Apura logo

Acórdão STA de 2011-12-07

0859/11

TribunalSupremo Tribunal Administrativo, 1 Subsecção do Ca
Processo0859/11
Data do Acordão2011-12-07
RelatorCosta Reis
DescritoresPerda de Mandato, Presidente da Junta de Freguesia, Autarquia Local, Culpa Grave
Nº ConvencionalJSTA00067305
Nº do DocumentoSA1201112070859
Data de Entrada2011-11-14
RecorrenteA...
RecorridoMINISTÉRIO PÚBLICO
VotaçãoMaioria com 1 Vot Venc
Meio ProcessualREC REVISTA EXCEPC
ObjectoAC TCA NORTE
DecisãoProvido
Área TemáticaDir Adm Ger - Adm Publ/local
Legislação NacionalL 27/96 DE 1996/08/01 ART1 N1 ART7 ART8 N1 D ART9 A CPC96 ART660 N2 ART668 N1 D
Jurisprudência NacionalAC STA PROC908/07 DE 2007/12/20; AC STA PROC671/03 DE 2003/04/23; AC STA PROC690/07 DE 2007/08/22; AC STA PROC693/07 DE 2007/09/25; AC STA PROC696/07 DE 2010/08/22; AC STA PROC353/08 DE 2008/06/22; AC STA PROC48349 DE 2002/01/09

Sumário

I – A perda de mandato só pode ser decretada nas situações taxativamente indicadas na lei e fora desses casos inexiste fundamento para decretar tão grave sanção. II – Exceptuados os casos em que o dolo é legalmente exigível na configuração da infracção, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal. E isto porque a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção. III – Não existe culpa grave nem relação de adequação e proporcionalidade entre a falta e a perda de mandato quando aquela consiste em protelar o cumprimento de uma ordem judicial de penhora de parte do vencimento do Presidente da Junta.


Texto Integral

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA A………., identificado a fls. 3, inconformado com o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que, revogando sentença do TAF do Porto, julgou procedente esta acção para declaração de perda de mandato contra si intentada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público e que, em consequência, declarou a perda do seu mandato, então Presidente da Junta de Freguesia de ………., dela veio interpor recurso, a coberto do disposto no art.º 150.º do CPTA, que concluiu do seguinte modo: 1. Salvo o devido respeito entende o recorrente que, tal interpretação e aplicação das normas reguladoras do referido Instituto Jurídico à situação “sub judice, configura a violação de normas de Lei substantiva, designadamente do art. 8°, 9° e 10° da Lei 27/96, de 1/08, por erro de interpretação e aplicação e dos artigos 668.° e 716.° do CPC, e ainda das disposições Constitucionais, designadamente os art. 50º, 242° e 266° da Constituição da República Portuguesa. 2. O recorrente, por respeito ao Principio da Economia Processual, dá aqui por reproduzidos para todos os efeitos legais, todos os factos dados por provados, pelo TAF do Porto. 3. Determina o art. 8° da Lei 27/96, sob epígrafe de “Perda de Mandato: 1 — Incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que: … 2 — Incorrem, igualmente, em perda mandato os membros dos Órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas; intervenham em procedimento administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem. 4. Por sua vez, o art. 9° da Lei 27/96, sob epígrafe de “Dissolução de órgãos”, “Qualquer órgão autárquico ou entidade equiparada pode ser dissolvido quando: a) Sem causa legítima de inexecução, não de cumprimento ás decisões transitadas em julgado dos tribunais; … j) Incorra por acção ou omissão dolosas, em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público.” 5. Consubstancia na sua essência, o primeiro dos referidos normativos, um elemento objectivo, a intervenção do agente, no exercício das suas funções ou por causa delas, em procedimento administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado, relativamente ao qual se verifique impedimento legal, e um elemento subjectivo, a intenção de obter vantagem patrimonial para si ou para outrem. 6. Conforme resulta da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instancia, pág. 11: “…, Não se provaram outros factos para além dos que antecedem, designadamente que o demandado depois de ler a carta a que se refere o item 3) a guardou consigo e não lhe deu qualquer andamento e tratamento nem mandou proceder à divulgação pelos serviços competentes para a tratarem, porquanto dos elementos probatórios carreados para os autos, apesar de provado que não foi mandada registar como era procedimento habitual, não decorre que o demandado tenha guardado consigo a carta, tanto mais que as testemunhas B………., secretária do executivo, C………., Técnica Superior de Contabilidade e Finanças na Junta desde 2006 e a testemunha D………., Jurista que à data prestava apoio jurídico, referiram que a carta em questão, depois do Presidente da Junta e ora demandado a ter visto, foi a mesma entregue à secretária do executivo que a entregou à contabilidade que, por sua vez a remeteu para Jurista para que esta se pronunciasse. …” 7. Qualquer correspondência que chegue à Junta de Freguesia não é recepcionada pelo Presidente. São os serviços da junta que a recepcionam e a registam. 8. E, se a carta em ”crise” não foi registada, tal facto só é imputável aos serviços da Junta. 9. Nunca ficou provado que o Presidente da Junta, alguma vez ordenou que a referida carta não fosse registada pelos serviços da Junta - como refere expressamente a Douta sentença proferida pelo TAF do Porto e, cuja parte se transcreve: “…Porém, não se tendo apurado que foi o demandado que ordenou que a carta não fosse registada e que guardou a carta consigo...” 10. Não resulta dos factos dados por provados que o recorrente interveio em procedimento que lhe dizia respeito. Porquanto a carta foi enviada para os serviços jurídicos da Junta de Freguesia para que a jurista que à data prestava apoio jurídico se pronunciasse. 11. Ou seja, que emitisse opinião sobre o procedimento a seguir pelos serviços. 12. E, fê-lo em cumprimento das suas obrigações legais, designadamente as previstas no art.º 38° nº 1 al. g) e n.° 3 al. d) da Lei n.° 169/99, de 18/09 - de dar execução ao expediente da Junta. 13. O Presidente actuou no sentido de não intervir no acto, ao enviar a carta para os respectivos serviços jurídicos para que estes se pronunciassem sobre o procedimento a seguir pelos próprios serviços da junta de freguesia. 14. Se alguma censura é susceptível de ser apreciada, essa por acção ou omissão só pode ser imputada aos serviços administrativos da Junta de Freguesia. 15. Não decorrendo daí como provado, qualquer violação dos princípios da isenção e da imparcialidade do Presidente da Junta de Freguesia de ……….. - que endossou o “assunto” para os serviços da autarquia para o seu devido tratamento, não interferindo directa ou indirectamente nessa matéria. 16. Nesse mesmo sentido concluiu o TAF Porto: “... não estão reunidas as condições para que o Tribunal possa concluir no sentido de que a actuação do demandado não foi pautada segundo os princípios da isenção e imparcialidade…” 17. Daqui resulta que, o elemento objectivo que comporta a norma supra identificada (art. 8° n°2 da lei 27/96) carece de verificação. 18. Conforme sempre foi alegado pelo aqui recorrente, a situação em causa não constitui, nem é subsumível em causa de impedimento, por se tratar, de um acto de mero expediente ou de gestão corrente, conforme prescreve e previne o art. 44.° n.° 2 do CPA, conforme entendimento perfilhado e prescrito pela Jurista da Junta de freguesia de ………, Dra. D……… e E………. que disso fizeram menção nos seus depoimentos prestados em sede de Audiência de Julgamento. 19. Nesse mesmo sentido: “…O leitor encontrará razões para ampliar a excepção deste preceito não só aos actos de mero expediente, como também aos de gestão corrente …” - In M. Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, CPA, comentado, 2ª edição, pág. 249. 20. Também se não tem por verificado que o Presidente da Junta, obteve qualquer “vantagem patrimonial”, uma vez que a “..... quantia em dívida no processo executivo que pendia sobre o demandado foi liquidada...”, quantia integralmente paga que considerava a quantia exequenda, juros e despesas processuais, não tendo por consequência, o aqui recorrente retirado qualquer vantagem patrimonial da situação, uma vez que o exequente não deixou de auferir a totalidade do montante que era credor - razão pela qual o advogado da exequente, manifestou ter perdido o interesse no prosseguimento da acção inspectiva. Não decorrendo para o exequente qualquer diminuição do seu património ou qualquer prejuízo. 21. Também não resulta dos factos dados por provados na sentença proferida, que se encontra verificado o elemento subjectivo do referido normativo, a intenção de obter vantagem patrimonial para si ou para outrem. 22. A intencionalidade referida tem de ser alegada e provada. 23. E, conforme se constata dos factos julgados provados, essa intencionalidade nunca foi dada por provada. 24. Não foi dado por provado que a conduta ou actuação do recorrente foi dolosa. 25. Como tem sido entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo – Acórdãos do STA de 18/05/1995 (Proc. n°37472), de 12/05/1995 (Proc. n°36434), de 18/03/2003 (Proc n.° 0369/03), de 22/04/2004 (Proc. n.º 0248/04) todos in www.ggsi.pt/jsta ”; Ac. do TCAN de 08/03/2007 (Proc. nº 11110/06.0BEBRG) in www.dgsi.pt/jtcn. 26. Donde também aqui se entende por não verificado o elemento subjectivo da referida norma (art. 8° n.° 2 da Lei 27/96). 27. E para que pudesse proceder a sanção de perda de mandato era necessário que os dois requisitos legais (que consubstanciam o elemento objectivo e subjectivo da norma) se verificassem cumulativamente. Que no caso “sub judice” não se verifica. 28. Tendo sido aliás, entendimento perfilhado pelo Digníssimo Tribunal de 1.ª Instância que na fundamentação da sentença proferida decidiu pela improcedência da presente acção e absolvição do aqui recorrido. 29. Acresce o facto, o Acórdão proferido, não se pronunciar sobre a existência ou não de dolo na actuação do presidente da Junta de Freguesia de ………., pelo que entende o aqui recorrente, que se verifica uma omissão de pronúncia do TCAN, em clara violação de Lei processual designadamente dos artigos 668.° e 716.° do CPC - causa de nulidade do Acórdão Proferido pelo TCAN e aqui Acórdão recorrido. 30. Relativamente à al.ª a) do art.º 9° da Lei da Lei 27/96, sob epígrafe de “Dissolução de órgãos”, é manifesto que não é subsumível a situação aqui em crise. 31. Tal normativo é susceptível de aplicação aos casos de inexecução de sentenças judiciais, que desrespeitem a execução de sentenças dos tribunais administrativos - porquanto somente estas o legislador quis prevenir. 32. Foi somente estes casos que o legislador preveniu e quis salvaguardar ao regulamentar nesses termos, dado tratar-se de comportamento legalmente tipificado e, por isso não ser licito ao intérprete proceder a interpretações extensivas ou aplicações analógicas, que no limite configuraria restrições de um direito político, que consubstanciaria a violação de norma constitucional, designadamente o art. 50.º da CRP. 33. Ademais, e conforme se verifica pela leitura do documento em crise (doc nº 3 junto com a P.I.), tal não configura nenhuma decisão transitada em julgado dos tribunais, desde logo por tratar-se de uma notificação de solicitador de execução e ainda sequer tal não ter transitado em julgado, uma vez que iria ser dado ao demandado a possibilidade de se opor à execução. 34. E, acresce o facto de, o litígio que correu termos no tribunal, a parte em juízo nunca foi o Presidente da Junta de Freguesia de ………. mas, o cidadão A……….. 35. O litígio que correu termos no tribunal cai no âmbito da sua esfera privada e são da esfera privada do cidadão A………. e nunca tiveram a ver com o exercício das suas funções públicas ou por causa delas. 36. Nunca tiveram que ver com o exercício de quaisquer funções públicas desempenhadas pelo cidadão A………. enquanto Presidente da Junta de Freguesia de ……….. ou titular de qualquer outro órgão público. 37. Relativamente à al.ª i) da Lei 27/96, também aqui não soçobram dúvidas relativamente à inexistência de factos que permitam concluir pela aplicabilidade de tal normativo. 38. Que no seu teor, “incorre, por acção ou omissão dolosas, em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público”. 39. Conforme já alegado, a intencionalidade referida tem de ser alegada e provada. 40. E, conforme se constata dos factos julgados provados, essa intencionalidade nunca foi dada por provada. 41. Não foi dado por provado que a conduta ou actuação do aqui recorrente foi dolosa. 42. Conforme vem sendo defendido pela Jurisprudência “…a ilegalidade grave tem de ter na base acção ou omissão dolosas, isto é, intencionalmente violadoras da Constituição e da Lei, e finalisticamente orientadas para fins alheios ao interesse público. Assumirão aqui especial relevo e acuidade as situações em que os membros ou os órgãos através dos seus membros desrespeitam deveres legais, com a consciência dessa violação e no alheamento do interesse público e das finalidades adjudicadas a tais deveres.” – (Ac. STA de 16/01/97, rec. 41238, Isabel Jovita), In Ernesto Vaz Pereira, Da Perda de Mandato Autárquico, Da Dissolução de Órgão Autárquico, Legislação, Notas Práticas e Jurisprudência, Almedina, Maio de 2009, pág. 50). Posto isto, e sem prescindir 43. Por fim, sempre se dirá e se invoca que os factos constantes dos presentes autos, se encontram subsumidos na previsão do art.º 10º da Lei 27/96, de 1/08, pelo que também por este enquadramento legal, pela verificação de causas que justificam o facto ou que excluem a culpa, não se encontram preenchidos os requisitos que integram a sanção tutelar de causa de perda de mandato. 44. Aliás como vem sendo seguido pela doutrina, “… 2 — Acrescentamos nós que, além da verificação dessas causas, pode ser excludente da aplicação das sanções a normal aplicação dos princípios gerais de direito, em primeiro lugar dos Princípios Constitucionais. Estamos a lembrar-nos, v.g., dos princípios da culpa e da proporcionalidade. Como se escreveu no Acórdão do STA de 09/01/02, rec. 48349, (Rui Pinheiro), «a decisão da perda de mandato há-de ser função da relevância da lesão da isenção e da imparcialidade, sob pena da subversão dos próprios desígnios expressos na Constituição da República, especialmente no Poder Local, considerando a curtíssima distância que o liga ao administrado, pelo que só um grau de culpa relativamente elevado sustentará a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo. A gravidade da medida exige que seja métrica da culpa todo o circunstancialismo de espaço, tempo e modo em que os factos foram praticados, inseridos outrossim na personalidade global do seu autor»“ - In Ernesto Vaz Pereira, Da Perda de Mandato Autárquico, Da Dissolução de Órgão Autárquico, Legislação, Notas Práticas e Jurisprudência, Almedina, Maio de 2009, pág. 51. 45. Qualquer outro entendimento contrário àquele que é defendido nas presentes alegações, de inexistência de causa que justifique a sanção de perda de mandato, corresponderá a uma inconstitucionalidade, por violação do Princípio Constitucional da Proporcionalidade (nas suas dimensões adequação, necessidade e proporcionalidade “stricto sensu”) e dos art.ºs 50.°, 242.° n.° 3, 266.° da Constituição da República Portuguesa. 46. Sob pena de, tal sanção aplicada ao presente caso, violar flagrantemente o Principio Constitucional da Proporcionalidade nas suas dimensões (adequação, necessidade e proporcionalidade “stricto sensu”), porquanto a sanção de perda de mandato, é aplicável em casos de ilegalidade e culpa grave, elementos que não se verificam no presente caso. 47. O Acórdão do TCA Norte, na opinião do recorrente, não opera à correcta aplicação do disposto nos artigos 8°, 9°, e 10º da Lei 27/96, de 1/08, e dos artigos 668.° e 716.° do CPC, ainda do Princípio Constitucional da Proporcionalidade e das disposições constitucionais, designadamente os artigos 50.°, 242.° e 266.° da CRP. A Ilustre Magistrada do M.P. contra alegou para formular as seguintes conclusões: 1. A presente revista não é de admitir, por se não verificarem in casu os respectivos pressupostos, acolhidos no n.º 1, do artigo 150.º do CPTA; Mas, sem prejuízo e sem conceder, 2. A admitir-se a revista, deverá o M.mo Juiz Conselheiro Relator convidar o Recorrente a vir esclarecer e sintetizar as conclusões das alegações de recurso, nos termos e para os efeitos do nº 3 do art.º 146.° do CPTA, conjugado com o n.º 4 do art.º 690.°, ambos do CPC, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/07, de 24/08, redacção essa aqui ainda aplicável ex vi dos artigos 1.º e 140.º, do CPTA; Caso assim se não entenda, o que por mera hipótese expositiva se concebe, 3. O douto aresto recorrido não violou quaisquer disposições legais, designadamente, as dos artigos 8.º, 9.º e 10.º, todos da Lei nº 27/96, de 1/08, 668.º e 716.º ambos do CPC e, ainda, as dos artigos 50.º, 242.º e 266.º da CRP; 4. Assim, mostram-se preenchidos, no caso sub judice, os requisitos exigidos pela norma do n.º 2 do citado art.º 8.º da Lei 27/96, razão pela qual, na nossa óptica, o acórdão em crise não merece qualquer censura, quanto a esta parte; 5. Por outro lado, o acórdão recorrido não enferma de nulidade, já que não ocorreu in casu a invocada omissão de pronúncia quanto ao quid sobre que incidia o dever de apreciação e decisão que vinculava o tribunal a quo; 6. Ademais, no aresto em crise, inexiste qualquer infracção aos supra mencionados preceitos da Lei Fundamental, seja porque esta remete para a lei ordinária e foi à luz dessa lei, vg. a Lei n.º 27/96, de 1/08, que o tribunal a quo determinou a perda do mandato, seja, ainda, porque a perda do mandato foi concretamente aplicada, mercê da actuação do recorrente, qualificada como grave, intencional e violadora dos princípios da igualdade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, todos com assento constitucional; 7. Com a sua actuação, o Recorrido lesou intoleravelmente os mais elementares princípios e interesses que por lei lhe incumbia respeitar e cumprir e, ainda, com a mesma visou e obteve vantagens de ordem patrimonial ilegítimas e indevidas e, desse modo, prosseguiu fins de todo alheios ao interesse público, em detrimento da lei e, outrossim, dos princípios que devem nortear a administração pública e o poder local; 8. A motivação do presente recurso veicula apenas uma diversa interpretação das normas aplicáveis, fundada em posição divergente da defendida e aplicada pelo tribunal a quo, numa exegese orientada no sentido mais favorável ao Recorrente, de modo a beneficiar os seus interesses processuais e, daí, à revelia dos critérios hermenêuticos consagrados no art.º 9.º do Código Civil; 9. Da matéria dada como provada não decorre qualquer causa de justificação da conduta do Recorrente ou de exclusão da sua culpa, a valorar nos termos e para os efeitos do artigo 10.º da Lei nº 27/96, de 1/08, razão pela qual, também neste segmento, não merece censura o douto acórdão impugnado; 10. Destarte, deverá manter-se, na íntegra, o douto aresto recorrido, com o que se fará sã e inteira Justiça. Cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO I. MATÉRIA DE FACTO A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: 1. O demandado, A………., é Presidente da Junta de ………., Porto, para o mandato 2009/2013, cargo para o qual foi eleito integrando a lista da coligação «O Porto em primeiro», tendo a Assembleia de Freguesia do mandato correspondente sido instalada em 30/10/2009 – Doc. 1 junto com a p.i. 2. Cargo esse que igualmente exerceu no mandato anterior e em que desempenhou funções a tempo inteiro pelo menos durante o ano de 2007, recebendo da Junta de Freguesia a correspondente retribuição, então no valor de € 1.815,00 mensais – doc. 2 junto com a p.i.. 3. Em ofício com a ref.ª 1853301 datado de 26/11/2007 dos Juízos de Execução do Porto - 1° Juízo, 3.ª secção, remetido ao Solicitador de Execução, F………., e que este recebeu em 30/11/2007, com referência ao Processo 8931/07.OYYPRT em que figura como exequente G………. e executado A………., refere-se o seguinte: “Assunto: Dispensa de citação prévia e execução de penhora. Fica este modo notificado de que nos autos supra identificados não há lugar a citação prévia, devendo proceder à penhora em bens do (s) Executado(s)...” - doc. de fls. 25. 4.O referido solicitador, com data de 30/11/2007, remeteu à Junta de Freguesia de ………., por carta registada, a notificação seguinte: “…………………………………………..” 5. A carta registada foi recebida nos serviços da Junta de Freguesia em data subsequente à da sua expedição, aberta pela secretária do executivo, B………. e à qual, não foi atribuído registo de entrada como era habitual, tendo a mesma sido encaminhada directamente para o Presidente da Junta – cfr. depoimento das testemunhas H………., inspector da IGAL, que elaborou o relatório final da acção inspectiva realizada na Junta de Freguesia de ……….. no ano de 2009; I………., chefe de secção na Junta; B………., secretária do executivo. 6. O demandado não procedeu ou mandou proceder ao seu registo – cfr. depoimento das testemunhas supra referidas. 7. Em 4 de Dezembro de 2007 realizou-se uma reunião da Junta de Freguesia de ………. da qual foi elaborada a acta de fls. 28 a 30 que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. 8. Em 14 de Dezembro de 2007 realizou-se uma reunião da Junta de Freguesia de ……….. da qual foi elaborada a acta de fls. 31 e 32, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. 9. A ordem do Tribunal a que se refere o item 3) nunca veio a ser cumprida – cfr. depoimento das testemunhas H……….; I……….. 10. A referida ordem não constitui assunto que tivesse sido levado às reuniões a Junta de Freguesia. 11. A quantia em dívida no processo executivo que pendia sobre o Demandado foi liquidada em 12/11/2009. 12. O Advogado J……… formulou junto da Inspecção Geral da Administração Local (IGAL) um pedido de acção inspectiva à Junta de Freguesia de ……….. – cfr. doc. 1, c) junto com a contestação cujo teor se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais. 13. Por carta de 16/11/2009 dirigida à IGAL, o referido advogado comunicou o seguinte: “Exmos. Senhores: O Advogado signatário tomou conhecimento de que na Junta de Freguesia de ……….., e no anterior mandato autárquico, passou a partir de 01/01/2008 a exercer funções a tempo inteiro o Secretário dessa mesma Junta de Freguesia, em substituição do Sr. Presidente da Junta. O advogado signatário só tomou conhecimento desse facto após ter deduzido o pedido de acção inspectiva em referência. Por outro lado o Sr. Presidente da Junta acaba de pagar à representada do signatário a quantia exequenda. O advogado signatário deixa pois de ter qualquer interesse no prosseguimento da acção inspectiva em causa, a qual, pelo exposto, e segundo pensa, deixa de ter razão para prosseguir” – cfr. doc. n°1 a) junto com a contestação. 14. Por carta da IGAL remetida em 23/7/2010, ao referido advogado, foi comunicado o seguinte: “Em cumprimento do despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Local de 15.07.2010, informo V.EXA que foi hoje participado ao Exmo. Magistrado do Ministério Público do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto as condutas do Sr. Presidente da Junta de Freguesia de ………. descritas no relatório e Projecto de Parecer Final” – cfr. doc. n°1 b) junto com a contestação. 15. O dia 30 de Novembro de 2007, correspondeu como dia da semana, a uma sexta-feira e o dia 4 de Dezembro a uma terça-feira. 16. O Demandado e todos os funcionários da Junta recebiam o seu vencimento até ao último dia de cada mês. 17. A ordem de trabalhos para a reunião de 4 de Dezembro de 2007 foi elaborada em 30 de Novembro de 2007 – Doc. n° 2 b) junto com a contestação. 18. O Secretário da Junta de Freguesia de ………., K………. bem como o Tesoureiro da mesma Junta, L………. tiveram conhecimento da carta enviada pelo Tribunal e referida no item 3) – cfr. depoimentos das testemunhas referidas. 19. Com data de 20/12/2007 foi dirigida ao Demandado a carta seguinte: "............................................................................................................" 20. No inquérito que correu termos sob o n.º de processo 826/10.7 TDPRT, na 5ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto (DIAP), os quais tiveram “... origem na participação efectuada pela Inspecção-Geral da Administração Local e tiveram por objecto apurar da eventual prática dos crimes de Denegação de Justiça e de Abuso de Poder, p. e p. pelos art.°s 12° e 26°, n.° 1 da Lei 34/87, de 16/07, por parte de A………., presidente da junta de freguesia de ………., consubstanciados no facto e o mesmo não ter dado cumprimento ao ordenado na notificação datada de 30/11/2007 respeitante ao processo executivo n.° 8931/07OYYPRT que lhe foi instaurado por G………., então a correr termos pelos Juízos de Execução desta comarca do Porto” foi decidido arquivar os autos - doc. 4 junto com a contestação que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 21. A partir de 1 de Janeiro de 2008 o Secretário da Junta de Freguesia de ………. passou a exercer funções a tempo inteiro, por acordo prévio no início do mandato, no sentido de que os dois anos seguintes do mandato pertenciam ao outro partido da coligação - Doc. 5 e 6 juntos com a contestação e depoimento das testemunhas K………., Secretário da Junta e L………., Tesoureiro da Junta. 22. Data a partir da qual deixou o Demandado de receber qualquer remuneração da Junta de Freguesia. 23. A Junta de Freguesia de ………. comunicou à DGAL por carta de 2/1/2008 que “A Junta de Freguesia de ……….. vem pelo presente informar V.Exa. da alteração de pessoa no exercício de funções a tempo inteiro. Assim, partir de 01/0112008 passou a exercer aquelas funções, o Senhor K………., Secretário desta Junta de Freguesia” – cfr. doc 6 junto com contestação. 24. Por carta datada de 27/10/2008, com referência ao proc. 8931/07.OYYPRT em resposta a ofício dos Juízos de Execução do Porto, de 23/10/2008, assinada pelo Secretário da Junta e dirigida a esses Juízos foi comunicado o seguinte: “Em resposta ao oficio de V. Exas. em referência cumpre-nos informar que o Presidente desta Autarquia, A………., não aufere salário mensal pelo facto de estar o Senhor Secretário em regime de tempo inteiro, nos termos da Lei 169199, de 18 de Setembro, alterada pela Lei 51A, de 11 de Janeiro de 2002. Para o efeito, juntamos o documento remetido para a DGAL em 2008.01.02, respectivamente” – doc. 7 junto com a contestação. 25. Com data de 15/6/2009, com referência ao proc. 8931/07.OYYPRT foi dirigido aos Juízos de execução de a carta que constitui o doc. 8 junto com a contestação e que aqui se dá por reproduzida. II. O DIREITO. O Sr. Procurador da República junto do TAF do Porto deduziu contra A………. acção administrativa especial pedindo que se decretasse a perda do seu mandato de Presidente da Junta da Freguesia de ………. por o mesmo não ter ordenado o registo nem mandado tramitar a notificação dirigida a esse órgão para proceder à penhora de 1/3 do seu vencimento nem, tão pouco, se ter declarado impedido para esse efeito o que determinou que aquela notificação não tenha produzido resultados. Essa acção foi julgada improcedente por aquele Tribunal ter entendido que, muito embora fosse notório que a carta de notificação não merecera o tratamento habitualmente dado à correspondência remetida à Junta, “desde logo porque não foi a mesma registada e não foi dada qualquer razão plausível para o efeito”, certo era que, por um lado, ficara por apurar se o Réu guardara a carta consigo e se ordenara que a mesma não fosse registada, como vinha alegado, e, por outro, terá entregue a carta à secretária que a encaminhou para a contabilidade e, posteriormente, para o jurista. Sendo assim, e pese embora o sinuoso comportamento do Réu, não estavam reunidas provas que permitissem concluir que a sua actuação havia desrespeitado o previsto nos art.ºs 8.º e 9.º da Lei 27/96 e que, por isso, houvesse fundamento para a perda de mandato. Esta decisão foi, contudo, revogada pelo Acórdão sob censura e a acção julgada procedente com a consequente declaração de perda de mandato do Réu por o TCAN ter entendido que a referida carta de notificação foi dirigida à Junta da Freguesia e não ao seu Presidente e, porque assim era, este logo que verificasse que a mesma versava sobre um assunto em que tinha interesse directo e pessoal - a penhora de parte do seu vencimento – deveria, imediatamente, ter-se declarado impedido e comunicado à Junta esse facto, ficando a aguardar a decisão desta. Não se tendo provado que o tenha feito “e estando a carta nos serviços da junta (sem que se tenha provado o que efectivamente aconteceu à carta depois de lhe ser entregue), com o seu conhecimento e sem que se tenha demarcado da intervenção no mesmo não podemos deixar de considerar que para os efeitos do art.º 8.° interveio em procedimento que lhe dizia directamente respeito” e que o fez para retirar vantagem patrimonial. Deste modo, “o recorrido não agiu como se lhe impunha e, por outro lado, beneficiou com o não registo da carta e a falta de sequência dada à mesma sendo que o preceito aqui em causa apenas exige uma intervenção em procedimento para o qual estava impedido e que essa intervenção vise a obtenção de vantagem patrimonial.” Acrescia que o não se ter declarado impedido importou a sua continuação “como Presidente da Junta em pleno e a absoluta omissão de actividade administrativa tendente a dar resposta ao expediente judicial recebido nos serviços de que é responsável fez com que, pelo menos no mês de Dezembro de 2007, não se tenha procedido à penhora de 1/3 do seu vencimento pelo Tribunal de Execução pelo que potencial e objectivamente obteve vantagem económica dessa actuação.” Esta conduta integrava, assim, a situação prevista “no artigo 9° als. a) e i) da mesma lei, os quais, por força do disposto no art.° 8°, n.º 1, al. d), respectivo, o fazem também incorrer na sanção da perda de mandato.” É contra esta decisão que esta revista se dirige onde se sustenta não só a nulidade do Acórdão, por ele se não ter pronunciado sobre a existência de dolo na actuação do Recorrente (conclusão 29.ª), como também ter sido feito errado julgamento já que, ao contrário do suposto no Aresto, não cabe ao Presidente da Junta a recepção e registo da correspondência dirigida à Junta e, se assim é, não podia ser responsabilizado pelo facto da carta de notificação ora em causa não ter sido registada nem ter tido a devida tramitação. Acrescia que os factos provados não indiciavam que o Recorrente tivesse tido intervenção na tramitação daquela carta nem que tivesse agido com intenção de colher vantagem patrimonial que, de resto, não obteve. Deste modo, se alguma censura cabia ela só podia incidir sobre os serviços da Junta e não sobre si próprio tanto mais quanto era certo não fazer sentido declarar-se impedido visto, por um lado, se tratar de uma situação de mero expediente e, por outro, estar em causa unicamente o cidadão A………. e não o Presidente da Junta. Não estavam, assim, reunidos os pressupostos que podiam determinar a perda de mandato. Vejamos, pois, começando-se pela alegada nulidade do Acórdão. 1. A sentença é nula quando o Juiz “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” ( Art.º 668.º/1/d) CPC.), o que quer dizer que este vício da sentença está relacionado com o incumprimento do dever do Juiz conhecer e resolver todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e apenas essas (art.ºs 668.º/1/d) e 660.º/2 do CPC). A razão de ser dessa estatuição é, pois, por um lado, obrigar o Juiz a respeitar o poder dispositivo das partes e, por outro, evitar que a decisão se funde em questões que elas não suscitaram e, consequentemente, em matéria que não foi objecto de contraditório. Ora, é manifestamente evidente que o Acórdão não incorreu neste vício. Com efeito, o que estava (e está) em causa era saber se a conduta do Recorrente violou o prescrito na Lei 27/96 e se tal violação importava a perda do seu mandato de Presidente da Junta, o que passava pela análise dos requisitos nela exigidos para esse efeito. E o Acórdão procedeu a essa análise considerando que essa perda dependia unicamente da voluntariedade dos factos que preenchessem os pressupostos fixados naquele diploma, independentemente do seu carácter doloso. Deste modo, e ao considerar que a violação culposa daquelas normas era suficiente para a perda de mandato, o Acórdão, ainda que implicitamente, rejeitou que essa violação tivesse de ter carácter doloso. Não houve, assim, qualquer omissão de pronúncia pelo que é forçoso concluir que o Acórdão recorrido não é nulo. Analisemos, pois, o mérito do recurso para o que se impõe por fazer uma breve resenha do que está legalmente prescrito a este propósito. 2. Nos termos do art.º 7.º da Lei 27/96 (Lei que “estabelece o regime jurídico da tutela administrativa a que ficam sujeitas as autarquias locais e entidades equiparadas, bem como respectivo regime sancionatório” – n.º 1 do seu art.º 1.º.), de 1/08, “a prática, por acção ou omissão, de ilegalidades no âmbito da gestão das autarquias locais ... pode determinar, nos termos previstos na presente lei, a perda do respectivo mandato, se tiverem sido praticadas individualmente por membros de órgãos, ou a dissolução do órgão, se forem o resultado da acção ou omissão deste.”( Sublinhado nosso.) O que nos permite concluir que a perda de mandato só pode ter lugar quando a ilegalidade que a determina esteja relacionada com a gestão daquelas autarquias e que, se assim é, se a ilegalidade tiver origem noutra sede que não a gestão da autarquia a consequência da mesma terá de ser outra que não a perda de mandato. A indicação dessas ilegalidades encontra-se nos art.ºs 8.º e 9.º da citada Lei onde se lê que, entre outras, a referida sanção incide sobre os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, “intervenham em procedimento administrativo ... relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem” (n.º 2 do art.º 8.º), que “sem causa legítima de inexecução, não dê cumprimento às decisões transitadas em julgado dos tribunais” ou que incorram, por acção ou omissão dolosas, ”em ilegalidade grave traduzida na consecução de fins alheios ao interesse público.” (al.ªs a) e i) do art.º 9.º, aplicável por força do disposto na al.ª d) do art.º 8.º). O que quer dizer que a perda de mandato só pode ser decretada nas situações taxativamente indicadas nas citadas normas – maxime naquelas que se acabam de mencionar – e que fora desses casos inexiste fundamento para decretar tão grave sanção. E é tendo em conta a gravidade da sanção e das suas consequências que a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a afirmar que, exceptuados os casos em que o dolo é legalmente exigível na configuração da infracção, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal. E isto porque a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção visto que, se assim não for, será de questionar a constitucionalidade das normas que permitam declarações de perda de mandato fundadas em lapsos mínimos e, portanto, destituídas de razoabilidade ( Acórdão de 20/12/2007 (rec. 908/07).). Deste modo, e muito embora seja certo que a perda de mandato pode ser decretada sem que haja dolo na conduta do agente também é que a aplicação dessa sanção só encontra justificação quando "a actuação mereça um forte juízo de censura (culpa grave ou negligência grosseira). Na verdade, atendendo: (i) à natureza sancionatória da medida da perda de mandato, (ii) à intrínseca gravidade desta medida, equivalente às penas disciplinares expulsivas, com potencialidade destrutiva de uma carreira politica, iii) a que a conduta dos titulares de cargos políticos electivos é periodicamente apreciada pelo universo dos respectivos eleitores, há que concluir que a aplicação de tal medida só se justifica a quem tendo sido eleito membro de um órgão de uma autarquia local, no exercício das respectivas funções «violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso» (cfr. Acórdão STA de 21/03/96). Violaria o princípio da proporcionalidade das medidas sancionatórias que restrinjam direitos políticos aplicar uma tal sanção a incumprimentos veniais”.» (Acórdão de 11/03/99, rec. 44.576, com sublinhados nossos)(No mesmo sentido podem ver-se, ainda, e entre outros, os Acórdãos de 23/04/2003 (rec. 671/03) de 22/08/2007 (rec. 690/07), de 25/09/2007 (rec. 693/07), de 28/11/2007 (rec. 734/07), de 5/12/2007 (rec. 871/07), de 22/06/2008 (proc. 353/08) e de 22/08/2010 (proc. 690/07)). E, porque assim é, este Tribunal tem entendido que, nos casos de violação da norma que proíbe ao autarca de intervir em procedimento onde possa obter vantagem patrimonial, essa violação só é determinante da perda do mandato quando se mostre que ele tinha interesse directo, pessoal e relevante nessa intervenção e que esse interesse o impedia de actuar de forma rigorosa, isenta e imparcial na defesa do interesse público posto a seu cargo. Mas tem acrescentado que essa intervenção tem de estar associada a culpa grave visto que “só um grau de culpa relativamente elevado sustentará a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo.” (Acórdão de 9/01/2002, rec. 48.349,). Posto isso, vejamos se a conduta do Recorrente é integrável nalguma das situações previstas nos mencionados art.ºs 8.º e 9.º da Lei 27/96. 3. O Recorrente, Presidente eleito da Junta da Freguesia de ………., desempenhou funções a tempo inteiro mediante retribuição mensal de 1.815,00 euros no ano de 2007. Em 30/11/2007 o solicitador da execução que corria contra ele enviou àquela Junta carta registada notificando-a dessa execução e de que deveria, na qualidade de entidade patronal do executado, proceder à penhora de 1/3 do seu salário para pagamento de dívida exequenda que ascendia a 4.300 euros. Recebida essa carta foi a mesma, depois de aberta pela secretária da Junta, encaminhada para o Recorrente sem que, contra o habitual, fosse registada, sendo certo que este também não procedeu nem ordenou o seu registo nem levou esse assunto a qualquer reunião da Junta pelo que o seu conteúdo nunca foi do conhecimento oficial deste órgão autárquico. Todavia, a partir de 1/01/2008, e em resultado de acordo prévio estabelecido no início do mandato entre os partidos da coligação, o Recorrente deixou de exercer funções a tempo inteiro naquela Junta, que passaram a ser exercidas pelo respectivo Secretário, pelo que aquele a partir dessa data deixou de ter qualquer rendimento daí proveniente, facto que foi comunicado à execução por carta datada de 27/10/2008. A quantia em dívida foi liquidada em 12/11/2009. Será esta factualidade sancionável com a perda de mandato por força do disposto nos art.ºs 7.º, 8.º e 9.º da Lei 27/96? 4. Como já se disse, a perda de mandato de um membro de um órgão autárquico só pode ser decretada quando ele, entre outras, estiver envolvido numa das seguintes situações: (1) ter, dolosamente, incorrido em ilegalidade grave traduzida no aproveitamento do seu cargo para a consecução de fins alheios ao interesse público; (2) ter intervido em procedimento administrativo, estando legalmente impedido de o fazer, e fê-lo para obter vantagem patrimonial para si ou para outrem e (3), sem causa legítima, não ter dado cumprimento a decisões judiciais já transitadas. Ora, como se verá, nenhumas destas situações ocorreu in casu. Com efeito, os transcritos factos não configuram ilegalidade grave traduzida na consecução dolosa de fins alheios ao interesse público uma vez que o único propósito que se pode antever na conduta do Recorrente foi o de ter procurado impedir a penhora de parte da sua remuneração mensal e, dessa forma, protelar ou, até, evitar o pagamento da dívida que judicialmente lhe estava a ser exigida. Todavia, e porque esta dívida respeitava à sua vida particular, não se vê que os passos por ele dados envolvessem a prossecução de finalidades ofensivas do interesse público e, muito menos, que deles pudesse resultar grave atropelo a esse interesse. O que estava em causa era a resolução de um conflito de natureza privada – o pagamento de uma dívida pessoal do Recorrente – e, porque assim era, não se pode afirmar que o propósito do Recorrente tenha sido o de, servindo-se do seu cargo e através de grave ilegalidade, perseguir fins alheios ao interesse público. E também não se pode considerar que o Recorrente tenha abusivamente intervido em procedimento administrativo para obter vantagem patrimonial uma vez que, neste caso, o que a lei pretendeu sancionar foi a intervenção num procedimento instaurado para prossecução de fins públicos e dessa intervenção ter sido motivada pela obtenção de vantagens de natureza patrimonial. E, por isso, “de um modo geral, tem-se exigido que o interesse seja directo e pessoal, relevante, de tal modo que afecte a capacidade do autarca de decidir, com isenção e imparcialidade, o interesse público posto a seu cargo”(Acórdão de 09/01/2002 (proc. 48349)) o que significa que, também aqui, o que legislador quis foi proteger a defesa do interesse público e penalizar o aproveitamento do poder e influência inerentes à titularidade de um cargo público para se obter ilegalmente vantagem patrimonial, dessa forma se evitando situações propícias ao fenómeno da corrupção. Ora, não foi isso o que se passou in casu. Desde logo, porque não chegou a existir procedimento o que impossibilita que se possa falar em intervenção num procedimento. Depois, porque, nesta sede, o procedimento de que a lei fala é o instaurado com vista à resolução das finalidades postas a cargo das autarquias e não o procedimento eventualmente instaurado para penhora de quantia de que fosse pessoalmente devedor um membro de órgão autárquico. Finalmente, porque o que estava em causa era o pagamento de uma dívida de natureza particular, alheia à prossecução de qualquer interesse público, sendo certo, por outro lado, que a intervenção que a lei quis evitar é motivada por outro tipo de preocupações. E também não se pode afirmar que a conduta do Recorrente foi movida pela intenção de impedir o cumprimento de uma decisão judicial já transitada, uma vez que o que se passou foi que a Junta foi notificada para penhorar 1/3 do seu vencimento e ele não promoveu o cumprimento dessa ordem judicial, apesar de dela ter conhecimento (ponto 5 do probatório), o que teve como consequência que a mesma não tivesse sido imediatamente cumprida. Todavia, não é certo que esse incumprimento se tivesse ficado unicamente a dever à conduta do Recorrente já que, por um lado, os serviços da Junta não tramitaram essa notificação como deviam (designadamente não a registaram), o que certamente contribuiu para que a mesma não fosse imediatamente cumprida, e, por outro, essa notificação foi recebida num dos primeiros dias de Dezembro de 2007 e a partir de Janeiro de 2008, por força de compromisso eleitoral anterior, o Recorrente deixou de exercer funções a tempo inteiro na Junta e, por esse facto, deixou de receber qualquer remuneração (vd. pontos 4, 21 e 22 do probatório). Deste modo, a partir de Janeiro de 2008, a Junta estava impossibilitada de proceder à penhora do vencimento do Recorrente o que quer dizer que este, quando muito, só pode ser responsabilizado por não ter impedido a penhora de parte do vencimento de Dezembro de 2007. E, porque assim é, não se pode afirmar com segurança que o comportamento do Recorrente se traduziu num não cumprimento de uma decisão judicial já transitada e, portanto, numa violação do disposto na al.ª a) do art.º 9.º da Lei 27/96. Acresce que quando aquele normativo erige em fundamento da perda de mandato o facto do autarca, “sem causa legítima de inexecução, não dê cumprimento às decisões transitadas em julgado dos tribunais” quer que tal se traduza numa reiterada e decidida obstaculização a esse cumprimento, isto é, quer que essa falta tenha sido cometida com culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal. Ora, é imprudente afirmar-se que o Recorrente agiu tendo em vista impossibilitar definitivamente o cumprimento da decisão judicial que mandou penhorar o seu vencimento já que a partir de Janeiro de 2008, isto é, um mês depois de recebida a notificação, essa penhora era impossível. Não somos ingénuos ao ponto de supor que o Recorrente não quis dificultar o cumprimento daquela penhora mas isso não nos impede de considerar, tendo em conta a exposta factualidade, que está por provar que o mesmo a quis definitivamente impedir. Ficou, assim, por demonstrar que o Recorrente tivesse praticado actos susceptíveis de integração nas apontadas normas o que, por si só, basta para conceder provimento à revista. Mas mesmo que assim não fosse e se considerasse que tais actos encontravam acolhimento nos referidos normativos a conclusão seria a mesma e isto porque de acordo com o entendimento jurisprudencial acima referido, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e de que tem de haver uma adequação e uma proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção e não nos parece que, no caso, haja culpa grave ou que pudesse haver proporcionalidade entre a falta cometida pelo Recorrente e a sanção que se quer ver decretada. Não se encontram, assim, reunidos os requisitos que fundamentariam a perda de mandato por parte do Recorrente. Termos em que os Juízes deste Tribunal acordam em conceder provimento à revista e, revogando o acórdão recorrido, julgar a acção improcedente. Sem custas. Lisboa, 7 de Dezembro de 2011. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho – Adérito da Conceição Salvador dos Santos (vencido, nos termos da declaração junta). Voto de vencido: Perante a factualidade apurada (vd. pontos 5 a 10, da matéria de facto), é de concluir, a meu ver, que o recorrente actuou com o propósito de obstar a que fosse cumprida a decisão judicial de penhora do respectivo vencimento de presidente da junta. Esta conclusão — ao invés do que entendeu a posição que fez vencimento – é reforçada pela consideração de que, como também se apurou (vd. ponto 21, da matéria de facto), o recorrente sabia da sua próxima substituição nessas funções, o que viabilizou a efectivação daquele seu ilícito propósito. A conduta do recorrente correspondeu, assim, à previsão do art. 9, als. a) e i), da Lei 27/96, de 1 de Junho, determinando a perda de mandato, por força do disposto no art. 8, n° 1, al. d) do mesmo diploma legal. Negaria, pois, a revista. Lisboa, 7 de Dezembro de 2011. (Adérito C. Salvador Santos)

© 2024 Apura. Todos os direitos reservados.
Termos e Condições
Política de Privacidade