1. A declaração de renúncia ao princípio da especialidade no processo de extradição é irrevogável por expressa remissão do artigo 54º/3 para o artigo 40º/4, ambos da Lei nº 144/99, de 31/8. 2. Já o diploma que disciplina o mandado de Detenção Europeu (Lei nº 65/2003, de 23/8) é omisso relativamente à possibilidade de revogação da declaração de renúncia ao princípio da especialidade, estando aberta a porta para se poder considerar que, para além das situações de vício na formação da vontade, nos termos do artigo 247º do CC, tal declaração é modificável pela parte de quem a fez. 3. Portugal é Estado Membro de execução, respondendo a uma concreta e definida solicitação feita por um EM de emissão, o qual deve ser claro relativamente ao que pretende do nosso sistema judiciário. 4. Encarar um MDE sem objecto específico – e com a possibilidade de oficiosamente poder a Relação efectuar uma convolação nunca pedida - viola o princípio da legalidade e a segurança jurídica que devemos a todos cidadãos do mundo. 5. A alínea g) do artigo 12º, nº 1 da Lei nº 65/2003 só intervém se estivermos perante uma execução de uma pena estrangeira aplicada por uma decisão transitada em julgado. (Sumário elaborado pelo Relator)
ACORDAM, APÓS AUDIÊNCIA, NA 5ª SECÇÃO - CRIMINAL - DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: I – RELATÓRIO 1. O Ministério Público veio, ao abrigo do artigo 16º, nº1, da Lei nº 65/2003, de 23/08, alterada pela Lei nº 115/2019, de 12/09, requerer a execução do Mandado de Detenção Europeu, doravante MDE, para cumprimento de pena, relativo a: · AA, de nacionalidade portuguesa, nascido em ../../1980 em ..., residente na Rua ..., lado esquerdo, ... – ..., ... nos termos e com os fundamentos seguintes (transcrição): 1. «Pela Autoridade Judiciária competente de França, Cour d’Appel de ..., com sede ..., ..., ..., França, foi, em 12/02/2024, emitido o Mandado de Detenção Europeu referente a sentença do tribunal correccional de ... de 20/05/2021, no processo nº ...63, relativo ao cidadão português supra identificado. 2. Mandado esse emitido para efeitos de cumprimento da pena de 6 anos de prisão, pela circunstância de o requerido, nos termos da legislação Francesa ter sido condenado pela prática de 4 (quatro) crimes de posse de imagem de menor de natureza pornográfica, distribuição de imagem de menor de natureza pornográfica, agressão sexual incestuosa de menor de 15 anos e corrupção de menor de 15 anos, consubstanciados nos factos contantes da alínea e) do formulário do MDE (cfr. fls. 2 verso do MDE). 3. Em síntese, esses crimes foram cometidos pelo requerido entre 1 de Agosto de 2017 e 25 de Abril de 2018, em ..., ..., França, e em Portugal, contra a sua filha menor BB, nascida em ../../2007, sendo que as investigações, nomeadamente a análise do material informático, permitiram concluir que o requerido possuía imagens de abusos sexuais de crianças, que também distribuiu. O requerido está separado da mãe da sua filha BB e, no decorrer dos seus direitos de visita, de acolhimento e das suas férias em ..., ..., França, e em Portugal, retirou as cuecas da sua filha e tentou penetrá-la, tocando-lhe nos órgãos genitais, mostrando-lhe imagens pornográficas e de abuso sexual de crianças. Em várias ocasiões pediu á sua filha para lhe tocar e lhe lamber os órgãos genitais, o que ela sempre recusou, escondendo-se na casa de banho. Também a obrigou a usar tangas. 4. Estes factos integram, segundo a legislação penal de França crimes de posse de imagem de menor de natureza pornográfica, previstos nos artigos 227-23, als. 4 e 1; 227-9 e 227-31 todos do Código Penal Francês; de distribuição de imagem de menor de natureza pornográfica, previstos nos artigos 227-23, als. 2 e 1; 227-9 e 227-31 todos do Código Penal Francês; de agressão sexual incestuosa de menor de 15 anos, previstos nos artigos 222-29-1; 222-22; 222-31-1; 222-29-1; 222-44; 222-45; 222-47; 222-48; 222-48-1, al. 1 e 131-26-2 todos do Código Penal Francês; de corrupção de menor de 15 anos, previstos nos artigos 227-22; 227-22, al. 3; 227-29; 227-31; 227-31-1 e 227-33 todos do Código Penal Francês. 5. Embora os crimes imputados ao requerido estejam previstos no art. 2º, nº 2, alíneas d) e ee), da Lei nº 65/2003, de 23/08 de acordo com a legislação do “Estado membro de emissão”, dispensando-se assim a dupla incriminação, cabe, de todo o modo, dizer que os factos que justificaram a emissão do Mandado de Detenção Europeu, independentemente dos seus elementos constitutivos, constituem também infracções puníveis em Portugal pelos arts. 172º, nºs 1, 2 e 3, als. a), b), c), d) e e) e 177º, nº 1, al. a) quanto aos crimes de abuso sexual de crianças, e ainda pelo art. 173º, nºs 1 e 2 e 177º, nº 1, al. a), quanto ao crime de abuso sexual de menores dependentes, todos do Código Penal Português, com penas de 4 a 13 anos e 3 meses de prisão, e 4 a 10 anos e 8 meses de prisão, respectivamente. 6. A Polícia Judiciária deteve o requerido no dia de hoje, 5 de Março de 2024, pelas 09h00, na localidade de ..., ..., tendo feito a sua comunicação ao Tribunal da Relação de Coimbra, para efeitos de consideração e validação da detenção no âmbito de um Mandado de Detenção Europeu. 7. Conforme resulta dos respetivos arts. 4º, nºs 2 a 5, assim como 40º, ao presente pedido é aplicável a Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto – que aprovou o Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu – em transposição da Decisão-Quadro nº 2002/584/JAI do Conselho, de 13/07/2002. 8. Quer a inserção no sistema SIS da indiciação de existência de um Mandado de Detenção Europeu e da necessidade de procurar e deter o requerido, quer a sua detenção, foram legais. 9. Pelo crime imputado pode ser emitido mandado de detenção europeu, nos termos do art. 2º, nº 1, da Lei nº 65/03, de 23 de Agosto. 10. O presente MDE cumpre e obedece aos requisitos dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, nºs 1 e 4 e 5º, nº 3 da mesma lei. 11. As Autoridades Francesas comprometeram-se a apresentar o original do Mandado de Detenção Europeu respeitante ao requerido em boa e devida forma, no prazo legal. 12. O requerido não esteve presente na audiência de julgamento que levou à sua condenação, mas, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 12º-A, nº 1, al. d), da Lei 65/2003, de 23/08 na redacção que lhe foi dada pelo art. 4º da Lei nº 35/2015 de 03/05, aquele não tendo ainda sido notificado pessoalmente da decisão, recebê-la-á pessoalmente, depois de ser entregue, sendo expressamente informado do seu direito a um novo julgamento ou a um processo de recurso no qual o interessado tem o direito de participar e que permitirá voltar a examinar o mérito da causa, incluindo a apreciação de novas provas que poderá conduzir a uma decisão distinta da inicial. Mais será informado de que terá um prazo de 10 dias para solicitar esse novo procedimento (cfr. al. d), pontos 1 e 3.4 do MDE). 13. Não se verifica nenhuma das situações que imponham/permitam a recusa do Mandado de Detenção Europeu, nomeadamente as referidas nas diversas alíneas dos arts. 11º e 12º da Lei nº 65/03, de 23/08; 14. O regime jurídico do Mandado de Detenção Europeu, em transposição da Decisão Quadro nº 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Julho de 2002, fundamenta-se no princípio do reconhecimento mútuo e da confiança entre os Estados Membros, sendo a França membro da União Europeia, e tendo subscrito a Convenção Europeia de Extradição, o Acordo de Schengen e aquela Decisão Quadro nº 2002/584/JAI. 15. O Tribunal da Relação de Coimbra é o competente para o processo de execução do presente Mandado de Detenção Europeu, nos termos do art. 15º, nº 1 da dita Lei nº 65/03, de 23/08. 16. E o Ministério Público tem legitimidade para requerer a execução do mesmo, nos termos do art. 16º, nº 1 desta mesma Lei nº 65/03, de 23/08. Termos em que e nos mais de Direito, se requer a V. Exa. que, no caso de o requerido não ter ainda constituído advogado, lhe seja nomeado defensor, e se proceda à audição do mesmo, nos termos do art. 18º da referida Lei, validando-se e mantendo-se a detenção, seguindo-se depois os ulteriores termos legais». 2. Após detenção da pessoa procurada na sua residência em Portugal, no dia 5/3/2024, foi a mesma ouvida em 6 de Março de 2024, dentro do prazo legal para o efeito, tendo ela declarado renunciar ao princípio da especialidade[1] - posição que é depois invertida mais tarde, tendo sido proferido um despacho judicial, em audiência, a admitir uma posterior declaração de não renúncia a tal princípio[2]), e opor-se à sua entrega às autoridades neerlandesas, opondo-se, assim, à execução deste MDE. Nessa data foi mantida a detenção do requerido, por existir perigo de fuga (artigos 202º, nº 1, alínea a) e 204º, alínea a), ambos do CPP). 3. O requerido requereu prazo para apresentação de defesa, tendo-lhe sido concedido 10 dias para o efeito. 4. Decorrido tal prazo, veio o requerido apresentar oposição escrita que se transcreve na parte relevante: «AA, de nacionalidade portuguesa Vem Em sede de oposição por escrito alegar que não se verificarem os pressupostos da extradição Artigo 55.º Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto Oposição do extraditando Foi concedido o prazo de 10 dias pelo Tribunal da Relação de Coimbra (funcionando como 1ª Instância) para oposição por escrito e tomar posição 12-A da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, conforme douto despacho. 1º O arguido é de nacionalidade portuguesa 2º Vive em Portugal na Rua ..., lado esquerdo, ... – ..., .... 3º Tem família constituída em Portugal. 4º Tem profissão em Portugal- Pintor de Construção Civil. 5º Não quer voltar a França. 6º Vive com uma companheira de nome CC, e tem um filho da com um mês de idade. 7º Foi emigrante em França cerca de 20 anos e já regressou a Portugal em 2020. 8º Vive na Zona de ..., com a família pais, irmãos, e demais familiares, pais, irmãos e amigos. 9º A sua companheira é doméstica e ambos desejem continuar em Portugal. 10º Está totalmente enraizado há pelo menos quatro anos, data em que veio para Portugal, seu país natal, e mesmo quando esteve em França sempre que podia vinha a Portugal nomeadamente nas ferias, Natal, Pascoa. 11º E um cidadão português completamente enraizado em Portugal 12º Prescinde do Direito do artigo 12-A da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU (versão atualizada) 13º Ora no artigo cinco do requerimento do Inicio de Processo Formulado pelo Magistrado do MP, vem indicar que também são infracções puníveis em Portugal. 14º O extraditando deseja cumprir a pena de prisão em Portugal e para tal tem direito por ter entre outros motivos a nacionalidade originaria portuguesa. 15º Ora n.º 2 do art. 18.º da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, faz depender a denegação facultativa da extradição, não só das consequências que possa implicar para a pessoa visada, mas também de um juízo de ponderação de interesses entre a gravidade do facto criminoso e a gravidade das consequências da extradição. 19º Artigo 32.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto Casos em que é excluída a extradição 1 - Para além dos casos referidos nos artigos 6.º a 8.º, a extradição é excluída quando: a) O crime tiver sido cometido em território português; b) A pessoa reclamada tiver nacionalidade portuguesa, salvo o disposto no número seguinte. 20º No caso vertido salvo melhor opinião aplica-se o Artigo 32 da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, sendo assim recusada a extradição de cidadão português. 21º Artigo 32 da mesma lei nº 5 - Quando for negada a extradição com fundamento nas alíneas do n.º 1 do presente artigo ou nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º, é instaurado procedimento penal pelos factos que fundamentam o pedido, sendo solicitados ao Estado requerente os elementos necessários. 22º de acordo com o artigo 5º da Formulação do MP parte (não sabemos) dos factos foram praticados em solo português – temos ainda um elemento de conexão com a competência territorial portuguesa. 23º Por tudo o alegado não há lugar à extradição. * Nestes Termos e nos demais de Direito a) Não dá consentimento à extradição vindo-se opor por escrito. b) A extradição de uma pessoa de nacionalidade portuguesa não é permitida nos termos Artigo 55.º Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto e não estarem preenchidos qualquer uma das execpçoes C) Prescinde do Direito do artigo 12-A da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU (versão atualizada). d) Porem face à lei aplicável o extraditando no caso vertido tem direito a um novo Julgamento, mas em solo português e perante um Tribunal Português, até de acordo com o artigo 5º da Formulação do MP que parte das infracções/factos (não sabemos) foram praticados em solo português e reza o Artigo 32 da mesma lei- nº 5: “Quando for negada a extradição com fundamento nas alíneas do n.º 1 do presente artigo ou nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 6.º, é instaurado procedimento penal pelos factos que fundamentam o pedido, sendo solicitados ao Estado requerente os elementos necessários.” (…) (e arrola testemunhas)» 5. A Exmª Procurador-Geral Adjunta respondeu à oposição nos termos delineados na sua promoção datada de 22 de Março de 2024. Deixou escrito o seguinte: «Nos termos do artigo 12º, al. g) da Lei nº 65/2003, de 23/08, a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa. No presente caso temos como dado adquirido que o requerido é cidadão português, reside em território nacional desde 2020, vive com uma companheira e um filho com um mês de idade na zona de ..., onde também tem família e onde trabalha como pintor da construção civil. O requerido declarou ainda aquando da sua audição que gostaria de continuar a viver em Portugal e de cumprir em Portugal a pena de 6 anos de prisão em que foi condenado em França, país para onde não quer regressar. Parece-nos, pois, que estão reunidas as condições para que o mandado de detenção europeu possa vir a ser recusado. Com efeito, nos termos do artigo 21º, nº 2, da Lei 65/2003, de 23/08 a oposição só pode ter por fundamento “o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu”. As causas de recusa imperativas de execução do mandado de detenção europeu são as previstas no artigo 11º da mesma lei. Não está posta em dúvida a identidade do requerido como sendo a pessoa a entregar, e a deduzida oposição não se reporta a qualquer um daqueles fundamentos do artigo 11º. Quanto à causa de recusa facultativa prevista no artigo 12º, al. g) da Lei nº 65/2003, de 23/08 segundo a qual pode ser recusada a execução do mandado de detenção europeu quando a pessoa encontrada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida e segurança de acordo com a lei portuguesa, parece-nos que essa causa terá de ser atendida, sem prejuízo, obviamente, de se impor a recolha de mais elementos de prova para além das declarações prestadas pelo requerido com vista a se ter como seguro que a residência do requerido é em Portugal e que é neste país que se encontra integrado familiar, social e profissionalmente (pois que quanto á sua nacionalidade parece-nos que é indiscutível que o mesmo é cidadão português). Para efeitos do disposto no mencionado artigo 12º, nº 1, al g), sendo o requerido cidadão português, só poderá ser recusada a sua entrega se, cumulativamente, o Estado Português se comprometesse a executar de imediato a pena de prisão constante do mandado de detenção dos autos de acordo com a lei portuguesa. Verificando-se também este segundo requisito, resulta que existem razões para se ponderar a hipótese de recusa de execução do mandado de detenção europeu, que legalmente se qualifica como facultativa, á luz do artigo 12º, nº 1, al. g) da dita Lei nº 65/2003, de 23/08. Estamos perante um pedido de detenção com vista ao cumprimento de uma pena de prisão em que o requerido foi condenado, não tendo estado presente em julgamento, conforme atesta o mandado emitido, e, ao abrigo do respeito e reconhecimento mútuo pelas decisões tomadas a que se reporta esta matéria, o Estado de execução não pode sindicar qualquer das decisões tomadas relativas à condenação, às circunstâncias em que ocorreram os factos, à contagem e ao cumprimento da pena de prisão. Todavia, e não obstante o mandado de detenção europeu conter todos os requisitos legalmente exigidos para uma decisão no sentido da sua execução, afigura-se-nos que se o Estado Português se comprometer a executar de imediato a pena de prisão aí constante de acordo com a lei portuguesa, deverá funcionar a supra referida causa de recusa facultativa relativamente ao requerido por o mesmo ser cidadão português. A ser assim, terá de se verificar se, perante a situação, as condições de vida do requerido e as finalidades da execução da pena, se justifica a recusa de execução do mandado por haver vantagens no cumprimento da pena em Portugal segundo a legislação interna, na sequência do pedido formulado por aquele, para o que se deverá invocar o artigo 40º, nº 1 do Código Penal que dispõe no sentido de que uma das finalidades das penas é a de reintegração do agente na sociedade, podendo haver maior eficácia da finalidade da pena se for executada no país da nacionalidade ou da residência. Neste sentido cfr. Ac. do STJ de 10/01/2013, in www.dgsi.pt. Haverá agora de analisar o funcionamento do disposto artigo 12º, nº 1, al. g) da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, que pressupõe a exigência de revisão e confirmação prévia da sentença penal estrangeira, face à redacção dos seus nºs 3 e 4. Ora, como no caso sub judice a sentença estrangeira ainda não se encontra revista nem reconhecida por este Tribunal da Relação (ou seja, pelo tribunal da execução do mandado), haverá que enxertar essa decisão de revisão e reconhecimento da sentença estrangeira na decisão que eventualmente irá recusar a execução do mandado pelo fundamento supra aludido, e só assim se poderá vir a determinar o cumprimento dessa pena em Portugal. Por conseguinte, haverá que solicitar ás autoridades francesas a transmissão da sentença para que este Tribunal da Relação, enquanto autoridade judiciária de execução, possa proceder em conformidade com o exposto, pois quanto ao mais os elementos documentais constantes dos autos, nomeadamente no formulário do mandado de detenção europeu emitido, revelam-se suficientes para o efeito e, após, será competente para acompanhar a execução da pena em Portugal o tribunal de primeira instância da residência do condenado, por força do disposto no artigo 470º, nº 2 do Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 34º da Lei nº 65/2003 de 23/08. Neste sentido decidiu o acórdão do STJ de 22/06/2022 – relator Lopes da Mota no qual se pode ler o seguinte: «I - A recusa facultativa de entrega da pessoa condenada ao Estado de emissão no processo de execução de um MDE emitido para cumprimento de pena de prisão aplicada no Estado de emissão, prevista na al. g) do nº 1 do art. 12º da Lei nº 65/2003, requer dois requisitos cumulativos: a nacionalidade portuguesa da pessoa procurada e o compromisso do Estado Português em executar a pena em Portugal. II - Sendo o processo de execução do MDE inteiramente jurisdicionalizado, o compromisso de execução da pena de prisão em Portugal satisfaz-se mediante decisão do tribunal da relação competente para a execução do MDE que, no processo de execução do MDE, reconheça a sentença condenatória proferida no Estado de emissão, confirmando a pena aplicada, assim lhe conferindo força executiva (art. 12º, nº 3, da Lei nº 65/2003, de 23/08, na redação da Lei nº 35/2015, de 04/05, e nº 4, na redação da Lei nº 115/2019, de 12/09).» Em conclusão, e acolhendo-se o entendimento ora exposto, haverá que solicitar à autoridade judicial francesa o envio de certidão ou cópia autenticada da sentença condenatória, esclarecendo-se que as autoridades judiciárias portuguesas, enquanto autoridades judiciárias de execução, solicitam a transmissão da sentença». 6. Concordando-se com a necessidade de enxertar nos autos um procedimento de revisão e confirmação prévia da sentença penal estrangeira (cfr. artigo 12º, nºs 1, alínea g), 3 e 4 da Lei nº 65/2003, de 23/8), foi solicitado o envio da competente certidão da Justiça de França (cópia certificada da sentença condenatória, bem como da certidão a que se refere o Anexo I da Lei nº 158/2015, de 17/9). Nunca a Justiça francesa até agora fez junção de tal certidão, com toda a certeza porque se constata, afinal, que a sentença de ... nunca chegou a transitar em julgado pois o arguido foi aí julgado à revelia. 7. Na sua promoção de 22 de Março de 2024, a Exmª Magistrada do Ministério Público veio fazer a seguinte rectificação ao seu requerimento inicial: «No item 12º do nosso requerimento inicial fizemos constar o seguinte: “O requerido não esteve presente na audiência de julgamento que levou à sua condenação, mas, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 12º-A, nº 1, al. d), da Lei 65/2003, de 23/08 na redacção que lhe foi dada pelo art. 4º da Lei nº 35/2015 de 03/05, aquele não tendo ainda sido notificado pessoalmente da decisão, recebê-la-á pessoalmente, depois de ser entregue, sendo expressamente informado do seu direito a um novo julgamento ou a um processo de recurso no qual o interessado tem o direito de participar e que permitirá voltar a examinar o mérito da causa, incluindo a apreciação de novas provas que poderá conduzir a uma decisão distinta da inicial. Mais será informado de que terá um prazo de 10 dias para solicitar esse novo procedimento (cfr. al. d), pontos 1 e 3.4 do MDE).” Contudo, essa menção deveu-se a lapso, pois o que se deveria ter feito constar e que agora se consigna para que seja tido em conta, conforme resulta da referida al. d), pontos 2 e 3.1B) do MDE, é o seguinte: “o interessado não compareceu pessoalmente ao processo que deu origem à decisão; o interessado não foi citado em pessoa, mas foi oficialmente e efectivamente informado por outros meios da data e local fixados para o julgamento que deu origem à decisão, de modo que ficou estabelecido de forma inequívoca que o interessado tinha conhecimento do julgamento previsto, e foi informado de que uma decisão poderia ser proferida em caso de não comparecimento.” Tal rectificação foi por nós validada no despacho datado de 1/4/2024 (ponto A.). 8. Foi junto pela DGRSP um relatório sobre as condições de vida do requerido em Portugal (cfr. fls 103 a 105). 9. Foi efectuado julgamento com um Colectivo de 3 juízes, o qual prosseguiu com o seu legal figurino. De facto, à disciplina do processo de execução do MDE aplica-se o disposto no Código de Processo Penal (CPP), com as especialidades dos artigos 21º e 22º da Lei nº 65/2003, tendo em conta o objecto e a finalidade do processo, em particular no que diz respeito ao conhecimento das questões que sejam suscitadas na oposição, relativas aos motivos de recusa de execução. Havendo oposição à execução do MDE, o julgamento do processo de execução do MDE, em que o Tribunal da Relação funciona como tribunal de 1.ª instância, tem lugar mediante audiência em tribunal constituído pelo juiz relator e dois juízes adjuntos (artigo 56º, nº 1, ex vi artigo 74º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições do CPP relativas ao julgamento. Por aplicação subsidiária dos artigos 61º, nº 1, alíneas a) e f), do CPP, a pessoa procurada tem o direito de estar presente em audiência, assistida por defensor, cuja presença é obrigatória (artigo 21º, nºs 4 e 5, da Lei nº 65/2003). Seguiu-se, assim, de perto, por se afigurar mais garantístico, o doutrinado pelos Acórdãos do STJ de 12-12-2018, proc. nº 94/18.2YRPRT.S2, e de 24-04-2018, proc. nº 39/18.0YREVR.S1. 10. O tribunal é o competente e não ocorrem nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer. 11. Cumpre decidir, e dentro do prazo a que alude o artigo 26º, nº 3 – já prorrogado até aos 90 dias - da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Da diversa documentação junta aos autos – cfr. fls 5 a 11, 60 a 71, 85 a 92, 103 a 105 (relatório da DGRSP), entretanto corrigido a fls 128, 166 a 174 (decisão francesa em execução e documentação afim), e da audição que se fez do próprio requerido e das 4 testemunhas arroladas pela defesa, com depoimentos livremente apreciados pelo tribunal (DD, EE, FF e GG, todos familiares do requerido mas que depuseram com suficiente clareza para se tornarem credíveis), resulta com interesse para a decisão do presente processo que: 1. Pela Autoridade Judiciária competente de França, Cour d’Appel de ..., com sede ..., ..., ..., França, foi, em 12/02/2024, emitido o Mandado de Detenção Europeu referente a sentença do tribunal correccional de ... de 20/05/2021, no processo nº ...63, relativo ao cidadão português supra identificado. 2. Mandado esse emitido para efeitos de cumprimento da pena de 6 anos de prisão, pela circunstância de o requerido, nos termos da legislação Francesa ter sido condenado pela prática de 4 (quatro) crimes de posse de imagem de menor de natureza pornográfica, distribuição de imagem de menor de natureza pornográfica, agressão sexual incestuosa de menor de 15 anos e corrupção de menor de 15 anos, consubstanciados nos factos contantes da alínea e) do formulário do MDE. 3. Esses crimes foram cometidos pelo requerido entre 1 de Agosto de 2017 e 25 de Abril de 2018, em ..., ..., França, e em Portugal, contra a sua filha menor BB, nascida em ../../2007, sendo que as investigações, nomeadamente a análise do material informático, permitiram concluir que o requerido possuía imagens de abusos sexuais de crianças, que também distribuiu. O requerido está separado da mãe da sua filha BB e, no decorrer dos seus direitos de visita, de acolhimento e das suas férias em ..., ..., França, e em Portugal, retirou as cuecas da sua filha e tentou penetrá-la, tocando-lhe nos órgãos genitais, mostrando-lhe imagens pornográficas e de abuso sexual de crianças. Em várias ocasiões pediu á sua filha para lhe tocar e lhe lamber os órgãos genitais, o que ela sempre recusou, escondendo-se na casa de banho. Também a obrigou a usar tangas. 4. Estes factos integram, segundo a legislação penal de França, crimes de posse de imagem de menor de natureza pornográfica, previstos nos artigos 227-23, als. 4 e 1; 227-9 e 227-31 todos do Código Penal Francês; de distribuição de imagem de menor de natureza pornográfica, previstos nos artigos 227-23, als. 2 e 1; 227-9 e 227-31 todos do Código Penal Francês; de agressão sexual incestuosa de menor de 15 anos, previstos nos artigos 222-29-1; 222-22; 222-31-1; 222-29-1; 222-44; 222-45; 222-47; 222-48; 222-48-1, al. 1 e 131-26-2 todos do Código Penal Francês; de corrupção de menor de 15 anos, previstos nos artigos 227-22; 227-22, al. 3; 227-29; 227-31; 227-31-1 e 227-33 todos do Código Penal Francês. 5. Os factos que justificaram a emissão do Mandado de Detenção Europeu, independentemente dos seus elementos constitutivos, constituem também infracções puníveis em Portugal pelos arts. 172º, nºs 1, 2 e 3, als. a), b), c), d) e e) e 177º, nº 1, al. a) quanto aos crimes de abuso sexual de crianças, e ainda pelo art. 173º, nºs 1 e 2 e 177º, nº 1, al. a), quanto ao crime de abuso sexual de menores dependentes, todos do Código Penal Português, com penas de 4 a 13 anos e 3 meses de prisão, e 4 a 10 anos e 8 meses de prisão, respectivamente. 6. A Polícia Judiciária deteve o requerido em 5 de Março de 2024, pelas 09h00, na localidade de ..., ..., tendo feito a sua comunicação ao Tribunal da Relação de Coimbra, para efeitos de consideração e validação da detenção no âmbito de um Mandado de Detenção Europeu. 7. O requerido não esteve presente na audiência que conduziu à decisão (foi uma decisão proferida à revelia) – contudo, consta do MDE que «3.1. B) “o interessado não compareceu pessoalmente ao processo que deu origem à decisão; o interessado não foi citado em pessoa, mas foi oficialmente e efectivamente informado por outros meios da data e local fixados para o julgamento que deu origem à decisão, de modo que ficou estabelecido de forma inequívoca que o interessado tinha conhecimento do julgamento previsto, e foi informado de que uma decisão poderia ser proferida em caso de não comparecimento». 8. No período anterior à atual situação de reclusão, o requerido encontrava-se há um ano e três meses a residir e a exercer actividade laboral na localidade de ..., onde coabitava com a sua actual companheira, desempregada, filho recém-nascido de ambos, hoje com três meses de idade e dois filhos da companheira, fruto de anterior relacionamento da mesma. 9. A dinâmica familiar é descrita como gratificante e de entreajuda, sendo perceptíveis laços de entreajuda. 10. O arguido está habilitado com o 6º ano, tendo desenvolvido actividade laboral desde os 13 anos de idade, em particular na área da construção civil. 11. O arguido encontra-se a trabalhar há aproximadamente três meses na empresa de “M... Unipessoal Lda.” de pintura de construção civil, isolamentos, impermeabilizações, revestimentos e pavimentos, onde havia sido celebrado contrato de trabalho. 12. Segundo o proprietário da empresa, o arguido possui uma imagem globalmente positiva. 13. O requerido não quer voltar a França onde passou uma fase negra de sua vida, chegando a uma situação de sem abrigo. 14. Manifestou o requerido a vontade de cumprir esta pena em território português. 15. A sentença mencionada em 1. proferida a 20 de Maio de 2021 nunca até hoje transitou em julgado. 16. A decisão mencionada em 1., acompanhada da certidão cujo modelo consta do anexo I à Lei nº 158/2015, foram transmitidas a este Tribunal pela entidade judiciária Francesa, para reconhecimento e execução em conformidade com o disposto na Decisão-Quadro 2008/909/JAI de 27 de Novembro de 2008, transposta para o direito interno pela Lei n.º 158/2015, de 17 de Novembro. 17. A referida certidão foi emitida de acordo com o formulário cujo modelo constitui o referido anexo I deste diploma legal, encontrando-se devidamente preenchida, estando também assegurada a sua tradução. 18. O requerido esteve detido à ordem dos presentes autos de 5 de Março de 2024 até 24 de Abril de 2024. 19. O requerido não renunciou ao princípio da especialidade. 2. Tendo em conta estes factos, vejamos se é de deferir ou não a entrega da pessoa procurada. O mandado de detenção europeu é um instrumento de cooperação judiciária entre autoridades judiciárias dos Estados membros da UE que visa a detenção e entrega por um Estado membro de uma pessoa procurada por outro Estado membro, que emite o mandado, para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade (artº 1º da Lei nº 65/2003 de 23/8). Trata-se de um procedimento em que a cooperação se faz directamente entre as autoridades judiciárias dos Estados membros sem qualquer intervenção do poder executivo e que é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo que, por sua vez, assenta na ideia de confiança mútua entre os Estados membros da UE, em conformidade com o disposto naquela Lei e na Decisão Quadro nº 2002/584/JAI, do Conselho, de 13/06) – destina-se, enfim, a reforçar a cooperação entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros, suprimindo o recurso à extradição. A legislação portuguesa – Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, já duas vezes revista, que implementou na ordem jurídica nacional a dita Decisão-Quadro -, é aplicável a todos os pedidos recebidos após a sua entrada em vigor com origem em Estados-Membros da União Europeia que tenham implementado a referida Decisão-Quadro (cfr. artigo 40º, da citada lei), como é o caso de França. Tem sido entendido que, traduzindo-se a execução de um mandado de detenção europeu uma restrição importante de um direito fundamental como o direito à liberdade, num horizonte territorial alargado, tendo em conta, igualmente, o período de tempo em que a detenção potencialmente se pode manter sem que seja tomada a decisão final de entrega, não só a sua prossecução, mas também a decisão que a montante é tomada quanto à sua emissão, deverão obedecer aos princípios da legalidade, da excepcionalidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade lato sensu. O Mandado de Detenção Europeu engancha teleologicamente na concepção de celeridade e de eficácia da cooperação judiciária europeia em matéria penal e ancora nos princípios do reconhecimento mútuo das decisões judiciárias penais e da confiança mútua e, ainda, é gerador de "desconfiança" e de precauções normativas e interpretativas na abolição (relativa) do princípio da dupla incriminação. Deparamo-nos, assim, com a equação jurídico-criminal de os anseios estratégico-políticos europeus despirem o direito penal do seu magnânime princípio de ultima et extrema ratio e da sua função de equilíbrio entre a tutela dos bens jurídicos individuais e supra-individuais e a tutela dos interesses e direitos do delinquente. Contudo, o Mandado de Detenção Europeu não pode sacrificar os direitos fundamentais, sob pena de se deificar a descoberta da verdade e a realização da justiça e de se niilificar a protecção dos direitos fundamentais - da pessoa procurada e de todos os outros. Este caminho pode, por um lado, distorcer o equilíbrio imposto pela "concordância prática" e, por outro, fomentar uma descoloração total da paz jurídica no espaço da União e desvirtuar o espaço de liberdade, de justiça e de segurança. A Lei nº 65/2003 é aplicável aos pedidos de detenção originados em qualquer dos Estados membros da União Europeia, e desde já aos que transpuseram a DQ, os mesmos são de aceitar, se formulados através da: · transmissão, após 1/1/04, do original de um mandado de detenção emitido por uma sua autoridade competente, directamente ou através de contacto da Rede Judiciária Europeia, nos termos dos arts. 9º nº 1 da DQ, 4º nº 1 e 5º nºs 1 e 4, e 40º da Lei 65/03; · indicação inserida, após a mesma data, no sistema de Informação de Schengen (SIS), após 1/1/04, da qual constem os elementos constantes do modelo anexo à referida DQ (semelhante ao que consta em anexo à Lei nº 65/2003). Os sujeitos do mandado de detenção podem ser qualquer pessoa maior de 16 anos (art. 4º nº 6 da LQ, 11º al. c), 12º nº 1 al. g) da mesma Lei e 19º do C. Penal), com ou sem entrega de objectos, sejam eles: · cidadão “nacional”; · cidadão estrangeiro, “residente” no país; · cidadão estrangeiro que se “encontre” no país. O objecto do dito mandado de detenção é, em geral: · procedimento penal, por crime punível com prisão não inferior a 12 meses; ou · cumprimento de pena de prisão não inferior a 4 meses; ou · cumprimento de medida de segurança não inferior a 4 meses. Adiantam ainda os nºs 2 e 3 artigo 2º do diploma: «2 - Será concedida a entrega da pessoa procurada com base num mandado de detenção europeu, sem controlo da dupla incriminação do facto, sempre que os factos, de acordo com a legislação do Estado membro de emissão, constituam as seguintes infrações, puníveis no Estado membro de emissão com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a três anos: a) Participação numa organização criminosa; b) Terrorismo; c) Tráfico de seres humanos; d) Exploração sexual de crianças e pedopornografia; e) Tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas; f) Tráfico ilícito de armas, munições e explosivos; g) Corrupção; h) Fraude, incluindo a fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, na acepção da convenção de 26 de Julho de 1995 relativa à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias; i) Branqueamento dos produtos do crime; j) Falsificação de moeda, incluindo a contrafacção do euro; l) Cibercriminalidade; m) Crimes contra o ambiente, incluindo o tráfico ilícito de espécies animais ameaçadas e de espécies e essências vegetais ameaçadas; n) Auxílio à entrada e à permanência irregulares; o) Homicídio voluntário e ofensas corporais graves; p) Tráfico ilícito de órgãos e de tecidos humanos; q) Rapto, sequestro e tomada de reféns; r) Racismo e xenofobia; s) Roubo organizado ou à mão armada; t) Tráfico de bens culturais, incluindo antiguidades e obras de arte; u) Burla; v) Extorsão de protecção e extorsão; x) Contrafacção e piratagem de produtos; z) Falsificação de documentos administrativos e respectivo tráfico; aa) Falsificação de meios de pagamento; bb) Tráfico ilícito de substâncias hormonais e outros factores de crescimento; cc) Tráfico ilícito de materiais nucleares e radioactivos; dd) Tráfico de veículos roubados; ee) Violação; ff) Fogo posto; gg) Crimes abrangidos pela jurisdição do Tribunal Penal Internacional; hh) Desvio de avião ou navio; ii) Sabotagem. 3 - No que respeita às infracções não previstas no número anterior só é admissível a entrega da pessoa reclamada se os factos que justificam a emissão do mandado de detenção europeu constituírem infracção punível pela lei portuguesa, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação». Ou seja, será concedida a extradição com origem num mandado de detenção europeu, sem controlo da dupla incriminação do facto, sempre que os factos, de acordo com a legislação do Estado membro de emissão, constituam as infracções, puníveis no Estado membro de emissão com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 3 anos, constantes do elenco previsto no artº 2º da dita Lei. Ou seja: Neste processo de execução de MDE, o grau de intervenção do tribunal do Estado de execução é exíguo, sendo muito limitada a actividade judicial a exercer, restrita à verificação da regularidade do mandado, dos requisitos formais do mandado (artigo 3.º da Lei nº 65/2003) e à ocorrência de eventual situação de recusa da sua execução (artigos 11º e 12º), bem como ao controle do respeito pelos direitos fundamentais, não tendo de se pronunciar sobre a bondade, utilidade, adequação ou oportunidade da emissão do MDE. E assim é, porque, como refere o acórdão do STJ de 9/5/2012, proferido no processo n.º 27/12.0YRCBR.S1 - 3.ª Secção, «a decisão do Estado emitente do MDE, desde que seja tomada por autoridade judiciária competente à luz do direito interno daquele Estado e em conformidade com aquele direito, tem um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União, produzindo a decisão judiciária do Estado emitente efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada pela autoridade judiciária nacional». 3. No caso, o crime em causa consta do elenco de catálogo do nº 2 do artigo 2º - cfr. alíneas d) e ee). Se assim é, NÃO há necessidade da verificação da dupla incriminação do artigo 2º, nº 3 da Lei nº 65/2003 (ou seja, de este comportamento imputado ao requerido teria também de constituir infracção punível em Portugal). Em ambos os casos, a pena cominada é sempre superior aos 12 meses referidos no artigo 2º, nº 1 da Lei nº 65/2003. Não obstante, o MDE está sujeito a uma reserva de soberania que, nalguns casos, impõe à autoridade judiciária portuguesa a recusa de execução do mandado (artigo 11º), noutros permite-lhe a recusa do mandado (artigo 12º) e noutros ainda impõe a prestação de garantias especiais por parte do Estado membro de emissão para que o mandado possa ser executado (artigo 13º). Nos termos do artigo 21º da Lei nº 65/2003, a pessoa procurada pode opor-se e não consentir na sua entrega ao Estado membro de emissão mas essa oposição só pode fundar-se no erro na identidade do detido ou na existência de causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu (nº 2). 4. Não se suscitam dúvidas sobre a autenticidade do MDE em causa, que observa o disposto no artigo 3º, da citada Lei, foi recepcionado em boa e devida forma e está devidamente traduzido para português (artigos 39º e 3º, nº 2, da mencionada Lei). Já o vimos - nos termos do artigo 21º, nº 2, da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, a oposição pode ter por fundamento o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa do MDE. No caso em apreço, não há dúvidas quanto à identidade do oponente. São causas de recusa obrigatória as seguintes: «a) A infracção que motiva a emissão do mandado de detenção europeu tiver sido amnistiada em Portugal, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento da infracção; b) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei do Estado membro onde foi proferida a decisão; c) A pessoa procurada for inimputável em razão da idade, nos termos da lei portuguesa, em relação aos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu». Note-se que as alíneas d) e e) estão hoje revogadas por força da aplicação directa do artigo 5º da Lei nº 35/2015, de 4 de Maio, estando a alínea f) revogada pela Lei nº 52/2023, de 28 de Agosto. Por sua vez, constituem causas de recusa facultativa[3] (artigo 12º, da mencionada Lei): b) Estiver pendente em Portugal procedimento penal contra a pessoa procurada pelo facto que motiva a emissão do mandado de detenção europeu; c) Sendo os factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu do conhecimento do Ministério Público, não tiver sido instaurado ou tiver sido arquivado o respectivo processo; d) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado membro em condições que obstem ao ulterior exercício da acção penal, fora dos casos previstos na alínea b) do artigo 11º; e) Tiverem decorrido os prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, de acordo com a lei portuguesa, desde que os tribunais portugueses sejam competentes para o conhecimento dos factos que motivam a emissão do mandado de detenção europeu; f) A pessoa procurada tiver sido definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro desde que, em caso de condenação, a pena tenha sido integralmente cumprida, esteja a ser executada ou já não possa ser cumprida segundo a lei portuguesa; g) A pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa; h) O mandado de detenção europeu tiver por objecto infracção que: i) Segundo a lei portuguesa tenha sido cometida, em todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses; ou ii) Tenha sido praticada fora do território do Estado membro de emissão desde que a lei penal portuguesa não seja aplicável aos mesmos factos quando praticados fora do território nacional. As causas de recusa facultativa de execução constantes do artigo 12°, nº 1, da Lei nº 65/2003, têm, quase todas, um fundamento ainda ligado, mais ou menos intensamente, à soberania penal: não incriminação fora do catálogo, competência material do Estado Português para procedimento pelos factos que estejam em causa, ou nacionalidade portuguesa ou residência em Portugal da pessoa procurada. Importa ainda reter, a propósito das causas de recusa facultativa de execução do MDE, que as causas previstas no artigo 12º não funcionam imperativamente, uma vez verificadas, como se alcança, aliás, pela própria natureza que lhes foi atribuída, causas facultativas, e pelo teor literal do proémio do n.º 1, na parte em que menciona que “a execução do mandado europeu pode ser recusada...”. 5. Com este pano de fundo legal, antes de mais, haverá que constatar algum equívoco no que tange ao real âmbito e objecto desta decisão. O MP nesta Relação intenta o actual procedimento para efeitos de «cumprimento de pena». Contudo, cedo nos apercebemos que o requerido, em França, afinal, foi julgado à revelia, nunca lhe tendo sido notificado a sentença de ... que o condenou a seis anos de prisão. Isso mesmo resulta inequivocamente da leitura atenta de todo o processado, constando expressamente de fls 196 que «o nosso julgamento não é final e deve ser notificado à parte interessada antes da execução». Mesmo pressupondo que esta Relação poderia fazer uma leitura ampla do pedido formulado (convolando o pedido para MDE para procedimento criminal contra o requerido), nunca o tribunal do EM de emissão nos remeteu todos os elementos necessários até a essa possível convolação, a começar pela sua expressa tomada de posição nesse sentido, parecendo-nos que a cooperação judiciária internacional não pode ir tão longe, ao ponto de prescindir de um pedido concreto e inequívoco do que realmente se pretende fazer com um homem que até chegou a estar privado da liberdade nestes autos. Portugal é EM de execução, respondendo a uma concreta e definida solicitação feita por um EM de emissão, o qual deve ser claro relativamente ao que pretende de nós. Encarar um MDE sem objecto específico – e com a possibilidade de oficiosamente poder esta Relação efectuar uma convolação nunca pedida - viola o princípio da legalidade e a segurança jurídica que devemos a todos cidadãos do mundo. Nunca até ao término da audiência de julgamento o Tribunal ... respondeu às nossas solicitações – cfr. fls 213 - (apesar da sempre oportuna e eficaz intermediação da Exmª Directora do Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da PGR). E, assim, convém dizer que mesmo que fosse junta alguma documentação posterior à fase ao término do julgamento dos autos, tal seria irrelevante para a nossa decisão, sendo inviável para os tempos processuais deste MDE a realização do necessário contraditório à defesa relativamente à nova fisionomia dos autos. Não podemos olvidar o preceituado no artigo 165º/1 do CPP, que versa sobre quando podem juntar-se documentos, dispondo que o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência. Do inciso normativo citado decorre que a regra geral é que os documentos sejam juntos durante o inquérito ou a instrução, consoante a fase processual em que o processo se encontre. De forma excepcional, os documentos poderão ser juntos aos autos até ao encerramento da audiência, ocorrendo tal encerramento nos termos do nº 2 do artigo 361º do CPP. Nunca o foram até ao dia do término da fase de produção de prova dos autos e até à leitura deste acórdão. Como tal, temos de conhecer este MDE nos termos em que o foi – ou seja, para cumprimento de uma pena. 6. Vejamos então como decidir quanto ao pedido feito. Antes de mais, não estando transitada a sentença de ..., não poderá nunca esta Relação, voz do EM de execução – deferir à execução do MDE para cumprimento de uma pena. Como é óbvio. Para além disso, notemos o seguinte: De forma algo imprópria, na sua oposição, o requerido invoca motivos para se opor a este processo, alicerçados numa forma processual que não é a dos autos. Não estamos perante nenhuma Extradição mas perante a execução de um MDE, aplicando-se, pois, a Lei nº 65/2003, de 23/8, e não a Lei nº 144/99, de 31/8 (é imprópria a alusão aos artigos 18º, nº 2 e 32º dessa Lei de 1999). Contudo, retira-se do sentido da oposição que o requerido, no fundo, faz uso da causa de recusa facultativa mencionada na alínea g) do artigo 12º da lei aplicável, uma das que teria potencialidade para ser aqui usada como causa de recusa deste MDE. Alega o requerido (baseando-se este tribunal tanto no teor das suas declarações em audiência como o expresso teor da sua oposição) que reside em Portugal, está a trabalhar e tem boa integração social e familiar no nosso país, não manifestando intenção de abandonar Portugal. No seu entender, estas circunstâncias constituem motivo para a não execução facultativa do MDE (aqui a defesa foi mais clara em sede de alegações no julgamento do que na sua escrita oposição). Vejamos se lhe assiste razão. Já sabemos que, para além das causas de recusa obrigatória de execução do mandado de detenção europeu, previstas no artigo 11º da Lei nº 65/2003, de 23.8, existem também as de recusa facultativa previstas no artigo 12º do mesmo diploma legal. É o corolário de que o MDE está sujeito a uma reserva de soberania, que em alguns casos impõe ao Estado Português a recusa da execução do mandado (artigo 11º) e noutros lhe permite que o faça (artigo 12º). Aos Estados é deixada a possibilidade de salvaguarda de alguns interesses ligados à soberania penal do Estado da execução, à efectividade da sua jurisdição, ao respeito por princípios relevantes da natureza do seu sistema penal e a um campo (ainda) de resguardo e protecção dos seus nacionais ou de pessoas que relevem da sua jurisdição. “A lei não define, no entanto, no que respeita a algumas das causas, os fundamentos e os critérios para o exercício da faculdade, que é faculdade do Estado português como Estado da execução, como resulta da expressão da lei – a execução «pode» ser recusada. Não são, porém, causas cuja aplicação releve da vontade ou do arbítrio. Poder recusar é, no contexto, faculdade vinculada se o tribunal considerar que se verificam as circunstâncias que fundamentam a recusa de execução; a faculdade não significa exercício discricionário, nem arbítrio, mas obrigação de decisão segundo critérios e vinculações normativos” – cfr. Ac. do STJ de 10.1.2013, in www.dgsi.pt. Estipula o artigo 12º (com a epígrafe Motivos de não execução facultativa do mandado de detenção europeu), nº 1, alínea g), da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, que “a execução do mandado de detenção europeu pode ser recusada quando a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa”. Como se afirma no aresto acabado de citar, “a disposição [da al. g) do nº 1 do art. 12º] tem de ser interpretada teleologicamente, e específica de um determinado modelo operativo de cooperação, deve ser sistematicamente compreendida nos limites do regime do mandado de detenção europeu. A reserva de soberania que está implícita na norma e na faculdade compromissória que prevê e que a justifica, apenas se compreende pela ligação subjectiva e relacional entre a pessoa procurada e o Estado da execução. … A decisão é, assim, deixada inteiramente ao critério do Estado da execução, que satisfará as suas vinculações europeias executando a pena aplicada a um seu nacional ou a pessoa que tenha residência nesse Estado, em lugar de dar execução ao mandado entregando a pessoa procurada ao Estado da emissão para execução da pena nesse Estado”. Esclarecendo, a competência para decidir se está verificada uma causa de recusa de execução pertence ao tribunal, uma vez que o regime do mandado de detenção europeu está inteiramente jurisdicionalizado, não estando prevista qualquer intervenção ou competência prévia, condicionante ou acessória de qualquer outra entidade. Assim, o Tribunal da Relação deverá verificar se, perante a situação, as condições de vida da pessoa procurada e as finalidades da execução da pena, se justifica a recusa de execução do mandado, por haver vantagens no cumprimento das penas em Portugal segundo a legislação interna, na sequência do pedido formulado pela pessoa procurada. O que nos encaminha para os critérios que devem ser utilizados para, fundamentadamente, recusar ou não a execução do MDE com base na alínea g), do nº1, do artigo 12º da Lei nº 65/2003, de 23.8. “Não estando directamente fixados, tais critérios internos hão-de ser encontrados na unidade do sistema nacional, perante os princípios de política criminal que comandem a aplicação das penas, e sobretudo as finalidades da execução da pena. Uma primeira projecção sistemática poderá encontrar-se no artigo 40º, nº 1 do Código Penal e na afirmação da reintegração do agente na sociedade como uma das finalidades das penas. Nesta perspectiva, pode haver maior eficácia das finalidades das penas se forem executadas no país da nacionalidade ou da residência; a ligação do nacional ao seu país, a residência e as condições da sua vida inteiramente adstritas à sociedade nacional serão índices de que é esta a sociedade em que deve (e pode) ser reintegrado, aconselhando o cumprimento da pena em instituições nacionais” – cfr. Ac. do STJ de 10.1.2013, in www.dgsi.pt. Também no Ac. do STJ de 27.5.2010, in www.dgsi.pt, se afirma que “a reserva de soberania que está implícita na norma e na faculdade de compromisso que prevê e que a justifica, apenas se compreende pela ligação subjectiva e relacional entre a pessoa procurada e o Estado Português, encontrando-se o seu fundamento nos princípios de política criminal que comandam a aplicação das penas e, sobretudo, as finalidades da execução da pena. Fundamento que logo se poderá encontrar no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal e na afirmação da reintegração do agente na sociedade como uma das finalidades das penas. Nesta perspectiva, pode haver maior eficácia das finalidades das penas se forem executadas no país da nacionalidade ou da residência; a ligação do nacional ao seu país, a residência e as condições da sua vida inteiramente adstritas à sociedade nacional serão índices de que é esta a sociedade em que deve (e pode) ser reintegrado, aconselhando o cumprimento da pena em instituições nacionais.” No mesmo sentido encontra-se o Ac. da RL de 20.5.2010, in www.dgsi.pt, onde se afirma que “a autoridade judicial competente, in casu este Tribunal da Relação de Lisboa, deverá verificar se, perante a situação, as condições de vida da pessoa procurada e as finalidades da execução da pena, se justifica a recusa de execução do mandado, por haver vantagens no cumprimento da pena em Portugal segundo a legislação interna, na sequência do pedido formulado pela pessoa procurada”. Como resulta do artigo 40º, nº 1, do Código Penal, uma das finalidades das penas é a de reintegração do agente na sociedade. Olhando para os autos, O QUE TEMOS? Resultou provado que o arguido tem residência fixa entre nós há alguns anos, estando bem integrado social, laboral e familiarmente. Ora, perante tal factualidade, dúvidas inexistem de que é no nosso país que o requerido será mais facilmente reintegrado na sociedade e, por isso, onde a finalidade da pena atinge uma maior eficácia. O facto de não ter qualquer apoio em França, sem dúvida que irá dificultar a sua reintegração social nesse país. O cumprimento da pena de prisão próximo da esposa e da sogra permite a manutenção dos laços afectivos e familiares, com evidente vantagem para a reinserção na sociedade e para a atenuação dos riscos de reincidência. Assim, a ligação do requerido ao nosso país, apesar de não ter muitos anos, permite, desde já, concluir que é nesta sociedade que deve e pode ser reintegrado. Há, de facto, vantagens para o requerido que cumpra a pena em Portugal, justificando-se plenamente que o Estado Português se comprometa a executá-la. Acontece, porém, que tal alínea g) só interviria se estivéssemos perante uma execução de uma pena estrangeira aplicada por uma decisão transitada em julgado (cfr. Acórdão do STJ, datado de 9/1/2013, no Pº 211/12.6YRCBR.S1[4]). Não é o nosso caso, como se depreende entretanto do processado junto – esta decisão francesa não está ainda transitada em julgado pois o requerido foi julgado à revelia, não tendo ainda sido notificado formalmente do seu teor. Por aqui, portanto, não existe fundamento bastante para recusar o cumprimento do mandado de detenção europeu emitido pela Autoridade Judiciária francesa. Se assim é, dir-se-á ainda que cai por terra a possibilidade de enxertarmos aqui nesta decisão um segmento referente à revisão e reconhecimento da decisão condenatória, ao abrigo desse artigo 12º, nº 1, al g) da Lei nº 65/2003, de 23 de Agosto, que pressupõe a exigência dessa revisão e confirmação prévia da sentença penal estrangeira, face à redacção dos seus nºs 3 e 4. De facto, no nosso caso, a sentença estrangeira ainda não se encontra revista nem reconhecida por este Tribunal da Relação (ou seja, pelo tribunal da execução do mandado), havendo que enxertar essa decisão de revisão e reconhecimento da sentença estrangeira na decisão que eventualmente iria recusar a execução do mandado pelo fundamento supra aludido, e só assim se poderia vir a determinar o cumprimento dessa pena em Portugal. Contudo, como se viu, esta decisão francesa nunca transitou em julgado, não sendo de aplicar aqui tal alínea g), não constando dos autos ainda a certidão a que se refere o Anexo I da Lei nº 158/2015, de 17/9. * E o requisito da alínea h)-i, da Lei? Tem este MDE por objecto infracção que, segundo a lei portuguesa, foi cometida, em todo ou em parte, em território português? Resulta da decisão que estes crimes também teriam sido cometidos em Portugal. Aqui chegados, recorramos ao decidido pelo STJ de 18/4/2018, no Pº 29/18.2YRPRT.S1, superiormente redigido pelo Juiz Conselheiro Raul Borges: “Aceitando-se que parte dos factos foram, estão/continuam a ser praticados em Portugal, na fase da compressão do bem jurídico afectado, na omissão de posição que faça cessar a situação lesiva, estando-se numa fase complementar, sempre teria de ser afastada a possibilidade de intervenção dos tribunais portugueses, pois os factos tiveram a sua génese em França e dentro de um quadro regulador cujos parâmetros foram traçados pelo tribunal francês. (…) Deste modo, considera-se que a situação dos autos pode enquadrar-se no circunstancialismo legal previsto no artigo 12.º, n.º 1, alínea h), ponto i), da Lei n.º 65/2003 de 23-08. No entanto, como tem sido o entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, o preenchimento de uma das situações descritas como causas de recusa facultativa não autoriza ou determina a imediata recusa de execução do MDE, mas antes exige a ponderação, face às circunstâncias concretas do caso, dos interesses de ordem pública na prossecução da justiça do Estado-membro de emissão e os correspondentes interesses do ordenamento jurídico do Estado-membro de execução. Assim, a recusa facultativa de execução do MDE tem de «assentar em argumentos e elementos de facto adicionais aportados ao processo susceptíveis de adequada ponderação, nomeadamente invocados pelo interessado, que, devidamente equacionados, levem o tribunal a dar justificada prevalência ao processo nacional sobre o do Estado requerente». A propósito da específica causa de recusa facultativa em análise, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se no sentido de que «a recusa terá que ser justificada nas concretas vantagens que a prevalência da jurisdição nacional sobre a do estado emissor envolva para a investigação e conhecimento das infrações constantes do MDE»”. Ora, atenta a actual fisionomia dos autos, e não estando sequer transitada a sentença francesa (podendo o requerido recorrer dela ou ser ela anulada), diremos que poderão existir no processo elementos relevantes que possam fundar a decisão de recusa de cumprimento do mandado, por virtude de, em parte, a infracção ter tido lugar em território nacional. Fica, assim, por demonstrar que no caso não se verificam concretas vantagens na prossecução do procedimento criminal por parte do Estado Português, ou seja, não se mostra suficientemente arredada a possível prevalência da jurisdição nacional sobre a do estado emissor na investigação e conhecimento da infracção constante do MDE. Nestes termos, conclui-se que, também por aqui, pode ser recusada a execução do MDE. Nestes termos, conclui-se que também deve ser recusada a execução do MDE, com base nessa causa facultativa. 7. Como tal, só há que indeferir a execução deste MDE por todas estas razões. Diga-se ainda que, a ter-se entendido que haveria uma convolação deste MDE de uma execução para cumprimento de pena para uma execução por procedimento criminal, sempre teríamos de lançar mão da salvaguarda legal, prevista na aIínea b) do artigo 13° da Lei nº 65/2003, consubstanciada em que a entrega do requerido fique sujeita à condição resolutiva ali prevista. Estatui tal normativo que: «1 - A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado-Membro de emissão prestar uma das seguintes garantias: (…) b) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado-Membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado-Membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado-Membro de emissão. 2 - À situação prevista na alínea b) do número anterior é correspondentemente aplicável o disposto na parte final do n.º 4 do artigo 12.º». O requerido é de nacionalidade portuguesa e reside com carácter de estabilidade no nosso país. Daí que a execução deste MDE deveria ficar sujeita à condição prevista no normativo acima citado, garantia[5] nunca até agora dada pelo EM de emissão. 8. Só assim que concluir que a Justiça da França deverá perfectibilizar a instância no procedimento criminal que moveu contra o requerido antes de emitir qualquer MDE, nomeadamente para efeitos de cumprimento de pena (o que pressupõe o prévio trânsito em julgado da decisão francesa que aplicou tal pena). III. DECISÃO 1. Pelo exposto, acordam os Juízes da 5ª secção - criminal - deste Tribunal da Relação em indeferir ao requerido, NÃO determinando a execução definitiva do MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU, emitido pela Autoridade Judiciária competente de França (Cour d’Appel de ...), contra AA, NÃO SE ordenando a entrega do mesmo, de nacionalidade portuguesa, às autoridades de FRANÇA para os efeitos nele previstos. 2. Sem tributação. 3. Notifique o requerido e seu ilustre mandatário e comunique à DGRSP, ao Gabinete Nacional do SIRENE, à AIMA, ao Gabinete Nacional da INTERPOL, à PGR e à entidade emissora do MDE. 4. Declaro cessada a medida coactiva aplicada nos autos, devendo tal comunicar-se de imediato ao OPC em causa. 5. Na comunicação à entidade emissora do MDE, informe que o requerido cumpriu à ordem destes autos um período de detenção entre 5 de Março de 2024 e 24 de Abril de 2024 (cfr. artigo 10º da Lei nº 65/2003, de 23/8). Coimbra, 22 de Maio de 2024 (Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artº 19º da Portaria nº 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20/09) Relator: Paulo Guerra 1º Adjunto: Ana Carolina Cardoso 2º Adjunto: João Bernardo Peral Novais [1] O princípio da especialidade – inato ao instituto tradicional da extradição, que traduz a limitação do âmbito penal substantivo do pedido, cuja abrangência se encontrava vedada e circunscrita aos factos motivadores do pedido de extradição – surge como uma garantia da pessoa procurada e como limite da acção penal ou da execução da pena ou da medida de segurança e representa uma segurança jurídica de que não será julgada por crime diverso do que fundamenta o Mandado de Detenção Europeu (MDE), ou que não cumprirá sanção diversa da que consta do MDE. [2] O teor desse despacho foi: «O requerido na diligência de audição de 6/3/2024 declarou renunciar ao princípio da especialidade. Veio agora reiterar que foi induzido em erro e a sua real vontade é a tal princípio não renunciar. Ninguém duvida que o tribunal – na pessoa da minha Exmª Colega que a esse acto presidiu - esclareceu devidamente o requerido e a sua defesa sobre o alcance dessa renúncia na diligência de 6/3/2024, como aliás consta expressamente da acta respectiva. O requerido não vem impugnar a acta, deduzindo qualquer incidente de falsidade da acta, apenas vindo agora dizer que não compreendeu devidamente o alcance desta renúncia, o que podemos admitir sem grande dificuldade. Pergunta-se: é possível revogar essa 1ª declaração de renúncia ou a mesma se torna irrevogável, como o é a declaração de consentimento para a execução de um MDE (artigo 20º, nº 1 da Lei nº 65/2003, de 23/8)? A legislação não é clara. O artigo 13º, nº 4 da Decisão-Quadro 2002/584 JAI, do Conselho de 13/6/2002, dirigido aos Estados-Membros, estipula que: «O consentimento é em princípio irrevogável. Cada Estado-Membro pode prever que o consentimento e, eventualmente, a renúncia[2] podem ser revogados, de acordo com as regras aplicáveis em direito nacional. Neste caso, o período compreendido entre a data do consentimento e a da sua revogação não é tido em conta para a determinação dos prazos previstos no artigo 17.o Os Estados-Membros que desejarem recorrer a esta possibilidade devem informar do facto o Secretariado-Geral do Conselho aquando da aprovação da presente decisão-quadro e indicar as modalidades que permitem a revogação do consentimento, bem como qualquer alteração das mesmas». Contudo, o já aqui citado artigo 20º do diploma que em Portugal transpôs para a nossa ordem jurídica tal Decisão-Quadro deixa exarado que: «1 - O consentimento na entrega à autoridade judiciária de emissão prestado pelo detido é irrevogável e tem como consequência a renúncia ao processo de execução do mandado de detenção europeu. 2 - O juiz deve certificar-se de que o consentimento a que se refere o número anterior foi prestado voluntariamente e com plena consciência das suas consequências. 3 - A decisão judicial de homologação do consentimento equivale, para todos os efeitos, à decisão final do processo de execução do mandado de detenção europeu». Ou seja, este normativo português apenas se refere ao consentimento prestado pelo requerido na entrega à autoridade judiciária de emissão (esse, inequivocamente irrevogável) e já não à estrita renúncia ao princípio da especialidade. Portanto, a lei portuguesa deveria ter dito algo relativamente a essa irrevogabilidade e não o disse. Note-se que o próprio diploma da extradição (Lei nº 144/99 de 31/8) estipula no nº 3 do artigo 54º que: «Existindo no caso a faculdade de renúncia ao benefício da regra da especialidade referida no n.º 1, é exarado em auto o teor da informação prestada sobre aquela regra da especialidade, bem como a declaração do extraditando, sendo correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2 a 5 do artigo 40.º». Lendo depois tal artigo 40º (referente à extradição com consentimento do extraditando), ele vem dizer que: «2 - A declaração é assinada pelo extraditando e pelo seu defensor ou advogado constituído. 3 - O juiz verifica se estão preenchidas as condições para que a extradição possa ser concedida, ouve o declarante para se certificar se a declaração resulta da sua livre determinação e, em caso afirmativo, homologa-a, ordenando a sua entrega ao Estado requerente, de tudo se lavrando auto. 4 - A declaração, homologada nos termos do número anterior, é irrevogável. 5 - O acto judicial de homologação equivale, para todos os efeitos, à decisão final do processo de extradição». Ou seja, daqui resulta que a declaração de renúncia ao princípio da especialidade no processo de extradição é irrevogável por expressa remissão do artigo 54º/3 para o artigo 40º/4. Se assim é, porque é que o diploma referente ao MDE é omisso relativamente a esta parte? Perante tudo isto, e até face à oposição que o requerido faz à execução deste MDE, é viável interpretar a sua real vontade – hoje novamente expressa perante o Colectivo julgador -, pressupondo-se até a existência de um possível vício na formação da sua vontade, nos termos do artigo 247º do CC, como sendo a da não renúncia ao princípio da especialidade, tal como é definido no artigo 7º/1 da Lei aplicável (Lei nº 65/2003, de 23/8). Face ao exposto, determinamos que a declaração definitiva do requerido é a de não renúncia ao princípio da especialidade, dando-se nulo efeito jurídico à sua declaração em sentido contrário aposto na diligência de 6/3/2024. Notifique». [3] As causas de recusa a que alude o invocado artigo 12º da Lei nº 65/2003 são motivos que não desencadeiam obrigatoriamente a recusa, mas sim que podem facultativamente implicá-la. Dependem como tal de uma apreciação do Estado de execução, “in casu” do Tribunal da Relação competente – v.art.15º da Lei nº 65/2003 -, de modo a perpetrar um juízo de hermenêutica e de ponderação da tutela de interesses juridicamente protegidos em conflito. [4] «VIII - Outra questão seria a de saber se houve ou não averiguação da existência da causa de recusa facultativa de execução perante os pressupostos da al. g) do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/2003, de 23-08, ou seja, se perante a situação e as condições de vida da recorrente e as finalidades da execução da pena, se justificaria a recusa de execução do mandado, por haver vantagens no cumprimento da pena em Portugal segundo a legislação interna. Mas o que está em causa é a execução do mandado para efeitos de procedimento penal e não para cumprimento de pena». [5] Sobre esta condição disserta o Juiz Conselheiro Pires da Graça, no seu artigo «A jurisprudência do STJ na execução do regime relativo ao Mandado de Detenção Europeu», lembrando nós que a referência no texto à alínea c) se deve reportar à actual alínea b), a que vai ser por nós aplicada, assente a alteração do normativo pela Lei nº 35/2015, de 4 de Maio: «O art. 13.º da Lei 65/2003 trata das garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em determinados casos especiais e esclarece no seu corpo que a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias a que se referem as suas alíneas, que retratam procedimentos comuns para as duas primeiras e diverso para a última. No que se refere às als. a) e b) não só a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias (corpo do artigo) a que se referem as suas alíneas, como a própria decisão de entrega só poderá ser proferida depois de prestada tal garantia [als. a) e b)], sendo essas alíneas explícitas quanto à prestação de tais garantias, de natureza e proveniência diferentes. Mas o regime aplicável ao caso da al. c)[5] é diverso: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução (para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão), se for nacional ou residente no Estado membro de execução. Ou seja, não só não é interditada a prolação da decisão de entrega, por falta da respectiva garantia, como é mesmo admitida a sua prolação, sob condição de devolução da pessoa requerida. E não é imposta tal condição como obrigatória, mas como eventual: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição. Só é aplicável a limitação do corpo do artigo: a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar a garantia devida. Uma vez que a al. c) não explicita qual é essa garantia, terá a mesma de ser deduzida de tal alínea e estar em consonância com a condição, se ela vier a ser determinada: a garantia de que o Estado membro de emissão aceitará devolver a pessoa requerida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada naquele Estado membro, se essa for também a vontade da pessoa requerida. Interpretação que se ajusta ao pensamento do STJ sobre o MDE e se revê na Decisão- Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06-2002, em cujo cumprimento foi aprovado o regime jurídico do MDE e que permite no seu art. 5.º que cada Estado membro de execução possa sujeitar a execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária a condições previstas nos seus números, como a do n.º 3, que se refere à sujeição da entrega para efeitos de procedimento penal de nacional ou residente do Estado membro de execução, à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado membro de emissão. Nos casos em que o pedido de cooperação seja limitado pela sua própria incidência, restrita à fase primeira do processo penal ("para efeitos de procedimento criminal"), cabe à autoridade judiciária de execução, desde logo, a potestas decidendi da manutenção ou não da detenção, definindo-lhe, o seu alcance, porventura condicionado, e firmando-se esse veredicto, como decorre do n.º 6 do art. 16.° da citada Lei, "nos requisitos estabelecidos no Código de Processo Penal para a detenção de suspeitos". No caso presente, em que se justifica se cumpra o mandado, decidindo-se pela entrega de "pessoa procurada", no que concerne, todavia, à sua específica execução, deverá a entrega ficar subordinada, consoante vem explicitamente requerido, à prestação de garantia de devolução do cidadão nacional, findas as diligências de audição e eventual julgamento. Ou seja, importará que se assegure, antes da entrega propriamente dita, que o Estado francês aceitará devolver a pessoa em causa ao Estado membro da execução, a fim de nele vir a cumprir a pena ou a medida de segurança privativa da liberdade em que venha a ser condenado, no curso adjectivo referido, tal como parece ser, no caso, cautelarmente, o manifestado propósito do recorrente. Trata-se de entendimento que se adopta em conformidade com o condicionamento estabelecido na al. c) do art. 13.º da dita Lei, pois se afigura óbvio, não carecendo de qualquer demonstração, que a pretensão do recorrente, neste particular aspecto, encontra fundamento bastante, imediato, na circunstância de não poder deixar de se representar, considerados todos os elementos disponíveis, que uma tal subordinação facilitará, desde logo pela proximidade física propiciada atinente ao contacto familiar, suposto aqui, então, aquele cumprimento em Portugal (já não em França), a reinserção social do peticionante, se e quando efectivamente privado de liberdade».