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Acórdão STA de 2011-12-07

0340/11

TribunalSupremo Tribunal Administrativo, 1 Subsecção do Ca
Processo0340/11
Data do Acordão2011-12-07
RelatorAdérito Santos
DescritoresRecurso Contencioso, Revogação do Acto Administrativo, Extinção da Instância, Impossibilidade Superveniente da Lide
Nº ConvencionalJSTA00067303
Nº do DocumentoSA1201112070340
Data de Entrada2011-04-07
RecorrentePresidente da Câmara Municipal do Crato
RecorridoCÂMARA MUNICIPAL DO CRATO
VotaçãoUnanimidade
Meio ProcessualREC JURISDICIONAL
ObjectoSENT TAF COIMBRA
DecisãoProvido
Área TemáticaDir Adm Cont - Acto, Dir Proc Civ
Legislação NacionalLPTA85 ART1 CPC96 ART287 E ART663
Jurisprudência NacionalAC STAPLENO PROC19267 DE 1991/04/23; AC STAPLENO PROC22806 DE 1991/05/23
Referência a DoutrinaJOSÉ MANUEL SANTOS BOTELHO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO ANOTADO E COMENTADO 4ED PAG456

Sumário

I - A revogação de acto contenciosamente impugnado, com eficácia ex tunc, priva de objecto o recurso contencioso. II - Essa perda de objecto gera impossibilidade superveniente da lide, que é causa de extinção da instância, nesse recurso contencioso. III - Assim, deve revogar-se sentença que, nas circunstâncias indicadas supra em I., apreciou a legalidade do acto revogatório e, julgando-o ferido de vício gerador de anulabilidade, conheceu do mérito do recurso contencioso.


Texto Integral

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1. O Presidente da Câmara Municipal do Crato interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 29.6.09, que julgou improcedente o recurso contencioso de anulação, que o mesmo recorrente havia interposto, em 3.12.2002, da deliberação da Câmara Municipal do Crato, de 30.10.2002, pela qual se decidiu «ressarcir» A………, candidato não contemplado no âmbito do concurso para a “Concessão de Auxílios Económicos a Estudantes de Cursos Superiores” no ano lectivo 1999/2000, «dos respectivos auxílios económicos que indevidamente foi impedido de receber, desde a data que ilicitamente o afastou da selecção enquanto candidato ao referido auxílio». Apresentou alegação, na qual formulou as seguintes conclusões: 1 - A Câmara Municipal do Crato homologou a lista classificativa dos candidatos e a atribuição dos auxílios económicos por unanimidade em reunião ordinária de 5 de Janeiro de 2000. 2 - A Câmara Municipal do Crato não revogou a anterior deliberação nº 15 acta nº 01/2000 do dia cinco de Janeiro de 2000. 3 - A deliberação N 341/2002 determinava o pagamento de uma bolsa e indemnização, a um particular – A……… –, que foi preterido em concurso e a realização de despesas não previstas nem tendo cabimento orçamental no ano a que respeitavam. 4 - A deliberação constituía vício da lei porque viola o disposto no art.º 266º nº 2 da C.R.P., e nos termos da alínea b) no 2 do art.º 95º da lei nº 169/99 de 18 de Setembro com as alterações da lei nº 5-A/2002 o acto é nulo. 5 - A execução da deliberação 341 da acta nº 24/2002 causaria prejuízo de difícil reparação para a Câmara Municipal do Crato. 6 - Estava em causa o interesse público e o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. 7 - No exercício das suas funções o Presidente da Câmara está vinculado ao princípio da legalidade e do interesse público, nos termos do art.º 4º da lei nº 29/87. 8 - A deliberação 341 constante da acta 24/2002 é uma decisão política e tem claros objectivos particulares visando vantagens patrimoniais para outrem. 9 - O Presidente da Câmara pode incorrer em perda de mandato se por acção ou omissão, em ilegalidade traduzida na consecução de fins alheios ao interesse publico, alínea i) art.º 9º e alínea d) do art.º 8º da lei no 27/96 de 1 de Agosto. 10 - Ainda e no decurso dos presentes autos e após o douto despacho para alegações finais, a Câmara Municipal do Crato, recorrida nos presentes autos juntou à mesma certidão da deliberação nº 296 constantes da acta no 23/2006 de 18 de Outubro em que a Câmara Municipal do Crato revogou a deliberação nº 341 da acta 24/2002 de 30 de Outubro, uma vez que não produziu efeitos na esfera jurídica de terceiros. 11 - A deliberação nº 296 constante da acta nº 23/2006 de 18 de Outubro constitui um acto revogatório que elimina o acto anterior, rectius, pelo que nos termos do nº 2 do art.º 64º do C.P.T.A. e a circunstância de ter sido proferido, na pendência do processo impugnatório, - um acto revogatório do acto administrativo impugnado (a deliberação nº 341 da acta 24/2002 de 30 de Outubro) e ainda decorrente do facto de a respectiva deliberação não ter tido qualquer efeito, somos humildemente do entendimento que a eficácia da revogação prevista pela deliberação nº 296 constante da acta nº 23/2006 de 18 de Outubro legitima a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Nestes termos e nos mais de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.a deverá proceder o presente recurso e consequentemente, declarar-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, devido a revogação da deliberação nº 341 constante da acta nº 24/2002 de 30 de Outubro da Câmara Municipal do Crato, com as necessárias consequências legais. Assim se fará justiça. Não houve contra-alegação. Neste Supremo Tribunal, o Exmo Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte parecer: 1. Salvo o devido respeito, as alegações do presente recurso jurisdicional para este STA e que se encontram juntas de fls. 237 a 246 não suscitam qualquer questão nova por relação às alegações então apresentadas na 1ª instância e que se encontram juntas de fls. 168 a 173 do lº volume. 2. Assim, nada temos a acrescentar ao douto parecer do M.P. de fls. 206 a 215 que, aliás, abordou, ponto por ponto, todas as questões levantadas e que a douta decisão, agora sob recurso, acolheu. 3. Concordando, na íntegra, com tal parecer, entendemos que a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (fls.2 17/20) deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: 1. A Câmara Municipal do Crato, em reunião ordinária de 99.11.03, deliberou abrir concurso, até 99.12.10, para a "Concessão de Auxílios Económicos a Estudantes de Cursos Superiores", para o ano lectivo de 1999/2000, e nos termos do Regulamento de Concessão de Auxílios Económicos a Estudantes de Cursos Superiores (fls. 16 a 22); 2. De acordo com esta deliberação, e para além do mais, foi atribuído para aquele ano lectivo de 1999/2000, o valor de 35.000$00 mensais X 10 meses a alunos que frequentem os estabelecimentos de ensino superior fora do Distrito; 3. O Regulamento foi aprovado pela Assembleia Municipal do Crato, em reunião realizada em 95.04.30; 4. O júri do concurso, em reunião de 99.12.21, elaborou a lista classificativa dos diversos candidatos; 5. Não foram apresentadas reclamações a tal lista classificativa; 6. Por deliberação da CM do Crato, de 2000.01.05, a mencionada lista de classificação final foi homologada por unanimidade; 7. Na sequência, por requerimento entrado na CM do Crato em 2000.01.18, a mãe do candidato A……… enviou uma exposição ao Presidente da CM do Crato, nela se mencionando a circunstância de uma das candidatas – B……… –, se encontrar a "frequentar um curso de Formação Profissional que provavelmente ate já remunerado"; 8. O Presidente da Câmara, por ofício datado de 2000.01.25, informou a exponente – mãe do candidato A……… – que "por não respeitar a formalidade legal, não ter legitimidade e ser extemporânea, não vai atendida a sua reclamação imprópria"; 9. C………, na qualidade de representante do filho e candidato A………, denunciou ao Ministério Público neste Tribunal, para efeitos de apreciação de legalidade, o resultado do concurso que se realizou no âmbito da aplicação a este seu filho do "Regulamento de Concessão de Auxílios Económicos a Estudantes de Cursos Superiores" pela Câmara Municipal do Crato, alegando que: (i) aquele seu filho, no seguimento do referido concurso, ficou classificado em 4° lugar, na lista classificativa, dos "Alunos dos Estabelecimentos de Ensino Superior a estudar noutras Regiões do País; e (ii) no entanto, a concorrente posicionada no 3° lugar – B……… –, não deveria ter sido admitida, pois que frequenta um Curso de Formação Profissional, ministrado na Escola Superior de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, promovido pelo IEFP, que "não se insere na esfera do Ensino Superior ou equiparado. como estatui o regulamento". 10. Esta denúncia deu origem ao PA nº 12/2001, que correu termos pela Procuradoria da República neste Tribunal; 11. Por despacho do Ministério Público de 2001.05.07, este PA nº 12/2001 foi arquivado por extemporaneidade ou caducidade do direito de acção, uma vez que se entendeu que: - A deliberação da CM do Crato, de 2000.01.05, padeceria de vicio de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito; - Tal vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, acarreta a anulabilidade da deliberação camarária que homologou os resultados do concurso; - Porém, o Ministério Público não pode propor, em defesa da legalidade, qualquer recurso contencioso de anulação, pelo decurso do prazo legal de um (1) ano de que dispunha para tal, nos termos do art. 28°, nº 1, al. c), da LPTA, contado da data da prolação da deliberação camarária, e que é, como se disse, de 2000.01.05, sendo que a denunciante, quando participou a situação ao Ministério Público (em 2001.03.01), já aquele prazo havia decorrido; 12. Em reunião de 2002.10.30, por proposta dos Vereadores da CM do Crato ……… e ………, foi deliberado – acta nº 24/2002 –, no âmbito do procedimento para "Concessão de Auxilio Económico a Estudantes do Ensino Superior", para o ano lectivo de 1999/2000, ressarcir o candidato não contemplado pelo júri do concurso – A……… –, "dos respectivos auxílios económicos que indevidamente foi impedido de receber, desde a data que ilicitamente o afastou da selecção enquanto candidato ao referido auxilio"; 13. Na reunião extraordinária de 2003.03.28, a CM do Crato deliberou não contestar este recurso contencioso de anulação com o nº 837/2002; 14. Interposto recurso contencioso desta última deliberação, que correu termos neste TAF com o nº 463/2003, por douta sentença, transitada em julgado, de 2004.04.26, a mesma deliberação foi anulada; 15. Em consequência desta sentença, nestes autos de RCA agora em apreço e cuja instância havia sido suspensa, foi determinada a repetição de todos os actos processuais, desde a citação; 16. A CM foi citada para a contestação por carta registada datada de 2005.04.13, no prazo de 40 dias, finda a dilação de 5 dias; e 17. Por deliberação da CM do Crato, tomada na sessão de 2006.10.18 – acta nº 23/2006, foi decidido revogar esta última deliberação nº 341, de 2002.10.30, "uma vez que no produziu efeitos na esfera jurídica de terceiros". 3. A sentença recorrida conheceu do mérito do recurso contencioso, julgando-o improcedente, depois de apreciar a questão, que havia sido suscitada pelo próprio recorrente, da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, face à revogação da deliberação contenciosamente impugnada. E, no sentido da improcedência dessa questão prévia, decidiu a sentença que tal revogação, operada pela deliberação camarária de 18.10.2006, era ilegal, por virtude da natureza de acto constitutivo de direitos de que se reveste a decisão revogada. Na respectiva alegação, o recorrente persiste em defender que ocorre a invocada extinção da instância. E, como se verá, com razão. Desde logo, importa notar que o recurso contencioso em causa nos autos, interposto em 3.12.2002, é aplicável o regime da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) (Vd. arts 2 e 9, da Lei 13/2002, de 19.2, red. Lei 41-A/2003, de 19.2, e Lei 107-D/2003, de 31.12, e arts 4 desta Lei 107-D/2003 e 5 da Lei 15/2002, de 22.2.). E, como já se referiu, esse recurso contencioso tinha por objecto a deliberação camarária de 30.10.2002, sendo que, como consta da matéria de facto apurada (nº 17), essa deliberação foi revogada, com efeitos ex tunc, pela deliberação camarária de 18.10.2006. Assim, aquela primeira deliberação (de 30.10.2002) deixou de vigorar na ordem jurídica, ficando sem objecto o correspondente recurso contencioso, ainda que o acto revogatório enferme, eventualmente, de vício determinante da respectiva anulação. O que implica a impossibilidade superveniente da lide e consequente extinção da instância, nos termos do disposto nos arts. 287, al. e) e 663 do CPCivil, aplicáveis por força do art. 1 da LPTA. É neste sentido, aliás, o entendimento uniforme da jurisprudência deste Supremo Tribunal, de que são exemplo os acórdãos, de 23.4.91 e de 23.5.91, do Pleno desta 1ª Secção (Vd. José Manuel Santos Botelho, Contencioso Administrativo Anotado e Comentado, Liv. Almedina 4ª ed., 456, ss.). Perante o que não poderá manter-se a sentença recorrida, que deveria ter-se limitado a reconhecer a impossibilidade superveniente da lide e a declarar, em consequência, a extinção da instância do recurso contencioso, tal como defende o recorrente, cuja alegação, assim, se mostra procedente, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões nela suscitadas. 4. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e julgando extinta a instância do recurso contencioso. Sem custas. Lisboa, 7 de Dezembro de 2011. – Adérito da Conceição Salvador dos Santos (relator) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.

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