I – Numa acção administrativa especial onde se requer a declaração de nulidade ou a anulação de AIM e a condenação do R. MEI a abster-se de fixar os PVP de medicamentos, alegando-se a violação de direitos de patente através de tais actos administrativos, os factos alegados e relativos à aferição do conteúdo do direito de patente, da sua concreta ou específica extensão e protecção, prioridades, reivindicações, da inovação ou dos processos de preparação de substâncias farmacêuticas, ou suas composições, é matéria que não tem relevo directo para a decisão a proferir. III - Após a publicação da Lei n.º 62/2011, de 12.12, e com a prolação do Acórdão do STA n.º 771/2012, 09.01.2013, ficam esclarecidas quaisquer dúvidas que ainda pudessem persistir sobre esta matéria, claudicando a pretensão do A. que se fundava na obrigação do Infarmed ou do MEI de averiguarem se para o medicamento sujeito a AIM ou à fixação do PVP existe ou não uma patente vigente que proteja a substancia activa ou o processo de fabricação. III- Mas mesmo que a indicada Lei n.º 62/2011, de 12.12, não tivesse sido publicada, a sua pretensão também teria de claudicar. IV- Da aplicação conjugada dos artigos 6º, 8º, n.º 3, 26º, 118º, 126º, da Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06.11.2001, 10º, n.º2, alínea b) da versão da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.03.2004, 3º, ns.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 269/2007, de 26.07, 14º, n.º1, 15º, 16º, 25º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08 (mesmo se apreciado antes da entrada em vigor da Lei n.º 62/2011, de 12.12), o Infarmed na concessão das AIM não está obrigado – desde logo porque não tem atribuições e competências para tanto – a verificar se para aquele medicamento genérico a introduzir no mercado existe ou não uma patente vigente que protege a substancia activa ou o processo de fabricação. V - A simples concessão do AIM não lesa, por si só, os direitos de patente, lesão essa que só se verificará com a posterior comercialização dos medicamentos. VI - Das Directivas acima referidas e do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, também não decorre a obrigação de instrução do pedido de AIM com a prova da inexistência de patentes que possam ser violadas com a posterior comercialização do medicamento a autorizar a introdução no mercado. Da aplicação conjugada dos artigos 6º, 8º, n.º 3, 26º, 118º, 126º, da Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06.11.2001, 10º, n.º2, alínea b) da versão da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.03.2004, 3º, ns.º1 e 2, do Decreto-Lei n.º 269/2007, de 26.07, 3º, n.º1, alínea nn), 14º, n.º1, 15º, 16º, 19º, n.º3 e 25º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, decorre, de forma diferente, que o Infarmed na concessão do AIM não está obrigado a verificar se para aquele medicamento genérico a introduzir no mercado existe ou não uma patente vigente que proteja a substancia activa ou o processo de fabricação. VII -Por conseguinte, não havendo normas que expressamente determinem aquela obrigação do Infarmed, não se apresenta como procedente uma pretensão que invoca uma tal obrigação. VIII - Este entendimento é o que melhor se coaduna com a cláusula ou excepção «Bolar», que visa permitir que um medicamento genérico seja comercializado imediatamente após a caducidade dos direitos de propriedade industrial, o que implica que se possa fabricar, requerer e fazer correr todos os trâmites anteriores àquela comercialização, ainda na vigência dos direitos de propriedade industrial (cf. artigo 37.º, n.º 1, al. a), do CPI). IX- Do Decreto-Lei n.º 65/2007, de 14.03 e da Portaria n.º 300-A/2007, de 19.03, em vigor à data da prolação dos actos impugnados (depois substituída pela Portaria n.º 312-A/2010, de 11.6), o R. MEI, através da DGAE, também não está legalmente obrigado a verificar, ele mesmo, da violação do direito de patente quando fixa o PVP de um medicamento genérico, pois nenhuma norma a tanto obriga. X - A Lei n.º 62/2011, de 12.12, ao interpretar os artigos 19º, 25º e 179º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, no sentido do sufragado por uma parte da jurisprudência (minoritária no TCAS, mas maioritária em sede de decisões de 1º instância) e da doutrina então maioritária, é uma lei interpretativa e não uma lei inovadora. XI - Os procedimentos de concessão de AIM e de fixação de PVP não estão concebidos e orientados para a defesa de direitos de propriedade industrial. Não se prevê qualquer momento procedimental onde se deva e possa proceder à aferição de tais direitos, com a intervenção e a produção da prova pela empresa alegadamente detentora da patente violada, e depois, com a contraprova pela empresa que requereu o AIM.
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso pela H. ... , A/S, do despacho saneador, na parte em que não julgou não necessária a produção de prova testemunhal, indeferindo-a, e do Acórdão do TAC de Lisboa, na parte em que julgou improcedentes os pedidos formulados pelo A. para ser declarada a nulidade ou a anulação e actos que concederam Autorizações de Introdução de Mercado (AIM), de diversos medicamentos e para ser a DGAE condenada a abster-se de fixar os correspondentes Preços de Venda ao Público (PVP), ou o condicionar, até à data em que a PT 90845 e o CCP 152 caducarem. Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: «A. O presente recurso deverá ter efeito suspensivo, nos termos do artigo 143.º n.º 1 do CPTA. B. Caso assim não se entenda, deverá ter-se presente que o que se pede ao Tribunal nestes autos, é que sindique a validade dos atos, em si mesmos, ou difira a sua eficácia, atentas as circunstâncias em que se inscreve, e não que se averigue se o Infarmed (e MEE, através da DGAE, em relação aos PVPs), considerou ou deixou de considerar, na sua prolação ou no procedimento administrativo que o precedeu, a eventual existência de direitos de propriedade industrial. C. No presente recurso recorre-se também do despacho saneador, na medida em que o entendimento de que não há factos controvertidos e que o processo segue os termos do artigo 91.4. do CPTA apenas é sindicável no recurso que vier a ser interposto da decisão final — cf. Acórdão do TCA Sul de 19-01-2012 (no proc. 07779/11). D. Ao incorrer em (manifesto) erro de julgamento, deverá decretar-se a revogação do despacho recorrido, admitindo-se a produção da prova testemunhal requerida. E. Especialmente tendo em consideração que a Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, não poderá ser considerada como aplicável no caso vertente, a decisão de primeira instância não considerou um conjunto de factos que poderia ser relevante para a decisão dos presentes autos — podendo agora o presente Tribunal decidir em sua substituição. F. Desde logo, a lista dos factos provados relevantes deverá incluir os factos alegados pela Recorrente nos artigos 7.º, 10.º e 11.º, 16.º, 17.ºe 18.º da petição inicial, os quais devem ser considerados provados na medida em que são suportados por documentos cujo conteúdo não foi impugnado, em conformidade com o art. 7.º do Código da Propriedade Industrial. G. Os factos constantes dos artigos 12 a 15.º, 37.º, 138.º e 139.º da Petição Inicial, relativos à novidade do Escitalopram, devem ser considerados provados, na medida em que se tratam de factos negativos e a sua prova é praticamente impossível, senão mesmo impossível. H. Impor sobre a ... o ónus de provar que o Escitalopram nunca tinha sido sintetizado ou divulgado de modo a ser explorado por um especialista na matéria e que o processo mencionado na patente para obter esse produto também nunca tinha sido sintetizado ou divulgado de modo a ser explorado por um especialista na matéria, ultrapassaria os limites da razoabilidade porquanto estaríamos perante uma verdadeira diabolica probatio. I. A lista dos factos provados relevantes deverá incluir os factos alegados pela Recorrente nos artigos 31.º, 38.º, 39.º, 40.º e 41.º, na medida em que são suportados por documentos cujo conteúdo não foi devidamente impugnado. J. A veracidade dos referidos documentos não foi posta em causa nem pelo Infarmed, nem pelo MEE ou pelas Contrainteressadas nos termos dos artigos 372.º do Código Civil e 546.º do CPC e, em consequência, tais factos deverão considerar-se como provados. K. A lista dos factos provados relevantes deverá incluir os factos alegados pela Recorrente nos artigos 7.º, 10.º a 23.º, 28.º a 95.º, 125.º, 131.º, 137. º a 139.º da petição inicial, respeitantes designadamente aos direitos de propriedade intelectual da ora Recorrente, nomeadamente, referentes à Patente e ao CCP; ao facto do Escitalopram ser um produto novo e ao facto de os Genéricos Escitalopram serem produzidos pelo processo patenteado. L. O Infarmed procedeu necessariamente à análise do processo de produção de Escitalopram utilizado nos Genéricos Escitalopram e, consequentemente, tem perfeito e pormenorizado conhecimento de qual é o processo de fabrico desses medicamentos e nomeadamente do processo de síntese da sua substância ativa, ou seja, do Escitalopram neles utilizado. M. Se o Infarmed não tem disso conhecimento — o que não se aceita — tal só poderia significar que o Infarmed não cumpriu os requisitos legais aos quais estava vinculado na avaliação dos medicamentos em causa, o que significaria que as AIMs em causa nos presentes autos seriam também ilegais por violação das referidas disposições do Estatuto do Medicamento. N. No que se refere aos factos relativos aos direitos de propriedade industrial da Recorrente, os factos a seguir indicados, e sem prejuízo dos outros factos indicados supra, devem ser julgados provados e relevantes, ficando também a constar da seleção da matéria de facto provada: (iii) “Ao tempo da prioridade da PT 90 845 (14 de Junho de 1989) e da prioridade invocada nessa patente (14 de Junho de 1988), o Escitalopram nunca tinha sido sintetizado ou divulgado de modo a ser explorado por um especialista na matéria, o mesmo acontecendo com o processo mencionado na patente para obter esse produto”. (iv) “O Escitalopram não estava compreendido no estado da técnica ao tempo do pedido da PT 90 845 e da prioridade invocada nessa patente (14 de Junho de 1988) nos termos previstos no Código da Propriedade Industrial de 1940 (“CPI 40”), vigente à data em que a PT 90 845 foi concedida”. O. Caso assim não se considere em relação aos factos referidos, então deverá este Tribunal decidir sobre os mesmos nos termos do artigo 149.º n.º 2 do CPTA ou, caso não entenda ser aplicável esta disposição, proceder à anulação oficiosa da decisão e ordenar a baixa do processo à 1.ª Instância, para o processo prosseguir nos termos do disposto no artigo 712.º n.º 4 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA. P. No presente recurso, recorre-se igualmente do despacho saneador — nos termos do qual se decidiu que nos presentes autos, as peças das partes e o Processo Instrutor fornecem já todos os elementos necessários, mostrando-se a prova documental oferecida suficiente, sendo pois desnecessárias quaisquer outras diligências de prova, — por padecer de vício de falta de fundamentação ou, caso assim não se entenda, de erro de julgamento ao violar o princípio do inquisitório e o art. 511.º do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPC. Q. Os tribunais administrativos, nas decisões que profusamente têm proferido sobre a eventual ilegalidade das AIMs (e dos PVPs) relativas a medicamentos infratores de patentes têm considerado que tais atos administrativos são contrários aos princípios decorrentes da Constituição, nomeadamente do seu artigo 18.º, que impõem à Administração o dever de respeito, de promoção e proteção dos direitos fundamentais. R. As disposições constantes do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento — na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 —, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, são insuscetíveis de obstarem ao provimento do presente recurso e procedência da ação principal, ou seja, à declaração de invalidade ou invalidação dos atos impugnados ou à declaração da sua ineficácia, até ao termo dos direitos de propriedade industrial da Autora e, consequentemente também não poderão obstar à procedência do presente processo. S. Se se entendessem as normas do artigo 19.º, n.º 8, do artigo 23.º-A, n.º 1 e n.º 2, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento — na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 —, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, como contendo uma proibição absoluta de que o Infarmed (e o MEE/DGAE) tome conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM (e de aprovação de PVP), da existência de violação de patente por parte do medicamento objeto desse procedimento, ou o obriguem a deferir o requerimento de concessão de AIM (e, respetivamente, de aprovação de PVP) para um tal medicamento, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17.º, 18.º, 62.º n.º 1 e 266.º da Constituição da República Portuguesa. T. Tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 25.º, n.º 2 – e ainda que não expressamente – artigo 19.º, n.º 8, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento — na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 — contêm uma proibição absoluta de que o Infarmed tome conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM, da existência de violação de patente por parte do medicamento objeto desse procedimento, ou o obrigue (vinculadamente) a aprovar o respetivo requerimento de concessão de AIM para um tal medicamento, tais disposições são materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17.º, 18.º, 62.º n.º 1 e 266.º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade. U. Do mesmo modo, tendo o Tribunal a quo entendido que as normas constantes do artigo 25.º, n.º 2 — e ainda que não expressamente — artigo 19.º, n.º 8, do artigo 25.º, n.º 2 e do artigo 179.º, n.º 2 do Estatuto do Medicamento – na redação conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 62/2011 —, bem como o artigo 8.º, n.º 1, 2, 3 e 4 do mesmo diploma, contêm uma proibição absoluta de que o Infarmed e o MEE/DGAE tomem conhecimento, no quadro de procedimento de concessão de AIM e de aprovação de PVP, da existência de violação de patente por parte do medicamento objeto desse procedimento, ou os obriguem a deferir os respetivos requerimentos de concessão de AIM e de aprovação de PVPs para um tal medicamento, tais disposições seriam materialmente inconstitucionais por violação, nomeadamente, dos artigos 17.º, 18.º, 62.º n.º 1 e 266.º da Constituição da República Portuguesa, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade. V. Se se entendesse que as referidas normas eram aplicáveis no caso vertente por via do artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, a interpretação e aplicação deste artigo introduziria uma restrição retroativa – e, portanto, inconstitucional por violação do art. 18.º, n.º 3 da Constituição — de um direito fundamental. W. Por último, em concreto, uma vez que o Tribunal a quo aplicou as referidas normas no caso vertente com base no artigo 9.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, tal interpretação (e aplicação) é inconstitucional por introduzir uma restrição retroativa de um direito fundamental, violando-se o art. 18.º, n.º 3 da Constituição, devendo, consequentemente, o Tribunal ad quem recusar a sua aplicação com fundamento na sua inconstitucionalidade. x. A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento — devendo, também por este motivo —, ser revogada, uma vez que os dois acórdãos citados pelo Tribunal a quo para sustentar a sua argumentação de que não poderia verificar qualquer das inconstitucionalidades invocadas por falta de concretização e densificação do alegado não podem ser chamados à colação Tais acórdãos foram proferidos em processos que não apresentam qualquer semelhança com o caso vertente, designadamente por não apresentarem (ao contrário do que acontece no caso vertente) as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador. y. Um ato de concessão de AIM de um medicamento é um ato administrativo cujo objeto é o da viabilização jurídica da atividade de comercialização desse medicamento no território nacional, atividade essa que, doutro modo, estaria interdita ao interessado, dele decorrendo, além disso, a imposição ao seu titular do dever de exercício dessa mesma atividade — cf. Acórdão do TCA Sul proferido a 1.6.2011 no proc. 07302/11. z. O direito de propriedade industrial emergente de uma patente constitui um tipo de direito de propriedade caracterizado por conferir um direito exclusivo temporário, que se traduz na proibição legal de qualquer terceiro, sem o consentimento do seu titular, explorar o invento patenteado, por qualquer das formas definidas no artigo 101.º, n.º 3 do CPI, durante o seu período de vigência. AA. O direito de exclusivo emergente da titularidade de uma patente goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral, nos expressos termos do artigo 316.º do CPI e de protecção constitucional, como direito fundamental de natureza análoga aos “direitos, liberdades e garantias”, beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.º da Constituição. BB. A natureza dos direitos de propriedade industrial como direitos fundamentais com a natureza (análoga) de “direitos, liberdades e garantias” tem sido geralmente aceite pela doutrina e pela jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional. CC. Mesmo que um direito de propriedade industrial não fosse um direito de propriedade no sentido civilista do termo e para efeito da aplicação das normas do Código Civil relativas ao direito de propriedade, isso não faria com que o âmbito do direito de propriedade regulado na Constituição não se aplicasse a esses direitos de propriedade industrial. DD. O direito de propriedade industrial é um direito fundamental no âmbito da União Europeia fazendo parte dos seus princípios gerais, nos termos conjugados do artigo 6.º n.ºs 1 e 3 do Tratado da União Europeia e artigo 17.º n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e tem sido consistentemente reconhecido pela jurisprudência do TJUE. EE. De acordo com o artigo 18.º da Constituição, os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, aplicando-se tal regime aos direitos fundamentais de natureza análoga, nos termos do artigo 17.º da Lei Fundamental. FF. A Administração está, pois, sujeita ao dever de respeito, de promoção e de proteção dos direitos, liberdades e garantias, cabendo-lhe, no contexto das respetivas atribuições, ao interpretar e aplicar a lei e ao tomar decisões que envolvam espaços próprios de avaliação e decisão, a responsabilidade pela defesa, promoção e realização efetiva de direitos. GG. Ao Infarmed cabe, assim, o dever de não conceder tais autorizações quando se revelar que as mesmas se destinam a viabilizar a comercialização de medicamentos violadores de patentes pertencentes a terceiros. HH. O dever de conformação por parte do Infarmed em relação aos direitos de patente não vai ao ponto de determinar que entre as funções instrutórias do Infarmed no âmbito do procedimento administrativo conducente à prolação de AIM se encontre a de sindicar da existência de patentes que protejam os medicamentos em causa. II. Não podia o Infarmed conceder as AIM em causa com base em qualquer juízo de prevalência do direito à proteção da saúde sobre o direito de propriedade industrial, como não pode este Tribunal julgar justificado o ato de tal concessão com base em considerações do mesmo teor. JJ. As AIM impugnadas no presente processo são nulas ou anuláveis, uma vez que o seu objeto mediato, a comercialização dos produtos farmacêuticos a que se referem, consubstancia a prática dos crimes previstos e punidos pelos artigos 321.º e 324.º do CPI. KK. Tais atos são também causais de uma ofensa ao conteúdo essencial de um direito subjetivo público que é também um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, ou seja a violação do exclusivo derivado da Patente 90 845, sendo nulos por aplicação do artigo 133.º n.º 2 d) do CPA. LL. São também nulos por falta grave de legitimação do objeto, uma vez que carecem de idoneidade de objeto, na medida em que os medicamentos para os quais foi concedida AIM não podem ser efetivamente comercializados por tal ser proibido por lei, sob sanção de penal. MM. São eles ainda anuláveis por “ilicitude” uma vez que ofendem um direito absoluto de “terceiro”. NN. Se assim não fosse seriam sempre anuláveis por violação de princípios gerais de direito administrativo, tais como os contidos nos artigos 3.º (princípio da legalidade), 4.º (princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses dos cidadãos) e 6.º (princípio da imparcialidade). OO. Esta argumentação, não é aplicável apenas quando esteja em causa uma AIM, mas projeta-se em todo o procedimento — designadamente na fixação do PVP — que dá seguimento à autorização, viabilizando a comercialização do produto. PP. Mesmo que nenhum dos fundamentos para a nulidade se aplicasse ao caso vertente, o que se admite sem conceder, os atos impugnados sempre seriam anuláveis, nos termos do art. 135.º do CPA. QQ. Se os atos de AIM forem invalidados nesta ação, sempre poderá o procedimento administrativo que conduziu à sua concessão servir de base à concessão de nova AIM para vigorar imediatamente após a caducidade dos direitos de propriedade industrial ou, no caso em que o Tribunal considere que tais atos estão sujeitos a um termo suspensivo eles entrarão em vigor na própria data em que esses direitos de propriedade industrial caducarem. RR. Caso este Tribunal entenda que se não justifica a invalidação das AIMs concedidas aos Genéricos Escitalopram por se integrarem no quadro do dispositivo do artigo 129º c) do CPA — ou seja, que pela sua própria natureza, a sua eficácia deve ser entendida como diferida à data da caducidade dos direitos de propriedade industrial da Autora — deverá condenar o Infarmed a suspender os efeitos legais da AIM (de acordo com as disposições conjuntas dos arts. 121.º e 129.º, al. b) do CPA) ou a apor uma condição suspensiva dos efeitos até ao fim do prazo de proteção estabelecido pela Patente». O Infarmed em contra-alegações formulou as seguintes conclusões: «1 .Não compete ao INFARMED aferir quaisquer direitos de propriedade industrial de terceiros, bem como a eventual violação daqueles direitos não resultará da AIM, mas antes da efetiva comercialização, traduzindo-se num conflito de direitos privados, que não compete à Entidade Administrativa dirimir. 2 Isto mesmo resulta claro do artigo 25.º/2 do Estatuto do Medicamento, na redação dada pela Lei 62/2011, norma esta que, nos termos do artigo 9.º/1 da Lei 62/2011, consiste numa norma interpretativa, e portanto, nos termos do artigo 13.º/1 CC tem eficácia retroativa à data da publicação do Estatuto do Medicamento. 3 Os direitos de propriedade industrial não configurarem um direito fundamental, e muito menos um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, para efeitos do artigo 133.º do CPA. 4 No entanto, ainda que se entenda que os direitos de propriedade industrial gozam da aplicação do artigo 62º da CRP, a verdade é que, sempre seria ilegítimo por esta via impedir atos de futura comercialização, porque o conteúdo da patente consiste no exclusivo temporário de comercialização e não inclui nenhum poder de vedar procedimentos preparatórios de futura entrada no mercado. 5 Além disso, não se pode considerar o direito de propriedade industrial como um direito absoluto em sede de procedimento de concessão de AIM, desde logo porque existe, acima de tudo, um interesse público a defender, que consiste em assegurar a qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos a serem colocados no mercado, e em garantir a sustentabilidade do SNS. 6 Além disso, também os laboratórios produtores de genéricos têm interesses legítimos a defender, como é o interesse de poderem comercializar os seus medicamentos logo que as patentes caduquem ou assim que sejam declaradas inválidas. 7 Assim, e tendo em conta que nomeadamente nos termos do artigo 2.º da Lei 62/2011, os laboratórios titulares de patentes têm forma de reagir à eventual violação dos seus direitos de propriedade industrial, sublinhe-se que num procedimento de concessão de AIM não há apenas estes interesses a ser considerados. 8 Pelo que, não se justifica que exista uma proteção especial dos interesses dos laboratórios titulares de patentes, principalmente face ao interesse público, mas também face aos legítimos interesses dos laboratórios produtores de genéricos. 9 Por outro lado, também a retroatividade da Lei 62/2011 conferida pela referida norma interpretativa, não é inconstitucional na medida em que: i) não é violadora da tutela da confiança; ii) não lesa qualquer faculdade do titular de direitos de propriedade industrial; iii) amplia o direito fundamental à proteção da saúde; e iv) satisfaz interesses públicos objeto de expressa proteção constitucional. 10 Face ao exposto, para além de resultar inequívoco que os direitos de propriedade industrial não são direitos fundamentais, resulta também que, ao contrário do defendido pela Recorrente, não há qualquer inconstitucionalidade da norma constante no artigo 9.º/1 da Lei 62/2011, que conferiu carácter interpretativo à nova redação dada aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Estatuto do Medicamento, por violação do artigo 18.º/3 da CRP.» O Contra Interessado ... , nas contra alegações formulou as seguintes conclusões: «a) Solicitou a Recorrente ao tribunal a desaplicação das normas por ela sindicadas na Lei nº 62/2011, com fundamento na sua inconstitucionalidade, como forma de contornar a ausência de pressupostos justificantes da decretação da providência. b) Inexistem quaisquer fundamentos verosímeis que amparem os argumentos de constitucionalidade invocados, no sentido de ser minimamente objectivável a sua procedência. Assim: i) Não estando o legislador vinculado pelo artigo 62º da CRP da Constituição a assegurar um nível de protecção máximo da patente, sustentado num controlo administrativo prévio da existência de direitos de propriedade industrial a exercer pelo INFARMED no procedimento de concessão da AIM; ii) Logrando a Lei nº 62/2011 garantir aos titulares das patentes, a par de uma garantia jurisdicional efectiva decorrente do disposto do seu artigo 2º e demais legislação (mormente a que prevê a responsabilização civil e criminal da violação do direito de propriedade industrial), um relevante sistema aviso prévio que implica a publicação na página electrónica do INFARMED de todos os pedidos de autorização e registo de introdução de genéricos (artigo 15º-A aditado ao EM pelo artigo 5° da mesma lei); c) O nível de protecção consagrado pela legislação aplicável ao direito de patente resulta ser suficiente e constitucionalmente adequado, não ofendendo o conteúdo da garantia da propriedade privada constante do artigo 62° da CRP. d) Tão pouco surge como defensável que a norma sindicada viabilize a possibilidade de o acto administrativo de concessão da AIM vir a perpetrar uma violação da garantia constitucional do direito de propriedade industrial, bem como a consequente prática de um crime, dado que: i) A AIM, como decorre do EM, com a redacção dada pela Lei nº 62/2011, por si só, mostra-se insusceptível de causar prejuízos ao titular de patente; ii) A lei questionada não configura a AIM como um acto lesivo ou potencialmente lesivo de direitos, já que não existe um nexo de causalidade entre a concessão da mesma AIM e uma hipotética conduta lesiva dos direitos das patentes dos medicamentos de referência por parte do titular da autorização, conduta essa cuja verificação se situa num universo puramente probabilístico; iii) Para a comercialização efectiva do medicamento genérico, o último acto relevante não é sequer a AIM mas o PVP, relativo à fixação do preço do medicamento o qual sendo sequente ao primeiro, funda-se em pressupostos e fins que dele são autónomos. e) Mas mesmo que dúvidas subsistissem sobre a proporcionalidade da opção do legislador quando optou por um nível de protecção da propriedade industrial que não atingiu um grau ou patamar máximo, haverá que considerar que o critério de decisão por aquele adaptado procurou acautelar um regime jurídico balanceado, onde a garantia desse direito teve de ser equilibrada com a garantia de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos. f) A opção compromissária que resulta do EM na sua nova redacção exunda da necessidade de: i) Compatibilizar a garantia do direito de propriedade industrial dos titulares de patentes dos medicamentos de referência, com a liberdade económica e de iniciativa privada dos titulares dos medicamentos genéricos; ii) Evitar que a existência de um controlo preventivo em sede do procedimento da AIM, em benefício dos titulares de patentes dos medicamentos de referência, comprimisse desproporcionadamente a liberdade de iniciativa privada do titular do genérico ao retardar desnecessariamente a sua introdução legal no mercado, a ponto de afectar o núcleo da sua garantia (a qual consistirá em salvaguardar em tempo útil e razoável a comercialização do produto). g) No contexto de ponderação de direitos e interesses que repousam, aliás, na exposição de motivos da lei sindicada, esta procurou também alcançar um ponto de equilíbrio ente o nível de garantia do direito de propriedade industrial já anteriormente adaptado pelo EM e a salvaguarda de outros direitos e valores constitucionalmente protegidos, tais como: i) O imperativo de obstar a que um nível mais intenso da protecção do direito de propriedade industrial, assente num controlo preventivo do requerimento em função da existência de patentes violasse o princípio da igualdade, na medida enque, da introdução desse controlo fossem discriminados negativamente os requerentes da comercialização de genéricos junto do INFARMED, em contraposição com outros requerentes titulares de AIM europeias ou obtidas noutros Estados que teriam a faculdade de efectuar a comercialização da mesma substancia activa em território português, sem terem de se submeter a esse controlo prévio de carácter preclusivo; ii} A necessidade de redução expressiva das comparticipações financeiras do Estado com os medicamentos, como forma de redução impreterivel do défice público num quadro de urgência, de forma a observar exigências imperiosas de equilíbrio financeiro constitucionalmente tuteladas (artigo 105º da CRP). ii) O imperativo de assegurar o cumprimento de obrigações internacionais do Estado nesse domínio, impondo-se elencar, a par das que decorrem das orientações da Medida 3.62 do Memorando de entendimento entre o Estado e o FMI, CE e BCE, (que fixa obrigações internacionais para a República Portuguesa no domínio da remoção de entraves à entrada de genéricos), também as que são impostas pelo direito europeu portador de eficácia directa vertical (mormente o artigo 126° da Directiva 2001/83/CE e o nº 2 do artº 81º do Regulamento nº 726/2004,) de cuja violação decorrente da interpretação sufragada pela Recorrente decorreria a condenação do Estado por incumprimento de direito europeu e a sua responsabilidade civil extracontratual por danos causados; iii) A garantia do direito fundamental dos cidadãos à protecção na saúde ( nº 1 do artigo 64° da CRP) numa situação excepcional de carência de medicamentos em sectores vulneráveis da população, a qual se deve conjugar com a especial obrigação assumida constitucionalmente pelo Estado na "socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentos" ( alínea c) do nº 3 do artigo 64 da CRP). h) A diversa questão de constitucionalidade suscitada, segundo a qual a Lei nº 62/2011, em virtude da conjugação do seu artigo 8° com o artigo 4°, não seria uma verdadeira lei interpretativa, mas uma lei inovadora com carácter retrospectivo e desfavorável que violaria o princípio da protecção da confiança (artigo 2° da CRP) tão pouco merece acolhimento. i) Do artigo 9° da Lei nº 62/2011 extrai-se a existência de uma normação legal genuinamente interpretativa, cuja relação de significado se integra na lei interpretada de acordo com o artigo 13º do CC, com observância da doutrina assente sobre a natureza das normas interpretativas. j) Isto, na medida em que incidiu sobre uma situação controvertida (pautada por um divergência jurisprudencial no TCA Sul) e, ao optar por uma das soluções interpretativas plasmadas na mesma jurisprudência, não excedeu os limites da interpretação nem criou qualquer critério de decisão inovatório que alterasse o espírito da lei antiga. k) Por outro lado, sem conceder, mesmo que fosse reconhecida à norma questionada eficácia retrospectiva "hoc sensu", esta não seria susceptível de abalar o princípio da protecção da confiança, já que: i) A Lei nº 62/2011 não alterou substancialmente o regime dos artigos 19º, 25º e 179° do Decreto-Lei nº 176/2006, mas apenas ratificou uma das interpretações que deles defluía, precisamente a que mais se afeiçoava à sua letra e ao seu escopo como norma de transposição fiel de uma Directiva da União Europeia,não se podendo falar em alteração e muito menos em "mutação na ordem jurídica" contida na lei nova (Ac 556/2003 do TC); ii) As expectativas da Recorrente quanto à subsistência da interpretação que a mesma extraía das referidas normas do Decreto-Lei nº 176/2006, e que foi posta em causa pela solução interpretativa contrária ínsita na Lei nº 62/2011, não poderiam ter-se como legítimas e dignas de tutela, na medida em que: não se encontravam consolidadas; eram afrontadas por soluções interpretativas opostas aplicadas em juízo; contrariavam o direito europeu; não receberam por parte do Estado qualquer expectativa de manutenção; e suporiam o seu muito previsivel questionamento, atentas as obrigações internacionais do Estado decorrentes da cláusula nº 3.62 do "Memorando de Entendimento"; iii) A existência de duas correntes jurisprudenciais opostas, portadoras de interpretações divergentes, reclamaria sempre, à luz da segurança jurídica do ordenamento e da própria tutela da confiança dos particulares, a adopção de uma< única solução normativa a fixar mediante decisão de uniformização jurisprudencial ou por acto legislativo, pelo que, tendo ocorrido esta última solução mediante a fixação de interpretação autêntica, desaba o argumento de que o legislador teria frustrado expectativas da Recorrente, apenas porque legitimamente optou pela solução interpretativa oposta àquela que a mesma sustentava; iv) Tão pouco pode ser reivindicado pela Recorrente que o Estado tenha tolerado ou alimentado as suas expectativas na continuidade da solução interpretativa por si defendida, na medida em que: ao revogar o Decreto-Lei nº 72/91 que transpôs indevidamente a Directiva n.0 65/65/CE e ao eliminar a possibilidade de indeferimento de AIM com fundamento na protecção de patente, o legislador assinalou no Decreto-Lei n.0 176/2006 a sua intenção em pôr em crise essa solução interpretativa; v) A solução interpretativa da Lei n.0 62/2011 não implicou qualquer novidade ou qualquer mutação da ordem jurídica, e muito menos num sentido súbito ou inesperado, atentos os prévios compromissos e obrigações públicas de carácter internacional assumidos pelo Estado Português sobre a matéria. 1) Igualmente, em sentido diverso daquele que a Recorrente alega, a submissão da arbitragem necessária dos litígios relativos a questões que envolvem direitos de propriedade industrial não cria qualquer vazio de tutela jurisdicional, não nega o recurso a uma tutela jurisdicional efectiva e não restringe o acesso ao direito. m) Não cria um vazio de tutela jurisdicional na medida em que a lei remete, directa ou indirectamente, diferentes tipos de litígios para jurisdições diversas, em razão da matéria: i) litígios que tenham a ver com o escopo e objecto do procedimento administrativo da AIM para os tribunais administrativos; ii) litígios respeitantes ao direito de propriedade industrial para jurisdições arbitrais necessárias com a faculdade de recurso para os tribunais cíveis; iii) e crimes decorrentes da violação dos direitos de propriedade industrial para os tribunais criminais. n) Por seu turno, a submissão do litígio à via arbitral necessária não viola o direito de acesso à justiça porque: i) A norma do nº 2 do artigo 209º da CRP inclui explicitamente os tribunais arbitrais como uma de entre as diversas categorias de tribunais e a jurisprudência do Tribunal Constitucional ratifica este entendimento (cfr. Acórdão nº 52/92); ii) Como tal, o acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, na letra e na teleologia do nº 1 do artigo 20° da CRP não se restringe ao universo dos tribunais estaduais, mas abrange todas as categorias de tribunais previstos na Constituição. iii) Integrando os tribunais arbitrais o próprio sistema de justiça, não será inconstitucional, por colisão ou interferência com o principio do acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, uma norma legal que submeta necessariamente à via arbitral um determinado litígio, já que se trata de um dos modos possíveis de exercício desse direito; iv) A Lei sindicada não estabelece uma proibição ou uma restrição à interposição de recurso ordinário da decisão final da instância arbitral para os tribunais estaduais, pois o seu artigo 3° estabelece, ao invés, que da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, o que garante que o acesso aos tribunais judiciais. o) Estima-se, igualmente, que o prazo conferido pelo artigo 3° da Lei n.º 62/2011 ao interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial e que é de 30 dias se revela, pelo menos razoável, não ostentando atributos de exiguidade que possam predicar uma constrição inadmissível no acesso ao direito. p) Finalmente, a questão relativa à pretensa violação do princípio da protecção de confiança derívada da criação da via arbitral necessária só poderia, em tese, vir a colocar-se, se os processos pendentes no foro administrativo e respeitantes a litígios inerentes à garantia da propriedade industrial nos processos de concessão de AIM fossem afectados pela entrada em vigor da lei nova por força da incompetência dos tribunais administrativos para os julgar. q) Tal situação, contudo, não sucede, porque, de acordo com o n.0 1 do artigo 5º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), os tribunais administrativos onde correm acções cautelares e processos principais relativos à matéria da garantia da propriedade industrial nos procedimentos de concessão de AIM e PVP são competentes para proceder ao julgamento dos processos, embora à luz da nova redacção conferida pela Lei nº 62/2011 aos artigos 19º, 25º e 179° do Decreto-Lei nº 176/2006. r) Devem ser, por conseguinte, rejeitados os fundamentos de impugnação do art° 9º conjugado com o artigo 4° da Lei bem como do artigo 2°, com fundamento na sua inconstitucionalidade. s) Por identidade de razão com a argumentação exposta, devem ser rejeitados os argumentos que reclamam a desaplicação das normas dos artigos 7º e 8º da Lei 6212011, com fundamento na sua inconstitucionalidade.». O Contra Interessado ... (Portugal) Unipessoal, Lda, nas contra alegações formulou as seguintes conclusões: «a) Solicitou a Recorrente ao tribunal a desaplicação das normas por ela sindicadas na Lei nº 62/2011, com fundamento na sua inconstitucionalidade, como forma de contornar a ausência de pressupostos justificantes da decretação da providência. b) Inexistem quaisquer fundamentos verosímeis que amparem os argumentos de constitucionalidade invocados, no sentido de ser minimamente objectivável a sua procedência. Assim: i) Não estando o legislador vinculado pelo artigo 62º da CRP da Constituição a assegurar um nível de protecção máximo da patente, sustentado num controlo administrativo prévio da existência de direitos de propriedade industrial a exercer pelo INFARMED no procedimento de concessão da AIM; ii) Logrando a Lei nº 62/2011 garantir aos titulares das patentes, a par de uma garantia jurisdicional efectiva decorrente do disposto do seu artigo 2º e demais legislação (mormente a que prevê a responsabilização civil e criminal da violação do direito de propriedade industrial), um relevante sistema aviso prévio que implica a publicação na página electrónica do INFARMED de todos os pedidos de autorização e registo de introdução de genéricos (artigo 15º-A aditado ao EM pelo artigo 5° da mesma lei); c) O nível de protecção consagrado pela legislação aplicável ao direito de patente resulta ser suficiente e constitucionalmente adequado, não ofendendo o conteúdo da garantia da propriedade privada constante do artigo 62° da CRP. d) Tão pouco surge como defensável que a norma sindicada viabilize a possibilidade de o acto administrativo de concessão da AIM vir a perpetrar uma violação da garantia constitucional do direito de propriedade industrial, bem como a consequente prática de um crime, dado que: i) A AIM, como decorre do EM, com a redacção dada pela Lei nº 62/2011, por si só, mostra-se insusceptível de causar prejuízos ao titular de patente; ii) A lei questionada não configura a AIM como um acto lesivo ou potencialmente lesivo de direitos, já que não existe um nexo de causalidade entre a concessão da mesma AIM e uma hipotética conduta lesiva dos direitos das patentes dos medicamentos de referência por parte do titular da autorização, conduta essa cuja verificação se situa num universo puramente probabilístico; iii) Para a comercialização efectiva do medicamento genérico, o último acto relevante não é sequer a AIM mas o PVP, relativo à fixação do preço do medicamento o qual sendo sequente ao primeiro, funda-se em pressupostos e fins que dele são autónomos. e) Mas mesmo que dúvidas subsistissem sobre a proporcionalidade da opção do legislador quando optou por um nível de protecção da propriedade industrial que não atingiu um grau ou patamar máximo, haverá que considerar que o critério de decisão por aquele adaptado procurou acautelar um regime jurídico balanceado, onde a garantia desse direito teve de ser equilibrada com a garantia de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos. f) A opção compromissária que resulta do EM na sua nova redacção exunda da necessidade de: i) Compatibilizar a garantia do direito de propriedade industrial dos titulares de patentes dos medicamentos de referência, com a liberdade económica e de iniciativa privada dos titulares dos medicamentos genéricos; ii) Evitar que a existência de um controlo preventivo em sede do procedimento da AIM, em benefício dos titulares de patentes dos medicamentos de referência, comprimisse desproporcionadamente a liberdade de iniciativa privada do titular do genérico ao retardar desnecessariamente a sua introdução legal no mercado, a ponto de afectar o núcleo da sua garantia (a qual consistirá em salvaguardar em tempo útil e razoável a comercialização do produto). g) No contexto de ponderação de direitos e interesses que repousam, aliás, na exposição de motivos da lei sindicada, esta procurou também alcançar um ponto de equilíbrio ente o nível de garantia do direito de propriedade industrial já anteriormente adaptado pelo EM e a salvaguarda de outros direitos e valores constitucionalmente protegidos, tais como: i) O imperativo de obstar a que um nível mais intenso da protecção do direito de propriedade industrial, assente num controlo preventivo do requerimento em função da existência de patentes violasse o princípio da igualdade, na medida enque, da introdução desse controlo fossem discriminados negativamente os requerentes da comercialização de genéricos junto do INFARMED, em contraposição com outros requerentes titulares de AIM europeias ou obtidas noutros Estados que teriam a faculdade de efectuar a comercialização da mesma substancia activa em território português, sem terem de se submeter a esse controlo prévio de carácter preclusivo; ii} A necessidade de redução expressiva das comparticipações financeiras do Estado com os medicamentos, como forma de redução impreterivel do défice público num quadro de urgência, de forma a observar exigências imperiosas de equilíbrio financeiro constitucionalmente tuteladas (artigo 105º da CRP). ii) O imperativo de assegurar o cumprimento de obrigações internacionais do Estado nesse domínio, impondo-se elencar, a par das que decorrem das orientações da Medida 3.62 do Memorando de entendimento entre o Estado e o FMI, CE e BCE, (que fixa obrigações internacionais para a República Portuguesa no domínio da remoção de entraves à entrada de genéricos), também as que são impostas pelo direito europeu portador de eficácia directa vertical (mormente o artigo 126° da Directiva 2001/83/CE e o nº 2 do artº 81º do Regulamento nº 726/2004,) de cuja violação decorrente da interpretação sufragada pela Recorrente decorreria a condenação do Estado por incumprimento de direito europeu e a sua responsabilidade civil extracontratual por danos causados; iii) A garantia do direito fundamental dos cidadãos à protecção na saúde ( nº 1 do artigo 64° da CRP) numa situação excepcional de carência de medicamentos em sectores vulneráveis da população, a qual se deve conjugar com a especial obrigação assumida constitucionalmente pelo Estado na "socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentos" ( alínea c) do nº 3 do artigo 64 da CRP). h) A diversa questão de constitucionalidade suscitada, segundo a qual a Lei nº 62/2011, em virtude da conjugação do seu artigo 8° com o artigo 4°, não seria uma verdadeira lei interpretativa, mas uma lei inovadora com carácter retrospectivo e desfavorável que violaria o princípio da protecção da confiança (artigo 2° da CRP) tão pouco merece acolhimento. i) Do artigo 9° da Lei nº 62/2011 extrai-se a existência de uma normação legal genuinamente interpretativa, cuja relação de significado se integra na lei interpretada de acordo com o artigo 13º do CC, com observância da doutrina assente sobre a natureza das normas interpretativas. j) Isto, na medida em que incidiu sobre uma situação controvertida (pautada por um divergência jurisprudencial no TCA Sul) e, ao optar por uma das soluções interpretativas plasmadas na mesma jurisprudência, não excedeu os limites da interpretação nem criou qualquer critério de decisão inovatório que alterasse o espírito da lei antiga. k) Por outro lado, sem conceder, mesmo que fosse reconhecida à norma questionada eficácia retrospectiva "hoc sensu", esta não seria susceptível de abalar o princípio da protecção da confiança, já que: i) A Lei nº 62/2011 não alterou substancialmente o regime dos artigos 19º, 25º e 179° do Decreto-Lei nº 176/2006, mas apenas ratificou uma das interpretações que deles defluía, precisamente a que mais se afeiçoava à sua letra e ao seu escopo como norma de transposição fiel de uma Directiva da União Europeia,não se podendo falar em alteração e muito menos em "mutação na ordem jurídica" contida na lei nova (Ac 556/2003 do TC); ii) As expectativas da Recorrente quanto à subsistência da interpretação que a mesma extraía das referidas normas do Decreto-Lei nº 176/2006, e que foi posta em causa pela solução interpretativa contrária ínsita na Lei nº 62/2011, não poderiam ter-se como legítimas e dignas de tutela, na medida em que: não se encontravam consolidadas; eram afrontadas por soluções interpretativas opostas aplicadas em juízo; contrariavam o direito europeu; não receberam por parte do Estado qualquer expectativa de manutenção; e suporiam o seu muito previsivel questionamento, atentas as obrigações internacionais do Estado decorrentes da cláusula nº 3.62 do "Memorando de Entendimento"; iii) A existência de duas correntes jurisprudenciais opostas, portadoras de interpretações divergentes, reclamaria sempre, à luz da segurança jurídica do ordenamento e da própria tutela da confiança dos particulares, a adopção de uma única solução normativa a fixar mediante decisão de uniformização jurisprudencial ou por acto legislativo, pelo que, tendo ocorrido esta última solução mediante a fixação de interpretação autêntica, desaba o argumento de que o legislador teria frustrado expectativas da Recorrente, apenas porque legitimamente optou pela solução interpretativa oposta àquela que a mesma sustentava; iv) Tão pouco pode ser reivindicado pela Recorrente que o Estado tenha tolerado ou alimentado as suas expectativas na continuidade da solução interpretativa por si defendida, na medida em que: ao revogar o Decreto-Lei nº 72/91 que transpôs indevidamente a Directiva n.0 65/65/CE e ao eliminar a possibilidade de indeferimento de AIM com fundamento na protecção de patente, o legislador assinalou no Decreto-Lei n.0 176/2006 a sua intenção em pôr em crise essa solução interpretativa; v) A solução interpretativa da Lei n.0 62/2011 não implicou qualquer novidade ou qualquer mutação da ordem jurídica, e muito menos num sentido súbito ou inesperado, atentos os prévios compromissos e obrigações públicas de carácter internacional assumidos pelo Estado Português sobre a matéria. 1) Igualmente, em sentido diverso daquele que a Recorrente alega, a submissão da arbitragem necessária dos litígios relativos a questões que envolvem direitos de propriedade industrial não cria qualquer vazio de tutela jurisdicional, não nega o recurso a uma tutela jurisdicional efectiva e não restringe o acesso ao direito. m) Não cria um vazio de tutela jurisdicional na medida em que a lei remete, directa ou indirectamente, diferentes tipos de litígios para jurisdições diversas, em razão da matéria: i) litígios que tenham a ver com o escopo e objecto do procedimento administrativo da AIM para os tribunais administrativos; ii) litígios respeitantes ao direito de propriedade industrial para jurisdições arbitrais necessárias com a faculdade de recurso para os tribunais cíveis; iii) e crimes decorrentes da violação dos direitos de propriedade industrial para os tribunais criminais. n) Por seu turno, a submissão do litígio à via arbitral necessária não viola o direito de acesso à justiça porque: i) A norma do nº 2 do artigo 209º da CRP inclui explicitamente os tribunais arbitrais como uma de entre as diversas categorias de tribunais e a jurisprudência do Tribunal Constitucional ratifica este entendimento (cfr. Acórdão nº 52/92); ii) Como tal, o acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, na letra e na teleologia do nº 1 do artigo 20° da CRP não se restringe ao universo dos tribunais estaduais, mas abrange todas as categorias de tribunais previstos na Constituição. iii) Integrando os tribunais arbitrais o próprio sistema de justiça, não será inconstitucional, por colisão ou interferência com o principio do acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, uma norma legal que submeta necessariamente à via arbitral um determinado litígio, já que se trata de um dos modos possíveis de exercício desse direito; iv) A Lei sindicada não estabelece uma proibição ou uma restrição à interposição de recurso ordinário da decisão final da instância arbitral para os tribunais estaduais, pois o seu artigo 3° estabelece, ao invés, que da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, o que garante que o acesso aos tribunais judiciais. o) Estima-se, igualmente, que o prazo conferido pelo artigo 3° da Lei n.º 62/2011 ao interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial e que é de 30 dias se revela, pelo menos razoável, não ostentando atributos de exiguidade que possam predicar uma constrição inadmissível no acesso ao direito. p) Finalmente, a questão relativa à pretensa violação do princípio da protecção de confiança derívada da criação da via arbitral necessária só poderia, em tese, vir a colocar-se, se os processos pendentes no foro administrativo e respeitantes a litígios inerentes à garantia da propriedade industrial nos processos de concessão de AIM fossem afectados pela entrada em vigor da lei nova por força da incompetência dos tribunais administrativos para os julgar. q) Tal situação, contudo, não sucede, porque, de acordo com o n.0 1 do artigo 5º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), os tribunais administrativos onde correm acções cautelares e processos principais relativos à matéria da garantia da propriedade industrial nos procedimentos de concessão de AIM e PVP são competentes para proceder ao julgamento dos processos, embora à luz da nova redacção conferida pela Lei nº 62/2011 aos artigos 19º, 25º e 179° do Decreto-Lei nº 176/2006. r) Devem ser, por conseguinte, rejeitados os fundamentos de impugnação do art° 9º conjugado com o artigo 4° da Lei bem como do artigo 2°, com fundamento na sua inconstitucionalidade. s) Por identidade de razão com a argumentação exposta, devem ser rejeitados os argumentos que reclamam a desaplicação das normas dos artigos 7º e 8º da Lei 6212011, com fundamento na sua inconstitucionalidade.». O EMMP emitiu parecer a fls. 3233 a 3235, no sentido da improcedência do recurso. Após vistos, vem o processo à conferência. Os Factos Dão-se por assentes, por provados, os seguintes factos, já dados por assentes na decisão recorrida: a) A Autora é uma sociedade dinamarquesa que se dedica, designadamente, à investigação farmacêutica (por acordo); e) A PT 90 845 foi concedida em 12 de Maio de 1994 pelo INPI (Cfr. doce. nº 1PI); d) Consta da Certidão, doe. nº 1 PI, que a patente nº 90 845 é válida até 12 de Maio de 2008. (Cfr. doc nº 1 PI); e) A invenção correspondente à PT 90 845 é protegida pelo Certificado Complementar de Protecção nº 152, concedido pelo INPI em 15 de Setembro de 2003 é válida até 15 de Junho de 2014 (Cfr. doc. nº 3 PI e fls. 1071 e sg. Procº físico); g) Em 24 de Novembro de 2010 foi aprovada a transferência da AIM da sociedade ... , para a sociedade ... {Portugal), tendo a designação do medicamento "Escitalopram Glob" sido alterada para "Escitalopram Aurobindo". h)A presente Acção deu entrada no TAC de Lisboa em 23 de Setembro de 2009 (Cfr. fls. 2 e sg SITAF). Nos termos do artigo 712º, ns.º1 e 2 do CPC, alteram-se e acrescentam-se os seguintes factos provados: b) A Autora é titular da PT 90 845, com o título “Processo para a preparação de novos enantiómeros do citalopram e de composições farmacêuticas que os contém” requerida em 14 de Junho de 1989 pela ... , invocando a patente GB 8814057, de 14 de Junho de 1988. (Cfr. doc nº 1 PI); f) Resulta da informação disponível no site do INFARMED, que foi concedida às Contra-Interessadas autorização para introdução no mercado de diversos medicamentos, contendo como princípio activo o aqui controvertido, conforme documentos de fls. 235 a 252, que aqui se dão como integralmente reproduzidos. i) Em Portugal, a AIM do Cipralez foi concedida à ... em 21.02.2003, sendo a ... titular dessa AIM (cf. doc. de fls. 219 a 234). j) Em 16.04.2007 a ... apresentou no Infarmed um pedido de prestação de informações relativas a pedidos de AIM pendentes, referentes a medicamentos que continham o escitalopram como substância activa, informando o Infarmed de que era titular dos direitos de propriedade industrial em relação ao escitalopram, conforme doc. de fls. 253 a 302 dos autos, que aqui se dão por reproduzidos. l) Na sequência desse pedido em 30.04.2007 o Infarmed emitiu a certidão de fls. 303 a 310, que aqui se dá por reproduzida. m) Em 26.06.2007 a ... requereu ao Infarmed que fosse reconhecida enquanto interessada nos procedimentos de AIM em causa e que lhe fossem garantidos todos os direitos inerentes a essa qualidade, incluindo o direito de audiência prévia, conforme doc. de fls. 311 a 315, que aqui se dá por integralmente reproduzido. O Direito Questões prévias Do efeito do recurso Vem o Recorrente requerer o efeito suspensivo do recurso, nos termos do artigo 143º, n.º 1, do CPTA. Conforme despacho de fls. 3224, o presente recurso foi admitido com efeitos suspensivos. Em causa nestes autos está uma decisão tomada no âmbito de uma acção administrativa especial. Assim, rege aqui o artigo 143º, n.º 1, do CPTA, a regra geral, havendo que fixar-se efeitos suspensivos ao recurso. Mantém-se, por isso, os efeitos suspensivos ao recurso, já fixados por despacho de fls. 3224, nada havendo a alterar. Da invocada preterição do tribunal colectivo Diz o Recorrente que antes do Acórdão proferido, foi prolatada uma outra decisão por juiz singular, ali se preterindo o tribunal colectivo, exigido no artigo 40º, n.º 3, do ETAF, sendo tal decisão nula, devendo os autos baixar para ser o respectivo julgamento de facto e de direito realizado por um «tribunal colectivo». Nestes autos, verifica-se, que após a decisão proferida a fls. 1229 a 1241, por juiz singular, foi interposto recurso da mesma pelo ora Recorrente, foi este convolado e entendido como uma reclamação para a conferência, sendo de seguida prolatado então o Acórdão ora recorrido. Por conseguinte, com a indicada convolação e a prolação do Acórdão recorrido, qualquer nulidade que pudesse ocorrer pela preterição do tribunal em formação de três juízes, ficou sanada, deixando de ter relevância aquela primeira decisão. Do recurso do despacho saneador Vem interposto recurso do despacho saneador, por o Recorrente entender que havia matéria controvertida a apurar, designadamente a que foi alegada nos artigos 7º, 10º, 11º, 16º, 17º e 18º da PI, e que havia de ser determinada a abertura de uma fase de instrução para a audição de prova testemunhal. Porque assim não se procedeu, imputa o Recorrente ao despacho saneador um vício de falta de fundamentação e um erro de julgamento, por se ter violado o princípio do inquisitório e os artigos 265º, n.º 3 e 511º do CPC. Invoca o Recorrente, em abono da sua alegação e da possibilidade de prova testemunhal relativamente a matéria técnica, duas decisões do TCAS. Conforme decorre do despacho saneador de fls. 1229 a 1240 dos autos, ali se conheceu das excepções suscitadas, de incompetência em razão da matéria e de legitimidade activa. Considerou-se naquele despacho, que irrelevavam para o litígio as questões prévias da validade da PT 90845 e do CCP 152, assunto que competia aos Tribunais do Comércio, esclarecendo-se que o «Tribunal não irá analisar materialmente a referida Patente, sem prejuízo de uma eventual e superficial análise incidental». Depois considerou-se que a matéria relativa àquela validade não constituía questão prejudicial, não havendo que suspender a instância. De seguida, julgou-se que eram desnecessárias mais diligências de prova e determinou-se o prosseguimento do processo para alegações, escrevendo-se: «Nos presentes autos, as peças das partes e o Processo Instrutor fornecem já todos os elementos necessários, mostrando-se a prova documental oferecida suficiente, sendo pois desnecessárias quaisquer outras diligências de prova (Artº 90º CPTA)». Com a fundamentação inserta nesse despacho saneador, é perfeitamente compreensível o raciocínio decisório, as questões que foram apreciadas e eram objecto do litígio e as razões de direito que justificaram a decisão. No que concerne à dispensa de mais diligências instrutórias, é indicada a razão – a prova documental ser suficiente – e a norma que permitia tal dispensa - o artigo 90º do CPTA. No caso, está-se frente a uma acção administrativa especial, na qual, face ao preceituado nos artigos 90º a 92º do CPTA, tem necessariamente de se dar a possibilidade às partes de apresentarem alegações antes da decisão final, mesmo quando o juiz considere, no saneador, que não há mais diligências de prova a fazer. Ou seja, contrariamente às regras do processo civil, em que se tem de conhecer obrigatoriamente do mérito da causa no saneador, quando toda a prova já está junta aos autos, nas acções administrativas especiais, mesmo que dos autos já resulte prova bastante para esse conhecimento, está vedado ao juiz conhecer do mérito no saneador (salvo se as partes tiverem dispensado aos alegações facultativas – cf. artigo 510º, n.º 1, alínea b) do CPC, 83º, n.º 2 e 91º, n.º 4, do CPTA). Significa isto, que o juiz após conhecer das excepções e questões prévias suscitadas, pode relegar para a decisão final a selecção da matéria de facto. E nesse saneador o juiz também pode indeferir os requerimentos para a produção de prova quando os considere desnecessários (cf. artigo 90º, n.º 2, do CPTA). O Recorrente vem agora contestar tal decisão, dizendo que importava abrir um período de instrução da causa, com a audição da prova testemunhal que indicou, porque os factos que alegou nos artigos 7º, 10º, 11º, 16º, 17º e 18º da PI eram controvertidos. Aqui, faça-se nota, que as alegações de recurso do Recorrente são contraditórias em si mesmo, com relação aos factos indicados nos artigos 7º, 10º, 11º, 16º e 18º da PI. Isto porque, o Recorrente tanto diz nesta sede que estes factos estavam controvertidos, como diz logo de seguida, quando imputa erro na fixação da matéria de facto ao Acórdão recorrido, que aqueles mesmos factos, insertos em tais artigos, estavam provados através dos documentos n.ºs 1 e 2 anexos à PI. Ora, os factos indicados nos artigos 7º e 17º da PI, podem dar-se por provados com base no documento junto como doc. 1 à PI e referindo-se a um documento e ao seu teor não haviam de ser sujeitos a prova testemunhal. Quanto aos factos indicados em 10º, 11º, 16º e 18º da PI, tratam-se de factos que apenas relevam para a aferição do conteúdo do direito de patente e da sua concreta ou especifica extensão e protecção, matéria que não tinha relevo directo para a decisão a proferir, tal como decorre dessa decisão, que ora será confirmada nesse ponto. Portanto, porque a matéria que se diz só poder ser provada por testemunhas, na verdade, podia ser provada por documentos, que foram juntos, ou então, não relevava para o litígio em apreço, nenhum erro se cometeu no saneador quando se dispensou o requerimento de prova testemunhal apresentado pelo A. e Recorrente. Mais se refira, que matéria relativa ao conteúdo de patentes, prioridades, reivindicações, da inovação ou dos processos de preparação de substâncias farmacêuticas, ou suas composições, é matéria claramente técnica, complexa, que exige especialíssimos conhecimentos técnicos para poder ser respondida. Consequentemente, não poderia a prova de tal matéria ser feita de forma cabal por prova documental e testemunhal. Quanto a estes factos, se controvertidos, a sua prova exigiria também prova pericial. Razões porque improcedem as alegações do Recorrente e os vícios que imputa ao despacho saneador. Do invocado erro na apreciação da matéria de facto Diz o Recorrente que o Acórdão recorrido errou na fixação da matéria de facto, porque a matéria alegada nos seguintes artigos da PI, estava provada pelos seguintes documentos juntos à PI, que não foram impugnados: - artigo 7º - provado pelo doc. n.º 1; - artigos 10º e 11º - provados pelo doc. n.º 2.; - artigos 16º a 18º - provado pelo doc. n.º 1; - artigo 31º - provado pelo doc. n.º 4; - artigo 38º - provado pelo doc. n.º 5; - artigo 39º - provado pelos docs. ns.º 6 e 7; - artigos 40º e 41º - provados pelo docs. ns.º 8 a 11; - artigos 42º a 47º - provados pelo docs. ns.º 12 a 16; - artigos 48º e 49º - provados pelo doc. n.º 14º; - artigo 50º - provado pelo doc. n.º 15; - artigo 51º - provado pelo doc. n.º 16. Relativamente aos factos que alegou nos seguintes artigos da PI, diz o Recorrente que também deviam ter sido dados por provados, porque não foram impugnados: 19º a 23º, 28º a 30º e 32º a 36º. Igualmente, considera o Recorrente, que os factos alegados nos artigos 12º a 15º, 37º e 137º a 139º da PI, relativos à novidade do escitalopram, devem ser considerados provados, pois tratam-se de factos negativos e a sua prova é praticamente impossível, são factos do conhecimento das contrapartes, que não foram impugnados e que a prova desses factos decorre ainda da presunção estabelecida no artigo 98º do CPI. Invoca ainda o Recorrente, que outros factos deviam ter sido dados por provados, relativamente aos quais não explica concretamente as razões de tal alegação, a saber, os indicados nos artigos 30º, 31º, 38º a 95º e 125º e 131º da PI. Nos termos dos artigos 684º-A, n.º 2, e 685º-B, do CPC – aplicável ex vi do art.º 1.º do CPTA, podem as partes, nas respectivas alegações, impugnar a decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto. Mas o artigo 685.º-B, do CPC, estabelece como ónus a cargo da parte que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a necessidade de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. Ora, no que diz respeito ao alegado nos artigos 30º, 31º, 38º a 95º e 125º e 131º da PI, o Recorrente não cumpre minimamente os seus ónus, não explicando quais os concretos meios probatórios que exigiriam decisão diversa da recorrida. Repara-se, também, que na PI é o próprio Recorrente que a subdivide, e bem, em «Factos», que elenca nos artigos 1º a 95º, e «Enquadramento legal», que é indicado nos artigos 96º a 229º da PI. Portanto, com relação ao alegado nos artigos 125º e 131º, que o Recorrente diz não ter sido tomado em consideração na decisão recorrida, verifica-se, que é o próprio Recorrente que os indicou não a título de factos, mas antes de direito. Ora, o artigo 125º é claramente conclusivo e encerra matéria de direito. Quanto ao artigo 131º é uma mera conclusão ou um juízo de valor do próprio A. e Recorrente. Tais alegações nunca poderiam ser levadas a factos, porque o não são. No que diz respeito aos artigos 30º, 31º e 38º a 89º da PI, encerram factos, mas tais factos são relativos ao conteúdo do direito de patente, sua amplitude de protecção, novidade, ou são relativos a decisões tomadas pelos tribunais administrativos em outras acções que nada tem a ver com a ora em apreciação, salvo na similitude de assuntos tratados. Portanto, mesmo que houvesse sido concretamente indicada a prova destes factos pela Recorrente neste recurso, os mesmos não se mostrariam necessários para a apreciação do litígio. Os factos indicados nos artigos 90º a 92º da PI, referem-se à acção cautelar de que esta acção é principal e também não relevavam para a decisão aqui a tomar. Quanto ao alegado nos artigos 93º a 95º da PI, é matéria conclusiva e de direito, não se reconduzindo a puros factos da vida. No que diz respeito ao alegado no artigo 7º da PI, é verdade que está provado pelo doc. 1º junto à PI. No artigo 7º da PI indicou-se o seguinte: «A ... é titular da Patente PT 90845 com o título “Processo para a preparação de novos enantiómeros do citalopram e de composições farmacêuticas que os contém” (“PT 90845” ou “Patente”) certidão emitida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (“INPI”) (cf. doc. nº1). Na decisão recorrida o facto alegado neste artigo 7º foi só parcialmente considerado na alínea b) dos factos provados. Porém, tem interesse para o litígio a indicação do título da patente, desde logo porque o próprio título releva para se compreender de que se trata o litígio de uma patente de processo de um produto farmacêutico que Recorrente se diz titular. Assim, nesta parte, procede a reclamação à matéria de facto e acrescentou-se ao facto b) o que resultava alegado no artigo 7º da PI e estava provado pelo doc. 1º, por ser manifesto que aquele era o título da patente. Quanto aos factos indicados nos artigos 10º, 11º e 18º da PI, são relativos às prioridades da patente, descrição do escitalopram e conteúdo das reivindicações, portanto, tratam-se de factos relativos a matéria técnica complexa, que exige especialíssimos conhecimentos na área farmacêutica e industrial. Consequentemente, face à matéria em causa, a prova destes factos, para além de documental e testemunhal, sempre exigiria, ainda, prova pericial. Quanto a doc. n.º 2 para o qual o A. remete para a prova dos factos alegados nos artigos 10º e 11º da PI, é um documento em inglês, que o A. não juntou tradução, que tem o título «European Patente Application». E lido tal documento, do mesmo não se retira de forma inequívoca a prova dos factos alegados em 10º e 11º da PI. O documento n.º 1 é todo o processo de patente de invenção n.º 90845, sem qualquer outra especificação, que se alonga de fls. 64 a 125, que é composto por um relatório de exame do INPI, dois documentos em inglês intitulados «European Patente Application», um requerimento entregue pelo A. no INPI e datado de 14.06.1989, para que lhe seja concedida a patente, um «resumo», fotocópias de despachos diversos do INPI, fotocópias de vários formulários do INPI, fotocópia de um outro requerimento datado de 21.06.1989, um documento que se intitula «Reivindicações», incompleto e uma folha resumo relativa à patente, que inclui um documento com a sua «descrição» e «resumo». Ora, deste processo não se retira de forma clara e expressa o alegado no artigo 18º da PI. Acresce, como antes se disse, que no respeitante às prioridades da patente e descrição do escitalopram, tratam-se de matérias que não relevam para a apreciação do litígio. O alegado no facto 16º da PI, foi levado a factos provados no ponto em b) da decisão recorrida, com fundamento no doc. n.º 1 junto com a PI. Portanto, é totalmente incompreensível a invocação feita neste recurso e relativa a este erro na matéria de facto. O alegado em 31º da PI, para além de não ter relevo para o julgamento a fazer-se, porque se refere à novidade da patente, matéria que aqui não releva, não fica provado pelo doc. n.º 4, que é uma mera listagem sem data, retirada de local que se desconhece, mas que se presume que seja do site do Infarmed (o Recorrente não o indica na PI), relativa ao medicamento «Cipramil», que se indica «revogado», sem mais indicações de datas. O alegado em 38º da PI, estará apenas parcialmente provado pelo doc. n.º 5 junto com a PI, pois dali apenas se retira de forma clara que foi registado a favor da H. ... sueca, na Agência do Medicamento, em 07.12.2001, um medicamento com o nome cipralex. Mas nada se pode concluir quanto à primazia da AIM, pois esse documento não o diz. Note-se, ainda, que o indicado documento está escrito parcialmente em português e em inglês, mas noutra parte em sueco, e o Recorrente não juntou a necessária tradução. Não obstante, também esta matéria não relevava para o litígio, pois referir-se-á à prioridade e primazia da patente, que aqui não se mostra necessária averiguar (nem competiria aos tribunais administrativos tal averiguação). O mesmo ocorre com o alegado em 39º da PI, que é relativo à novidade do escilopram, que é uma matéria que aqui não importava aferir. Já no que diz respeito ao alegado em 40º e 41º da PI, artigos relativos à concessão ao A. e Recorrente de AIM para o medicamento cipralex, terá interesse para o litígio, já que é com base nessa concessão e na detenção da patente e do CCP, que o A. invoca a sua qualidade de interessado, porque directamente prejudicado com os actos de AIM e de fixação de PVP, que ora quer ver declarados nulos ou anulados. Assim, fez-se a alteração da matéria de facto correspondente, pois dos documentos juntos à PI como docs. 8 a 11, de fls. 219 a 234, retira-se, que em Portugal, a AIM do cipralez foi concedida à ... em 21.02.2003, sendo a ... titular dessa AIM. Mas daqueles documentos nada se retira quanto à data em que o medicamento foi lançado no mercado. Portanto, nessa parte nada se pode alterar. No que diz respeito ao alegado em 42º a 47º da PI, foi levado a factos na decisão recorrida em f). Porém, ali remeteu-se para os documentos de fls. «158 e sg», certamente por lapso, pois tais documentos nada tem a ver com o facto que se deu por provado. Porque se verificou tal lapso, corrigiu-se agora aquele facto, que comporta o alegado em 42º a 47º da PI. O alegado em 48º e 49º da PI, não está provado pelo doc. n.º 14 à PI, pois este documento é relativo à AIM concedida às Contra interessadas e nada tem a ver com o pedido referido naqueles artigos. Esse pedido consta em fotocópia do doc. n.º 17, anexo à PI, a fls. 253 a 256. Porque tem relevo para o litígio a invocação da qualidade interessada no procedimento administrativo e das respectivas intervenções nesse procedimento, não obstante o erro do Recorrente no que se refere ao documento concreto que suportava a prova do alegado, alterou-se a matéria de facto, neste ponto. O mesmo ocorre no que se refere ao alegado em 50º da PI, onde também o Recorrente erra na remissão para o doc. n.º 15, que nada tem a ver com a certidão passada, que foi junta à PI como doc. n.º 18, a fls. 303 a 310. Porque o alegado em 50º da PI tem interesse para o litígio e para se aferir da invocação da qualidade de interessada no procedimento administrativo de concessão dos AIM, alterou-se a matéria de facto. Mas porque o Recorrente remete para um concreto documento que nada prova, entendeu-se que tal remissão só poderia ter ocorrido por lapso e que o documento correspondente era o junto como doc. n.º 18, de fls. 303 a 310. O mesmo ocorre com o alegado em 51º, em que também se remete para o doc. n.º 16, que nada tem a ver com o facto a provar. O documento correspondente será o 19, junto de fls. 311 a 315. O alegado em 19º a 23º, 28º a 30º e 32º a 36º da PI, é matéria relativa ao conteúdo do direito de patente, sua amplitude de protecção e novidade, matéria que, como acima se disse, não releva para estes autos. Tal matéria também é impugnada pelas contrapartes, que se opõe à invocada novidade ou à violação da patente do A. e Recorrente. Ou seja, os factos inclusos naqueles artigos não haveriam de constar da matéria assente, por provada. O mesmo ocorre com os indicados nos artigos 12º a 15º e 37º da PI, que se referem ao conteúdo do direito de patente, sua amplitude de protecção e novidade. Já no que diz respeito ao alegado nos artigos 137º a 139º da PI, é matéria conclusiva e não se reconduz a puros factos da vida. Ou seja, no que se refere ao recurso da matéria de facto, procede parcialmente, pelo que se alterou a matéria assente e se acrescentou outra, conforme o alegado nos artigos 7º e 40º a 51º da PI. Da decisão do recurso Considera o Recorrente que o Acórdão recorrido errou porque o Infarmed estava obrigado a aferir do processo de produção dos medicamentos a que foram atribuídas AIM e a verificar da não violação dos direitos de patente. Diz o Recorrente, que esse é o entendimento dos tribunais administrativos, tal como decorre das decisões de menciona concretamente e de que juntou cópia, do TAF de Sintra e do TSAS, que consideram que a não aferição da violação dos direitos de patente pelo Infarmed, antes de conceder AIM, viola os direitos fundamentais de patente. Alega o Recorrente, que a atribuição dos AIM em apreço lesa o seu direito de patente, um direito fundamental de natureza análoga, que o Infarmed estava obrigado a proteger. Invoca o Recorrente, que o Infarmed ao conceder as AIM permitiu a prática de um crime, correspondente à comercialização de medicamentos em violação dos seus direitos de patente. E consequentemente a fixação dos PVP padece das mesmas invalidades. Afirma o Recorrente, que tal obrigação decorre também dos artigos 8º, n.º 1 a 4, 19º, n.º 8, 23º- A, n.ºs 1 e 2, 25º, n.º 2, 179º, nº 2, do Estatuto do Medicamento (EM) e que entendimento diferente implica uma interpretação inconstitucional, por violação dos artigos 17º, 18º, 62º, n.º 1 e 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Portanto, diz o Recorrente, que a interpretação daquelas normas feita na decisão sindicada é inconstitucional, devendo ser afastada a aplicação dessas normas. Aduz ainda o Recorrente, que é inconstitucional a interpretação que foi feita pela Lei n.º 62/2011, de 12.12 e aplicação desta, feita na decisão sindicada. Vejamos. A presente questão desde finais de 2008 que tem sido alvo de inúmeras decisões que foram sendo tomadas em 1º instância, em sede de providências cautelares em sentidos divergentes. Entretanto, interpostos recursos dessas decisões para o TCAS (tomadas pelo TAC de Lisboa e pelo TAF de Sintra), foi adoptada uma jurisprudência maioritária por banda deste tribunal superior, que entendia deverem as providências proceder porque a concessão de AIM e a subsequente fixação do PVP, em si mesmas, implicavam a violação do direito de patente, de forma irreparável e estrutural, havendo que se acautelar tal violação, designadamente pelo Infarmed e pelo MEI. Não obstante esta jurisprudência maioritária do TCAS, a 1º instância nem sempre a foi seguindo, mantendo-se a decidir em sentido divergente, até que, actualmente, essa divergência era praticamente a regra. Bastará atentar nas dezenas de decisões que constam da base de dados da DGSI sobre esta matéria – conforme, aliás, é elencado pelas partes - para se concluir que desde 2008 as decisões divergiam em sede de processos cautelares, passando, depois, a 1º instância a indeferir maioritariamente os pedidos cautelares e as suas decisões a serem revogadas pelo TCAS. Neste sentido, veja-se o teor do parecer de Oliveira Ascensão e Paulo Otero, junto a fls. 1542 a 1635 destes autos, datado de Maio de 2009, que a fls. 46 a 52, refere e analisa a jurisprudência divergente, então já proferida sobre a matéria. Ostentando estas divergências jurisprudenciais, vejam-se, entre muitas, antes da entrada em vigor da Lei.º 62/2011, de 12.12, as decisões publicadas em www.dgsi.pt, do TCAS n.º 8055/11, de 10.11.2011, que confirmou a decisão do TAC de Lisboa, de improcedência dos pedidos cautelares, com um voto de vencido; n.º 7938/11, de 22.09.2011, que revogou a decisão do TAC de Lisboa, de improcedência dos pedidos cautelares; n.º 7706/11, de 08.09.2011, que revogou a decisão do TAF de Sintra, de improcedência dos pedidos cautelares; n.º 7591/11, de 04.08.2011, que revogou a decisão do TAC de Lisboa, de procedência dos pedidos cautelares; n.º 7053/10, de 30.06.2011, que confirmou a decisão do TAC de Lisboa, de improcedência dos pedidos cautelares, com duas declarações de voto; n.º 6225/10, de 02.06.2010, que revogou a decisão do TAC de Lisboa de improcedência dos pedidos cautelares (proferida no proc. n.º 2349/09.8BELSB, datada de 06.02.2010, então prolatada pela ora relatora deste acórdão, na qual já se dava conta da jurisprudência então dominante no TCAS e de que não se iria acatar tal jurisprudência); n.º 4534/08, de 18.12.2008, que confirmou a decisão do TAC de Lisboa, de improcedência dos pedidos cautelares, com um voto de vencido; n.º 3993/08, de 06.11.2008, que revogou a decisão do TAF de Sintra, de improcedência dos pedidos cautelares, com um voto de vencido; ou n.º 3165/07, de 14.02.2008, que revogou a decisão do TAF de Sintra, de improcedência dos pedidos cautelares. Também neste sentido, para além das dezenas de arrestos indicados pelas partes nas suas peças processuais (nomeadamente nas folhas 39, 40, 48, 49, 52, 59, 83, 84 e 85 deste recurso, de fls. 41 das contra alegações da Contra interessada Lannacher e de fls. 41das contra alegações da Contra interessada Aurobindo), vejam-se, o arresto junto a fls. 764 a 783, do TCAS, datado de 28.02.2008, com um voto de vencido, que manteve a decisão do TAF de Sintra que indeferiu o pedido cautelar formulado para que o Infarmed se abstivesse de conceder a AIM; o junto a fls. 1437 a 1486, proferido pelo TCAS no p. 7302/11, datado de 01.06.2001, que revogou a decisão do TAC de Lisboa, que não havia decretado a suspensão de eficácia das AIM concedidas e a decretou conhecendo em substituição, determinando ainda ao MEI a obrigação de se abster de fixar os PVP; o junto a fls. 2638 a 2663, proferido pelo TCAS no p. 7665/11, de 01.06.2011, que tal como o acórdão antes referido também revogou a decisão do TAC de Lisboa; o junto a fls. 2194 a 2221, do TAC de Lisboa, datado de 28.02.2011, que indefere o pedido cautelar formulado para que o Infarmed se abstivesse de conceder a AIM e o MEI se abstivesse de fixar os PVP. Também foram sendo apresentadas as correspondentes acções principais, que não obtiveram uma resposta idêntica pelos vários tribunais, havendo decisões nas quais se julgou estar obrigado o Infarmed e o MEI a verificar dos direitos de patente em sede de procedimentos de AIM e de fixação de PVP, e outras, que foram julgadas no sentido contrário. Veja-se, a este propósito, as decisões juntas aos autos a fls. 1378 a 1405 do TAF de Sintra, datada de 12.02.2009, relativa a uma acção principal, uma AAE, onde se declarou a nulidade dos actos de AIM e condenou-se o MEI a abster-se de fixar os PVP; igualmente, veja-se a decisão junta a fls. 1406 a 1436, de 21.04.2011, também relativa a uma AAE, que condenou no mesmo sentido da acção anterior. Nas decisões publicadas em www.dgsi.pt, encontramos ainda o Ac. do TCAS n.º 6800/10, de 14.07.2011, que revogou a decisão do TAF de Sintra, tomada em sede de um processo principal, onde se julgara a improcedência dos pedidos de declaração de nulidade ou de anulação das AIM, decisão revogada pelo TCAS, que anulou aqueles actos de AIM e de fixação do PVP. Das decisões divergentes do TCAS, tomadas em sede de procedimentos cautelares, foram sendo apresentados recursos de revista que não foram admitidos pelo STA (cf., entre muitos, os Acs. n.º 252/11, de 12.05.2011, n.º 594/10, de 09.09.2010, n.º 28/09, de 22.01.2009, n.º 0932/08, de 05.11.2008, n.º 775/08, de 02.10.2008, n.º 776/08, de 02.10.2008, n.º 649/08, de 11.09.2008, ou n.º 988/08, de 19.11.2008, todos em www.dgsi.pt). É neste quadro em que a jurisprudência está dividida, que surge a Lei n.º 62/2011, de 12.12, que veio interpretar os artigos 19º, 25º e 179º do EM. E em 09.01.2013 é prolatado o Ac. do STA, n.º 771/2012, que em formação alargada, considerou que, já antes da entrada em vigor da Lei n.º 62/2011, de 12.12, o ordenamento legal não exigia que o Infarmed ou o MEI, antes da concessão das AIM ou da fixação de PVP, averiguassem da violação de eventuais direitos de propriedade industrial. Nesse Acórdão é entendido designadamente o seguinte: «O regime jurídico a que obedece a AIM dos medicamentos para uso humano é estabelecido no já referido EM (art. 1/1), aprovado pelo DL 176/2006, de 30.8, que procedeu à transposição para o direito interno, designadamente da Directiva nº 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (nº 2). Como decorre do regime jurídico estabelecido nessa Directiva nº 2001/83/CE, designadamente os arts 10 (Artigo 10. 1.: «Em derrogação da alínea e) do nº 3 do artigo 8º e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos e clínicos se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que seja ou tenha sido autorizado nos termos do artigo 6º há, pelo menos, oito anos num Estado-Membro ou na Comunidade. Os medicamentos genéricos autorizados nos presentes termos só podem ser comercializados 10 anos após a autorização inicial do medicamento de referência.…».) , nº 1 e 10-A (Artigo 10-A: «Em derrogação da alínea i do nº 3 do artigo 8 e sem prejuízo das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial, o requerente não é obrigado a fornecer os resultados dos ensaios pré-clínicos ou clínicos se puder demonstrar que as substâncias activas do medicamento têm tido um uso médico bem estabelecido na Comunidade desde há, pelo menos, 10 anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável nos termos das condições previstas no Anexo I. Neste caso, os resultados desses ensaios são substituídos por bibliografia científica adequada».) (red. da Diretiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março), o legislador comunitário não fez depender a concessão de AIM da caducidade dos direitos de propriedade industrial. Antes se limitou a ressalvar que a regulamentação, que estabeleceu – com o objectivo principal de protecção da saúde pública, conforme refere um dos considerandos (nº 4 (Considerando nº 4: «Toda a regulamentação em matéria de fabrico e distribuição de medicamentos para uso humano deve ter como objectivo principal a saúde pública. Todavia, este objectivo deve ser atingido por meios que não prejudiquem o desenvolvimento da indústria e o comércio de medicamentos na Comunidade.».)) da referida Directiva nº 2004/27/CE – não prejudica o disposto nas leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial. E, em conformidade com esse regime, também o EM se limita a consagrar a ressalva de que a comercialização do medicamento genérico autorizado será feita «no respeito pela lei» [arts. 29/1/a), 77/1 e 14/4], sem exigir, como condição de concessão de autorização, a caducidade dos direitos de propriedade industrial incidentes sobre medicamentos. Veja-se o que, na transposição dos citados arts 10 e 10-A da indicada Directiva nº 2001/83/CE, dispõem os arts 19 (Artigo 19º (Ensaios): 1 – Sem prejuízo dos direitos da propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na alínea i do nº 2 do artigo 15º se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que tenha sido autorizado num dos Estados membros ou na Comunidade, há pelo menos oito anos. 2 – …) e 20 (Artigo 20º (Uso clínico bem estabelecido): 1 – Sem prejuízo dos direitos de propriedade industrial, o requerente fica dispensado de apresentar os ensaios pré-clínicos e clínicos previstos na línea i do nº 2 do artigo 15º se puder demonstrar que as substâncias activas do medicamento têm tido um uso clínico bem estabelecido na Comunidade Europeia há, pelo menos, dez anos, com eficácia reconhecida e um nível de segurança aceitável, nos termos das condições previstas no anexo I. 2 – …) do mesmo EM. Do mesmo modo, tanto o art. 15, que indica os elementos que devem acompanhar o requerimento de concessão de AIM, como o art. 25 do mesmo EM, que indica os casos em que tal requerimento será indeferido, não fazem qualquer menção a eventuais direitos de propriedade industrial. O que tudo conduz à conclusão de que, diferentemente do que pretendem as recorrentes, tais direitos não têm que ser considerados no âmbito do procedimento tendente à decisão sobre pedido de AIM de medicamento genérico. Neste sentido, aliás, é decisiva a consideração de que nas atribuições do INFARMED, descritas no art. 3, nº 2, do DL 269/2007, de 26.7, não se inclui a apreciação da eventual existência de direitos de propriedade industrial relativos aos medicamentos a introduzir no mercado. As preocupações aí legalmente deferidas a esse instituto público respeitam às garantias de qualidade, segurança e eficácia dos medicamentos. A promoção e protecção da propriedade industrial estão, pois, fora das atribuições do INFARMED. Tais tarefas integram, aliás, as atribuições do Instituto da Propriedade Industrial (INPI), que «tem por missão assegurar a promoção e a proteção da propriedade industrial a nível nacional e internacional, de acordo com a política de modernização e fortalecimento da estrutura empresarial do País, nomeadamente em colaboração com as organizações internacionais especializadas na matéria, de que Portugal seja membro» (art. 3/1, do DL 132/2007, de 27.4). Sendo ambos dotados de autonomia administrativa e financeira, estes dois institutos públicos, integrados na administração indirecta do Estado (art. 1/1, do DL 269/2007, e art. 1/1, do DL 132/2007), têm missões distintas e, por isso, enquanto um (INFARMED) «prossegue as atribuições do Ministério da Saúde, sob a superintendência do respectivo ministro» (art. 1/2, do DL 269/2007), o outro (INPI) «prossegue atribuições do Ministério da Justiça (MJ), sob superintendência e tutela do respectivo ministro» (art. 1/2, do DL 132/2007). E, assim, tal como ao INPI não cabe «regular e supervisionar os sectores dos medicamentos», da competência do INFARMED (art. 3/1, do DL 269/2007, a este último não cabe promover e proteger a propriedade industrial. Com efeito, nos termos do art. 101 do CPI, a patente confere o direito exclusivo de exploração da invenção (nº 1) e o direito de o seu titular impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados (nº 2). Todavia, o direito de exclusivo não abrange, entre outros, os actos realizados exclusivamente para fins de ensaio ou experimentais, neles se incluindo experiências para preparação dos processos administrativos necessários à aprovação de produtos pelos organismos oficiais competentes, de acordo com o disposto nos termos do art. 102, al. c) do mesmo código. Por isso – e como bem salienta, no seu transcrito parecer o Exmo Magistrado do Ministério Público – a prática destes actos, sendo livre, não integra a previsão do ilícito de violação do exclusivo da patente, previsto no art. 321 do CPI. Assim, ao titular da patente apenas assiste o direito de impedir o início da comercialização do medicamento, enquanto a sua patente não caducar. Mas já não pode impedir terceiros de iniciar o procedimento tendente à obtenção de AIM nem impedir que a mesma seja concedida ou que seja fixado PVP do medicamento em causa. Pois, como as próprias recorrentes admitem, tais actos não configuram, designadamente a introdução no comércio de um produto protegido por patente. De resto, no referenciado DL 176/2006 (EM), é clara a distinção entre a concessão de AIM, da competência do INFARMED (Cap. I – arts. 14 a 54) e a comercialização de medicamentos (Cap. IV – arts 77 a 103), da exclusiva responsabilidade do titular da AIM, que «assume todas as responsabilidades legais pela introdução no mercado, no respeito pela lei» [art. 29/1/a)]. No mesmo sentido é a disposição do art. 14 do mesmo EM, com que se inicia a Secção I do referido Capítulo II, relativa ao «Procedimento de autorização», onde logo se estabelece que a respectiva concessão «não prejudica a responsabilidade, civil ou criminal, do titular da autorização de introdução no mercado ou do fabricante». Assim, a eventual existência de patente, em favor de terceiro, legalmente impeditiva da comercialização do medicamento autorizado, que o titular da AIM se propusesse iniciar, originaria um dissídio, que o titular dessa AIM e o terceiro eventualmente dirimiriam no foro próprio, sem interferência do INFARMED. Tenha-se presente que, nos termos do CPI, a violação do exclusivo de patente configura ilícito criminal (art. 321 (Artigo 321º (Violação do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores): É punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias, quem, sem consentimento do titular do direito: a) Fabricar os artefactos ou produtos que forem objecto da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores; b) …)), podendo o titular da patente impedir essa violação através de adequadas providências cautelares, conforme prevê o mesmo CPI (art. 339 (Artigo 339º (Providências cautelares não especificadas): Nos casos em que se verifique qualquer dos ilícitos previstos neste Código e sempre que finalidade não seja, exclusivamente, a apreensão prevista no artigo seguinte, podem ser decretadas providências cautelares, nos termos em que o Código de Processo Civil o estabelece para o procedimento cautelar comum.)). Em suma: de acordo com um princípio de especialidade de competências, cabe ao INPI a protecção e promoção da propriedade intelectual, cabendo ao INFARMED o controlo da qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos. Daí que esta entidade, no processo tendente à concessão das impugnadas AIM’s, não tivesse de considerar a existência de direitos de propriedade industrial, designadamente os invocados pelas ora recorrentes. As quais, por isso, não tinham, relativamente àquele procedimento e às decisões de AIM, nele tomadas, a qualidade de interessado nem, por consequência, o direito de audiência, nos termos do citado art. 100 CPA. Em sentido contrário ao deste entendimento, as recorrentes alegam que os invocados direitos de propriedade industrial são direitos fundamentais de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias e, como tal, com protecção acrescida ao nível da própria Constituição, a cujas normas está directamente vinculada a Administração Pública que, por isso, não poderia deixar de considerar, no âmbito daquele procedimento de concessão de AIM’s, tais invocados direitos, prevenindo e reprimindo a respectiva violação. Mas, não colhe essa alegação. Desde logo, e como já se referiu, a AIM, sendo pressuposto jurídico essencial para a entrada do medicamento no mercado, não consubstancia um acto de comercialização desse mesmo medicamento, não se traduzindo, por isso, em qualquer violação do exclusivo conferido pela patente. Nem dele resulta – acrescente-se, agora – a obrigação, para o respectivo titular, de iniciar tal comercialização. Pois que, como bem nota o Exmo Magistrado do Ministério Público, a não comercialização, na vigência de patente, é imposta por lei e não relevará, por isso, para efeito da sanção de caducidade da autorização, prevista no art. 77 (Artigo 77º (Regime de comercialização): 3 – A não comercialização efectiva do medicamento durante três anos consecutivos, por qualquer motivo, desde que não imposto por lei ou por decisão judicial imputável ao INFARMED ou por este considerado como justificado, implica a caducidade da respectiva autorização ou registo, após a notificação prevista no nº 3 do artigo seguinte.), nº 3 do EM. Depois, e como refere um Autor (Prof. J. J. Gomes Canotilho, in parecer jurídico junto ao processo nº 888/12, desta 1 ª Secção.) – para concluir também que, na vigência do EM com a redacção anterior às alterações introduzidas pela Lei 62/2011, de 12.12, não pertencia ao INFARMED o controlo dos direitos de propriedade intelectual, mas apenas o controlo relativo às qualidades médico-terapêuticas dos medicamentos – «o simples facto de o INFARMED não poder violar direitos fundamentais de propriedade intelectual não constitui, só por si, uma forma atributiva de competências concorrentes com as do INPI no controlo do respeito pelos direitos exclusivos resultantes das patentes. É que – prossegue o mesmo Autor – o facto de toda a Administração estar sujeita à lei e aos direitos fundamentais não significa que todos os órgãos administrativos sejam igualmente competentes na totalidade das matérias respeitantes à regulação e ao controlo do exercício dos diferentes direitos fundamentais. Isto mesmo decorre do artigo 3º/1 do Código de Procedimento Administrativo, onde se consagra o princípio da legalidade. De acordo com esta disposição, “ [o]s órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.” A exigência de obediência à lei – conclui o mesmo Autor – não constitui, em si mesma, uma norma genérica de atribuição de competências para o controlo de todas as ilegalidades, à margem das próprias normas legais definidoras de competências e das considerações de adequação institucional e funcional que lhes estão subjacentes.» E a improcedência da alegação das Recorrentes, quanto à pretendida invalidade dos impugnados actos de AIM, estende-se à parte em que nela se defende a ilegalidade do acto de fixação de PVP dos medicamentos em causa. Desde logo, vale para este acto o essencial do que antes se afirmou quanto à AIM. Pois que também nenhuma dúvida existe de que tal acto, atento o seu tipo legal, sentido e alcance, nada tem a ver com a defesa de direitos de propriedade industrial titulados por patente. Veja-se, a este propósito, o então vigente DL 65/2007, de 14.3, máxime os seus arts. 2, al. b), 4, 5 e 6, bem como a Port. 312-A/2010, de 11.6. Depois, porque, como notou o acórdão recorrido, a condenação da DGAE a abster-se de fixar tais PVP’s decorreu, exclusivamente, da invalidação das AIM’s, não podendo vingar na ausência dela. Do exposto resulta claro, em nosso entender, que, mesmo na ausência da Lei 62/2011, de 12.12, deveria ser julgada improcedente a acção proposta pelas ora recorrentes. E, com a publicação e vigência desse diploma, em que directamente se baseou o acórdão recorrido, mais clara e indiscutível se tornou, a nosso ver, essa improcedência. Com efeito, a Lei 62/2011 veio, para além do mais, modificar o já referenciado DL 176/2006, de 30.8, de modo a definir que a AIM de um medicamento é um acto que não pode nem deve considerar quaisquer «direitos de propriedade industrial» (cfr. arts. 4 e 5, enquanto redactores dos actuais arts. 25, nº 2, 179, nº 2 e 23-A, do DL 176/2006). E, ex vi do art. 9, nº 1 da mesma Lei 62/2011, foi atribuída «natureza interpretativa» à sobredita definição. Ora, «A lei interpretativa integra-se na lei interpretada» (art. 13°, n.º 1, do Código Civil). Sendo assim, é presentemente indiscutível a improcedência da alegação das recorrentes de que são inválidas as impugnadas AIM’s, por desconsideração do seu direito de propriedade industrial. Pois o INFARMED, ao emitir a AIM sem considerar a patente invocada nos autos, agiu secundum legem – como já resultava das suas atribuições e agora se confirma pela interpretação autêntica, que a Lei 62/2011 deu às normas então aplicáveis. E, do que antes já expendemos, resulta que uma tal solução não fere quaisquer princípios ou normas constitucionais. As recorrentes alegam, ainda, que o indicado art. 9°, n.º 1, da Lei 62/2011, é inconstitucional por conferir retroactividade a normas que restringiriam direitos, liberdades e garantias (art. 18°, n.º 3, da CRP). Mas, sem razão. Antes de mais, importa reter que a «natureza interpretativa» das leges novae trazidas pela Lei n.º 62/2011, relacionada com a desconsideração de patentes na emissão de AIM's, é insusceptível de controvérsia. É que tal índole interpretativa, para além de afirmada expressis verbis pelo legislador, corresponde à efectividade das coisas, pois que, sobre esse assunto, havia dúvidas manifestadas em duas correntes jurisprudenciais opostas. Sendo assim, aquela «natureza interpretativa» prevista no art. 9, n.º 1, da Lei 62/2011, de 12/12, é real, em vez de furtivamente acobertar uma intenção inovadora e uma simultânea, e dissimulada, cláusula de retroactividade. Por outro lado, as leis interpretativas, embora tendam a vigorar ex ante, não são retroactivas proprio sensu, porque se limitam a fixar um regime já aplicável no passado (Cfr. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, ed. de 1968, pág. 285, em nota.). Por isso mesmo, a proibição constitucional de que se atribua retroactividade a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias (art. 18°, n.° 3) só abrange as leis inovadoras, como este STA já teve a oportunidade de dizer (Vd. o acórdão de 1/7/99, no recurso n.º 44.642.). Quanto às leis deveras interpretativas, a sua retroactividade imprópria está sujeita aos limites previstos no art. 13°, n.° 1, do Código Civil: a salvaguarda dos «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza». Todas essas hipóteses traduzem situações juridicamente estabilizadas, que nada têm a ver com o caso discutido na acção a que respeitam os autos, em que estava em causa aferir da legalidade da AIM, por falta de ponderação da patente. Ora, o que a lei interpretativa indirectamente nos diz é que o INFARMED andou bem ao desconsiderar a patente, pois era assim que a legislação a convocar para a emissão dos impugnados actos devia ser interpretada ab initio. O que, como vimos, implica a improcedência da acção proposta, como decidiu o acórdão recorrido. Portanto, a inconstitucionalidade que as recorrentes atribuem ao art. 9º, n.º 1, da Lei 62/2011 não tem razão de ser. Inseria-se seguramente nas prerrogativas do legislador emitir uma lei interpretativa em matéria controversa. E a emissão de tal lei não fere qualquer direito das recorrentes em sede de propriedade industrial. Pois, seja ou não de reconhecer natureza de direito fundamental ao direito delas à patente, a lei interpretativa, precisamente por sê-lo, não restringiu o direito de propriedade industrial, limitando-se a esclarecer que a consideração e a defesa dele não podem ocorrer no procedimento administrativo de AIM, mas alhures, onde o direito é, aliás, susceptível de uma tutela jurisdicional efectiva, como antes já se viu. Assim sendo, temos que, mesmo antes do surgimento da Lei n.º 62/2011, já deveria entender-se que os pressupostos das AIM's não integravam a consideração de eventuais direitos de propriedade industrial – ideia essa que imediatamente ressaltava das atribuições do INFARMED e era corroborada por outras normas vigentes nesse domínio. Mas, com a Lei n.º 62/2011, dada a interpretação autêntica que ela fez do regime pretérito, tudo isso se tornou mais claro, afastando quaisquer dúvidas, que pudessem persistir.» No mesmo sentido, pronunciou depois o STA em diversos arrestos, nomeadamente nos Acs. n.º 562/13, de 30.04.2013, n.º 1121/12, de 30.01.2013, n.º 771/12, de 09.01.2013 ou n.º 1228, de 17.01.2013 (todos em www.dgsi.pt). Ora, após a publicação da referida Lei n.º 62/2011, de 12.12 e com a prolação do Acórdão do STA n.º 771/2012, 09.01.2013, ficam esclarecidas quaisquer dúvidas que ainda pudessem persistir sobre esta matéria. Consequentemente, a pretensão do A. deste processo e ora Recorrente torna-se manifestamente improcedente, pelo que terá necessariamente de claudicar este recurso. Aliás, mesmo que a indicada Lei n.º 62/2011, de 12.12, não tivesse sido publicada, a sua pretensão também teria de claudicar. Na verdade, da aplicação conjugada dos artigos 6º, 8º, n.º 3, 26º, 118º, 126º, da Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06.11.2001, 10º, n.º2, alínea b) da versão da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.03.2004, 3º, ns.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 269/2007, de 26.07, 14º, n.º1, 15º, 16º, 25º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08 (mesmo se apreciado antes da entrada em vigor da Lei n.º 62/2011, de 12.12), o Infarmed na concessão das AIM não está obrigado – desde logo porque não tem atribuições e competências para tanto – a verificar se para aquele medicamento genérico a introduzir no mercado existe ou não uma patente vigente que protege a substancia activa ou o processo de fabricação. Da mesma forma, entendemos que a simples concessão do AIM não lesa, por si só, os direitos de patente, lesão essa que só se verificará com a posterior comercialização dos medicamentos (cf. neste sentido, J.P. Remédio Marques, Medicamentos Versus Patentes, Estudos de Propriedade Industrial, Coimbra Editora, 2008, págs. 41, 52; 58, 61, 62, 65, 66 e 84 a 80; Maria José Costeira e Maria Teresa Garcia de Freitas, «A Tutela Cautelar. Das patentes de Medicamentos: Aspectos Práticos», Revista Julgar, n.º 8, Maio–Agosto, 2009, Coimbra Editora, págs. 120 a 138). Das Directivas acima referidas e do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, também não decorre a obrigação de instrução do pedido de AIM com a prova da inexistência de patentes que possam ser violadas com a posterior comercialização do medicamento a autorizar a introdução no mercado. Da aplicação conjugada dos artigos 6º, 8º, n.º 3, 26º, 118º, 126º, da Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06.11.2001, 10º, n.º2, alínea b) da versão da Directiva 2004/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.03.2004, 3º, ns.º1 e 2, do Decreto-Lei n.º 269/2007, de 26.07, 3º, n.º1, alínea nn), 14º, n.º1, 15º, 16º, 19º, n.º3 e 25º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, decorre, de forma diferente, que o Infarmed na concessão do AIM não está obrigado a verificar se para aquele medicamento genérico a introduzir no mercado existe ou não uma patente vigente que proteja a substancia activa ou o processo de fabricação. Por conseguinte, não havendo normas que expressamente determinem aquela obrigação do Infarmed, não se apresenta como procedente uma pretensão que invoca uma tal obrigação. Aliás, este entendimento é o que melhor se coaduna com a cláusula ou excepção «Bolar», que visa permitir que um medicamento genérico seja comercializado imediatamente após a caducidade dos direitos de propriedade industrial, o que implica que se possa fabricar, requerer e fazer correr todos os trâmites anteriores àquela comercialização, ainda na vigência dos direitos de propriedade industrial (cf. artigo 37.º, n.º 1, al. a), do CPI). A este propósito, invoca-se, também, o Ac. do TJCE de 16.10.2003, Astrazeneca/Laegemiddelstyrelsen, p. c-223/01, no qual se responderam a várias questões formuladas em sede de reenvio prejudicial, relativas a AIM concedidas no âmbito de um procedimento abreviado, previsto no artigo 4.°, terceiro parágrafo, ponto 8, [segundo parágrafo], alínea a), iii), da Primeira Directiva dos Medicamentos (Directiva 65/65/CEE do Conselho com as suas alterações) e se salientou que o «principal objectivo» desta Directiva era a protecção da saúde pública, concluindo-se naquele Acórdão designadamente o seguinte: «(…) o procedimento abreviado instituído pela disposição em causa, que, desde que preenchidas determinadas condições, dispensa os fabricantes de medicamentos essencialmente similares a medicamentos já autorizados de fornecer os resultados dos ensaios farmacológicos, toxicológicos e clínicos, foi introduzido para permitir a esses fabricantes economizar o tempo e os custos necessários para reunir esses dados e, em conformidade com o quarto considerando da Directiva 87/21, para evitar que os ensaios no homem ou no animal sejam repetidos sem necessidade imperiosa [v., neste sentido, acórdão de 3 de Dezembro de 1998, Generics (UK) e o., C-368/96, Colect., p. I-7967, n.° 4]. 43 Todavia, na determinação das condições exigidas para se poder utilizar o procedimento abreviado, o legislador comunitário também tomou em consideração, como resulta do segundo considerando da Directiva 87/21, os interesses das empresas inovadoras, designadamente ao subordinar esse procedimento à condição de o medicamento de referência estar autorizado há pelo menos seis ou dez anos na Comunidade [v. acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.os 72 e 73]. 44 Por último, importa sublinhar que a Directiva 65/65 deve ser interpretada e aplicada na perspectiva do seu principal objectivo, que é, como resulta do seu primeiro considerando, a protecção da saúde pública [v., neste sentido, acórdãos Generics (UK) e o., já referido, n.° 22, e de 8 de Maio de 2003, Paranova Läkemedel e o., C-15/01, Colect., p. I-0000, n.° 24]. (…) 49 Com efeito, como a disposição em causa deve ser interpretada na perspectiva do principal objectivo da Directiva 65/65, ou seja, a protecção da saúde pública, e, tal como o advogado-geral sublinhou nos n.os 42 e 43 das suas conclusões, em conformidade com a forma como se encontra redigida na maior parte das versões linguísticas, há que considerar que o legislador comunitário, através da utilização do presente do indicativo, pretendeu exigir que a AIM do medicamento de referência ainda esteja em vigor, pelo menos, na data da apresentação do pedido de AIM para o medicamento genérico. (…) 51 Com efeito, esta interpretação revela-se a mais adaptada à economia e à letra dos artigos 4.° e 5.° da Directiva 65/65: o artigo 4.° refere-se apenas às condições que o pedido de AIM deve satisfazer e o artigo 5.° prevê que a AIM deve ser recusada se a documentação e as informações apresentadas em apoio do pedido não estiverem conformes às condições fixadas no seu artigo 4.° 52 Além disso, esta interpretação é a que melhor corresponde ao objectivo específico do procedimento abreviado que é, tal como se indicou no n.° 42 do presente acórdão, permitir economizar o tempo e os custos necessários para reunir os resultados dos ensaios farmacológicos, toxicológicos e clínicos e evitar a repetição dos ensaios no homem ou no animal. 53 Esta interpretação não põe em causa o objectivo de protecção da saúde pública prosseguido pela Directiva 65/65. A este respeito, há que recordar que a utilização do procedimento abreviado não pode traduzir-se numa atenuação das normas de segurança e de eficácia que devem satisfazer os medicamentos [v. acórdão Generics (UK) e o., já referido, n.° 22]. Assim, quando as autoridades sanitárias do Estado-Membro a que o pedido se refere considerem, em casos específicos e por razões bem determinadas, que a inexistência de uma obrigação de farmacovigilância por parte do titular da AIM revogada pode pôr em causa a protecção da saúde pública, devem poder adoptar as medidas adequadas, ou seja, se necessário, recusar a utilização do procedimento abreviado para a emissão da AIM de um medicamento genérico » (cf o citado Acórdão em http://eur-lex.europa.eu). No mesmo sentido, veja-se, o artigo 201º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08 e os docs. de fls. 471 a 477 destes autos, da CE, comunicando ao Mutual Recognotion Facilitation Group em 2001 que os AIM nos termos das directivas comunitárias então vigentes, só podiam ser indeferidos com os fundamentos expressamente referidos na Directiva 65/65/CEE, posição reiterada pela CE ao R. Infarmed e ao Representante Permanente de Portugal junto da EU, relativamente à interpretação dada ao artigo 8º da Directiva n.º 2001/83/CE. Veja-se também o relatório da CE de 08.07.2007, publicado em http://ex. europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/índex.html. Na mesma linha, encontramos o Ac. n.º T – 74/00, de 26.11.2002, do Tribunal Europeu de 1º instância, que refere o seguinte: «No âmbito da concessão e da gestão das AIM dos medicamentos, este princípio impõe, em primeiro lugar, que sejam exclusivamente tomadas em conta as considerações respeitantes à protecção da saúde, em segundo lugar, a reavaliação da relação benefício/risco de um medicamento quando dados novos suscitem dúvidas quanto à sua eficácia ou à sua segurança, e, em terceiro lugar, uma aplicação do ónus da prova conforme ao princípio de precaução, implicitamente invocado pela Comissão (v. supra, n.° 165), que é o corolário nomeadamente do princípio da prevalência dos imperativos decorrentes da protecção da saúde sobre os interesses económicos. - Exclusiva tomada em conta das considerações respeitantes à protecção da saúde nas decisões relativas à autorização de medicamentos 175.O princípio geral da prevalência da protecção da saúde pública é expressamente consagrado, no domínio dos medicamentos para uso humano, pelo primeiro considerando da Directiva 65/65 (n.° 2 do preâmbulo do código), que enuncia que qualquer legislação em matéria de produção e distribuição de medicamentos «deve ter como objectivo essencial a protecção da saúde pública», e pelo terceiro considerando da Directiva 93/39 que precisa que, «no interesse da saúde pública e dos consumidores de medicamentos, importa que as decisões de [AIM] de medicamentos assentem exclusivamente em critérios de eficácia, qualidade e segurança, [que] foram amplamente harmonizados pela Directiva [65/65]». 176. Estas disposições confirmam que só devem ser tidas em conta as exigências ligadas à protecção da saúde pública tanto para efeitos de concessão de uma AIM, ao abrigo do artigo 5.° da Directiva 65/65 (artigo 26.° do código), como quando da renovação dessa autorização em aplicação do artigo 10.°, n.° 1, desta directiva (artigo 24.° do código), e no quadro da gestão das AIM em aplicação do artigo 11.° da mesma directiva (artigo 116.° do código). 177. Mais precisamente, atendendo ao primado que assim se atribui à protecção da saúde pública, o titular da AIM de um medicamento, que é válida por cinco anos e é renovável por iguais períodos, segundo o artigo 10.° da Directiva 65/65, não pode reclamar, ao abrigo do princípio da segurança jurídica, uma protecção específica dos seus interesses durante o período de validade da autorização, se a autoridade competente fizer prova bastante de que esse medicamento deixou de satisfazer um dos critérios enunciados no artigo 11.° desta directiva, tendo em conta a evolução dos conhecimentos científicos e os dados novos recolhidos designadamente no quadro da farmacovigilância.» (in http://curia .europa.eu/jurisp). Face ao exposto, teremos de entender que em matéria de concessão de AIM, quer centralmente pelos órgão comunitários (AIM comunitário), quer pelos órgãos nacionais (em Portugal pelo Infarmed), estão as entidades administrativas vinculadas a conferir estas autorizações desde que cumpridos os requisitos indicados na correspondente legislação, antes de mais comunitária e depois, para os órgãos nacionais, desde que cumpridos os requisitos indicados na respectiva legislação (de transposição) nacional. Tais requisitos não visam a defesa ou salvaguarda de outros interesses que não os da segurança e saúde públicas. São na essência estes os interesses que os órgãos que concedem as AIM têm de salvaguardar. Quanto a outros interesses económicos e designadamente os decorrentes de eventuais infracções a um pretenso direito de patente – de produto ou de processo – conforme a citada legislação comunitária e respectiva jurisprudência e recomendações, trata-se de matéria cuja protecção incumbe, em primeira linha, aos interessados particulares visados, a fazer-se através dos competentes tribunais de comércio, com ou sem a adopção de providências cautelares. Essa defesa não cabe aos órgãos nacionais com atribuições em sede de AIM ou de fixação PVP, pois tais competências estão orientadas para a defesa e promoção da saúde pública e não para a defesa dos interesses económicos abrangidos por direitos de propriedade industrial. Pelo exposto, do cotejo das normas aplicáveis, nesta matéria, verifica-se, ao contrário do que o A. e Recorrente defende, que a conduta do R. Infarmed em sede de concessão de AIM é essencialmente vinculada. Está aquela entidade obrigada à emissão das AIM, desde que os pedidos respeitem os determinativos legais, que são os constantes quer das normas comunitárias, quer das normas do direito interno que transpuseram as comunitárias. Tratando-se de uma matéria fortemente marcada pelo direito comunitário e regulada pelas invocadas Directiva n.º 2001/83/CE e Regulamento (CE) n.º 726/2004, a transposição que foi feita para o direito interno através do Decreto-Lei n.º 269/2007, de 26.07 e do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, terá de ser sempre balizada pelo determinado naquelas Directivas, com elas se compatibilizando. Por força do princípio do primado do direito comunitário face ao direito interno nacional, não pode ter-se uma interpretação diferente e que colida com a legislação comunitária. Ora, face ao preceituado nos artigos 10º, n.º1 e 10º-A da Directiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06.11.2001, (que foi transposta para o ordenamento nacional pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08) a concessão de AIM não deve ficar condicionada a qualquer prova da extinção dos direitos de propriedade industrial. A eventual protecção desses direitos não será feita através dos AIM, mas através «das leis relativas à protecção da propriedade industrial e comercial». Na senda deste direito, transpondo-o, o Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, não exige ao Infarmed a verificação da extinção dos direitos de propriedade industrial, mas somente determina e remete para o «respeito pela lei» (que regula e protege a propriedade industrial e comercial), respeito exigido aos requerentes do AIM e na comercialização dos medicamentos (cf. artigos 14, n.º 4, 29.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 176/2006). Do Decreto-Lei n.º 65/2007, de 14.03 e da Portaria n.º 300-A/2007, de 19.03, em vigor à data da prolação dos actos impugnados (depois substituída pela Portaria n.º 312-A/2010, de 11.6), o R. MEI, através da DGAE, também não está legalmente obrigado a verificar, ele mesmo, da violação do direito de patente quando fixa o PVP de um medicamento genérico, pois nenhuma norma a tanto obriga. Aliás, na fixação do PVP de medicamentos genéricos é até admitida por lei a possibilidade de uma autorização tácita, possibilidade que invalida a alegação de que esta entidade teria a obrigação de garantir previamente a tal acto a extinção do direito de patente da A. – cf. artigos 1º, 2º e 4º da Portaria n.º 300/A/2007, de 19.03 (artigos que se mantiveram com o mesmo sentido na subsequente Portaria n.º 312-A/2010, de 11.06). Conclui-se, igualmente, que neste quadro legal nem sequer existe para as entidades públicas e ora RR um especial dever de vigilância quanto à salvaguarda dos direitos de patente do A. A protecção desses direito é remetida por lei apenas para o INPI e para o próprio A., que para tanto se deve dirigir aos Tribunais do Comércio e não aos Tribunais Administrativos. A corroborar este entendimento citamos J.P. Remédio Marques, que refere claramente que o Infarmed «tem o dever de cuidar da segurança, da qualidade e da eficácia dos medicamentos, pelo que lhe cumpre admitir a intervenção procedimental de quaisquer terceiros (titulares de propriedade sobre as substâncias e preparações em apreciação, ou não) cujas pretensões de indeferimento se fundam na falta de eficácia, segurança ou de qualidade dos medicamentos para que se tenha pedido a AIM». A DGAE, órgão do ora R. MEI, «cuida dos interesses económicos dos utentes dos serviços de saúde e do estado e, em segunda linha, das condições económicas que possam colocar um entrave ao acesso aos cuidados de saúde» (cf. do Autor, Medicamentos…, op. cit., págs. 88 e 89). Igualmente, no parecer de Fausto Quadros, junto a fls. 504 a 549 destes autos, datado de 28.12.2007, defende-se, que a leitura do Decreto-Lei n.º 72/91, de 08.02 e do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, conforme com a Directiva n.º 65/65/CEE, de 26.01.1965 e o princípio da aplicabilidade directa dos seus artigos 4º, 5º, 11º e 21º, exige que se entenda que, em sede de procedimentos de fixação de PVP, não se permitia «em caso algum, recusar, suspender ou anular as AIMs com fundamento na eventual não caducidade de patentes». Critica depois este autor a sentença proferida pelo TAF de Sintra, no p. 1098/06.3BESNT, por ter aplicado o primeiro daqueles diplomas, que na data já não estava em vigor e por não ter feito uma interpretação conforme com a indicada Directiva e ter anulado a AIM em causa naqueles autos. Em igual sentido, veja-se o parecer de Remédio Marques, junto a fls. 560 a 637 destes autos, datado de Janeiro de 2008. Também no parecer de Oliveira Ascensão e Paulo Otero, junto a fls. 1542 a 1635 destes autos, datado de Maio de 2009, é afirmado designadamente o seguinte: «A AIM é emitida pelo INFARMED, nos termos do procedimento regulado nos arts. 14 e seguintes do Estatuto do Medicamento. Mas há algo de particular neste caso, que para o legislador é tão importante que o levou a incluir na própria definição de medicamento genérico, constante do art. 2 nn daquele diploma: exige-se que “a bioequivalência com o medicamento de referência haja sido demonstrada por estudos de bioequivalência apropriados”. Há que proceder assim a uma demonstração de bioequivalência em relação ao medicamento de referência. É uma exigência que se traduz numa vantagem, porque isso dispensa o requerente de repetir os ensaios pré-clínicos e clínicos a que foi sujeito o medicamento de referência: provada a bioequivalência, o procedimento anterior aproveita-lhe. O art. 19, sob a epígrafe Ensaios, dispõe que “o requerente fica dispensado de apresentar aqueles ensaios se puder demonstrar que o medicamento é um genérico de um medicamento de referência que tenha sido autorizado num dos Estados-membros ou na Comunidade, há pelo menos oito anos” (n.º 1). O n.º 2 prevê mesmo a solicitação oficiosa pelo INFARMED à autoridade competente doutro Estado-membro da documentação comprovativa. Assim se concretiza o princípio atrás enunciado, que os ensaios clínicos só se devem repetir na medida mínima necessária. Seria um desperdício injustificável de esforço, tempo e risco gerado para o homem, impor a repetição dos ensaios realizados, com os grandes custos que acarretam, os problemas éticos que suscitam (maxime nos medicamentos pediátricos) e a dilação do benefício que o medicamento genérico pode trazer para a colectividade. Com a dispensa do ensaio e experimentação, permite-se que se abrevie e simplifique este procedimento. Há particularmente que salientar que uma proibição de introduzir o processo conducente à AIM seria uma regra teleologicamente vazia, porque não justificada por nenhum interesse fundado na titularidade da patente. O titular, como tal, em nada é prejudicado pelo facto de estar em curso o processo de obtenção de AIM para um medicamento genérico. Aquilo que lhe é garantido pela patente é o exclusivo de exploração até 20 anos após o pedido. O requerimento, o processo e a própria concessão de AIM não lesam a sua situação jurídica. Logicamente, deveria até ser-lhe permitido fabricar e armazenar o medicamento, porque estes actos são instrumentais de um lançamento futuro no mercado e em nada afectam o exclusivo de comercialização que é outorgado ao titular da patente . A obstrução do titular da patente teria por finalidade afastar a concorrência, após a caducidade da patente. Mas o titular da patente não tem então nenhum interesse legítimo, porque a patente, por definição, já se teria extinguido. O que pretende é um efeito extra, contrário ao interesse geral na abertura à livre concorrência quando a patente se extingue e contrário ao interesse individual de quem pretende explorar o medicamento genérico. Isso a ordem jurídica não pode tutelar. Como dissemos, teria todos os traços do abuso do direito. Acresceria até ao fim de trazer prejuízo ao interesse individual ainda o facto de se volver simultaneamente contra o interesse colectivo na instauração, logo que decorrido esse período, de um regime efectivo de livre concorrência. Não se pense porém que com isto a emissão da AIM se torna célere. Mesmo então, é necessário contar com um lapso de tempo considerável. (…) A pretensão de que a vigência duma patente excluiria em absoluto o procedimento da AIM dum medicamento genérico, sem mais, não tem base. A concessão de AIM não atinge em nada o exclusivo de comercialização que é conteúdo da patente. (…) Pretender o contrário seria conceber a patente como um exclusivo cego, sem qualquer justificação teleológica. Não é assim: a patente tem uma bem definida função social, para a qual acena logo o art. 1 do CPI. Não pode ser brandida como arma para tolher interesses colectivos ou prejudicar iniciativas alheias estranhas ao conteúdo de atribuição próprio da patente. Objectar-se-á que a admissão do procedimento ainda durante a vigência da patente permitira que a AIM fosse concedida antes da patente expirar; e consequentemente, que o genérico fosse lançado no mercado em violação da patente do medicamento de referência. A objecção não seria procedente, porque a patente não perderia nada do seu vigor em consequência da emissão da AIM. Os conteúdos são, como vimos, claramente distintos. Concedida ou não AIM, o titular da patente tem sempre a possibilidade abstracta de oposição a terceiros, que é própria de tudo o que é jurídico; bem como a possibilidade efectiva que resulta da natureza absoluta do seu direito, com a consequente proibição erga omnes a terceiros de a infringir. Assim, se o beneficiário da AIM iniciasse a exploração antes de caducada a patente, o titular desta poderia impugná-la nos termos normais, sem nenhuma diferença pelo facto de esse violador ter ou não obtido uma AIM. De novo, a diversidade de objecto entre patente e AIM é decisiva.». No mesmo sentido, vide o parecer de Gomes Canotilho, junto aos autos n.º 8813/12, que correram neste TCAS, em que era Recorrente H. ... , AS e Recorridos, o Infarmed e o MEI, e em causa estava a defesa da mesma patente n.º 90845, a fls. 1927 a 1982 desses autos, quando se refere a fls. 43, 49, 56 e 59 desse parecer o seguinte: «Apesar de a obtenção de uma AIM constituir um pressuposto essencial à introdução de um medicamento no mercado, e de o sistema de ''patent-linkage'', quando correctamente aplicado, poder funcionar como um instrumento da maior importância para a garantia de uma protecção efectiva dos direitos de propriedade intelectual das empresas de referência, a nossa lei não prevê, presentemente, um sistema de "patent-linkage". Ou seja, não prevê a existência de um controlo preventivo da propriedade intelectual a efectuar pela autoridade farmacêutica competente para averiguar a segurança e a eficácia dos medicamentos. Este aspecto tem um relevo imediato no domínio das providências cautelares de suspensão da eficácia dos actos administrativos de AIM. (…) No entanto, das competências do INFARMED não consta qualquer referência ao controlo preventivo da observância da propriedade intelectual por parte das empresas de medicamentos genéricos. Do mesmo modo, no art. 25° do EM, que elenca os fundamentos de indeferimento da AIM, não se faz qualquer menção à infracção de direitos de propriedade intelectual das empresas de medicamentos de referência como circunstância impeditiva da AIM. Não havendo qualquer referência ao controlo de propriedade intelectual por parte do INFARMED, importa ver se a mesma se pode deduzir, por interpretação, do conjunto das normas organizatórias, funcionais e procedimentais. Existem alguns argumentos a favor e contra essa solução, que devem ser considerados. Nas linhas que se seguem, apresentaremos os argumentos a favor, sem os comentar. Como veremos depois, os mesmos tem uma plausibilidade aparente, na medida em que se adequam bem à plausibilidade abstracta dos sistemas de "patent-linkage" e à necessidade de conferir uma protecção administrativa e jurisdicional efectiva aos direitos de propriedade intelectual. No entanto, os mesmos apontam, quando muito, para a necessidade de o legislador se vir a preocupar de maneira mais consistente e eficaz com esta questão. A nossa posição é a de que, por maiores que sejam os méritos do sistema ''patent-linkage'', os riscos que o mesmo encerra e a inexistência de uma consagração legal expressa, justificam que o mesmo não se considere em vigor no estado actual do direito positivo. (…) No sentido de negar a competência do INFARMED em matéria de controlo das patentes militam, quer o facto de que a mesma não encontrar fundamento nem no estatuto do INFARMED nem no EM, quer a existência de um órgão administrativo especificamente competente nesta matéria, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (lNPI) , um instituto público autónomo, integrado na administração indirecta do Estado. (…)Tal como ficou explicitado, o INF ARMED tem competências em matéria de controlo da segurança e da eficácia dos medicamentos, ao passo que o INPI tem competência em matéria de propriedade intelectual. Cada uma das instituições actua no âmbito das suas competências. Este aspecto reveste-se da maior importância, na medida em que, se ao INFARMED não compete controlar a observância das normas sobre propriedade intelectual, isso significa que não poderá ser requerida a impugnação e a suspensão da eficácia dos actos administrativos que consubstanciem as AIM's, com um intuito conservatório dos direitos de propriedade intelectual, na medida em que a respectiva protecção não compete ao INF ARMED. Do mesmo modo, também se afigura discutível, com base nestes fundamentos, a possibilidade de mobilização da acção administrativa comum, de natureza preventiva, prevista no art. 37°I2/c) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, sem prejuízo de se reconhecer que, se isso fosse possível, as empresas de medicamentos de referência titulares de direitos protegidos por patentes teriam certamente um interesse processual ». Por conseguinte, no enquadramento legal acima referido, a Lei n.º 62/11, de 12.12, nada acrescenta de novo, mas apenas vem clarificar a interpretação a dar aos artigos 19º, 25º e 179º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, no sentido já adoptado pela maioria das decisões de 1º instância e por parte das decisões do TCAS. Com a referida Lei n.º 62/2011, de 12.12, apenas se tornou mais evidente o raciocínio legal acima expendido. Ou seja, se considerarmos a publicação da Lei n.º 62/11, de 12.12, mais manifesto se torna que ao Infarmed não compete aferir da indicada violação dos direitos de patente. Defendendo que a Lei n.º 62/11, de 12.12, é meramente interpretativa e que não encerra uma inconstitucionalidade, decorrente da violação do direito de propriedade industrial, já se pronunciou o STA no Ac. n.º 771/2012, de 09.01.2013, conforme se transcreveu. Da indicação exemplificativa da jurisprudência até aqui seguida pelos tribunais administrativos resulta, tal como afirmado na exposição de motivos da citada Lei e no supra citado Acórdão do STA n.º 771/2012, de 09.01.2013, que até à data, esta matéria foi alvo de interpretações contraditórias. Também desde 2007 que a doutrina se manifestou acerca do problema, tal como decorre do teor do parecer de Fausto Quadros, junto a fls. 504 a 549 destes autos, datado de 28.12.2007, ou do teor do parecer de Remédio Marques, junto a fls. 560 a 637 destes autos, datado de Janeiro de 2008, ou teor do parecer de Oliveira Ascensão e Paulo Otero, junto a fls. 1542 a 1635 destes autos, datado de Maio de 2009 (que se expressaram no sentido ora propugnado, que foi confirmado pela Lei n.º 62/11, de 12.12), ou ainda do teor do parecer de Vieira de Andrade, junto a fls. 317 a 376 destes autos, datado de Março de 2008 (se apesar de reconhecer que «à primeira vista (…) o legislador parece, pois, ter optado por conferir ao Infarmed uma posição exclusivamente determinada pelo interesse público da qualidade do medicamento do ponto de visa da saúde pública, e estranha ou neutral quanto à legitimidade da respectiva comercialização pelo requerente» e que tal decorre da «interpretação literal das directivas», acaba por concluir que o Infarmed tem a obrigação de proceder à averiguação acerca dos direitos de propriedade industrial em sede de procedimento de AIM, porque existe aqui uma relação poligonal, em que os titulares daqueles direitos são interessados no procedimento e o princípio da imparcialidade e a obrigação da defesa pela Administração dos direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias ou o princípio da protecção mínima adequada dos direitos fundamentais, assim o exigem). Consequentemente a indicada Lei n.º 62/2011, de 12.12, ao interpretar os artigos 19º, 25º e 179º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, no sentido do sufragado por uma parte da jurisprudência (minoritária no TCAS, mas maioritária em sede de decisões de 1º instância) e da doutrina então maioritária, será obviamente uma lei interpretativa e não uma lei inovadora. Refuta-se, portanto, a alegação do Recorrente do caracter inovatório da Lei n.º 62/2011, de 12.12 e da consequente inconstitucionalidade, com o que acima se disse e remetendo nomeadamente para o teor do Acórdão do STA n.º 771/2012, de 09.01.2013. Quanto à defesa de eventuais direitos de patente, pela comercialização pelas Contra-interessadas de quaisquer medicamentos, não enquadrada em quaisquer relações administrativas – multipolares ou poligonais – mas antes enquadrada no âmbito de uma relação totalmente privada, não serão os tribunais administrativos os competentes para dirimir tal litígio. E para essa defesa não está o Recorrente sem protecção. Pode dirigir-se aos Tribunais de Comércio e aí requerer as providências cautelares que julgue adequadas. E aqui valem as apreciações antes transcritas feitas no Ac. do STA, n.º 771/2012, de 09.01.2013, relativamente à inexistência de contra interessados obrigatórios no procedimento de AIM e na inexistência de um momento obrigatório de audiência prévia. Da matéria provada nos autos deriva que o Recorrente apresentou o pedido de informação indicado em d), ao qual juntou alguns documentos e requereu a sua audição em sede de audiência prévia, conforme facto m). Mas, tal como defendido no citado Ac. do STA, n.º 771/2012, de 09.01.2013, os procedimentos de concessão de AIM e de fixação de PVP não estão concebidos e orientados para a defesa de direitos de propriedade industrial. Não se prevê qualquer momento procedimental onde se deva e possa proceder à aferição de tais direitos, com a intervenção e a produção da prova pela empresa alegadamente detentora da patente violada, e depois, com a contraprova pela empresa que requereu o AIM. Aliás, como já se referiu, os indicados procedimentos, por imposição comunitária, devem até permitir a possibilidade de as AIM serem concedidas antes do termo da caducidade dos direitos de propriedade industrial, garantindo-se, assim, designadamente, que os medicamentos genéricos possam entrar no mercado no momento imediatamente após essa caducidade. Ou seja, a indicada regulação tem por objectivo principal a saúde pública, sem que se prejudique ou viole as regras de propriedade industrial. Para tanto, considerou-se que no procedimento administrativo de atribuição das AIM e subsequente procedimento de fixação de PVP, não há que aferir da existência de direitos de patente, porquanto só no momento da efectiva comercialização do medicamento a que foi atribuído anteriormente o AIM, aqueles direitos têm de ser verificados. Ou seja, entendeu-se que aqueles procedimentos administrativos, por si mesmos, não implicam comercialização alguma, logo, que nunca poderiam violar patentes com protecções ainda em vigor. Daí a transposição que foi feita da Directiva nº 2001/83/CE, nos artigos 15º, 18º, 19º e 25º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08, que faz alhear do processo de atribuição das AIM a existência de direitos de propriedade industrial ainda válidos. Pois o que importa, para o direito comunitário e transposição que dela foi feita pelo direito português, é que aqueles direitos de propriedade industrial não sejam violados no momento da efectiva comercialização. Antes disso, entendeu o legislador que não existia violação alguma. O mero pedido de AIM ou para a fixação do PVP e a sua concessão podem coexistir com direitos de propriedade industrial válidos, não caducados. O que importa é o momento da efectiva comercialização. O objectivo primordial é também que os medicamentos aos quais foram atribuídas AIM e fixados os PVP, possam entrar no comércio imediatamente após a caducidade de direitos de patente. E que na data em que são comercializados esses direitos de propriedade industrial não sejam violados. Visa-se com esta regulamentação garantir que as empresas detentoras de patentes não obstaculizem a entrada de medicamentos genéricos no mercado, logo que os seus direitos de propriedade industrial caduquem. Antes da entrada no mercado de um medicamento, nomeadamente genérico, são devidos ensaios, experiências, o desenrolar de procedimentos administrativos e outros, que terão de se decorrer antes da data do termo da caducidade dos direitos de patente (cf. artigo 19º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08). Esta intenção comunitária foi claramente expressa no Ac. do TJCE de 16.10.2003, Astrazeneca/Laegemiddelstyrelsen, p. c-223/01, acima citado, quando respondeu às questões suscitadas no reenvio prejudicial e se afirmou claramente que a Directiva 65/65/CEE do Conselho com as suas alterações, tem por «principal objectivo (…) a protecção da saúde pública». Igualmente, é afirmada essa intenção no Ac. n.º T – 74/00, de 26.11.2002, do Tribunal Europeu de 1º instância, também acima citado. Em suma, no que concerne aos actos de AIM ou de fixação do PVP, eles mesmos, não implicam a comercialização de medicamento nenhum, pelo que também não se pode dizer que por si mesmas violem quaisquer direitos de patente. Consequentemente, não têm os RR. a obrigação legal de obstarem a comercialização dos medicamentos, não emitindo o AIM e não fixando o PVP, a fim de salvaguardarem os alegados direitos emergentes da patente do A. Isso mesmo foi claramente expressado pelo legislador, quando através da Lei n.º 62/2011, de 12.12, alterou a redacção dos artigos 19º, n.º 8, 25º, n.º2 e 179º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30.08. A repressão de actos em ofensa aos direitos de patente e a protecção destes direitos não cabe nas atribuições ou competências dos RR., mas do INPI, das polícias e dos Tribunais do Comércio. Pelo exposto claudicam todas as alegações do Recorrente, quanto ao erro na apreciação do mérito pelo acórdão recorrido. Dispositivo Em face de todo o exposto acordam em conferência em negar provimento ao recurso, mantendo as decisões recorridas. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 10/10/2013 (Sofia David) (Carlos Araújo) (Teresa de Sousa)