheceu existir, não tendo sido indicado o ponto concreto da peça jornalística onde tal insinuação é apresentada, pelo que existe contradição entre ambos os pontos da factualidade provada. Porém, não lhe assiste razão,  pois o facto de ter resultado provado que não é imputado ao assistente nem à Associação CrescerSer qualquer intervenção nos casos concretos com que a reportagem ilustra a sua narrativa daí não se retira qualquer contradição com a factualidade vertida em 21., desde logo porque a factualidade vertida em 21. extravasa os referidos “casos concretos”, ao referir-se a “injustificadas decisões de medidas de acolhimento residencial de crianças”, quando há casos concretos abordados na reportagem que não se reportam a qualquer acolhimento residencial. O mesmo se diga quanto à contradição invocada pela arguida/recorrente, que defende estarem em contradição entre si os factos vertidos em 28., 29., 31. e 38. com o facto vertido em 7. da factualidade provada, a saber:  “(…) 7 - O referido programa foi da autoria do arguido AA sendo coordenadora do programa a arguida BB, a qual teve conhecimento dos termos em que esse programa seria difundido; (…) 28 - O autor da reportagem e a coordenadora do programa sabiam que os factos que transmitiam não correspondiam à verdade e que, ao divulgarem a mesma através de um canal de televisão, nomeadamente pela RTP 1, ela iria conhecer ampla difusão, como sucedeu e quiseram; 29 - O autor da reportagem e a coordenadora do programa não garantiram ao assistente entrevistado a possibilidade de se pronunciar com detalhe sobre aquilo que constituiria o núcleo essencial do que a reportagem transmitiu, seja a alegada intervenção da CrescerSer na residencialização de crianças, seja a vantagem que nisso esta teria e concomitante de que o seu presidente beneficiaria; (…) 31 - O autor da reportagem e a coordenadora do programa intencionalmente quiseram gerar junto dos espectadores a ideia de que os contribuintes estariam onerados com pagamentos excessivos em resultado da situação que na reportagem se descreve como sendo verdadeira e que as próprias crianças, a tal sujeitas pela sua pobreza, seriam com isso prejudicadas, assim concitando a reprovação pública sobre o suposto caso, bem sabendo que era isso que iria acontecer; (…) 38 - O autor da reportagem e a coordenadora do programa agiram de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo que a sua conduta era proibida por Lei, representando mentalmente os factos que acima se referiram e desejando a sua ocorrência; (…)”. Argumenta, para o efeito, que retirando-se do facto provado vertido em 7. que a arguida/recorrente não teve qualquer intervenção na elaboração da reportagem, tendo, apenas, visionado a versão final da mesma, tal facto é manifestamente contrário ao que se diz nos factos vertidos em 28., 29., 31. e 38., dos quais resulta que o tribunal a quo parece pressupor, em clara contradição com o que afirma em 7., que a arguida/recorrente teve intervenção concreta na reportagem. Porém, não lhe assiste qualquer razão, pois em momento algum o tribunal a quo deu como provado que esta tenha elaborado a reportagem em causa, mas sim que teve conhecimento da mesma, como a própria, aliás, o admite, e, como tal, enquanto coordenadora do programa, não só podia como devia ter atuado, para que a reportagem em causa não fosse “para o ar”, com a linha de orientação que lhe foi dada, contendo as suspeições apontadas sobre a honra e o bom nome do assistente. Porém, nada fez. Inexistindo, portanto, as apontadas contradições, a matéria impugnada, também, por esta vertente, terá de manter-se intocada.   Finalmente, pese embora não tenha sido invocado, tratando-se, a par dos ora apreciados vícios, de um vício de conhecimento oficioso, sempre se dirá que o erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, ocorre quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis, o que, no caso, não ocorreu. Na verdade, o Tribunal a quo explicou, de forma razoável, porque considerou os factos ora impugnados como provados e fê-lo em obediência à imediação e ao princípio da livre apreciação da prova. Saliente-se que a censura quanto à forma como ocorreu a convicção do tribunal não pode assentar, simplisticamente, no ataque da fase final de tal convicção, antes havendo que residir na violação de passos para a formação da mesma, sob pena de inadequada interpretação do disposto naquele artigo 127.º do Código de Processo Penal, não obstante a liberdade de apreciação esteja limitada por critérios de legalidade, da lógica, da experiência, dos conhecimentos científicos e, assim, configurando uma liberdade de acordo com um dever.[19] Por seu lado, segundo o acórdão do STJ de 27-05-2010[20], sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova. In casu, o caminho trilhado pelo tribunal a quo apresenta-se lógico e inteligível, de acordo com os critérios legais de admissibilidade e de apreciação da prova e nem sequer se impunha que chamasse à colação a aplicação do princípio in dubio pro reo perante a inexistência de dúvidas que não se lhe suscitaram, nem se impunha que suscitasse. Como resulta claramente da motivação da matéria de facto supra transcrita, o tribunal a quo deu como provados os factos aqui controvertidos, explicando, de forma razoável, lógica, racional e plausível, porque assim o fez. No caso, explicou porque considerou os factos em apreço como provados, e, designadamente, de que forma valorou a prova, não se descortinando a existência de qualquer interpretação ilegal, designadamente, qualquer interpretação inconstitucional do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, que impusesse a este Tribunal apreciar. O Tribunal a quo deixou claro que a decisão sobre a matéria de facto, designadamente nos pontos impugnados pelos arguidos/recorrentes, assentou na ponderação dos elementos de prova que, à luz das regras da experiência comum, designadamente nas provas documentais e testemunhais, elencou e analisou. Aqui chegados, pelas razões supra expostas, só nos resta concluir que não pode este tribunal de recurso sindicar a decisão proferida sobre matéria de facto, pelo que, consequentemente, o acervo factológico mostra-se definitivamente fixado, nos precisos termos em que o Tribunal a quo o definiu. Assim sendo, improcede a requerida alteração do quadro factual que conduziu à condenação dos arguidos/recorrentes, o qual permanecerá imodificável. » Da invocada violação de normas constitucionais, de direito internacional e de direito interno: Com vista a sustentar a sua posição, aduz o arguido/recorrente que a referida peça jornalística se reveste de manifesto interesse público, por abordar uma temática de elevada relevância social e que atuou dentro dos limites constitucionalmente definidos e protegidos das liberdades de expressão, de opinião e de imprensa. Além disso, prossegue o recorrente, mesmo que se tenham as condutas praticadas como criminalmente relevantes, sempre estaria afastada a sua ilicitude, por apelo à exceptio veritatis legalmente consagrada e mesmo que existisse um dano penalmente relevante na esfera do assistente, teria de se considerar que essa lesão teria sido provocada de forma negligente, nos termos do artigo 13.º do Código Penal, que não tem relevância penal para efeitos de punição. Por fim, mais aduz que o critério normativo adotado pelo tribunal a quo quanto à interpretação do artigo 180.º do Código Penal não respeita a constituição da República Portuguesa, infringindo a liberdade de imprensa e o direito à presunção de inocência. Por sua vez, argumenta a arguida/recorrente que não resultou provado qualquer facto de onde decorra que tenha participado na elaboração da reportagem, pelo que os factos ou juízos alegadamente contidos na reportagem em causa não se devem a qualquer atuação sua. Consequentemente, conclui, não há qualquer facto provado a si respeitante, suscetível de integrar a prática do crime de difamação agravada, pelo qual foi pronunciada e veio a ser condenada, pelo que deverá ser absolvida. Prossegue, argumentando que o tema abordado na reportagem é de interesse público e esta não é, em caso algum, suscetível de ofender a honra e o bom nome do assistente, pois não foram relatados quaisquer factos inverídicos a seu respeito. Mais refere que o artigo 37.º, n.º 3 da CRP não configura uma cláusula de restrição dos direitos de expressão e de informação, representando a decisão condenatória recorrida uma restrição inadmissível da liberdade de expressão da arguida/recorrente, violando o artigo 10.º n.º 2, da CEDH. Invoca ter atuado com falta de consciência da ilicitude, por não ter participado de alguma forma na elaboração da reportagem, designadamente, realizando qualquer entrevista ou recolhido quaisquer elementos que integraram a investigação que culminou na peça jornalística em causa, chamando, mais uma vez, à colação, com vista a sustentar a sua argumentação, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, designadamente das testemunhas ... e de ..., referindo serem ambos jornalistas com carreiras de décadas, durante as quais já exerceram funções de direção (nomeadamente, ao nível da Direção de Informação) e de coordenação de programas, os quais, expressamente questionados sobre se, após terem visionado a reportagem, impediriam a sua emissão, ambos responderam negativamente (ou, de outra perspetiva, afirmaram que emitiriam a reportagem nos seus exatos termos).  Além disso, limitou-se a visionar a versão final da reportagem, não teve acesso aos elementos recolhidos pelo seu autor, em quem depositava total confiança, não tendo quaisquer motivos para duvidar do seu trabalho, pelo que, não resultando objetivamente da reportagem a falsidade dos factos aí relatados, nem qualquer suspeita ou insinuação, não havia motivos para impedir a sua emissão, tanto mais que outros jornalistas, tal como os despachos de não pronúncia do Mm.º JIC, perfilham do entendimento que a sua conduta não constitui qualquer crime, pelo que se um jurista entende que a reportagem não é ofensiva da honra do assistente, não era exigível à arguida/recorrente que fizesse um juízo distinto.   Invoca, ainda, a arguida/recorrente que sempre o princípio in dubio pro reo imporia a conclusão que, a haver ilicitude, a sua omissão resultaria de um erro sobre os elementos (de facto e de direito) típicos do crime – erro que exclui o dolo (cfr. artigo 16.º, n.º1, do CP), ou, subsidiariamente, a ilicitude do facto (cfr. artigo 16.º, n.º 2, do CP), pois tal ilicitude não é evidente, tal como decorre dos depoimentos de ... e ..., mas, também, do despacho de não pronúncia de julho de 2020. Invocado, finalmente, que caso assim não se considere, nunca a arguida/recorrente quis causar danos ao assistente, ou sequer representado tal possibilidade, pelo que atuou em erro não censurável sobre a ilicitude – erro que exclui a culpa (cfr. artigo 17.º, n.º 1, do CP). Vejamos: Ora, sem desdouro para o esforço argumentativo de cada um dos recorrentes, desde já se adianta que não lhes assiste razão. Vejamos porquê: Dispõe, no que aqui releva, o artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal que comete o crime de difamação: 1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. 2 - A conduta não é punível quando: a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira. (…) 4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.”  Tal crime será agravado, caso a ofensa seja praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, designadamente através de meio de comunicação social, ou tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação [artigo 183.º, n.º 1, al. a) e b) e n.º2 do Código Penal]. O tipo legal em causa adota uma conceção do bem jurídico honra que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior e assegura o direito ao “bom-nome” e à “reputação”, constitucionalmente garantidos no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, devendo reconhecer-se que a relevância penal das ofensas cometidas a tais bens jurídicos será aferida em função do contexto em que as mesmas ocorram. O bem jurídico tutelado pela incriminação é a honra, na seu vertente externa [a reputação e o bom nome comunitários] e interna [a dignidade pessoal, desembaraçada e independente do seu estatuto social]. O tipo objetivo, desde logo, exige a imputação de um facto [dado real da experiência] ou a formulação de um juízo ofensivo daquela honra. Na expressão de Beleza dos Santos[21], “a honra consiste naquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à autoavaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. Por seu turno, a consideração é integrada por aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum deles possa expor o sujeito à falta de consideração ou ao desprezo público. Refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público, no sentido de considerar alguém um bom elemento do tecido social, ou, pelo menos, no sentido de não o julgar um valor negativo para a comunidade.”. Não se tratam de conceitos opostos ou contrastantes, mas sim de diferentes planos de um todo complexo, pois honra e consideração imbricam-se indissociavelmente na valoração social de cada um. Como refere Figueiredo Dias[22], «a jurisprudência e a doutrina jurídico-penais portuguesas têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico ‘honra’, que o faça contrastar com o conceito de ‘consideração’ (...) ou com os conceitos jurídico-constitucionais de ‘bom nome’ e de ‘reputação’. Nomeadamente, nunca teve entre nós aceitação a restrição da ‘honra’ ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais e sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito quer puramente fáctico, quer – no outro extremo – estritamente normativo».[23]. O direito ao bom nome e à reputação está consagrado no artigo 26º, nº 1, da CRP, e “consiste no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a consequente reparação”.[24] E, ao contrário do sustentado pela arguida/recorrente, no sentido de que o artigo 37.º, n.º 3, da CRP, não configura uma cláusula de restrição dos direitos de expressão e de informação, o direito ao bom nome e à reputação goza de um alcance jurídico muito amplo, constituindo um limite para outros direitos, nomeadamente para a liberdade de expressão, a liberdade de informação e a liberdade de imprensa. É por essa razão que “a relevância constitucional da tutela do bom nome e da reputação legitima a criminalização de comportamentos como a injúria, a difamação, a calúnia e o abuso de liberdade de imprensa ou a admissibilidade, no âmbito da responsabilidade civil, da compensação dos danos não patrimoniais advenientes de actuações ilícitas por ofensa ao bom nome e à reputação das pessoas”.[25] De qualquer forma, “Nos crimes contra a honra, tal como acontece em muito outros, há um patamar mínimo exigível de carga ofensiva, abaixo do qual não se justifica a tutela penal”[26], sendo a contextualização das expressões proferidas indispensável ao juízo sobre a tipicidade. Impõe-se, assim, olhar a expressão em apreciação, não isoladamente, mas no contexto e circunstâncias em que foi proferida, e apreciar se, nesse contexto, atingiu o visado num quadro merecedor de tutela penal. Pois à semelhança do que acontece com a realização dos tipos penais em geral, mas particularmente com o tipo em presença, utilizando agora palavras de Cavaleiro de Ferreira, “os crimes contra o pudor, a honra, a honestidade, são conceitos que só se compreendem após uma prévia valoração da realidade”. “Por conseguinte, atentos os múltiplos fatores que concorrem para a identificação das condutas ofensivas da honra, apenas nos casos concretos é possível discernir quais as palavras ou afirmações que, efetivamente, comportam uma carga ofensiva da honra de um indivíduo. Para este efeito, cumpre considerar, não só as expressões em si mesmas ou o seu significado, mas todas as circunstâncias envolventes, como sejam, a comunidade mais ou menos restrita a que pertencem os intervenientes, a relação existente entre estes, o contexto em que as palavras são produzidas e a forma como o são.”[27] Também o Prof. José Faria Costa alerta para que «o cerne da determinação dos elementos objectivos se tem sempre de fazer pelo recurso a um horizonte de contextualização. Reside, pois, aqui, um dos elementos mais importantes para, repete-se, a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo.»[28] Por outro lado, no que aqui importa, preceitua o artigo 37.º, n.ºs 1, 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Liberdade de expressão e informação” que: “1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei. (…)”. Por sua vez, decorre do artigo 38.º da CRP, sob a epígrafe, Liberdade de imprensa e meios de comunicação social que: “1. É garantida a liberdade de imprensa. 2. A liberdade de imprensa implica: a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional; b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção; c) O direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévias. (…).”. Da conjugação de tais preceitos legais decorre a ideia de que nas sociedades democráticas, como a nossa, existem margens de tolerância conferidas pela liberdade de expressão, que compreende não só a liberdade de pensamento, como a liberdade de exteriorização de opiniões e juízos, sem esquecer, porém, como já o dissemos, que o direito à liberdade de expressão e crítica tem limites, como decorre do próprio n.º 3 do artigo 37.º da CRP, quando estabelece que “as infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal (…)”. [sublinhado nosso]. Aliás, tal preceito constitucional reflete o vertido do, repetidamente, invocado artigo 10º da CEDH que, precisamente, sob a epígrafe, “liberdade de expressão” prevê tal restrição, ao dispor que: 1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia. 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.”. [sublinhado nosso]. Verifica-se, assim, que em matéria de direitos fundamentais deve atender-se ao princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade, segundo o qual se deve procurar obter a harmonização ou concordância prática dos bens em colisão, a sua otimização, traduzida numa mútua compressão por forma a atribuir a cada um a máxima eficácia possível. Ora, a liberdade de expressão é um valor que assume a dignidade constitucional conferida pelo artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa, a que corresponde normativamente o artigo 10.º, n.º 1, da C.E.D.H. e segundo a jurisprudência do T.E.D.H., a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática, o que vale mesmo para as ideias que ferem, chocam ou inquietam, pelo que qualquer restrição a essa liberdade só é admissível se for proporcionada ao objetivo legítimo protegido. Como alcançar, então, tal desiderato? Como alcançar tal proporcionalidade? É o próprio exercício do direito de informação, através da função da imprensa e esta através da sua actividade dirigida à formação da opinião pública, que há-de valer como justificação jurídico-penal de quaisquer ofensa à honra que aquele traga consigo. Porém, para se ter por verificada essa justificação, importa, desde logo, que a ofensa à honra cometida se revele como meio adequado e razoável de cumprimento de função pública de imprensa e que esta - a imprensa -, no exercício da sua função pública, não publique imputações que atinjam a honra das pessoas e que saiba inexatas, cuja exatidão não tenha podido comprovar ou sobre a qual não tenha podido informar-se suficientemente. É inegável que a liberdade de expressão do pensamento envolve o direito de opinião e de crítica, essencial à prática da democracia, porem não é menos verdade que não constitui um direito ilimitado, podendo, em caso de excesso, ser considerado injurioso. Segundo Cuello Colon[29], o direito de crítica e censura tem o seu limite racional no respeito devido à honra e reputação das pessoas e, portanto, se a crítica ou censura não constitui delito, quando com ela se agrava e desonra o criticado constituirá uma injúria. Aliás, pese embora a fundamentação das decisões judiciais não façam caso julgado, sempre se dirá que já no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03-03-2020 desta 5.ª Secção, proferido no âmbito destes auto, se considerou que as acusações constantes da entrevista em causa continham factos suscetíveis de uma imputação jurídico-penal, nos termos que se transcrevem: “Passemos agora à questão mais importante: As acusações não contêm factos susceptíveis de uma imputação jurídico penal? Conside..., após a leitura das acusações, que estas na verdade poderiam ter sido mais detalhadas e apresentam elementos de alguma conclusividade. Contudo, não vemos nos textos uma insuficiência de tal modo grave que não permita a sua prossecução. Da sua leitura compreende-se claramente o que está em causa e a própria defesa também o entendeu. A divulgação pela TV da reportagem assinalada, terá sido ouvida e vista por centenas de milhar de pessoas e foi notório ter sido objecto das conversas do dia a dia nos tempos próximos da divulgação e sobretudo na comunidade jurídica, dada a figura pública em causa e a sua referência de anos como magistrado dedicado à causa das crianças e dos jovens. Nas acusações, quase idênticas na sua substância, remete-se para a reportagem que durou cerca de 1 hora. E, desta extraem-se as insinuações que os assistentes entendem ter causado dano à sua imagem e honra. Feita de vários episódios e momentos, compreende-se que a extracção das causas do dano se atenham a imagens, a formas de serieção do guião e a palavras ditas, de forma directa ou por alusões indirectas. Nem tudo o que o suporte de gravação contém teria de ser reproduzido. O seu visionamento é que permitirá perceber em detalhe se a insinuação é ou não objectiva e poderá ser tomada ou não como ofensa com relevância penal. Ao lermos as acusações, compreendemos também o que estava em causa e entendemos que uma perspectiva de leitura demasiado formal não deve ser o paradigma que abra a porta a uma declaração de nulidade, sob pena de grave injustiça às vítimas. A reportagem em si não esgota sequer o âmago do problema e também se construiu não apenas por aquilo que nela se diz e visiona, mas também por aquilo que não se diz ou não revelou. As acusações mencionam também em momentos diversos, de forma resumida, o que estava em causa, sendo o resultado a insinuação decorrente de imagens e palavras, a dado passo também reportadas aos casos nela tratados. Não cremos, embora fosse sempre desejável, que se exigisse às acusações um grau de detalhe tal que esgotasse uma descrição factual numa longa peça processual escrita perfeitamente substituível por uma descrição sintética, mesmo que genérica, complementada pelo visionamento das imagens e declarações prestadas.”. Também no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 09-03-2021, desta 5.ª secção, que determinou a prolação de despacho de pronúncia, nos precisos termos em que os recorrentes vieram a ser julgados e condenados, não se teve dúvidas em configurar a factualidade em causa como ilícito criminal, perpetrado na pessoa do assistente CC, ali se referindo o seguinte [transcrição]: “(…) importa realçar que estamos perante uma reportagem televisiva que assenta essencialmente em imagens e depoimentos que vão passando de acordo com a narrativa do jornalista sobre um determinado tema (o da institucionalização de crianças retiradas aos pais), que pretende transmitir uma mensagem aos expectadores sobre esse mesmo tema, no qual vai sendo visado a pessoa do assistente na sua dupla qualidade de Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) e de Presidente da “Associação CRESCERSER”, que acolhe crianças retiradas aos pais. A reportagem vale não só por aquilo que nela se diz e se visiona, mas, também, pelo que nela não se diz e não se revelou, mas que se insinua e que é possível a qualquer teleespectador atento dela inferir, de acordo com as regras da experiência comum. (…)”. E, com efeito, assim é. Na verdade, não se põe em causa que a nossa lei fundamental [Constituição da República Portuguesa] consagra a liberdade de expressão e de informação, no seu já citado artigo 37.º, porém não é menos verdade que também prevê,  no seu n.º3, a possibilidade de existência de infrações, a serem tratadas no âmbito do direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, numa demonstração clara de que os direitos de liberdade de expressão e de informação têm limites inultrapassáveis, como é o caso dos autos, em que a reportagem em causa não se cingiu a abordar um tema de interesse público, mas sim a ofender a honra da pessoa do assistente CC, como decorre, claramente, dos seguintes trechos, que aqui se trazem à colação a título exemplificativo: "O drama não acaba aqui. Há 8175 crianças retiradas aos pais e quase todas metidas em 351 lares de acolhimento. CC passou 12 anos como Presidente da Comissão de Protecção de crianças e jovens em risco, um organismo de supervisão do Estado e ao mesmo tempo foi e é presidente de uma instituição privada de acolhimento de crianças", perguntando a CC, cuja imagem ocupa todo o ecrã, “podemos falar de conflito de interesses?” ao que este responde: “é uma ideia preconceituosa e até, por vezes, maldosa a de que há um negócio por detrás disso”. (…) A reportagem volta a focar-se no caso de ... que vai no comboio de viagem para o Porto para poder ver a filha e que diz: "Como é que um juiz, neste caso o Dr. CC, está bem que está jubilado, mas que é um juiz, é director da CPCJ e é director de uma instituição com cerca de 8, 9 casas de acolhimento que é a CrescerSer. Há-de reparar que é muito estranho como é que apoiam retiradas e neste caso este Dr. até me disse a mim "não, em Portugal não se pode tirar crianças por carências económicas", mas é mentira, retiram, nós temos provas disso, temos relatórios". “A reportagem termina com um texto que passa no ecrã e é lido pelo jornalista que é o seguinte: "O juiz CC foi durante 12 anos, presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco e ao mesmo tempo foi e é presidente dos lares privados da CrescerSer. CC deveria cessar funções em 2019, seis dias após entrevista ao Linha da Frente foi substituído. O Estado Português gasta anualmente cerca de 90 milhões de euros com os 351 lares de acolhimento". Como referimos, é o próprio exercício do direito de informação, através da função da imprensa e esta através da sua actividade dirigida à formação da opinião pública, que há-de valer como justificação jurídico-penal de quaisquer ofensa à honra que aquele traga consigo. Porém, para se ter por verificada essa justificação, importa, desde logo, que a ofensa à honra cometida se revele como meio adequado e razoável de cumprimento de função pública de imprensa e, no caso, tal não ocorreu. Tal como se refere na mencionada decisão deste TRL datada de 09-03-2021, cuja posição aqui sufragamos: “A reportagem vale não só por aquilo que nela se diz e se visiona, mas, também, pelo que nela não se diz e não se revelou, mas que se insinua e que é possível a qualquer teleespectador atento dela inferir, de acordo com as regras da experiência comum. (…)  O que não se diz na reportagem, mas claramente nela se insinua, tendo em conta a descrição acima referida do que na mesma se diz e se mostra: - não se diz as razões pelas quais as crianças, que são referidas nos casos de que a reportagem fala, foram retiradas aos pais ou a quem tinha a sua guarda e foram entregues a outros familiares ou a Instituições; - não se diz qual a entidade que ordenou essas retiradas, nem as circunstâncias em que as mesmas ocorreram - se no âmbito de um processo de promoção e protecção, se de um processo de regulação das responsabilidades parentais, ou se no âmbito de aplicação de medidas por parte da Comissão de Proteção de Menores com o consentimento dos pais. Note-se que de todos os casos apresentados, apenas em dois deles se diz ter havido retirada das crianças aos progenitores e o seu acolhimento em duas instituições - uma na Santa Casa da Misericórdia, outras duas na "CrescerSer". Nos outros três casos (..., ... e ...) o que se diz é que as crianças foram entregues a outros familiares e no caso da menina de Santarém, não terá chegado a haver a entrega da mesma em nenhum lar de acolhimento como, alegadamente era proposto pela técnica de Segurança Social, por não ter sido essa a decisão do tribunal; - não se imputa qualquer acto de intervenção por parte do assistente CC nos casos que vão sendo apresentados ao longo da reportagem; - não se explica quais as atribuições da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, a que presidia o assistente CC, e quais as atribuições das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, designadamente ao nível da competência para determinar a institucionalização de crianças em lares de acolhimento, nem qual a relação existente entre aquela e estas; - afirma-se que uma das mães (...) tinha de pagar para visitar os filhos numa instituição, no âmbito de um processo de mediação, e exibe-se como prova um documento de onde se diz que resulta tal pagamento, mas não se esclarece que se trata de um ofício dirigido ao juiz e não à mãe das crianças a exigir tal pagamento, passando apenas a mensagem de que o pagamento era devido por esta. Apesar de tudo isso ficar por dizer e de não se esclarecer a diferença de tratamento legal nuns casos e noutros, nem qual a entidade competente para a sua decisão transmite-se ao telespectador a ideia de que todos esses casos terão passado pelo crivo da Comissão Nacional de Protecção a que o Dr. CC presidia e que em todos eles o mesmo terá exercido a sua influência. As insinuações, porém, não se ficam por aí. Procura demonstrar-se a incompatibilidade de funções entre a presidência da Comissão Nacional por parte do assistente CC e a presidência deste na Direcção da Associação "CrescerSer", com depoimentos de pessoas conhecidas do grande público como é o Bastonário da Ordem dos Advogados e a ex-­Bastonária da Ordem dos Advogados, sem nunca se esclarecer as competências daquele naquela Comissão, as atribuições desta e as funções da "CrescerSer". Transmite-se a ideia de que os filhos são retirados aos pais para serem entregues a instituições de acolhimento de forma injustificada, por razões de pobreza das famílias, sem qualquer critério por parte técnicas de Segurança Social, com depoimentos emotivos nesse sentido que facilmente captam a simpatia do  telespectador, e que as mesmas são institucionalizadas à custa do dinheiro dos contribuintes, para beneficiar apenas os lares de acolhimento, em prejuízo das próprias crianças que estariam melhor junto das famílias ou de famílias de acolhimento, onde o custo a suportar seria muito menor. Insinua-se e lança-se a suspeita de que existe um interesse económico por detrás da institucionalização das crianças retiradas aos familiares na sequência da intervenção da Comissão Nacional de Protecção, deixando no ar a suspeita de que tal institucionalização será facilitada pelo facto de o presidente dessa Comissão, o assistente CC, ser também o presidente de uma Associação privada que tem sete lares de acolhimento, a "CrescerSer" e de esta ter sido formada no Centro de Estudos Judiciários e ter uma Direcção composta por juízes, procuradores e advogados, fazendo-se inclusive uma alusão ao facto de do assistente CC ter sido nomeado Presidente da Comissão aos 70 anos, o que tem ínsito um juízo depreciativo, como se com essa idade ele já não tivesse a capacidade necessária para o exercício do cargo. Essas insinuações e suspeitas são evidenciadas quando: - ... surge a declarar que lhe retiram as filhas porque não tinham as vacinas em dia e que o próprio Dr. CC lhe disse a ela que em Portugal, não se pode retirar crianças aos pais por carências económicas, o que é mentira, e se afirma, depois de se ouvir o assistente CC dizer que só em situações de emergência e de risco para os menores é que os filhos podem ser retirados aos pais, que "no caso de ... os riscos corriam ao contrário - um pai mostrava-se desinteressado, o outro foi condenado por violência doméstica agravada", procurando evidenciar-se, assim, falta de fundamento para a entrega dos filhos daquela ao respectivo pai, para o que igualmente contribui os excertos de alegadas gravações, descontextualizados, entre a técnica da Segurança Social e ... sobre as razões de as crianças serem entregues aos pais; - se afirma, no caso dos filhos de ..., que a Segurança Social preferiu levar os cinco filhos de … e … entre os 6 e os 12 anos de idade e meteu-os em lares, mas separados, deixando apenas em casa a filha daquela de 17 anos, uma jovem problemática que foi “apanhada a roubar numa loja”, que fez queixa  do padrasto e esta surge a dizer que se sente discriminada por ser pobre e não ter os mesmos direitos que as outras pessoas (sugerindo na sua resposta que isso lhe foi perguntado pelo jornalista) e quando se afirma que dois dos filhos que foram retirados àquela foram para a CrescerSer, que recebe €1.000,00, por mês por cada menor; - se diz, em relação à menina cuja diligência decorre em Santarém, que a criança foi retirada à família "por se encontrar suja e sem calçado adequado" procurando assim evidenciar a inexistência de qualquer situação de perigo para aquela criança; - se começa por referir, no caso do neto de ..., que esta vive numa casa velha a precisar de obras urgentes e depois se diz que lhe retiraram o neto que foi entregue a uma filha mais velha "mais endinheirada" e se coloca uma outra filha daquela a dizer que sempre viveu naquela casa, "que reconhece que é pobre, mas em que sempre houve amor e carinho"; - no caso de ... diz-se que uma das crianças foi entregue a uma filha, psicóloga na Santa Casa da Misericórdia, e a outra a um tio, director da Segurança Social, que controlava os técnicos da CPCJ e da Segurança Social; - se dá voz a um advogado, ..., a afirmar, sem qualquer demonstração desse facto, que basta haver uma queixa anónima de um vizinho a dizer que a criança é vítima de maus tratos, para que a criança seja retirada à família, sem haver uma averiguação prévia e a afirmar, expressamente, que existe um "nicho de negócio que foi canalizado para as Associações, ou seja, hoje em dia paga-se 350 euros a uma família de acolhimento para acolher um jovem que se for para uma instituição o Estado paga 950", o que o mesmo justifica no facto de "essas Associações terem juízes, procuradores, advogados, assistentes sociais, juízes sociais”; - se refere, por mais do que uma vez, ao logo da reportagem os valores que são recebidos pelos lares de acolhimento, por cada menor e pela CrescerSer, no caso dos dois filhos de ..., por contraponto com o que é recebido pelas famílias de acolhimento; - se evidencia, ao logo de toda a reportagem, a "sem razão e a injustiça" de terem sido retirados aos pais as crianças cujos casos são apresentados, colocando aqueles no papel de vítimas, sem, em momento algum se dizer o que em concreto determinou essas retiradas; - se termina a reportagem a dizer que o assistente CC deveria cessar funções em 2019, mas que foi substituído seis dias após a entrevista ao "Linha da Frente", dessa forma transmitindo aos telespectadores a ideia de que a cessação de funções daquele apenas ocorreu por estar eminente a exibição da reportagem, numa espécie de "assunção de culpa" quanto aos factos "denunciados na reportagem”. Qualquer cidadão comum, ao ver a reportagem, tendo em conta a narrativa que é feita e os depoimentos emotivos que são exibidos dos familiares das crianças, nada sendo explicado na mesma sobre as razões que em concreto determinaram a retirada dessas crianças aos pais e por quem foi a mesma determinada (e seria fácil ao jornalista dizê-lo com base nas decisões que terão sido entregues aos pais ou parentes a quem antes as crianças estavam entregues, sem ter necessidade de exibir os processos ou os nomes que dos mesmos constam), fica com a ideia, e interioriza, que as crianças foram retiradas sem qualquer justificação e que, em todos os casos apresentados, terá havido a interferência ou influência do assistente enquanto Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens. Mas mais, a reportagem, pelo que nela se diz e se mostra e, sobretudo, pelo que nela não se revela, mas se insinua, permite a qualquer telespectador atento inferir, de acordo com as regras da experiência comum, ainda que sob a forma de suspeita, que há ligações, influências e benefícios por parte do assistente enquanto Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, na institucionalização de crianças em lares, designadamente nas casas de acolhimento da "Associação CrescerSer", da qual o mesmo era, à data dos factos, Presidente da Direcção, lançando a suspeita de que existe um "negócio" por detrás dessa institucionalização que prejudica os contribuintes e o Estado Português e que a institucionalização é feita em detrimento das famílias a quem as crianças são retiradas, de forma injustificada. A reportagem lança a suspeita de que, afinal a institucionalização das crianças não passa de uma "orquestração" para beneficiar os lares de acolhimento, entre os quais se inclui a Associação CrescerSer, que o único organismo que tem a supervisão dessas institucionalizações é a Comissão a que presidiu o assistente CC durante 12 anos e que este era ao mesmo tempo presidente de uma Associação que gere alguns desses lares de acolhimento, numa situação de conflito de interesses, tudo para que se fique a pensar que aquele se servia dessa sua posição para influenciar as retiradas das crianças às famílias, com vista à sua institucionalização.  (…) Quem viu a reportagem não deixou, pois, de formular um juízo negativo sobre a pessoa do assistente CC, ainda que sob a forma de suspeita, quanto a condutas eticamente reprováveis e eventualmente ilegítimas enquanto Presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, em benefício de uma Associação privada da qual o mesmo era também presidente. Ao ver a reportagem como disseram as testemunhas, viu o assistente ser enxovalhado na praça pública, sem dó nem piedade. Esse juízo valorativo negativo da pessoa do assistente, que perpassa ao longo de toda a reportagem e que facilmente passa para o telespetador, e é por ele interiorizada, tendo em conta as características de integridade, altruísmo e de dedicação ao interesse dos menores, que são assinaladas à personalidade e vida do assistente (…) e que são, aliás, publicamente conhecidas na comunidade jurídica e por toda a comunidade e instituições que se tem envolvido no trabalho de protecção das crianças e jovens em risco em Portugal, acaba por traduzir, afinal, uma "aviltante" ofensa à honra, consideração e bom nome daquele. Assim, não é verdade o que o arguido alega que não pretendeu nem levantou qualquer dúvida ou suspeita sobre o assistente, tendo-se limitado na referida reportagem a abordar uma temática de elevada relevância social para a sociedade portuguesa actuando dentro dos limites constitucionalmente definidos e protegidos da liberdade da imprensa e que a contextualização da factualidade subjacente ao caso não foi devidamente atendida, sendo que a correcta e devida contextualização e enquadramento dos factos conduz necessariamente a um exercício legítimo e constitucionalmente garantido de liberdade de imprensa e liberdade de expressão. (…)”. É, assim, inegável, que, ao contrário do argumentado pelos arguidos/recorrentes, a reportagem não se limitou a problematizar o tema da retirada de crianças e jovens do seu meio familiar, sem dúvida, um tema de interesse público, mas sim a fazer insinuações que atingiram a honra, a consideração e o bom nome do assistente, não só ao longo da reportagem, mas também no seu terminus, que, indubitavelmente se dirige, diretamente, à pessoa do assistente [CC deveria cessar funções em 2019, seis dias após entrevista ao Linha da Frente foi substituído. O Estado Português gasta anualmente cerca de 90 milhões de euros com os 351 lares de acolhimento"]. Na verdade, uma análise atenta das peças recursivas, permite-nos constatar que os arguidos/recorrentes discorrem, ao longo de dezenas de artigos, sobre o interesse público do tema da reportagem, mas não é essa questão que está em causa, mas sim a forma como tal problema foi abordado, concretamente, através da ofensa da honra, consideração e bom nome, da pessoa do assistente. Aliás, o tribunal a quo o que refere é que [transcrição]: “(…) 37 - A reportagem, devido ao modo como foi organizada, não serve o interesse público no sentido de esclarecer a comunidade sobre o problema da institucionalização de crianças nem sobre a intervenção do assistente no domínio da protecção das crianças em Portugal; (…)”. [sublinhado nosso], e não que o tema em causa não tivesse interesse público, o que, como é bom de ver, são realidades distintas. E não se diga que negar a reportagens como esta a qualidade de interesse público seria comprometer a liberdade de informar, sujeitando os jornalistas à auto-censura quanto a matérias de relevante interesse social, por receio de punição criminal, pois a liberdade de informar não estará comprometida, se o emitente da informação direcionar o seu caminho apenas nesse sentido - o da informação - e não à custa da ofensa de direitos de terceiros, como o são o bom nome e a reputação de uma pessoa, constitucionalmente consagrados [no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa], a par do direito de informação e de liberdade de expressão.  Não se desconhece a norma constitucional ínsita no 2. do artigo 18.º da CRP trazida à colação pelo arguido/recorrente, da qual decorre que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”, mas, na verdade, a limitação dos direitos de liberdade de expressão e de informação, previstos no artigo 37.º da CRP existe, conforme já o dissemos supra, nos termos da previsão contida no n.º3 de tal preceito legal [“3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.].    Também não se desconhece a norma constitucional ínsita no 2. do artigo 16.º da CRP trazida à colação pelo arguido/recorrente, da qual decorre que “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.”, nem se desconhecem as decisões que vêm sendo proferidas pelo TEDH sobre situações semelhantes à dos autos, em que o visado é uma figura pública, porém, entendemos que, in casu, a forma como foi abordado o tema da reportagem em causa ultrapassa o quadro e limites do exercício legítimo da liberdade informativa e, sobretudo, nem sequer se provou que os arguidos tenham agido convencidos que reportavam factos verdadeiros. E não se diga que em momento algum o arguido/recorrente proferiu alguma inverdade, que todo o discurso foi alicerçado em factos concretos e verdadeiros, pois não está em causa o facto de o assistente cumular os cargos de Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Menores  e da Associação “CrescerSer”; de as associações que acolhem crianças institucionalizadas receberem do Estado um valor mensal de cerca de €1000,00, quando as famílias de acolhimento recebem apenas cerca de €300,00; não está em causa o que as famílias disseram ao arguido/recorrente ou a opinião que personalidades com responsabilidades no sistema de justiça possam ter sobre a matéria, mas sim as suspeitas que foram lançadas sobre a pessoa do assistente, decorrentes da forma como a reportagem foi produzida e publicada, e essas suspeitas não se provam, inexistindo, portanto, qualquer causa de exclusão da ilicitude da conduta dos arguidos/recorrentes, ao abrigo do instituto comumente conhecido como exceptio veritatis, a que alude o n.º 2, do artigo 180.º do Código Penal. Na verdade, como já o dissemos, os arguidos/recorrentes podem elaborar reportagens e veiculá-las através dos órgão de comunicação social, que abordem temas de interesse público, podem dar voz àqueles que não a têm, podem direcionar a linha do trabalho que elaboram e publicam da forma que se lhes afigure ser a melhor, mas já não podem é fazê-lo com insinuações que levantam suspeitas sobre a integridade da honra de terceiros, que sabiam infundadas e com as quais o assistente não foi contraditado. Os arguidos/recorrentes não cumpriram, com boa-fé, o dever de informar com rigor e veracidade os telespetadores que visionaram a reportagem jornalística em questão, tendo logrado lançar a suspeição sobre o cometimento de ilegalidades por parte do assistente, que não se encontram corroboradas em quaisquer bases factuais. E não se defenda, como faz a arguida/recorrente, que não existe qualquer consciência da ilicitude pelo facto de não ter sido ela a intervir na elaboração da reportagem em causa, mas sim o arguido/recorrente AA, pois, como bem o refere o Ex.mo PGA no seu douto parecer, “a sua posição é indexável à daquele, em função do prévio conhecimento do material/produto final, que assumidamente visionou, sem que tenha determinado correcções ou instado o arguido a introduzir alterações, muito menos que haja obstado à reprodução do programa, tal qual antecipadamente o visionou, na data em que “foi para o ar”, renunciando a poderes hierárquicos ou directivos que detinha para o efeito. Teve assim consciência, plena, da cooperação para a difusão da reportagem, contribuindo, decisivamente, para a acção delituosa comum, pois que, inegavelmente, em última instância, teve o “domínio do facto” (art.ºs 26º, CP, e 35º, Lei de Televisão) (…)”. Dito de outra forma, a arguida/recorrente aderiu à reportagem em causa, aos termos em que foi organizada, ao fio condutor que lhe foi dado e, após a ter visionado após ter tomado conhecimento do produto final [facto que não põe em causa], não impediu que dessa forma “fosse para o ar”, através do programa televisivo do qual era coordenadora, tendo, antes, anuído/permitido o seu seguimento, pelo que não se descortina qualquer sustento para afastar o “domínio do facto”. E não se defenda que a alegada falta de consciência da ilicitude se pode sustentar no facto de outras entidades, designadamente tribunais, entenderam que o conteúdo da reportagem não era ofensivo ou que idêntica decisão seria a tomada pelos jornalistas ... e ..., ambos jornalistas com carreiras de décadas, que também exerceram funções de direção e de coordenação de programas, pois como a arguida/recorrente compreenderá não é a decisão que outra pessoa possa tomar na mesma situação, ou os olhos como vê a reportagem em causa, que legitima ou não a sua conduta, já para não falar que o próprio Provedor da RTP-1 censurou, por escrito, a conduta do arguido/recorrente, considerando que a reportagem violara preceitos deontológicos que impendem sobre os jornalistas e responsabilizam as próprias estruturas hierárquicas daquela estação de televisão [artigo 34. da factualidade provada]. Se se acolhesse o argumento da arguida/recorrente, estaria encontrada a “fórmula” para a impunidade, pois bastava que o agente de um crime apresentasse uma testemunha com uma posição idêntica à sua ou um acórdão que sustentasse a sua posição, para ver arredada a consciência da ilicitude da sua conduta, ou, como também invoca a arguida/recorrente, a existência de erro sobre os elementos típicos do crime, erro não censurável sobre a ilicitude, com exclusão do dolo ou da ilicitude do facto, o que, como facilmente se compreenderá, não se pode conceber, nem sequer pela invocação do princípio in dubio pro reo, como o pretende a recorrente. E não se diga que não se provou a atuação dolosa do arguido/recorrente, que, a ter deixado passar algum conteúdo ofensivo da honra do assistente, fê-lo por mero descuido, e, consequentemente, a sua conduta não poderia ser punida, por o crime em questão não comportar a atuação negligente, pois o dolo retira-se dos factos de natureza objetiva apurados, assim se deduz - como decorrência lógica - a intenção que presidiu à conduta em causa, conforme dado como provado. Na verdade, nos crimes de difamação cometidos através da imprensa basta o dolo genérico, em qualquer das formas que pode revestir [direto, necessário ou eventual - cf. artigo 14 do Código Penal], para integrar o elemento subjetivo da infracção, como é jurisprudência uniforme; prescinde-se, pois, do dolo específico, do "animus injuriandi vil diffamandi ". O elemento moral satisfaz-se, portanto, com o conhecimento por parte do agente de que a imputação do facto, mesmo sob a forma de suspeita, é objectivamente ofensiva da honra ou consideração de outra pessoa, tendo-a os arguidos/recorrentes assumido voluntariamente, dando-lhe publicidade através da reportagem em causa, não se exigindo qualquer finalidade específica ou motivação especial. De qualquer forma, trata-se de matéria que se prende com a impugnação da matéria de facto, que já abordamos supra, pelo que tendo permanecido imodificável, assim se terá de atender. Consequentemente, só podemos concluir que os direitos de informação e de interesse público que os arguidos/recorrentes invocam foram excedidos ilicitamente, de tal forma que a constante interpretação que fazem, ao longo das respetivas peças recursivas, das normas constitucionais, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não lhes concedem qualquer proteção. E não se diga, como o argumenta o arguido/recorrente que o critério normativo que o tribunal a quo utilizou para interpretar o artigo 180.º do Código Penal padece de inconstitucionalidade, por ter ignorado a excecionalidade da aplicação deste normativo em situações de exercício da liberdade de imprensa/liberdade de expressão, ou que fere o direito à presunção  de inocência do arguido, protegida pelo artigo 32.º, n.º2, da CRP, ou que seria um ónus pesado para os arguidos/recorrentes terem de provar a veracidade da imputação, pois, como já o dissemos, o que verdadeiramente está em causa são as suspeitas que foram sendo levantadas sobre a pessoa do assistente, quer ao longo da referida reportagem televisiva, quer no final desta, e estas não são comprovadas. Reconhece-se ser inegável que a liberdade de expressão do pensamento envolve o direito de opinião e de crítica, essencial à prática da democracia, porém não é menos verdade que não constitui um direito ilimitado, podendo, em caso de excesso, ser considerado injurioso/difamatório, como o foi nos autos, sendo, inegável, que a conduta de cada um dos arguidos/recorrentes é ilícita e penalmente punível, quer a nível da legislação interna, penal e constitucional, quer mesmo ao nível do direito internacional, e assim vem sendo entendido pelo TEDH[30].  E não se diga que em momento algum o arguido/recorrente “afirma” na reportagem que, por exemplo, existia uma incompatibilidade legal entre as funções exercidas pelo assistente CC, que este retirava proveitos do potencial conflito de interesses ou que a retirada das crianças ocorria por ordem sua, e, como tal, que a sua conduta não integra a tipologia criminal pelo qual foi condenado, pois a tipologia em questão basta-se com o lançamento de suspeitas [“(…) mesmo sob a forma de suspeita (…)” – artigo 180.º,n.º1, do Código Penal] e visionada a reportagem em causa, é indubitável que estas foram lançadas sobre a pessoa do assistente CC, cuja citação do nome e imagem vão sendo uma constante ao longo da reportagem, a qual acaba precisamente por transmitir, textualmente, que após a reportagem em causa o assistente foi substituído. Ora, se não se pretendia denegrir a honra do assistente, porque razão termina a reportagem em causa a dizer que o assistente CC deveria cessar funções em 2019, mas que foi substituído seis dias após a entrevista ao "Linha da Frente", dessa forma transmitindo aos telespectadores a ideia de que a cessação de funções daquele apenas ocorreu por estar eminente a exibição da reportagem, numa espécie de "assunção de culpa" quanto aos factos "denunciados na reportagem”? Que interesse público se pode retirar desta afirmação? Que interesse tem para o tema abordado na reportagem? Na verdade, este desfecho da reportagem fala por si só e não é, de todo, como se pretende fazer crer, uma “tese” subscrita por terceiro, que o arguido/recorrente se limitou a ser mensageiro, a dar voz a quem não a tem, e que a arguida/recorrente se limitou a permitir a sua divulgação televisiva, porque nada se impunha que fizesse. Resumindo, in casu, mostram-se preenchidos quer os elementos objetivos quer subjetivos do tipo de crime pelo qual os arguidos/recorrentes foram condenados e, como tal, improcedem os respetivos recursos também quanto a esta vertente recursiva. » Da medida concreta da pena: Invoca a arguida/recorrente que a pena que lhe foi concretamente aplicada é manifestamente desproporcional, considerando que a reportagem em causa foi elaborada apenas pelo arguido/recorrente AAsem qualquer intervenção sua. Conclui, assim, que o tribunal a quo violou o disposto no artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, por não ter tido em conta tal realidade, o que redundou na sua condenação numa pena maior que aquele. Vejamos: No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1.ª instância, cumpre, antes do mais, atentar, seguindo o paralelismo da jurisprudência quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no seguinte: “A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”. A censura que o tribunal de recurso pode opinar sobre a decisão respeitante à determinação da sanção, incide sobre todos os elementos fornecidos pelo tribunal que, não tendo sido considerados para a questão da culpabilidade, são relevantes para a determinação da sanção, bem como sobre todos os elementos que considerou “adquiridos” (e porque considerou adquiridos uns e outros não) e ainda sobre a forma, fundamentada, porque valorou esses factores na decisão final. É função do recurso - nos casos, o de Revista -, antes de tudo, analisar criticamente, os “parâmetros” da determinação de sanções. [31] “Os poderes cognitivos do STJ, como se sabe, abrangem no tocante a esta matéria, entre outras, a avaliação dos factores que devam considerar-se relevantes para a determinação da pena: a questão do limite ou de moldura da culpa, a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e também o quantum da pena, ao menos quando se encontrarem violadas regras de experiência ou quando a quantificação operada se revelar de todo desproporcionada”[32]. Perante tais considerandos, forçoso será concluir que o Tribunal de 2ª Instância apenas deverá intervir alterando o quantum da pena concreta quanto ocorrer manifesta desproporcionalidade na sua fixação ou os critérios de determinação da pena concreta imponham a sua correção, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, o que, in casu, não se verifica. Ou seja, mostrando-se respeitados os princípios basilares e as normas legais aplicáveis no que respeita à fixação do quantum da pena e respeitando esta o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir, alterando a pena fixada na decisão recorrida, pela simples razão de que, nesse caso, aquela decisão não padece de qualquer vício que cumpra reparar. Vejamos: Em primeiro lugar,  porque se refere às finalidades das penas, importa ter em conta o disposto no artigo 40.º, nº 1 do Código Penal do qual decorre que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, decorrendo, por sua vez, do seu n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Por sua vez, decorre  do invocado artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal que a determinação da pena concreta, dentro da moldura penal cominada nos respetivos preceitos legais, far-se-á “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” geral e especial do agente, determinando a invocada alínea a) do n.º2 do mesmo preceito legal que, para o efeito, se atenda a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, desde que não façam parte do tipo legal de crime (para que não se viole o princípio “ne bis in idem”, uma vez que tais circunstâncias já foram tomadas em consideração pela própria lei para a determinação da moldura penal abstrata), “considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; (…) ”. Assim sendo, atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente. Estaremos perante uma pena justa e proporcional quando esta satisfizer as exigências de prevenção geral e especial, atentando-se no caso concreto, e não exceder a medida da culpa do agente. E, in casu, assim é. Na verdade, o tribunal a quo aplicou a cada um dos arguidos/recorrentes a pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €7,00 e €8.00, respetivamente e nada impunha [perante o preceito legal que a arguida/recorrente invoca ter sido violado], que os dias de multa concretamente aplicados fossem diferentes, pois se por um lado temos o arguido/recorrente que elaborou a reportagem em questão, por outro lado temos a arguida/recorrente que permitiu que fosse “para o ar” precisamente nos termos que lhe foi elaborada, permitiu a sua divulgação a milhares de pessoas, não se descortinando como poderia o tribunal a quo ter feito qualquer distinção, ou ter sido mais brando na determinação da medida da pena, sob pena de se por em causa os fins últimos desta, aí, sim, violando-se o disposto no artigo 40.º, n.º1, do Código Penal. Aliás, como bem refere o Ex.mo PGA no seu douto parecer, até se poderia questionar “se a punição aplicada à recorrente, atenta a sua colocação hierárquica, não deveria ter traduzido esse ascendente, com um juízo mais firme e superior ao do arguido-recorrente, que dela funcionalmente era subordinado, o que o a proibição da “reformatio in pejus” (art.º 409º, CPP) definitivamente impede, neste momento.”. Na verdade, a arguida/recorrente não viu a sua pena de multa agravada pelo facto de lhe terem sido fixados mais dias de multa do que ao arguido [a ambos foram fixados 300 dias], - aqui, sim, determina o legislador, no artigo 47.º, n.º1 do Código Penal,  que se atenda aos critérios estabelecidos no n.º1 do artigo 71.º do Código Penal -, mas sim por lhe ter sido fixado um quantitativo diário mais elevado do que a este [respetivamente de €8,00 e €7,00], o que ocorreu em estrita obediência ao disposto no artigo 47.º, n.º2, do Código Penal, que manda fixar cada dia de multa entre €5,00 e €500,00, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.  Assim sendo, mostrando-se a pena de multa, concretamente aplicada, fixada em obediência aos critérios legais vertidos nos artigos 40.º, 47.º, n.ºs 1 e 2, 71.º [por referência à moldura penal abstratamente prevista para a pena de multa - artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1. alíneas a) e b) e n.º 2 e 47.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal], o recurso terá de improceder, também quanto a esta particular questão.    » Quanto à invocada inexistência da responsabilidade cível/nulidade da sentença por violação do princípio do pedido: A este respeito, invoca o arguido/recorrente que apenas se moveu no âmbito da liberdade de imprensa, relatando factos e opiniões com relevante interesse público, pelo que, na sua ótica, a sua conduta não é ilícita e, consequentemente, falecendo um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - a ilicitude da conduta -, o pedido de indemnização civil nunca poderá proceder. Igual entendimento tem a arguida/recorrente que diz não ter praticado qualquer facto ilícito, trazendo, mais uma vez, à colação os factos que foram dados como provados, mas que, na sua ótica, não o deveriam ter sido, e a exclusão da ilicitude da sua conduta. Ora, de facto, a ilicitude da conduta do agente é um dos pressupostos exigidos pela lei [concretamente no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, aplicável ex vi artigo 129.º do Código Penal] para que exista responsabilidade civil extracontratual. Porém, como analisamos supra, essa ilicitude encontra-se verificada no caso dos autos, pois, como acabamos de concluir, a conduta dos arguidos integra o crime pelo qual vinham pronunciados. Mais invoca o demandante/recorrente não se verificar nexo de causalidade entre o facto praticado pelo arguido e o dano sofrido pelo assistente, por tal questão dever ser apreciada à luz da teoria da causalidade adequada e, segundo essa teoria o facto só é adequado a provocar o dano se fosse previsível, para um indivíduo de  sagacidade e inteligência média, que, em condições de normalidade social, o mesmo provavelmente provocasse um dano, à luz de um juízo de prognose póstuma, pelo que, prossegue o recorrente, não poderá afirmar-se com uma certeza razoável que o recorrente tenha representado a possibilidade de provocar os danos que o assistente alega ter sofrido. Mas, na verdade, como já o dissemos, não se podem oferecer dúvidas de que o demandado/recorrente, jornalista experiente que é, aliás, já reformado, ao conduzir a reportagem nos termos em que o fez que, como concluímos, era objetivamente difamatória para com a pessoa do assistente - não podia ter deixado de representar, como representou, que as insinuações/suspeitas dela constantes eram suscetíveis de ofender, como efetivamente ofenderam, o bom nome, a reputação, a honra e consideração do assistente, e, não obstante, prosseguiu com a publicação da referida reportagem jornalística, atingindo o brio e  o amor-próprio do assistente, que se viu associado a condutas menos corretas e ilegítimas, por parte da comunidade. Usando as expressões citadas pelo demandado/recorrente, qualquer “individuo de sagacidade e inteligência média”, poderia prever que a reportagem em causa, da forma como foi conduzida, poderia colocar em causa o brio, o bom nome, a reputação do assistente, como colocou, e mais ainda o poderia prever demandado/recorrente, jornalista de profissão que até chegou a iniciar o curso de direito, demonstrativa do gosto por questões de justiça.  De qualquer forma, trata-se de matéria que se prende com a impugnação da matéria de facto, que já abordamos supra, pelo que tendo permanecido imodificável, assim se terá de atender. Consequentemente, bem decidiu o tribunal a quo ao condenar o demandado/recorrente, também na vertente do pedido de indemnização civil, por verificados, que se encontram todos os pressupostos legais para o feito, designadamente os colocados em causa pelos demandados/recorrentes. Improcede, portanto, também, o recurso quanto a este segmento. Argumentam, ainda, o demandado/recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade, por violação do disposto no artigo 374.º, n.º2, do Código de Processo Penal, por absoluta falta de fundamentação quanto à determinação do montante indemnizatório, argumentando, para o efeito, que o tribunal a quo se furtou a explicar a ponderação que realizou de modo a chegar à quantia efetivamente arbitrada, limitando-se a fazer referências genéricas e doutrinais. Porém, lida a sentença recorrida, constata-se que, pese embora de forma singela nesta se encontra fundamentado o valor da indemnização arbitrado, dali constando expressamente que se teve em conta o recurso à equidade, os factos provados e, entre outros, o artigo 496.º do Código Civil, este em citação do Acórdão do STJ de 25-06-2002. Inexiste, portanto, a invocada nulidade da sentença recorrida, por falta de fundamentação, no que se reporta à parte cível. Porém, o mesmo já não se dirá quanto à arguida nulidade da sentença recorrida [invocada pela arguida/recorrente], também quanto à parte cível, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, por violação do disposto no artigo 609.º, n.º 1, do mesmo diploma legal. Com efeito, do artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC [antigo artigo 668.º do CPC 1961], sob a epígrafe “causas de nulidade da sentença”, decorre o seguinte: “1 - É nula a sentença quando: (…) e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. (…) 4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”. [sublinhado nosso] Por sua vez, decorre do artigo 609.º, n.º 1, do CPC [antigo artigo 661.º do CPC 1961] sob a epígrafe “limites da condenação” que: “1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir. (…)  [sublinhado nosso] Ora, in casu, o tribunal a quo condenou os demandados/recorrentes a pagar ao demandante/assistente a quantia de €25.000,00 [vinte e cinco mil euros] a título de indemnização pelos danos morais. Acontece que o assistente CC peticionou a condenação dos arguidos/demandados ao pagamento de uma indemnização, por danos morais e patrimoniais, no montante global de apenas €5.120,00 [do qual €5.000,00 são peticionados a título de danos morais, que pretende, ulteriormente, atribuir à associação]. Assim sendo, a decisão recorrida encontra-se, de facto, ferida de nulidade, [615.º, n.º1, alínea e), do CPC], no que se reporta à sua vertente civil, por violação do disposto no artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pois, não há qualquer dúvida que o tribunal a quo condenou os arguidos/demandados numa indemnização superior àquela que havia sido peticionada, nulidade essa que iremos suprir, em obediência ao disposto no artigo 379.º, n.º2, do Código de Processo Penal. Ora, nesta vertente, pugna o demandado/recorrente pela revogação e substituição da decisão recorrida por outra que o condene em valor nunca superior àquele que foi peticionado e a arguida/recorrente pronuncia-se no sentido de que a indemnização seja fixado num valor consideravelmente inferior a €5.000,00 ou, sem conceder, em valor não superior ao peticionado pelo assistente. Assim, tendo presente que, porque neste tipo de danos é evidente a impossibilidade de reparação natural dos mesmos, no cálculo da respetiva indemnização deve recorrer-se à equidade [artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil], tendo em conta os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado e as circunstâncias do caso [artigo 496.º, n.º 4 ex vi artigo 494.º do Código Civil]. Aqui chegados, tendo em conta as circunstâncias em que os factos ocorreram,  a extensão e consequências dos danos, a situação económica dos recorrentes/demandados, única que se conhece, e a dimensão punitiva da indemnização por danos não patrimoniais, e tendo, ainda, presente, como critério orientador, a jurisprudência dos tribunais superiores quanto à fixação de indemnização por danos não patrimoniais em casos semelhantes, bem como os critérios de equidade, cumpre fixar a indemnização devida, num juízo atualista, no valor peticionado de €5.000,00 [cinco mil euros], que, se pecar, será, seguramente, por defeito. Procedem, assim, ambos os recursos nestes termos, na vertente acabada de analisar. » III- DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em: A. Negar provimento ao recurso interposto por cada um dos arguidos AA e BB, no que respeita à parte penal da sentença recorrida. B. Declarar nula a sentença recorrida no que respeita à parte cível, cuja nulidade, desde já, fica sanada, condenando-se os arguidos/demandados AA e BB a pagar, solidariamente, ao assistente/demandante CC, a título de indemnização devida pelos danos morais, a quantia, atualizada, de €5.000,00 [cinco mil euros]. C. No mais, confirma-se a sentença recorrida. Custas, quanto à parte criminal, pelos arguidos/recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, individualmente devida, em 4 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III]. Sem custas quanto à parte cível. Notifique. » Lisboa, 13 de julho de 2023 [Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal] Isilda Maria Correia de Pinho Jorge Gonçalves Maria da Graça dos Santos Silva _______________________________________________________ [1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt. [2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95. [3] Uma vez que as questões suscitadas pelos arguidos/recorrentes são praticamente as mesmas, o tribunal irá conhecê-las em simultâneo, interpondo a apreciação de uma ou outra questão não comum, quando assim for necessário. [4] Cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19-12-2019, Processo nº 10/18.1GBFTR.E1, acessível em www.dgsi.pt. [5] Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-06-1999, Processo nº 99P285, acessível em www.dgsi.pt. [6] Cfr. Acórdãos do STJ de 25-05-2006, Proc. nº 06P1389 e de 23-10-2008, Proc. nº 08P2869, in http://www.dgsi.pt. [7] Cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.. [8] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.05.2007, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt. [9] In Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999. [10] In “O caso Julgado Parcial”, 2002, pág. 37. [11] Cfr, neste sentido, Acórdão do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt [12] Conforme acórdão do S.T.J, n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012. [13] Acórdão do TRL, desta 5.ª Secção, datado de 16-11-2021, Processo n.º 1229/17.8PAALM.L1-5, in www.dgsi.pt [14] Código de Processo Civil Anotado, volume V, Coimbra Editora, 1984, reimpressão, p. 359. [15] Acórdão do TRL já citado. [16] Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 04-10-2006, Processo n.º 812/06-3.ª; de 08-03-2006, Processo n.º 185/06-3.ª; 04-01-2007, Processo n.º 4093-3.ª e de 10-01-2007, Processo n.º 3518/06-3.ª. [17] Neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do STJ, de 07-10-2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção; Além do acórdão já citado deste TRL, ainda o Acórdão deste TRL, datado de 05-04-2019, Processo n.º 349/17.3JDLSB.L1-9, ambos in www.dgsi.pt e Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 259/2002, de 18-06-2002 e 140/2004, de 10-03-2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos. [18] A propósito deste vício veja-se, entre outros, o Ac. do TRP de 15.11.2018 e de 09.01.2020, ambos acessíveis em www.dgsi.pt. [19] Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, 1.º vol., pág. 202. [20] Processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1, in www.dgsi.pt [21] R.L.J., ano 92.º, pág.167-168. [22] R.L.J., ano 115.º, pág. 105. [23] No mesmo sentido, Faria Costa, Comentário Conimbricense, Coimbra Ed., Tomo I, 2012, págs. 905-911. [24] GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, Coimbra, 2007, pág. 466. [25] JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, 2005, pág. 289. [26] Cfr. Ac. do TRG, de 23.02.2015, acessível em www.dgsi.pt [27] Veja-se ainda o Ac. TRP de 24/02/2016, acessível em www.dgsi.pt. [28] “Comentário Conimbricense ao Código Penal" , Tomo I , pág. 612. No mesmo sentido, ainda, entre outros, o  Ac. Rel. de Coimbra , de 5-6-2002 , proc. n.º 1480/02 , in www.dgsi.pt. [29] Derecho Penal, II, volume I, 3.ª edição, páginas 578 e seguintes. [30] O exercício da liberdade de expressão importa deveres, designadamente de respeito pelos valores e direitos referidos no nº 2 do art.º 10º da Convenção, e responsabilidades, em particular no caso de afirmações destituídas de fundamento factual ou proferidas de má-fé – Cfr. casos Dupuis e outros c. França (1914/02), Campos Dâmaso c. Portugal (17107/05), Pinto Coelho c. Portugal (28349/08), The Observer e Guardian c. Reino Unido, Bladet Tromso e Stensaas c. Noruega (21980/93), Wizerkaniuk c. Polónia (18990/05), Goodwin c. Reino Unido, Fressoz e Roire c. França (29183/95), Wolek, Kasprow e Leski c. Polónia (20953/06), Castells c. Espanha, Heinisch c. Alemanha (28274/08), Pfeifer c. Austria [GC] (12556/03) Polanco Torres e Movilla Polanco c. Espanha (34147/06) e Bédat c. Suíça [GC] (56925/08). [31] Cfr. Acórdãos do STJ de 09-05-2002, in CJ do STJ, 2002, Tomo 2, pág. 193 e de 27-05-2009, Processo n.º 09P0484, acessível em www.dgsi.pt [32] Cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, pág. 197.

© 2024 Apura. Todos os direitos reservados.
Termos e Condições
Política de Privacidade